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EQUILÍBRIO ÁCIDO-BASE

Isabela Penido Matozinhos

O pH tem um papel essencial nos sistemas fisiológicos e, por isso, deve ser mantido constante no
organismo. O exame laboratorial mais utilizado para se avaliar o equilíbrio ácido-base do organismo e
interpretar seus distúrbios é a gasometria arterial. A partir desse exame, pode-se inferir o equilíbrio entre
ácidos e bases presentes no organismo, que depende das reações que ocorrem para a correção dos
desvios da homeostase (a todo tempo temos a implementação de ácido no nosso organismo e não ocorre
alteração do valor de pH da corrente sanguínea). No metabolismo normal do organismo, tem-se grande
produção de H+ (ele é importante, por exemplo, para a formação de ATP, na fosforilação oxidativa) ->
mesmo assim, normalmente, não ocorre acidose -> existem sistemas funcionais no organismo que
equilibram o pH.

Para neutralizar as cargas ácidas que são formadas no nosso organismo durante as reações metabólicas
temos: a ação dos tampões, a regulação respiratória e a regulação renal. Esses três fatores atuam em
conjunto para manter constante o pH do organismo.

O pH corresponde à concentração hidrogeniônica de uma solução ou um meio. Ele é medido a partir da


concentração de íons H+, sendo esse íon o mais importante nos sistemas biológicos. A concentração de
H+ nas células e nos líquidos biológicos influencia na velocidade das reações químicas; na forma e na
função das enzimas, de outras proteínas plasmáticas e celulares e de proteínas que mantêm a integridade
das células. A oscilação de pH no organismo é extremamente grave, uma vez que as enzimas irão parar
de funcionar, proteínas estruturais podem perder sua função -> vários sistemas dependem da manutenção
do pH. O íon H+ se encontra numa concentração de cerca de 0,4 nM nas células e líquidos biológicos.

Com as reações metabólicas que ocorrem no organismo, tem-se a liberação de H+ -> ele pode vir de
várias fontes -> o metabolismo aeróbico da glicose libera CO2, que se associa com a água e forma o ácido
carbônico; o metabolismo anaeróbico da glicose libera ácido lático; a oxidação de aminoácidos sulfurados
libera ácido sulfúrico; a oxidação incompleta de ácidos graxos libera corpos cetônicos; a hidrólise das
fosfoproteínas e das nucleoproteínas libera ácido fosfórico. Durante o dia, 80 mM de íons H+ são ingeridos
ou produzidos pelo metabolismo -> quantidade muito maior do que os 0,4 nM que devem ser mantidos no
organismo.

Um dos mecanismos utilizados pelo organismo para que não haja uma oscilação do pH sanguíneo são os
sistemas tampões. Esses sistemas tendem a se opor a uma mudança de pH -> eles não impedem a
mudança de pH -> se opõem a ela! Com isso, consegue-se manter a homeostase no organismo, sem que
haja mudanças abruptas de pH na corrente sanguínea que seriam prejudiciais ao funcionamento correto
dos sistemas -> o equilíbrio ácido-base é mantido. A homeostasia corresponde à constância do meio
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interno -> equilíbrio entre a entrada ou produção dos íons H+ (inevitável) e a remoção desses íons do
organismo. O organismo dispõe de mecanismos para manter constante essa concentração de H+. Com
isso, o pH sanguíneo é mantido dentro da normalidade e a homeostasia é mantida. Na escala de pH, o
valor considerado neutro é 7, porém o valor do pH do sangue arterial é entre 7,35 e 7,45. Se esse valor
cair, tem-se uma condição de acidose e, se esse valor aumentar, tem-se uma condição de alcalose.

O pH é o símbolo da grandeza do potencial hidrogeniônico, sendo um índice que indica o grau de acidez,
neutralidade ou alcalinidade de um meio qualquer. pH = - log10 [H+].

As soluções tampão são soluções que atenuam a variação de pH dos meios biológicos quando eles são
expostos a um desequilíbrio em sua concentração de H+. Elas são formadas a partir de um ácido fraco ou
base fraca e sais de suas bases ou ácidos conjugados correspondentes. Reação de tamponamento:

AH + Na+HCO3- -> Na+A- + H2CO3; o ácido carbônico – ácido fraco – forma água e gás carbônico
(H2CO3 -> H2O + CO2). O tampão bicarbonato é representado da seguinte maneira: H+ + HCO3- ↔
H2CO3 ↔ CO2 + H2O. Essas reações são reversíveis e essenciais para a manutenção da homeostase ->
é o primeiro tampão que atua na nossa circulação, sendo sua atuação muito eficiente na correção de
pequenas alterações de pH.

Existem três tipos de sistemas atenuantes que evitam alterações bruscas de pH na circulação:

• Tampões plasmáticos: diminuem o efeito de ácidos ou bases adicionados nos líquidos corporais,
apresentando ação imediata (os mais rápidos -> já estão na circulação);

• Sistema pulmonar: regula o pH sanguíneo por meio da eliminação ou retenção do CO2 (que forma
o H2CO3), atuando em questão de minutos ou horas;

• Sistema renal: atua alterando o pH da urina que é eliminada do organismo (elimina-se urina mais
ácida ou mais básica dependendo do distúrbio que se quer compensar). Esse sistema atua em questão de
horas ou dias.

Todos esses sistemas atuam fisiologicamente no sentido de eliminar o H+ do organismo ou atenuar seus
efeitos quando esse íon se encontra em excesso na circulação, uma vez que o H+ é produzido
constantemente nas reações metabólicas. Podem existir situações patológicas em que seja necessário
reter o H+ no organismo (quando, por exemplo, o indivíduo apresenta uma alcalose metabólica).

Pacientes com disfunções em órgãos frequentemente apresentam alterações no equilíbrio ácido-base


(exemplos -> pacientes internados em UTI -> o controle de seu equilíbrio ácido-base deve ser rigoroso;
pacientes com parada respiratória deixam de eliminar CO2 e, com isso, há o desenvolvimento de uma
acidose). Nos pacientes mais graves, as alterações do equilíbrio ácido-base são mais manifestas e, muitas
vezes, podem assumir a primazia do quadro clínico -> determinada situação pode levar a um quadro de

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acidose ou alcalose e esse desequilíbrio de pH pode ser responsável por complicações apresentadas
posteriormente pelo paciente. Exemplo: insuficiência respiratória -> leva à acidose -> as complicações
geradas pela acidose metabólica decorrente da insuficiência são mais importantes do que a insuficiência
em si. O diagnóstico e o tratamento dos desvios do equilíbrio ácido-base, geralmente, resultam em
reversão do quadro geral do paciente e garantem sua sobrevida.

 pH, ionização da água e equação de Henderson Hasselbalch:

O pH expressa a concentração de H+ de um meio. A água pura se dissocia, embora em pequena


extensão, em H+ e OH-. Em condições ideais, a quantidade desses íons é igual e muito baixa (1x10-7
mol/L) e a água tem pH neutro. De acordo com a fórmula utilizada para o cálculo do pH, o valor para a
água pura seria, então, 7. O pH sanguíneo, no entanto, é um pouco maior (entre 7,35 e 7,45). Essa
diferença ocorre, uma vez que o pH sanguíneo é proporcional à concentração de ácido e base presente na
circulação, sendo esse valor calculado a partir das concentrações dos componentes do tampão
bicarbonato/ácido carbônico pela equação de Henderson-Hasselbalch (pH = pKa + log [HCO3-]/[CO2]).
pKa do ácido carbônico -> 6,1; log [HCO3-]/[CO2] = 1,3 ; logo, o pH sanguíneo resulta em
aproximadamente 7,4. O pH do organismo é alterado se houver mudança na concentração de íons
bicarbonato e/ou de gás carbônico (se a proporção de 20:1 for alterada, o valor do log na equação se
altera e temos uma alteração do pH sanguíneo). Valores abaixo de 7,4 geram um quadro de acidose
(tolera-se até pH = 6,8) e valores acima de 7,4 geram quadro de alcalose (tolera-se até pH = 8,0).

 Sangue como uma solução tampão:

O sistema ácido carbônico/bicarbonato é muito importante na circulação sanguínea, pois é o principal


tampão que regula o pH.

H+ + HCO3- ↔ H2CO3 ↔ CO2 + H2O

O gás carbônico é um composto que fornece um mecanismo para o organismo se ajustar aos equilíbrios
apresentados acima -> a retenção ou eliminação do gás carbônico faz com que os equilíbrios sejam
deslocados -> regulação do pH pelo sistema pulmonar. Na exalação, elimina-se CO2 e, com isso, há
deslocamento do equilíbrio no sentido de produção de mais gás, o que consome H+, fazendo com que o
pH sanguíneo aumente. Se, ao contrário, o indivíduo retém CO2 por algum motivo, há deslocamento do
equilíbrio para a esquerda (para consumir CO2) com formação de H+ e diminuição do pH sanguíneo.
Esses equilíbrios são extremamente eficazes na manutenção do pH do organismo, uma vez que ele
consegue realizar essa regulação por meio da respiração. Esse tampão, associado aos diferentes padrões
respiratórios de compensação, tem alta capacidade para neutralizar ácido adicional, mas baixa capacidade
para neutralizar base adicional -> esse mecanismo é mais efetivo para reverter uma acidose metabólica
(indivíduo apresenta padrão respiratório de Kussmaul) do que para reverter uma alcalose metabólica (o

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indivíduo teria que parar de respirar para aumentar a pressão parcial de gás carbônico e isso não é
tolerado pelo organismo por muito tempo).

 Acidose e alcalose:

Esses distúrbios podem ser metabólicos ou respiratórios (pode ocorrer acidose ou alcalose mista também
-> mistura dos dois mecanismos). Os distúrbios metabólicos são causados por um desequilíbrio na
produção e na excreção de ácidos ou bases pelos rins. Os respiratórios, por sua vez, são causados
principalmente por distúrbios pulmonares ou respiratórios, que irão causar desequilíbrio na eliminação ou
na retenção de CO2, gerando alteração do pH.

Controle do pH por meio da respiração: com o aumento da frequência respiratória, diminui-se a


concentração sérica (pressão parcial) de CO2 e, consequentemente, há aumento do pH sanguíneo
(sangue se torna mais básico). O contrário também é verdadeiro: com a diminuição da frequência
respiratória, aumenta-se a concentração sérica (pressão parcial) de CO2 e, consequentemente, há
diminuição do pH sanguíneo (sangue se torna mais ácido). Com alterações na frequência respiratória,
consegue-se controlar o pH do organismo, uma vez que consegue-se alterar as características do meio
(torna-se mais ácido ou mais básico) -> ajustes na profundidade e na velocidade da respiração -> há
regulação do pH sanguíneo minuto a minuto.

Consequências da acidose severa e prolongada: coma, que geralmente evolui para óbito. Consequências
da alcalose severa e prolongada: convulsões ou lesões neurológicas irreversíveis, que geralmente
evoluem para óbito. Em um estado de acidose, por exemplo, os resíduos de aminoácidos das proteínas
plasmáticas são protonados em excesso, uma vez que há muito H+ na circulação. Isso pode levar a
alterações estruturais das proteínas e, consequentemente, prejuízos funcionais.

Toda vez que ocorrer acúmulo de ácidos ou perda de bases no organismo, aumenta-se a concentração de
H+, há uma queda do pH e, consequentemente, tem-se um quadro de acidose. Ao contrário, se ocorrer
acúmulo de bases ou perda de ácidos no organismo, diminui-se a concentração de H+, há um aumento do
pH e, consequentemente, tem-se um quadro de alcalose. A manutenção da concentração de ácidos e
bases no organismo é importante, pois é o que determina a manutenção do pH sanguíneo. Isso é feito
tanto pelos rins (responsáveis pela concentração do íon bicarbonato – HCO3-) quanto pelos pulmões
(responsáveis pela concentração do gás carbônico – CO2). Enquanto esses órgãos estiverem
funcionantes, o pH sanguíneo será mantido, uma vez que os rins irão manter a concentração de
bicarbonato e os pulmões irão manter a concentração de gás carbônico. No entanto, quando há patologias
nesses órgãos, essas condições são afetadas.

Mecanismo renal de controle da concentração de íons bicarbonato -> os rins não reabsorvem diretamente
o bicarbonato que foi filtrado nos glomérulos. Essa reabsorção é feita por meio de reações que ocorrem na

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luz dos túbulos renais, nas células dos túbulos e no interstício. Se essa reabsorção de bicarbonato não
ocorresse, teríamos sempre uma depleção de base muito grande -> levaria a casos frequentes de acidose
metabólica. A reabsorção do bicarbonato envolve o mecanismo da aldosterona -> a aldosterona estimula a
reabsorção de sódio mediante troca desse cátion com o H+ presente na célula do túbulo renal. O sódio é,
então, reabsorvido e o H+ é secretado para a luz do túbulo. O H+ secretado se combina com o
bicarbonato que iria ser eliminado -> forma-se ácido carbônico -> o ácido se dissocia em água e gás
carbônico. Como o CO2 é um gás, ele difunde pela membrana das células do túbulo renal, voltando para
seu interior. De lá, ele pode se difundir novamente e voltar para o interstício e para a corrente sanguínea,
ou se combinar com a água e formar ácido carbônico novamente, pela ação da enzima anidrase
carbônica. O ácido carbônico recém-formado se dissocia novamente, formando H+ e bicarbonato, que é
reabsorvido para a corrente sanguínea. O bicarbonato, então, é reabsorvido não em sua forma iônica, mas
na forma de CO2 que, pela ação da anidrase carbônica, forma o íon novamente. Dessa forma, evita-se
uma depleção de bases no organismo. Além disso, os rins conseguem realizar a eliminação de H+ que,
porventura, esteja em excesso no organismo. Ele se associa à amônia (produzida no metabolismo de
aminoácidos), formando o íon amônio (NH4+), que é eliminado na urina. Essa regulação feita pelos rins
acaba interferindo também no pH da urina. Em quadros de acidose, elimina-se urina ácida, na tentativa de
excretar o excesso de ácido do organismo (a excreção de bicarbonato diminui muito ou para e a excreção
de sais de amônio aumenta) -> o pH urinário pode chegar a 4,5. Em estados de alcalose, o contrário
ocorre. Há produção de uma urina com pH básico -> aumenta-se a excreção de íons bicarbonato e dos
cátions Na+ e K+ (que começam a ser trocados preferencialmente, na tentativa de reter o H+ no sangue).
O pH urinário pode chegar a 7,8.

Geralmente, para se avaliar quadros de acidose ou alcalose, mede-se a pressão parcial de gás carbônico
arterial. Esse exame mede a fração dissolvida e não combinada do CO2, para que o valor de pH seja
inferido. Esse parâmetro depende, basicamente, da ventilação pulmonar -> se a ventilação pulmonar
aumenta, mais CO2 é eliminado e o pH sanguíneo aumenta. Caso contrário, se a ventilação pulmonar
diminui, o CO2 é retido, levando a uma diminuição do pH. Os valores normais de pressão parcial de gás
carbônico variam de 35 a 45 mmHg (média de 40 mmHg).

Acidose -> aumento da concentração de H+ no sangue. Pode ser respiratória ou metabólica. A acidose
respiratória é caracterizada por um excesso de CO2 na corrente sanguínea, o que pode ser causado por
quadros de enfisema, pneumonia, entre outros -> geram falha na eliminação de CO2. A acidose
metabólica, por sua vez, é caracterizada por uma menor concentração de bicarbonato e por maiores
concentrações de ácidos no sangue, o que pode ser causado por diarreia (ocorre muita perda de
bicarbonato), pelo diabetes mellitus (há produção de corpos cetônicos), entre outras patologias.

Alcalose -> diminuição da concentração de H+ no sangue. Também pode ser respiratória ou metabólica. A
alcalose respiratória é gerada quando se tem um quadro de hiperventilação -> há aumento da eliminação
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do CO2. Esse quadro também pode ocorrer em altitudes elevadas, onde a concentração de oxigênio é
mais baixa (a frequência respiratória aumenta para captar mais O2). A alcalose metabólica, por sua vez, é
caracterizada pela maior concentração de bicarbonato no sangue e por uma perda excessiva de ácidos
orgânicos. Esse quadro pode ocorrer quando há um excesso de aldosterona (há muita reabsorção de
sódio e, consequentemente, muita perda de H+, que é trocado pelo sódio), quando há ingestão excessiva
de agentes alcalinos (exemplo: antiácidos em excesso) ou quando há vômitos profusos, por perda de
conteúdo gástrico.

 Análise dos distúrbios no equilíbrio ácido-base:

Deve-se ressaltar que, quando o paciente apresenta algum distúrbio no equilíbrio ácido-base, seus
sistemas atenuantes já não estão conseguindo atuar mais na tentativa de compensar a alteração do pH.
Deve ser feita, então, a análise do pH da amostra de sangue arterial. Classifica-se como acidose se o pH
do paciente estiver abaixo de 7,35 e como alcalose se o pH estiver acima de 7,45. Para se avaliar se
esses quadros são metabólicos ou respiratórios, deve-se verificar as concentrações de íon bicarbonato e
de gás carbônico. Acidose -> HCO3- < 22 mEq/L: metabólica; CO2 > 45 mmHg: respiratória. Alcalose ->
HCO3- > 26 mEq/L: metabólica; CO2 < 35 mmHg: respiratória, como observado no quadro abaixo:

TIPO Alteração primária Causas Resposta


secundária

Acidose metabólica
[HCO3] Diarreia, diabetes melito Hiperventilção

Alcalose metabólica Hiperaldosteronismo,


[HCO3] vômitos de conteúdo Hipoventilação
gástrico

Acidose respiratória
Maior reabsorção
pCO2 Enfisema, pneumonia, asma
de bicarbonato

Alcalose respiratória
Menor reabsorção
pCO2 Hiperventilação
de bicarbonato

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