Debate Direitos Subjetivos

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Debate

3 grandes teorias negacionistas da existência de direitos subjetivos:

 a ideia de que o particular tinha interesses fácticos perante a administração mas não
tinha interesses jurídicos, portanto o particular não tem um direito próprio a ir a
tribunal defender-se;
 - a teoria do reflexo do direito (corresponde à lógica do Otto Mayer e aos positivistas,
como Kelsen e Merkl): a lei está na base de toda a atuação administrativa e portanto
a administração ao seguir a lei está a proteger os indivíduos. Mas os indivíduos não
têm nenhum direito subjetivo a ser protegidos, são-no por reflexo do cumprimento por
parte da administração do direito objetivo. O particular corresponde a um objeto do
Direito Administrativo.
 a teoria subjetivista (defendida por Marcello Caetano, Bonnard e Barthelémy): diz que
os indivíduos têm direitos, mas não são direitos subjetivos que estão nas suas esferas
jurídicas, é apenas o direito a que a lei seja cumprida. Continua a negar a existência de
direitos individuais próprios.

Estas teorias são incompatíveis com um Estado de Direito como hoje o conhecemos. É
inadmissível que não se reconheçam aos indivíduos direitos próprios: A CRP confere aos
particulares Direitos Fundamentais, no seu Título II da Parte I, que vinculam tanto entidades
públicas e entidades privadas, sendo que estes devem ser respeitados e garantidos, Artigo 2.º,
e, no seu Artigo 1.º, vem dizer que a República soberana se baseia na dignidade da pessoa
humana, pelo que esta deve ser garantida pelos poderes públicos. Neste sentido, o Artigo 6.º
do CPA, diz que «nas suas relações com os particulares, a Administração Pública deve reger-se
pelo princípio da igualdade».

É desta forma que são atribuídos aos particulares direitos subjetivos e que lhes é atribuído
um estatuto jurídico que lhes permite deixar de ser objeto de Direito Administrativo,
passando a ser sujeito de Direito e a estabelecer relações jurídicas com a Administração Pública
numa posição de igualdade.

 a Administração Pública não pode tão somente intervir de modo a prosseguir aquele
que é o interesse público, mas também não pode somente proteger a esfera dos
particulares. É importante que o legislador, quando aprove normas de Direito
Administrativo, tanto confira competência à Administração Pública para prosseguir o
interesse público, realizando as necessidades coletivas, como o faça de modo a
restringir o menos possível os direitos dos particulares - Artigo 266.º nº1 CRP: «a
Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos
direitos e interesses legalmente protegidos pelos cidadãos» e também o Artigo 7.º nº2
CPA: «as decisões da Administração que colidam com direitos subjetivos ou interesses
legalmente protegidos dos particulares só podem afetar essas posições na medida do
necessário e em termos proporcionais aos objetivos a realizar».
 se assim não fosse, o interesse público prevaleceria sempre e os direitos dos
particulares acabariam por ser esvaziados. Por exemplo, a saúde, que é um interesse
coletivo. Se a AP atuasse de modo a garantir que todos os cidadãos são saudáveis e
passasse por cima dos direitos subjetivos de cada um, o direito ao livre
desenvolvimento da personalidade seria posto em causa e não se poderia fumar ou
beber, ou provavelmente comprar gomas e batatas fritas.

Teorias atuais dos direitos subjetivos:

 Conceção binária: direitos subjetivos vs interesses legítimos (Marcelo Rebelo de


Sousa): nos direitos subjetivos (direitos de primeira) o particular é sempre protegido
integralmente. Nos interesses legítimos (direitos de segunda) não há direitos
subjetivos mas o particular é reflexamente protegido através da legalidade da atuação
da administração. Os particulares têm duas posições subjetivas de vantagem face à
Administração Pública: Nuns casos, a lei protege diretamente a posição jurídica dos
particulares – está-se perante um direito subjetivo. Noutros casos, essa proteção é
meramente indireta porque o que o legislador está a fazer é regular o comportamento
da administração que protege os particulares de forma indireta – interesses legítimos
dos cidadãos. No fundo, tem a ver com a forma como a lei cria o direito – se a lei diz
que está a criar direitos subjetivos, são direitos subjetivos, se a lei cria deveres de
proteção para administração, aí o particular tem um mero interesse legítimo.
 Conceção trinitária (Diogo Freitas do Amaral, Sérgio Correia): além destes dois,
existem ainda os interesses difusos (direitos de terceira): o argumento em relação a
esta categoria de interesses difusos é que se diz que eles correspondem também a
bens de interesse público e a entidades que são protegidas coletivamente (a educação,
a saúde, são bens públicos e de todos que o Estado deve procurar realizar). Por serem
bens de interesse público, entende-se que não são apropriáveis e não podem dar
origem a um direito subjetivo. O bem tutelado é de todos e portanto não são
apropriáveis. Os particulares dispõem de três posições subjetivas de vantagem face à
Administração Pública.
 Teoria do direito reativo: só se reconhece a existência de direitos subjetivos, através da
fórmula do direito reativo – o particular quando vai a tribunal está a exercer um
direito que só se constitui a partir daquele momento; o direito subjetivo forma-se a
partir do momento em que o particular reage contra a administração. Em regra as
lesões dos particulares resultam de um ato administrativo e depois de haver esse ato o
particular tem o direito de ir a tribunal tutelar a sua lesão e é aí, quando reage, que
“nasce” o seu direito. É um direito de conteúdo negativo que permite o afastamento
das ilegalidades e se manifesta a partir do momento em que o particular vai a tribunal.
-> tem a grande vantagem de unificar todos os direitos no quadro de uma lógica
unitária, superando aquelas diferenciações que existiam no quadro trinitário/binário.
Teoria da norma de proteção

 Sempre que uma norma, seja ela qual for, proteja de forma direta com maior ou menor
conteúdo, com uma dimensão substantiva, procedimental ou processual, seja qual for o
conteúdo em causa, se há uma proteção por parte da norma jurídica, estamos perante
um direito subjetivo.

3 momentos desta teoria:

 1º séc. XIX, com Buhler - 3 condições para haver um direito subjetivo:


1. haver uma norma vinculada (considerava-se que apenas havia direito se houvesse
uma vinculação integral do comportamento da administração). A administração só
podia agir daquela maneira e se não agisse violava o direito - a vinculação era a
primeira exigência.
2. haver uma norma que protegesse a situação do particular, sendo daqui que surge o
nome da teoria da norma de proteção.
3. que houvesse o direito a reagir contenciosamente - a ideia do direito reativo.

Considerava-se que nem todas as normas protegiam o particular, como um estrangeiro não
teria direito à proteção noutro país, ou seja, não teria direitos subjetivos fora do país dele. Por
outro lado, dizia-se que o essencial é o poder de reagir.

Com o Estado Social esta doutrina foi reconstruída por Bachof, que a adequou à situação da
atualidade.

 2º séc. XX, por Bahof: Considerava que o Estado através da AP devia intervir na vida
económica, social e cultural e que os indivíduos têm direitos a prestações do Estado para
satisfazer os seus próprios interesses. Vem dizer que os direitos são de qualquer cidadão
que esteja num determinado Estado e não só dos cidadãos desse país.
 Desloca a condição de norma vinculativa para as vinculações legais, considerando que
existe um direito subjetivo na medida dessas vinculações jurídicas, ou seja, o conteúdo
do direito é igual ao conteúdo do dever a que a entidade pública está obrigada. Bachof
procede ao alargamento do direito subjetivo a todos os casos em que uma qualquer
vinculação jurídica proteja simultaneamente interesses públicos e privados. Bachof
entende que nos modernos Estados de Direito existe uma presunção a favor do direito
subjetivo, isto porque face à ordem constitucional todas as vinculações que resultam de
normas e conferem situações de vantagem objetiva e intencionalmente concedidas aos
particulares transformaram-se em direitos subjetivos.
 Chama também a atenção para as formas jurídicas dos direitos - os direitos subjetivos
não são todos iguais. Uns são absolutos, outros são relativos, outros têm conteúdo
amplo, outros têm conteúdo restrito. É preciso olhar para o poder atribuído à
administração para se perceber qual o direito que está em causa.
 Num Estado Democrático e de Direito se deve presumir que uma qualquer norma que
refira um particular direta ou indiretamente, que essa norma existe para o proteger e cria
um direito.
 Quanto à ideia da reação, Bachof diz que não é uma condição da existência de um direito
porque o direito a reagir é um direito de que gozam todos os direitos, logo é uma
consequência de haver um direito e não uma condição de existência de um direito – a
CRP no artigo 268º nº4 estabelece que qualquer pessoa que tem uma posição de
vantagem pode ir a tribunal defendê-la.

 3º momento com Schmidt Abmann, Bauer: reformulação concetual da doutrina dos


direitos fundamentais. Esta nova preocupação decorre da reafirmação dos direitos
fundamentais como direitos subjetivos e da adoção de conceções unitárias acerca de
todas as posições subjetivas públicas de vantagem.
 Esta preocupação surge num contexto especial, porque os direitos fundamentais são
utilizados como critério de interpretação e integração de lacunas de normas jurídicas
ordinárias, de forma a determinar que interesses estas visam proteger, bem como
fundamentar os direitos subjetivos dos particulares perante a Administração. Neste
sentido se encararmos os direitos fundamentais como direitos subjetivos e, enquanto
criadores de um estatuto constitucional dos cidadãos, chegamos a um reconhecimento
de novos direitos subjetivos públicos dos particulares, tais como o direito ao ambiente,
consumo, urbanismo e a saúde.
 Considerações Vasco Pereira da Silva: existe um entendimento uno no que toca aos
direitos e interesses legalmente protegidos, que resulta da teoria da norma de proteção,
aceitando o seu alargamento aos direitos fundamentais, conforme Bauer veio a teorizar.
 Neste sentido, o particular é titular de direitos subjetivos em face da Administração
sempre que uma norma não vise apenas o interesse público, mas também a proteção dos
interesses dos particulares, seja resultado de uma situação de vantagem objetiva e de
forma intencional, ou por outro lado, que resulte de um benefício de facto decorrente de
um direito fundamental.
 Este entendimento é resultado não só do artigo 266º nº1 da CRP, bem como do artigo
268º nº3, nº4 e nº5 da CRP. Neste sentido, direitos e interesses legalmente protegidos
são dois conceitos que visam designar a posição jurídico-subjetiva dos privados perante a
Administração Pública, às quais irá corresponder o mesmo regime jurídico.
 Chegados aqui cabe ainda desmistificar a “variação” que a teoria da norma de proteção
reconhece a ambos os conceitos aqui tratados. Para o Prof. Vasco Pereira da Silva o que
pode variar é o conteúdo do direito, diretamente atribuído pela lei, ou resultante da
maior ou menor amplitude do dever a que a Administração Pública está obrigada em face
do particular. Neste sentido, a diferença não está na existência ou não de um direito, mas
sim na menor ou maior amplitude do seu conteúdo. Os direitos podem ainda
corresponder a diferentes categorias, o que irá depender da relação jurídico-
administrativa em causa.
Críticas à teoria trinitária/binária:

 A distinção em direitos de primeira e segunda não faz sentido em termos práticos:


havendo uma proteção do cidadão por parte de uma norma jurídica existe sempre um
direito subjetivo. A pretensa distinção entre direitos subjetivos e interesses legítimos e
difusos não faz sentido porque o que está em causa é apenas a forma como a norma
criou o direito subjetivo e não tem a ver com a natureza do direito subjetivo;
 Ex: quando uma norma de direito administrativo diz que uma pessoa com mais de 65
anos se pode reformar e receber a pensão completa, esta norma está a estabelecer
diretamente a proteção do particular e a conferir ao particular o direito à reforma.
 Ex: uma norma que estabelece um dever. Um estabelecimento de um dever no quadro
de uma relação jurídica tem como outra face da moeda um direito.
 Ex direito privado: CV de uma casa – o comprador tem o direito de receber a casa e o
dever de pagar o preço, o vendedor tem o direito de receber o preço e o dever de
entregar a casa. Aqui, fala-se sempre em direitos subjetivos, porque é que no direito
público é diferente e se faz a distinção entre direitos subjetivos e interesses legítimos?
 O facto de um bem ser público não impede a sua apropriação por motivos de
interesse individual. Quando a CRP fala num direito ao ambiente, este direito é um
direito de cada um dos cidadãos a fruir do ambiente - direito ao ar limpo, etc. – e assim
há deveres do Estado para garantir este direito fundamental.
 O facto de haver um bem público em simultâneo com um direito subjetivo sobre esse
bem e de ambos serem juridicamente tuteláveis não significa que as suas realidades
sejam excludentes.
 De que modo é que esses bens não são apropriáveis? É verdade que não pode haver
particulares que comprem os bens públicos, mas pode haver aproveitamento
económico/ou de qualquer outro tipo desse bem em termos individuais. Exemplo:
Praias – bem público. Quem vai à praia pode, se quiser, utilizar as sombrinhas, e ao
fazê-lo está a fruir de um bem que é público, assim como o dono da concessão das
sombrinhas está a desempenhar um interesse individual na atividade que pratica. Se os
cidadãos quiserem ir à praia e não quiserem usar uma sombrinha, podem fruir do
espaço da praia na mesma. A praia é apropriável por todos e por cada um de nós, na
medida em que todos temos o direito individual a frequentar a praia, e ao fazermo-lo
estamos a impedir outras pessoas de o fazerem (a praia eventualmente fica cheia).
 O facto de existir a necessidade de tutelar um bem público não significa que se
necessite que tal tenha consequências, como uma posição diferenciada. É um outro
modo de atribuição do direito pela ordem jurídica.
 Saúde – bem público – também há hospitais privados para satisfazer esse interesse
coletivo e que têm um aproveitamento económico através de um bem público: direito
à iniciativa e liberdade económica.
 Argumento decisivo: embora haja diferenças na atribuição das posições e as mesmas
possam ser consideradas diferentes, o regime jurídico é o mesmo e a ordem jurídica
trata de forma igual todas estas faculdades. Se a ordem jurídica não estabelece
regimes jurídicos diferentes não há razão para se criarem três figuras diferentes.
 Isto significa que, não é o modo como a norma jurídica cria a posição de vantagem
que faz com que as posições sejam diferentes, mas sim que existem direitos com
conteúdos diferentes - Tal como no direito privado, ao falarmos de direitos
subjetivos, estamos a pensar em direitos de natureza pessoal, obrigacional,
pessoalíssimos, potestativos promovidos no interesse de outrem, entre outros. Todas
estas distinções existem também no direito administrativo.
 Quando o legislador fala em direitos subjetivos, menciona também "interesses
legalmente protegidos". Esta ideia mostra que o legislador quis simplesmente adotar
uma noção ampla de direito.

Críticas à teoria reativa:

 Esta teoria falha em não reconhecer que a lesão que existe por parte da Administração
contraria um direito que está na lei. Ou seja, antes de existir a lesão já existe um direito
que o cidadão tem e que é reconhecido legalmente e lhe permite agir de forma a evitar
a lesão. O próprio ordenamento jurídico também tutela os direitos subjetivos de modo
a evitar a sua lesão - o Código Penal proíbe e sanciona quem tentar matar outrem; o
direito à vida existe desde que nascemos/somos concebidos e não só quando
efetivamente nos tentam fazer mal.
 Outra falha, é a falta de coesão entre os defensores desta teoria em relação a quando
nasce efetivamente o direito – no momento da lesão (Rui Medeiros) ou só mesmo na
ida a tribunal (Mário Aroso Almeida)?
 Se se considerar que o direito só nasce na ida do particular a tribunal, tenho uma
questão. E se não for o particular a reagir e a ir a tribunal? Se for outra pessoa por ele?
O que é que esta teoria diz sobre isto? Por exemplo, os jovens que foram ao Tribunal
Europeu dos Direitos Humanos acusar vários países de não implementar medidas
suficientes para combater as alterações climáticas. Estão a lutar pelo direito ao
ambiente que entendem que está a ser continuamente lesado, só a eles é reconhecido
o direito ao ambiente porque só eles é que foram a tribunal reagir, embora tenham ido
por todos nós? O objetivo deles não é demonstrar que os Estados estão a lesar o
direito ao ambiente deles os 6 especificamente mas sim o de todas as pessoas em
geral. Porque se o tribunal der razão a estas pessoas e obrigar os Estados a atuar de
forma diferente, então está implicitamente a reconhecer a existência de direitos
subjetivos em relação a outras pessoas que não estas 6 que foram a tribunal. Se não é
o particular a reagir e sim outras pessoas a reagir por ele, o particular já não tem um
direito subjetivo? Ou o direito subjetivo nasce a partir do momento em que qualquer
pessoa reaja, mesmo que seja uma reação sobre os direitos subjetivos de outra
pessoa?
 O direito de reagir é diferente do direito subjetivo violado, são dois direitos diferentes.
 É precisamente por haver direitos subjetivos a priori que o cidadão tem também o
direito de reação quando os seus direitos subjetivos são postos em causa.
 Confunde a relação jurídica material, a relação jurídica procedimental e a relação
jurídica processual, quando na realidade são 3 relações diferentes.
 Vantagem: conceção unitária dos direitos subjetivos, coloca todos os direitos no
mesmo plano, superando as diferenciações que existiam no quadro do direito trinitário
ou binário.
 Vantagem: tem por detrás a ideia de que a reação à violação do direito é essencial.
Sem essa possibilidade de reação pode haver muitos direitos na teoria mas na prática
deixam de ser eficazes e de ter relevância jurídica, por isso concordamos em que para
se ter direitos subjetivos realmente eficazes, é preciso haver o direito a reagir quando
são lesados – isto está consagrado no artigo 268º nº4 e 5 CRP.
 Mas analisando as normas deste artigo 268º, está lá escrito que os cidadãos têm tutela
jurisdicional efetiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, ou seja, a
própria CRP reconhece que existem direitos que podem ser lesados, e não que só
depois de se reagir é que o direito se cria.

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