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Sumário

Copyright © 2022 – RENATA R. CORRÊA


Dedicatória
Sinopse
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Epílogo
Obrigada
Agradecimentos
Biografia
Redes sociais
Obras publicadas
Sinopse de Sem coração:
Sinopse de Redenção:
Sinopse de Nos Laços do amor
Capítulo 1 de Nos laços do amor
Capítulo 2 de Nos laços do amor
Capítulo 3 de Nos laços do amor
Capa: T. V. designer
Diagramação: Renata R. Corrêa
Revisão: Mari Vieira

Todos os direitos reservados

Esta é uma obra de ficção. Seu intuito é entreter as pessoas. Tudo


descrito aqui é fruto da imaginação da autora. Qualquer semelhança com
acontecimentos ou pessoas reais é mera coincidência.
Este texto segue as regras da Nova Ortografia da Língua Portuguesa.
No entanto usa linguagem coloquial nos diálogos, com intuito de aproximar
os leitores da leitura.
Todos os direitos reservados. São proibidos o armazenamento e/ou a
reprodução de qualquer parte dessa obra, através de quaisquer meios —
tangível ou intangível — sem o consentimento por escrito da autora, a não
ser por pequenos trechos que podem ser usados com finalidade de
divulgação.
Criado no Brasil. A violação dos direitos autorais é crime
estabelecido na lei n°. 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
Produzir e espalhar PDF é crime. Adquira e-books de maneira legal,
comprando ou pegando emprestado pela assinatura da Amazon Kindle
Unlimited, na Amazon, único site oficial onde esta obra se encontra. Apoie
a literatura nacional!
Dedico essa história aos meus filhos Luan e Luma, que estão com seis
anos e me inspiraram a escrever o personagem Davi. Desejo que quando
forem adultos possam ler este texto e se lembrem com amor da época da
infância.
Ainda, as minhas queridas parceiras literárias: Flávia Araújo, do
Instagram @estantedafla, de quem peguei o nome para dar à protagonista; e
as Camilas dos Instagrams @entre.livrosegirassois e @leiturasetravessuras,
de quem emprestei o nome para criar uma personagem secundária muito
especial.
E a você que deu uma chance a este romance. Desejo que ele
conquiste o seu coração!

Beijos e boa leitura!

Renata R. Corrêa.
O destino, às vezes, une pessoas improváveis de formas jamais
imaginadas. Foi assim que há quase sete anos, Raoni e Flávia se
encontraram em um bar e, sem sequer revelarem seus nomes verdadeiros,
atraídos um pelo outro, entregaram-se ao desejo em uma noite quente
inesquecível.
Ele é um jovem milionário, CEO da editora Histórias & Livros, uma
das maiores do Brasil. Nasceu em um lar violento e, ainda criança, teve a
vida marcada por uma tragédia. Cresceu desacreditando no amor e, apesar
de não se envolver sentimentalmente, gosta de encontros casuais.
Ela é uma jovem escritora de romances quentes em ascensão e mãe
solo. Filha de um pastor muito rígido, tornou-se uma adolescente rebelde e
ao dormir com um desconhecido, aos dezoito anos, acabou grávida, foi
expulsa de casa e teve que se virar sozinha.
Quando se forma na faculdade de Letras e é contratada para trabalhar
numa famosa editora de livros, tem uma grande surpresa: reencontra o
homem que mudou sua vida para sempre. Além de ficar sabendo que ele é o
dono da companhia, descobre que Raoni não deseja ter filhos. Apesar do
seu receio, precisa contar a verdade, mas como ele reagirá à notícia de que
já é pai de um garotinho de seis anos? O que o futuro reservará para os três?

Conteúdo adulto.
Alertas de gatilhos: Violência doméstica, rigor religioso e leucemia.
Raoni

Querendo ou não, somos marcados pelo nosso passado, para o bem ou


para o mal.
Nasci em um lar conturbado pela bebida e a violência doméstica.
Cássio, meu pai, era alcóolatra. Lembro-me de, ainda criança, ouvi-lo
discutindo com mamãe. Não demorou para que as ofensas se
transformassem em agressões físicas. Eu tinha tanto medo quando ouvia os
gritos dela, que apesar de implorar para eu me esconder no quarto e trancar
a porta, com o anseio de protegê-la, desobedecia e saía de lá, mesmo
sabendo que sempre acabava apanhando daquele monstro também.
Certa noite, mamãe esperou que o marido pegasse no sono, arrumou
sua mala e a minha e disse que iríamos embora, que ele nunca mais nos
machucaria. Já estávamos do lado de fora da casa, quando Cássio nos
surpreendeu, gritando enfurecido, perguntando onde ela pensava que estava
indo. Corremos, mas ele a alcançou e começou a agredi-la. Os dois
discutiram feio. Eu me enfiei no meio da briga mais uma vez, implorando
para que ele parasse.
O maldito me chutou como se eu fosse um cão sarnento. Caí no chão,
ralando as palmas das mãos. Meu coração batia acelerado pelo medo. Ao
me levantar presenciei a cena mais dolorosa de toda a minha vida, a que me
marcou para sempre de um jeito terrível. Durante a discussão, tentando
escapar do aperto de Cássio, mamãe se desequilibrou e caiu, batendo a nuca
na quina da calçada. Gritei desesperado ao ver o sangue escorrendo por
detrás de sua cabeça e corri em sua direção. Abracei seu corpo inerte,
chamando-a em meio as lágrimas, mas apesar de seus olhos abertos, ela não
me respondia.
Vizinhos apareceram, escutei sirenes se aproximando e, em uma
espécie de transe, vi policiais chegarem e prenderem aquele que um dia
chamei de pai, o assassino da minha mãe. Depois paramédicos a
examinaram e confirmaram que ela já estava sem vida. A dor foi tão
lancinante que me paralisou.
Alguém avisou a minha avó e ela me buscou. Mesmo dilacerada pela
perda da única e amada filha, procurou me consolar. No dia seguinte o
corpo de mamãe foi sepultado e junto com ele toda a minha inocência,
sonhos e parte da minha alma.
Uma semana depois, Cássio se enforcou na cadeia em que aguardava
o julgamento. Quando me contaram que ele havia morrido, não consegui
sentir nada.
Passei a morar com vovó, dona Vilma Campelo, que naquela época já
era viúva. Ela me criou e fez o que pôde para tentar aliviar minha dor.
Contratou uma psicóloga que me atendia em casa uma vez por semana. A
terapia ajudava um pouco, mas foram os livros que me salvaram daquele
abismo emocional em que me encontrava.
Meu avô materno herdara do pai uma editora, a Histórias & Livros,
que publicava desde não-ficção, a livros infantis e romances. Após seu
falecimento, dona Vilma assumiu a direção dos negócios.
Eu estudava de manhã e passava as tardes na editora com ela. Li
todos os livros infantis que tinha lá e os infanto-juvenis também. As únicas
pessoas com quem eu conseguia conversar eram vovó e a Joane, a
psicóloga. Tornei-me um garoto retraído. Como se não bastasse o
isolamento social que eu mesmo me impunha, era assolado por pesadelos
quase todas as noites.
Joane aconselhou a minha avó a me colocar em algum esporte, para
poder gastar energia e ver se assim eu conseguiria dormir melhor. Quando
ela me perguntou o que eu gostaria de praticar, só conseguia pensar que
nunca mais deixaria ninguém me bater, então pedi que me matriculasse em
alguma escola de luta.
Comecei, então, a fazer Karatê. Alguns anos depois, apesar de ter
crescido e passado pelas transformações típicas da adolescência, eu pouco
mudara. Continuava retraído, com dificuldade de confiar nos outros, de
socializar e fazer amizades. Os pesadelos diminuíram a frequência, mas
nunca me abandonaram e, ao invés de, com o tempo, eu esquecer o que
aconteceu naquela fatídica noite, um sentimento de revolta foi tomando
conta de mim. Eu me tornei intolerante a qualquer situação de opressão,
bullying ou assédio.
Aos dezesseis, deixei o Karatê e comecei a lutar Boxe, o que aos
poucos me fez ganhar mais músculos e força. Mesmo que não tivesse
amigos, era capaz de entrar em brigas para defender quem estivesse
precisando. E, assim, acabei quebrando alguns narizes de mauricinhos
idiotas na escola.
Recebi várias advertências e suspensões e coloquei vovó em situações
embaraçosas. Todas as vezes que defendia alguém e arrebentava a cara de
algum garoto metido a playboy, ela me passava um sermão e eu prometia
que nunca mais faria nada parecido. No entanto aquele espírito justiceiro
era mais forte do que eu. Demorei para conseguir controlar a fera que vivia
dentro de mim.
Aos dezessete, terminei o Ensino Médio e, estudioso, entrei direto
para a Faculdade de Administração de Empresas da USP. Foi nessa época
que comecei a fazer alguns amigos, frequentar festas e a ficar, de vez em
quando, com garotas. Experimentei cerveja em uma oportunidade e um
drinque de vodca, em outra, só para ter a certeza de que jamais beberia. Não
gostei da sensação de estar tonto, fora do controle. Fiquei apavorado, com
medo de algum dia me tornar um alcóolatra violento como Cássio.
Assim que terminei a faculdade, a Histórias & Livros entrou em uma
séria crise financeira. O mercado livreiro passava por mudanças que a
editora não estava conseguindo acompanhar, até que começou a operar no
vermelho.
Dona Vilma era tudo para mim e eu sabia o quanto aquela empresa
era importante para ela. Por essa razão, decidi que faria o que fosse preciso
para reerguer os negócios da família. Eu já estagiava na editora desde o
início da faculdade e assim que terminei a graduação, vovó me colocou na
direção da editora, junto com ela.
Disposto a aprender em que poderíamos melhorar, matriculei-me em
duas pós: Publicidade & Propaganda e Produção Editorial. Também passei
a ficar mais atento às tendências e ao que os concorrentes vinham fazendo.
Aos poucos fomos implementando mudanças que deram muito certo. Em
quatro anos não só saímos do vermelho, como transformamos a Histórias &
Livros em uma das editoras mais bem-sucedidas do país.
Raoni

Aos vinte e seis anos, assinei para a editora importantes contratos


com uma produtora de audiolivros e com outra de audiovisuais. Os
empresários eram irmãos e me chamaram para sairmos para comemorar. Fui
com eles a um dos bares mais sofisticados e badalados da Vila Madalena.
Assim que chegamos lá, pediram um champanhe e insistiram para que
brindássemos, mesmo eu dizendo que não bebia. Como não desistiam,
acabei cedendo. Mas o que era para ter sido só uma taça, logo virou duas,
três, e não demorou muito para que o álcool corresse em minhas veias e me
deixasse meio zonzo.
Com medo de que a fera existente dentro de mim despertasse, só
queria pedir um táxi e ir para casa. No entanto quando levantei para ir ao
banheiro e acabei trombando com uma moça loira linda, esqueci-me das
preocupações e só prestei atenção nela. Estatura mediana, um pouco acima
do peso, suas curvas sinuosas naquele vestido justo eram um convite ao
pecado. Os olhos azuis me encaravam com malícia, enquanto a língua
ousada umedecia os lábios carnudos de forma sensual. Pedimos desculpas
pelo esbarrão e quase a devorei ao examiná-la de cima a baixo.
— Você é linda, sabia? — balbuciei, meio grogue e a garota sorriu,
envaidecida. — Qual o seu nome?
Ela estreitou as pálpebras e hesitou por um instante, como se estivesse
decidindo se diria a verdade ou não.
— Julieta — respondeu por fim, em tom divertido.
— Julieta, hum? — Passei a mão em sua cintura, puxando-a para
mais perto de mim. — Me deixa ser o seu Romeu esta noite? — sussurrei
em seu ouvido, provocante, e mordisquei a pontinha da orelha em seguida.
— Só se me prometer sexo do bom e um pouco selvagem. — As
palavras luxuriosas; o cheiro floral, ao mesmo tempo delicado e sexy, e a
lambida que deu em meu pescoço, acenderam meu corpo de imediato,
deixando-me de pau duro.
— Puta que pariu, garota, assim você me enlouquece. Vamos sair
logo daqui! — Levei-a pela mão e caminhei com ela até a mesa onde os
empresários estavam.
Informei que iria embora e ofereci para pagar a conta, mas eles se
recusaram a aceitar, desejaram boa-noite e me disseram para aproveitar a
companhia.
Julieta se despediu de uma amiga e me acompanhou para fora do bar.
Mesmo louco de tesão, tinha bebido demais para dirigir. Pensando aonde eu
poderia levá-la, lembrei de um motel naquele quarteirão e fiz a proposta de
irmos até lá. Ela concordou e seguimos caminhando até o local.
Mal entramos na suíte e começamos a nos agarrar.
— Você é maior de idade, né? — questionei com um vestígio de
lucidez, quando nossos lábios se afastaram.
— Sou, sim, não se preocupe, Romeu. Tenho dezoito, não sou mais
virgem e quero isso tanto quanto você.
Concordei, desejando que pelo menos aquela informação fosse
verdadeira e ela sorriu, maliciosa. Depois se afastou um pouco e retirou o
vestido, ficando apenas de lingerie.
Ao contrário do que imaginei, o conjunto de calcinha e sutiã era
branco, de algodão e bastante recatado, o que me fez olhá-la com
curiosidade.
— Confesso que adoraria estar exibindo peças de renda minúsculas e
com transparências, mas ainda moro na casa dos meus pais e pendurá-las no
varal seria um problema — justificou-se, espirituosa, e fez uma careta
bonitinha.
— Estou prestes a te pedir para me mostrar sua identidade, garota.
Tenho vinte e seis e a última coisa que quero é transar com uma menor e me
meter em encrenca — comentei, enquanto o juízo e o tesão duelavam.
— Tenho dezoito, sou maior de idade, livre e desimpedida. Juro.
Agora chega de conversa e venha aqui me mostrar do que é capaz. — Ela se
aproximou e me beijou com voracidade.
Depois me ajudou a me despir. Ao retirar minha camisa, deslizou as
mãos pelo meu peitoral, depois se inclinou e começou a lamber minha pele,
arrepiando cada centímetro. Ajoelhou e abriu a calça, abaixando-a, junto
com a cueca, em seguida.
Ao segurar minha ereção e começar a me masturbar, olhou-me
sedutora. Julieta na verdade deveria ter escolhido Lolita para codinome. Seu
rosto angelical e doce e os atos libidinosos estavam me enlouquecendo.
Quando me abocanhou e começou a me chupar, pude perceber que apesar
de toda a ousadia, não era tão experiente quanto desejava transparecer.
Mesmo assim o boquete foi delicioso.
— Você já foi bem comida, Julieta? — questionei, ao puxá-la para
cima, antes que me fizesse gozar.
— Muitas vezes. — A voz saiu um pouco afetada e ela ergueu o
queixo.
— Tem certeza? — Apertei seus seios volumosos e naturais, juntei-os
e lambi o vale entre eles. Depois retirei o sutiã e chupei um mamilo,
enquanto atormentava o biquinho do outro com os dedos.
— Anham... — Ela fechou os olhos e gemeu.
— Certo. Mas, considerando que talvez ainda não tenha sido tão bem
comida assim, vou te dar uma boa foda hoje à noite, como merece, como
parece estar ansiosa por uma.
— Isso seria perfeito, porque talvez, somente talvez, eu não tenha tido
experiências tão boas quanto gostaria.
— Prometo que essa noite será inesquecível. — Voltei a chupar seus
peitos e passei a masturbá-la.
Levei-a até a cama e a coloquei na beirada, deitada de barriga para
cima, com as pernas abertas e os pés apoiados no colchão. Seu tórax subia e
descia acelerado e ela ofegava em expectativa, demonstrando sua excitação.
Sem pressa, comecei a chupá-la, explorando cada reentrância de sua
vulva rosada, com ralos e curtos fios loiros. Dediquei atenção especial ao
clitóris, que logo ficou intumescido. Sem parar o que fazia com os lábios e
língua, penetrei-a com um dedo. Ela já estava molhada, então coloquei mais
um e comecei a fodê-la assim, devagar, aumentando o ritmo aos poucos.
Julieta gemia cada vez mais alto, alucinada, agarrada ao meu cabelo,
forçando minha cabeça ao seu encontro, querendo mais. Chupei-a com
vigor e não demorou para que ela alcançasse o clímax.
— Uau, que delícia, isso foi incrível! — comentou com um sorriso
bobo estampado na face afogueada.
— Que bom que gostou, porque estamos apenas começando.
Afastei-me para pegar um preservativo na carteira, no bolso da calça
caída no chão.
Perguntei se ela queria me ajudar a colocar a proteção e ela respondeu
que sim. Julieta me chupou mais um pouco e depois desenrolou a camisinha
no meu pau, que já latejava implorando por alívio.
Ela deitou de novo de barriga para cima, daquela vez acomodando a
cabeça no travesseiro, dobrou as pernas e afastou os joelhos em um claro
convite.
— Me coma, Romeu, me mostre como é ser bem fodida, porque você
tinha razão em suas suspeitas, minhas poucas experiências até aqui foram
muito decepcionantes.
— Pode deixar, gatinha, espero ficar marcado na sua memória como o
cara que te mostrou como transar é bom!
— Tomando por base o maravilhoso sexo oral que fez em mim, não
tenho a menor dúvida disso.
Sorrimos um para o outro e a beijei com ternura. Em seguida
posicionei meu membro em sua entrada e fui metendo devagar,
conquistando centímetro a centímetro.
Julieta inclinou o quadril e rebolou para me receber. Assim que me
acomodei por completo, comecei a entrar e a sair, enquanto massageava seu
clitóris com a palma da mão.
— Ah, que delícia — ronronou manhosa. — Pode ir mais rápido, por
favor.
— Tudo para satisfazê-la, gatinha! — Atendendo ao seu pedido,
comecei a estocar cada vez com mais vigor.
Seus seios balançavam, ela gemia e se contorcia.
Ficamos naquela posição por um tempo, depois mudamos e a ajudei a
sentar sobre mim.
— Agora o controle é todo seu. — Apertei os seios gostosos e ela
começou a me cavalgar.
Ao notar seu cansaço, mudei mais uma vez nossa posição, colocando-
a de quatro. Dei um tapa em sua bunda empinada, penetrei-a de novo e
comecei a estocar.
Estava no meu limite, mas depois do que me confessou, o prazer dela
era mais importante, então me segurei ao máximo e dei o meu melhor, até
que ela gozou, só então me libertei também.
O sexo foi intenso e sensacional. Quando acabou, Julieta e eu
tomamos banho juntos, depois ela disse que precisava ir embora. Pediu um
táxi e saiu.
Exausto, acabei dormindo ali mesmo.

No dia seguinte, ao recordar da noite maravilhosa, mesmo não


estando a fim de relacionamentos, senti certo pesar por nem sequer ter
sabido o verdadeiro nome da tal Julieta, nem termos trocado telefones. Não
tinha a menor intenção de arrumar uma namorada, estava decidido a jamais
me casar ou ter filhos, mas gostava muito de sexo e pensava que se
tivéssemos trocado contatos, ainda poderíamos nos divertir outras vezes.
Entretanto nunca mais a vi, nem consegui descobrir nada a seu respeito. O
tempo passou, mas com toda a certeza aquela foi uma das transas mais
memoráveis da minha vida.
Flávia

Nossas escolhas definem o rumo de nossas vidas e isso nem sempre é


simples.
Filha primogênita de pastor, nasci em uma família com princípios
religiosos muito rígidos. Quando entrei na adolescência, já estava cansada
da opressão em que vivia e comecei a me rebelar aos poucos. Certa vez
cortei o cabelo bem curto. A pequena ousadia me rendeu um castigo de uma
semana, sem poder ver TV, sem ter acesso à internet, celular, além de não
poder sair de casa, a não ser para ir à igreja e à escola.
Passava as tardes entediada, trancada no meu quarto, até que um dia,
sabendo da situação, Betânia, uma colega de classe, colocou um livro na
minha mochila, com um bilhetinho dizendo que havia pegado da coleção da
sua mãe, sem que ela soubesse, que já o havia lido também e que ele era
bem interessante. Destacou a última palavra com um grifo de vermelho.
Só o encontrei ao chegar em casa. Era um dos volumes da coleção de
romances de banca “Júlia”, que até então eu não conhecia. A história,
apesar de simples, prendeu-me logo nas primeiras páginas e quando me
deparei com cenas eróticas, fiquei bastante surpresa. Meu conhecimento
sobre sexo se resumia a que servia para procriação e que se feito antes do
casamento era sacrilégio. No entanto a mocinha da história parecia estar
gostando bastante do ato. A descrição detalhada fez meu corpo aquecer, a
pulsação acelerou e minha intimidade latejou. As sensações nunca antes
experimentadas foram perturbadoramente gostosas.
Devorei as páginas do livro em poucas horas e no dia seguinte,
quando encontrei minha amiga e devolvi o volume, tinha inúmeras
perguntas para fazer. Nessa época estávamos com quatorze anos. Betânia
me confidenciou que não via a hora de ficar um pouco mais velha para
arrumar um namorado e experimentar aquilo tudo.
— Está louca, Bê? Sua família também é evangélica, inclusive já
frequentaram a igreja do papai, sabe muito bem que é pecado fazer sexo
fora do casamento.
— Ah, Flavinha, fala sério, né? Você acredita mesmo em tudo o que
seu pai prega? Foi pelo fato de os meus o considerarem rígido e fanático
demais, que procuramos outra igreja.
— Bê, mas não foi papai quem inventou isso, está escrito em várias
passagens da Bíblia.
— São textos muito antigos e os tempos são outros. Eu não vou
mesmo esperar até o casamento para desfrutar os prazeres carnais. E depois,
vai que me caso com um cara ruim de cama? Se não tiver outras
experiências, nunca saberei e terei de me conformar com uma vida de
insatisfação sexual.
— Nossa, não tinha pensado por esse lado. Gostei bastante das
sensações que aquele romance me despertou, mas acho que ainda somos
muito novas para termos esses tipos de experiências com garotos. Quem
sabe um dia? Até lá, poderia me emprestar mais um livro?
— Claro! Amanhã trago outro pra você.
E foi assim que nasceu o meu interesse e gosto pelos romances
eróticos. Aos quinze anos, já tinha lido tantos, que comecei a desejar mudar
algumas coisas neles, então, passei a escrever minhas próprias histórias.
Descobri plataformas gratuitas na internet, onde autoras publicavam
textos semelhantes ao meus, usando pseudônimos, alguns eram inspirados
nas séries “Sabrina”, “Bianca” e “Júlia”. Outros eram fanfics de filmes e até
dos livros da Saga “Crepúsculo”. Achei a ideia genial e logo comecei a
publicar meus próprios romances, sob o codinome F.C. Paixões.
Com o passar do tempo, comecei a questionar cada vez mais o rigor
da educação que eu recebia em casa e também as pregações de papai e
alguns princípios de sua igreja que era muito mais conservadora e rigorosa
do que a maioria das outras evangélicas que minhas colegas de escola
frequentavam. Nem tudo podia ser pecado e proibido. Estava cansada de
tanta opressão. Queria ter mais liberdade, experimentar na vida real
situações que eu lia e criava nas minhas histórias.
Aos dezesseis, tive meu primeiro namoradinho, que não durou muito.
Aos dezessete, a Amazon chegou ao Brasil e fiquei sabendo de autoras que
estavam publicando seus livros lá e ganhando bem com eles. Então passei a
fazer o mesmo. Como já tinha conta bancária, foi fácil criar meu cadastro
para poder receber os royalties, sem ter que contar nada para minha família.
Com o dinheiro que passei a ganhar, comecei a ter condições de ir a festas e
bares com Betânia, mas para tanto precisava sair escondida, pois tinha
certeza que meus pais não me permitiriam. Dei um jeito de fazer uma cópia
da chave do portão e, para não ser pega em flagrante durante minhas
escapadas, esperava todo mundo dormir e saía pela janela do meu quarto.
Laura, minha irmã quatro anos mais nova que eu, era muito diferente
de mim. Jamais questionou qualquer regra imposta por meu pai. Participava
do coral da igreja e era professora da evangelização. Sonhava em cursar
Magistério e dar aulas para crianças, casar virgem com algum rapaz tão
religioso quanto ela e ter um monte de filhos.
Como tínhamos pensamentos tão divergentes, por mais que eu a
amasse, não podia dividir com ela minhas angústias. Minha única
confidente era Betânia.
Perdi a virgindade com um colega da escola, quando estávamos quase
terminando o Ensino Médio. Minha primeira vez foi um desastre. Estava
louca por aquele momento com o garoto, que era o mais lindo da turma,
porém ele só se preocupou consigo mesmo, o que foi bastante
decepcionante. Para entrar no clima, precisei me masturbar. Senti dor
quando ele me penetrou e começou a estocar. O ato durou uns cinco
minutos e quando ele gozou, eu não estava nem perto de alcançar o clímax.
Para piorar a situação, no dia seguinte fez de conta que não tinha rolado
nada entre nós e me ignorou.
Por mais que eu tenha ficado chateada, não estava apaixonada por ele
e não me permiti derramar uma lágrima sequer por ter sido tão babaca
comigo. Acreditava que encontraria um cara mais experiente e legal, que
me daria uma excelente foda, como toda mulher merecia ter. Enquanto isso
não acontecia, continuava fantasiando com os personagens literários, da
minha própria criação ou não, e me masturbando no meu quarto. Pelo
menos eu mesma era capaz de me dar prazer.

Assim que terminei o Ensino Médio, com a boa nota que tirei no
ENEM, passei direto para a faculdade de Letras da USP. Fiquei tão feliz,
que só queria comemorar. Contudo a ideia de festa para minha família era
muito diferente do que eu pensava.
Papai me fez uma homenagem após o culto; Laura e mamãe
prepararam uma festinha com balões, refrigerante, bolo e docinhos. Achei
tudo muito fofo, mas eu queria mesmo era ir para a night, beber uns
drinques chiques e me acabar numa pista de dança. Quem sabe beijar um
cara gato e terminar nua em seus braços, sendo muito bem comida.
Quando Betânia, que também conseguira uma vaga na faculdade, para
estudar Economia da UNESP, ligou me chamando para comemorar, nem
hesitei. Morávamos no Tatuapé e sempre que saímos, era para ir a algum
lugar ali no bairro mesmo, ou no máximo nas proximidades. Mas naquela
noite, ela me disse que descolara, com um conhecido, convites para um bar
dançante muito VIP recém-inaugurado na Vila Madalena. Fiquei
empolgadíssima, mas um pouco preocupada, pois achava que não teria nada
apropriado para usar num lugar assim.
— Amiga, também não tenho nenhum vestido à altura, mas acho que
os da minha mãe vão nos servir. Eu pego escondido pra gente, só teremos
de ter cuidado para não sujarem, nem ficarem com o cheiro dos nossos
perfumes, pois será difícil lavá-los depois sem que ela veja.
— Pode deixar. Ah, nem acredito nisso, estou muito empolgada!
— Eu também. Tenho certeza de que será uma noite inesquecível.
Daqui a pouco levarei um vestido aí pra você.
— Está bem, fico te esperando. Beijos!
Cerca de uma hora depois minha amiga apareceu para me visitar.
Fomos para o meu quarto e quando ela tirou da bolsa o vestido que me
emprestaria, fiquei de queixo caído. Ele era lindo, preto brilhante, de uma
malha grossa.
— Experimenta, vai! — Ela o me entregou.
Ao vesti-lo, mal conseguia acreditar que era eu na imagem refletida
no espelho. Estava um pouco acima do que deveria ser meu peso ideal, mas
o corte perfeito da roupa disfarçou as gordurinhas e valorizou muito minhas
curvas. Ele tinha um elegante decote canoa na frente e nas costas, e o
comprimento ia até a altura dos joelhos. Era um vestido que não mostrava
quase nada, sua sensualidade estava no corte justo, que incrivelmente
disfarçava a barriga, deixando a cintura mais fina e a bunda mais arrebitada.
— Uau! — Você ficou muito gata, Flavinha. Estava certa quando
pensei que o preto valorizaria sua pele branquinha e o cabelo loiro. Está
maravilhosa!
— Nossa, Bê, nem tenho como te agradecer o suficiente. Acho que
nunca usei nada tão lindo.
— Boba. Não tem nada a agradecer, só cuide bem dele, ok?
— Pode deixar! De que cor é o que vai usar?
— Azul royal, de um tecido brilhante parecido com esse. Também é
justo, mas ao invés do decote canoa, ele tem as costas abertas.
— Uhul! Aposto que ficou uma gata também. Vamos arrasar hoje!
— Vamos mesmo, amiga! Hoje a noite é todinha nossa! — Sorrimos
com cumplicidade e combinamos os detalhes para a nossa aventura.
Já estávamos com dezoito anos, mas ainda não tínhamos carro, nem
carteira de habilitação e continuávamos precisando sair escondidas. Assim
como eu, ela tinha uma chave do portão de casa e escapava pela janela do
quarto para não chamar atenção. Pediria um táxi logo que saísse e passaria
para me buscar, pegando-me na esquina.
Tudo saiu como o planejado e quando chegamos ao local, fiquei
impressionada com a sofisticação da decoração em tons de preto, prata e
vermelho. Encaminhamo-nos para o bar e pedimos dois drinques Sex on the
Beach. Praticamente viramos as bebidas, pedimos outras e seguimos para a
pista de dança.
Eu fiquei de olho em um rapaz em uma mesa a alguns metros dali.
Ele bebia champanhe e estava acompanhado de outros dois homens mais
velhos. Mesmo sentado, dava para ver que era alto e forte. Muito bonito e
charmoso, tinha cabelos e olhos castanhos, rosto quadrado e sorriso sedutor.
Ele parecia os personagens que eu inventava para as minhas histórias.
Ainda não tinha conhecido um cara tão perfeito na vida real.
— Que gato, amiga! — Betânia comentou ao perceber para onde eu
olhava.
— Muito! Pena que ainda não me notou.
— Calma, nós mal chegamos. A noite ainda é uma criança e tudo
pode acontecer.
— Se ele não me vir o olhando, quando levantar para ir ao banheiro,
darei um jeito de abordá-lo.
— Boa ideia, Flavinha! Também arrumei um gatinho para paquerar.
Está à sua direita.
— Ele está vindo até nós, Bê.
Assim que o rapaz se aproximou e começou a conversar conosco,
nitidamente interessado em Betânia, percebi que meu paquera levantou.
Virei o resto da minha bebida, pedi licença e caminhei na direção daquele
deus grego.
Sem saber muito bem o que fazer, acabei optando por um “esbarrão”.
Pelo menos nos romances aquele tipo de tática funcionava.
— Nossa, me desculpa — pedi, descarada, quando nossos corpos se
chocaram.
— Imagina, eu que peço desculpas. Ele parou à minha frente e me
olhou de cima a baixo. Seu escrutínio me aqueceu de súbito. O homem
exalava sex appeal. Umedeci os lábios, imaginando como seria provar os
dele e ser envolvida pelos braços fortes.
Ele falou que eu era linda e perguntou meu nome. Não queria ser a
Flávia aquela noite. Desejava ser outra mulher, como as mocinhas dos meus
livros, mais ousada, dona de si. Pensei em dizer que me chamava Júlia,
Sabrina ou Bianca, mas acabei me decidindo por algo mais clássico e falei
que meu nome era Julieta. Ficou nítido que ele não acreditou, mas não
pareceu se importar muito.
Quando pediu para ser o meu Romeu naquela noite, tirei coragem
nem sei de onde e propus sexo casual para o cara que eu acabara de
conhecer. Quando ele parou para avisar os caras com quem estava que iria
embora, aproveitei para falar com Betânia também. Minha amiga disse que
esticaria a noite com o boy que arrumou. Então nos despedimos com um
abraço, desejando boa sorte uma à outra.
Romeu me levou para um motel lá perto e me mostrou como era ser
bem fodida. Foi tão gostoso e perfeito que tive a certeza de que era
totalmente possível protagonizar todas as cenas que já tinha lido nos livros
eróticos e que me inspirava a escrever as dos meus próprios romances.
Depois daquela noite memorável, todos os meus mocinhos passariam a ser
inspirados em “Romeu”. Só não imaginava que ele marcaria minha vida de
uma forma muito mais importante.
Raoni

Nos quase sete anos seguintes, a Histórias & Livros se tornou uma
das maiores editoras do Brasil. Quando fiz trinta e dois, vovó, que já estava
com oitenta, aposentou-se dos negócios. Apesar de eu ter comprado uma
excelente cobertura no Itaim, passava mais tempo em sua mansão no
Morumbi do que na minha própria residência. Afinal, estava idosa e eu me
preocupava muito com ela, mesmo que soubesse que nunca estava sozinha,
já que há alguns anos contratara uma governanta, dona Mariana, que além
de cuidar dos funcionários da mansão, morava lá e lhe fazia companhia.
Apesar do sucesso profissional, eu levava uma vida reservada e não
gostava de sair nas mídias. Poucas pessoas conheciam o rosto do CEO da
companhia.
Nunca tive um namoro sério e enquanto Tales, meu melhor amigo e
advogado da empresa, dois anos mais novo que eu, começava a falar em
casamento e família, aquilo nem passava pela minha cabeça.
As recordações do meu passado sombrio jamais me abandonaram.
Volta e meia ainda tinha pesadelos com discussões que presenciei e com a
noite em que mamãe morreu. Toda aquela tragédia quebrou algo dentro de
mim. Decidi que nunca me casaria ou teria filhos. Inclusive estava
pensando em fazer vasectomia, para evitar uma gravidez acidental, já que
adorava sexo sem compromisso e mesmo que sempre usasse preservativo,
tinha consciência de que sua eficácia como método contraceptivo não era
100%.
— Posso entrar? — Jonas, o funcionário do departamento de
avaliação de originais, dispensando a apresentação da secretária, bateu de
leve na porta, interrompendo meu devaneio, e a abriu.
— Claro, entre e sente-se. — Sorri, simpático.
Ele estava com cinquenta anos e trabalhava na Histórias & Livros
desde que eu era um garotinho.
— Raoni, já faz um tempo que queria ter falado com você a respeito
desse assunto, mas sempre tem alguma coisa mais urgente e acabo deixando
pra depois.
— Algum problema, Jô?
— Não exatamente. — Ele ocupou a cadeira à frente da minha mesa.
— É que precisamos de pelo menos mais um funcionário no setor de
avaliação de originais. A equipe não está dando conta do trabalho. Acho,
inclusive, que seria interessante contratarmos alguém com experiência
como revisor, porque daí poderá nos socorrer de vez em quando nessa área
também.
— Tem razão, a quantidade de obras que estão sendo submetidas para
avaliação, tanto por intermédio de agentes, quanto vindas dos próprios
autores, não para de aumentar. Isso sem contar que tenho te pedido com
mais frequência para ficar de olho nos novos talentos que estão se
destacando na autopublicação.
— Sim, sim. Com tanta coisa pra ler, eu e minha equipe estamos
muito sobrecarregados.
— Vamos contratar mais uma pessoa, então. Poderia pedir ao Aloísio
pra anunciar a vaga nas nossas redes sociais? Peça que coloque como pré-
requisitos formação em Estudos Literários, Letras ou Jornalismo e
especialização em Revisão Textual.
— Perfeito, pode deixar! Farei isso agora mesmo. Muito obrigado!
Ele se despediu e saiu da sala.
Aloísio era o chefe do setor de Publicidade e Propaganda da editora.
Já estava trabalhando conosco há vinte anos. Quando entrou para a
Histórias & Livros, não demorou para que ele e Jonas começassem a
namorar. O relacionamento deu muito certo e um ano depois foram morar
juntos. Mesmo vendo como a relação dos dois era harmoniosa, ainda
achava que dividir a vida com alguém, de forma romântica, não era para
mim.

A manhã foi cheia de trabalho. No final do primeiro turno, aproveitei


a folga que teria no início da tarde e fui até a mansão almoçar com minha
avó.
Assim que cheguei, dona Mariana a ajudava a se acomodar à mesa.
Vovó andava mais cansada que o seu habitual, o que estava me deixando
apreensivo.
— Vozinha, acho que precisamos voltar ao geriatra e fazer uns
exames de rotina. Tenho te achado abatida ultimamente.
— Não tem nem quatro meses que fiz exames, menino, pare de querer
ficar arrumando doença pro meu lado! É só o peso da idade mesmo. Verá
quando chegar aos oitenta!
— Pode não ser nada, mas ainda assim ficaria mais tranquilo se o
doutor Gusmão pelo menos avaliasse a senhora. Posso agendar com ele
uma consulta domiciliar?
— Não tem a menor necessidade, meu amor. Pare de se agoniar à toa.
E agora vamos comer, porque sei que seu intervalo é curto.
— Está bem. Por ora a senhora venceu, mas depois retomamos este
assunto.
Ela fez uma cara feia para mim e acabamos sorrindo um para o outro.
Depois do almoço retornei para a editora e no final do dia fui até o
prédio onde morava. Por mais que dormisse pouco na minha própria casa,
passava lá com frequência. Dona Cícera cuidava de tudo para mim,
deixando o apartamento sempre impecável e a geladeira e a despensa
abastecidas. Quando cheguei, ela já tinha saído.
Comi uma banana e desci para a academia. Depois de quinze minutos
de esteira e uma hora de musculação, retornei para a cobertura, onde
mantinha meu saco de areia pendurado.
Por mais que há tempos não frequentasse as aulas de Boxe, socar
aquele saco, pelo menos algumas vezes por semana, era uma necessidade.
Uma forma de exorcizar meus demônios. Cada soco que eu desferia era
acompanhado de pensamentos raivosos como: “Eu te odeio, pai”. “Nunca
vou conseguir te perdoar.” “Por sua culpa, não acredito no amor entre um
homem e uma mulher e não quero ter filhos”. “Ninguém nunca mais vai me
machucar.”
Após quinze minutos de fúria, estava exausto, completamente suado,
mas com a mente mais vazia.
Tomei um shake de Whey Protein e depois uma ducha morna e
relaxante. Deitei nu na cama e liguei a TV. Antes de a colocar em algum
serviço de streaming, vi que passava em um canal aberto, o primeiro filme
produzido a partir de um livro da minha editora. Logo me lembrei da
assinatura daquele contrato e da noite em que saí com os empresários da
produtora para comemorarmos. Então pensei em Julieta. Não costumava me
apegar as mulheres com quem ficava. Era sempre só sexo, sem sentimentos.
Mas aquela vez tinha sido especial. Estava bêbado demais para
recordar dos detalhes do rosto da moça, porém seu jeito ao mesmo tempo
inocente e malicioso, a disposição, ousadia e a entrega ficaram gravados em
minha memória.
O que será que foi feito de você, garota? Qual será seu verdadeiro
nome?
Depois de descansar um pouco, retornei para a mansão, ainda
preocupado com vovó. Precisava encontrar uma forma de convencê-la a
consultar-se com seu médico.

O restante da semana seguiu agitado. Jonas me informou que muitas


pessoas se candidataram à vaga que oferecemos e eu pedi que ele se
encarregasse de escolher quem contratar.
No sábado à noite fui a um bar com Tales.
— E a garota com quem estava saindo, o que virou? — questionei,
após tomar um gole de limonada.
— Não deu em nada. As coisas estão muito estranhas, cara. Quando
eu queria curtição, a mulherada só pensava em compromisso. Agora que
resolvi sossegar, ninguém quer nada sério. Está complicado, viu?
— Talvez seja um sinal para você continuar com a vida de solteiro,
hum?
— Estou com trinta anos. Sonho em casar, ter filhos e não quero ser
pai muito velho, para poder ter disposição de correr atrás de uma bola com
a molecada, andar de bicicleta, ensinar a nadar, essas coisas todas.
— Ainda bem que nem tenho tais preocupações. Aliás, resolvi que
farei a vasectomia. Só preciso marcar a consulta com o urologista para
poder programar a cirurgia.
— Tem certeza? Acho uma atitude precipitada. Você é jovem, ainda
vai acabar se apaixonando e aposto que um dia desejará ter filhos. Até
existe reversão para a cirurgia, mas não é 100% garantido.
— Eu não serei pai, Tales. Tenho medo de me tornar um homem
ruim, como Cássio foi. E nenhuma criança merece passar pelo que passei.
— Rao, meu amigo, tenho certeza de que isso nunca acontecerá. Você
tem seus traumas, suas dores, mas é um homem bom. Já sofreu demais,
merece ser feliz. Deveria deixar o coração aberto e apenas se permitir. Se
algum dia conhecer uma mulher bacana, quem sabe mude de opinião?
— Não tenho medo apenas da paternidade, tenho pavor do amor,
Tales.
— Sua mãe teve o azar de casar com um cara que se tornou alcóolatra
e violento. Nem todo relacionamento é ruim, claro que não. Sua avó
mesmo, não foi feliz com o seu avô?
— Diz que foi, mas acabou viúva aos cinquenta e nunca mais amou
outro homem. Eu não tenho recordações do meu avô, pois quando ele
faleceu eu tinha apenas dois anos. Mas desde que me entendo por gente,
vovó lamenta sua perda. Já são três décadas sofrendo por amor, cara. Como
pode?
— Seu histórico familiar não é muito favorável mesmo, hein? Mas
não fique pensando nessas coisas, só deixe acontecer.
— Não vai acontecer.
— Você e dona Vilma construíram um império pra deixarem pra
quem? Nunca pensou nisso? Você não tem tios, nem primos.
— Vovó é como você, ela ainda acha que um dia me apaixonarei por
alguém e terei minha própria família, porém já prometi a ela que em sua
falta, farei um testamento beneficiando os funcionários da empresa e
instituições de caridade, principalmente as que já ajudamos, aquelas que
acolhem mulheres e crianças vítimas de violência doméstica.
— Muito nobre da sua parte meu amigo, mas acho que ainda tem
muita água pra rolar por debaixo dessa ponte e que a vida ainda lhe
surpreenderá.
— Será? — Ergui uma sobrancelha, descrente.
— Pode apostar!
Sorrimos com cumplicidade e Tales levantou para ir ao banheiro,
dizendo que aproveitaria para dar uma volta pelo bar à procura de alguma
moça interessante.
Fiquei olhando-o se afastar, pensando que para mim, interessantes
eram aquelas que queriam o mesmo que eu, apenas uma noite de sexo
quente e sem compromisso.
Flávia

Quando eu imaginaria que uma noite de curtição marcaria minha vida


para sempre?
Um mês depois de estar nos braços do Romeu e de ter tido uma transa
perfeita, comecei a ficar apavorada com o atraso menstrual, pois meu ciclo
sempre foi regulado. Agoniada demais, certa tarde, aproveitando que meus
pais e minha irmã não estavam em casa, fui até uma farmácia comprar um
teste de gravidez e fiz o exame logo que voltei.
A espera dos cinco minutos indicados na embalagem quase me
enlouqueceu. Comecei a hiperventilar e achei que fosse passar mal. Quando
enfim consegui me acalmar um pouco e peguei o palitinho para verificar o
resultado, senti o chão sumindo debaixo dos meus pés.
Aquilo não podia ser verdade. Como eu engravidara na segunda
relação sexual que tive e ainda mais com o rapaz usando preservativo?
Pegadinha do destino ou não, os dois risquinhos rosa estavam lá
confirmando minha suspeita.
Meu bom Pai, sei que não tenho sido o melhor exemplo de cristã, mas
o Senhor tenha piedade de mim. Eu nem ao menos sei o nome verdadeiro
daquele rapaz. Acabei de completar dezoito anos e entrar para uma
faculdade. Não posso ter um filho agora. Por favor, que esse teste esteja
errado, faça a minha menstruação descer e acabe logo com meu desespero.
Por favor, Deus, por favor...
Caí de joelhos no chão e comecei a chorar. O que eu iria fazer dali
para frente? Meu pai surtaria quando soubesse e nem imaginava do que ele
seria capaz.
Atordoada, peguei minha bolsa e saí. Já na rua, liguei para Betânia
perguntando quem dera a ela os convites para o bar. Talvez houvesse
alguma possibilidade de descobrir quem era o cara com quem transei.
Estava desorientada demais para pensar direito, mas recordava que havia
câmeras de segurança no local, inclusive na portaria. Eu poderia identificá-
lo pelas gravações e quem sabe conseguíssemos, de alguma forma, saber
quem ele era.
— O que está acontecendo, Flavinha? Parece agitada.
— Não dá para falar por telefone. Posso passar aí na sua casa?
— Claro. Estou sozinha. Venha agora que poderemos conversar
melhor.
Despedimo-nos e chamei um táxi. Poucos minutos depois cheguei à
casa da minha amiga.
— Ei, o que houve? — Ela questionou preocupada ao abrir a porta. —
Está pálida e com cara de quem viu assombração.
— Estou grávida — contei e recomecei a chorar.
— Ah, meu Deus! Mas como? De quem?
— Bê, você sabe bem que só transei com o idiota do nosso colega e
com o desconhecido daquela noite no bar. Como a minha primeira vez já
tem meses, não existe possibilidade de esse filho ser de outra pessoa. É do
Romeu. E esse nem é o nome do cara. Como estou ferrada!
— Caramba, Flávia... Vocês não usaram preservativo?
— Eu tinha bebido muito e ele também, mas tenho certeza de que
usamos camisinha, eu mesmo o ajudei a colocá-la.
— Putz, que azar! Tem certeza de que está mesmo grávida?
— Minha menstruação está atrasada há dez dias, fiz o teste agora e
deu positivo.
— Talvez seja melhor fazer primeiro o exame de sangue antes de se
desesperar. Se não me engano, já ouvi dizer que nem precisa de pedido,
basta ir até algum laboratório e dizer que quer fazer.
— Sinceramente, acho que nem precisava, meu ciclo sempre foi
regular, mas tem razão. Você pode ir até a algum laboratório comigo agora?
— Claro, amiga. Tem um aqui perto.
Aquiesci, ela pegou a bolsa e saímos.

Como Betânia dissera, não precisei de pedido para fazer o exame. O


resultado ficaria pronto em uma hora e eu poderia pegá-lo pela internet,
então retornamos para a casa dela.
— Vai ser só um susto, amiga, você vai ver. Tente se acalmar
enquanto espera. Vou fazer um suco de maracujá pra gente — ela falou
assim que chegamos à sua casa.
— Bê, quem te deu aqueles convites?
— Foi um promoter do lugar. Ele é instrutor na academia que estou
frequentando.
— Poderia ligar para ele, ou mandar mensagem, dizendo que
precisamos localizar alguém que esteve lá na mesma noite que nós?
Pergunte se poderíamos ver as imagens das câmeras de segurança, por
favor.
— Boa ideia, farei isso agora mesmo. — Ela pegou o celular e ligou
para o rapaz.
Sem revelar que a amiga suspeitava estar grávida de um
desconhecido, inventou uma história qualquer, alegando extrema urgência
em localizar um homem que esteve lá naquela noite.
— Jura? Não acredito nisso. Está bem. De qualquer forma, muito
obrigada.
Ouvi atenta a conversa e aguardei que eles se despedissem e ela
desligasse.
— E então? — questionei, aflita.
— Amiga, você não está com sorte. As imagens só ficam gravadas
por quinze dias. Depois são automaticamente apagadas e a gravação
reinicia.
— Não acredito nisso! Como achar um cara de quem nem sei o
nome?
— Calma. Vamos esperar o seu exame ficar pronto, antes de
surtamos.
Respirei fundo e balancei a cabeça assentindo. Betânia me levou até a
sala e ligou a TV.
Eu não conseguia prestar atenção a nada e a cada dez minutos
conferia as horas no relógio.
Após aguardar o tempo necessário, abri o site do laboratório pelo
celular e digitei a senha que me passaram. Ao ver o resultado, não fui
surpreendida, como gostaria. O teste de beta HCG não deixava dúvidas, eu
estava mesmo grávida.
— O que eu farei da minha vida, Bê? — Desabei a chorar,
desconsolada e ela me abraçou.
— Shhhh, não fica assim. Por mais complicada que seja essa situação,
filhos são bênçãos, tenho certeza de que dará um jeito e que será uma boa
mãe.
Quando consegui me acalmar um pouco, despedi-me de Betânia.
Minha amiga me desejou boa sorte e disse que eu poderia contar com ela
para o que precisasse.
Arrasada, voltei para casa. Eu achava que estava vivendo um
pesadelo, mas como diz o ditado popular: “Não há nada tão ruim que não
possa piorar.”
Flávia

Ao chegar em casa, encontrei meu pai enfurecido na sala, andando de


um lado para o outro.
— Onde você estava? — ele gritou comigo, deixando-me assustada.
— Na casa da Betânia... — respondi receosa, sem entender por que
ele estava tão bravo daquele jeito. Não tinha como ele saber do meu estado,
ao menos que... Senti o estômago gelar ao lembrar que descartei o teste de
gravidez na lixeira do banheiro.
— Esse exame é seu? — Mostrou o palitinho com o rosto vermelho,
os olhos faiscantes de fúria e as veias do pescoço ingurgitadas. Tive medo
de que ele tivesse um ataque cardíaco. — Responde, Flávia! — esbravejou
diante meu silêncio. — Foi você que fez esse teste de gravidez? Está
grávida? E é você quem anda escrevendo aquelas sem-vergonhices que
encontrei no seu computador?
Puta merda! Arregalei os olhos aterrorizada.
— Pai, pelo amor de Deus, fique calmo ou o senhor vai acabar
passando mal — foi a única coisa que consegui dizer.
— Não fale o Santo Nome em vão! E tem coragem de me pedir calma
numa situação dessas? Você está grávida, Flávia? Tem escrito histórias de
imoralidade?
— Eu... eu... — Comecei a chorar. — Estou. Estou grávida, pai —
respondi entre lágrimas e soluços. — E escrevo romances eróticos, não são
pornografia.
— Ah, sua... sua... — Ele respirou fundo e apertou as têmporas. —
Você traiu os princípios divinos, a confiança da sua família, arrastou meu
nome na lama — falou entredentes. — Não criei filha pra ser vagabunda!
— bradou me fazendo estremecer.
— Me perdoa, pai — supliquei desesperada.
— Eu quero que você saia dessa casa, Flávia — falou em um tom
mais baixo, mas não menos raivoso.
— C-como? — gaguejei em pânico — Mas pai, eu não tenho pra
onde ir.
— Por favor, não faça isso com a menina, Ernesto! — mamãe tentou
interceder por mim.
— O senhor não pode mandar a Flávia ir embora assim, paizinho —
Laura também entrou na discussão em meu favor.
Apesar das súplicas, meu pai nem olhou para elas. Continuou com sua
atenção focada em mim.
— Deus nos manda perdoar setenta vezes sete se for necessário, mas
juro, minha filha, que a minha única vontade neste momento é te esganar.
Então, por favor, antes que eu perca a cabeça e cometa uma loucura, saia
dessa casa! Agora!
Despedaça, mas temendo que se eu insistisse a situação ainda poderia
ficar pior, saí apressada para o meu quarto. Peguei uma mala e comecei a
colocar dentro dela as minhas coisas.
— Ah, minha filha, eu sinto muito que isso esteja acontecendo. —
Mamãe, que apareceu logo em seguida, acompanhada da minha irmã,
começou a chorar. — Você tem dinheiro? — questionou, olhando-me com
pena e apreensão.
Assenti, sem parar de pegar minhas coisas.
— Para onde pensa em ir? — Ela começou a me ajudar a organizar as
roupas que eu estava jogando de qualquer jeito.
— Ainda não sei, mas vou dar um jeito.
— Eu vou conversar com Ernesto quando ele se acalmar um pouco,
filha, tenho certeza de que ele voltará atrás em sua decisão.
Assenti, com tristeza, sabendo que aquilo jamais aconteceria. Meu pai
era um homem muito turrão e rígido. Peguei minha mochila com o
computador, a mala, dei um braço em mamãe e Laura e saí de casa,
humilhada, triste e morrendo de medo do futuro que me aguardava.

Já da calçada, liguei para Betânia contando o ocorrido e perguntando


se eu poderia ir para lá.
— Ah, amiga, sinto muito que a situação tenha chegado a esse ponto.
Eu te receberia de braços abertos aqui, mas tenho certeza de que não vai
demorar para meus pais saberem os motivos de você ter saído de casa e,
apesar de não serem tão rígidos quantos os seus, aposto que eles não te
aceitariam, amiga, e ninguém merece ser expulsa duas vezes num mesmo
dia. Vou te ajudar a arrumar um lugar pra ficar, está bem? Pensei agora que
poderia ir para aquele abrigo para mulheres onde sou voluntária. Fica na
Mooca. Vou te passar o endereço e já ligar lá pra falar com a coordenadora
do local.
— Obrigada, amiga. Vou pra lá, então.
Desligamos e logo ela me enviou o endereço. Tentando juntar o que
restava da minha dignidade e esperança, pedi um táxi e parti.
Fui acolhida com carinho no abrigo, onde fiquei por um mês. Eu e
mamãe ainda nos encontramos nos dias que se seguiram, mas apesar de
seus apelos, como eu imaginava, papai não reconsiderou sua decisão.
Quando as aulas da faculdade começaram, fiz uma nova amiga,
Camila, minha colega no curso de Letras. Ela era de Limeira, estava
morando em um albergue estudantil perto do Campus da USP e louca para
sair de lá. Quando perguntou se eu gostaria de dividir um apartamento com
ela, fiquei muito animada com a ideia. Era minha oportunidade de sair do
abrigo, já que os ganhos com meus livros ainda não eram suficientes para
eu me manter sozinha.
Começamos a olhar apartamentos e encontramos um de três quartos
no Rio Pequeno que era bem bonitinho, já estava mobiliado e o valor do
aluguel cabia no nosso orçamento. Fechamos o contrato e nos mudamos na
semana seguinte.
Por conta das novas realidades e da distância, eu e Betânia, apesar de
nos falarmos com frequência, passamos a nos ver cada vez menos. Sentia
falta da minha amiga, no entanto entendi que nossas vidas tinham tomado
rumos diferentes.
Certo dia, ao ligar para mamãe, foi meu pai quem atendeu. Seco, ele
perguntou se eu estava bem. Quando respondi que sim, ele só disse
“ótimo”, em seguida, pediu que eu não os incomodasse mais. Que eu era
um mau exemplo para minha irmã e que não queria que continuasse
mantendo contato com mamãe, pois a cada vez que nos falávamos ela
ficava muito mal, então era melhor que eu a deixasse me esquecer. Como se
fosse possível uma mãe apagar da memória a existência de um filho. Para
minha surpresa, no dia seguinte ele cancelou meu plano de telefonia.
Comprei um novo chip e liguei para mamãe. Fiquei horrorizada ao perceber
que o número dela tinha mudado.
Resolvi dar tempo ao tempo, comecei a fazer o pré-natal e tratei de
cuidar da minha vida.

Camila se mostrou uma amigona durante toda a minha gestação.


Acompanhou-me a exames e me ajudou com os trabalhos da faculdade
quando a barriga já estava me deixando bem desconfortável.
Quando Davi nasceu, ela me ajudou a cuidar dele também. Eu sentia
que ela o amava como se fosse seu sobrinho.
Betânia ainda me visitou nessa época. Depois se casou e mudou para
o Rio, acompanhando o marido, antes mesmo de terminar a faculdade.
Nunca mais nos vimos.
Tentei avisar mamãe e minha irmã sobre o nascimento do Davi.
Como o telefone residencial também tinha mudado, mandei uma carta e
também um e-mail para Laura. Para minha tristeza, o e-mail voltou e sobre
a carta, nunca soube se receberam. Apesar de triste pelo afastamento da
minha família, não me deixei abater mais do que o necessário, afinal de
contas, tinha um bebezinho que precisava de mim.

O tempo passou, Davi cresceu, terminei a faculdade, fiz uma pós em


Revisão Textual e comecei a trabalhar como free lancer para algumas
editoras pequenas e a escrever e publicar cada vez com mais frequência.
Não demorou para emplacar meus primeiros sucessos na Amazon e, com
isso, ganhar mais dinheiro, o que foi um grande alívio financeiro. Pude,
assim, colocar meu filho em uma boa escolinha, a mesma em que Camila
lecionava.
Ao longo de seis anos, fiquei com alguns caras, mas não tive nada
sério com ninguém. Muitos homens se assustavam quando descobriam que
eu era mãe solo. Ainda esperava encontrar um cara perfeito como os
mocinhos dos meus romances, que aceitaria a mim e a meu filho, sem
reservas.
Certa tarde, enquanto fazia uma pausa na escrita, entrei em minhas
redes sociais. Acompanhava algumas editoras e sonhava com um dia ter a
oportunidade de ter meus livros publicados por alguma delas, distribuídos
para o Brasil todo e expostos em livrarias. Foi quando vi uma publicação da
Histórias & Livros anunciando uma vaga para o setor de avaliação de
originais. Pediam, como pré-requisito, formação em Estudos Literários,
Letras ou Jornalismo e pós-graduação em Revisão Textual.
Tratei logo de enviar o meu currículo e, para minha alegria, dois dias
depois fui chamada para a entrevista. Na semana seguinte me ligaram
informando que eu havia sido a escolhida.
A vida, às vezes, toma rumos que jamais imaginávamos. Vemos
nossos antigos sonhos serem destruídos, podemos até termos a fé e a
esperança abaladas, mas quando conseguimos resistir a todas as provas de
fogo, acabamos ressurgindo das cinzas, como a fênix. Foi o que aconteceu
comigo. Fui jogada ao fundo do poço da desolação, mas encontrei mãos
bondosas que me ajudaram a sair de lá e uma força poderosa me reergueu: o
amor pelo meu filho. Acreditava que um futuro lindo ainda nos aguardava.
Raoni

Na segunda-feira Jonas me disse que após anunciarem a vaga para o


setor de avaliações de originais, receberam muitos currículos, mas ele só
pré-selecionou cinco para entrevistas. Deixei a seu encargo a escolha de
quem contratar.
A manhã foi cheia. Tive várias reuniões dentro da empresa, pois
estávamos investindo pesado em um novo talento e o lançamento do livro
se aproximava. Na hora do almoço, vovó quis saber tudo. Mesmo afastada
da direção da editora, não deixava de se interessar pelos negócios e sempre
dava valiosos palpites.
— Tenho certeza de que mais uma vez está fazendo uma aposta
certeira, filho. Será outro livro de grande sucesso.
— Assim espero, vozinha. — Sorri carinhoso, mas logo fechei o
cenho ao observar uma mancha arroxeada em seu braço. — O que foi isso?
— Apontei, preocupado. — A senhora se machucou?
— Nossa, nem tinha visto. — Ela olhou o local, intrigada. — Devo
ter esbarrado em algum lugar. Minha destreza já não é a mesma. A idade
maltrata a gente!
— Vovó, mesmo que brigue comigo, vou ligar para o doutor Gusmão
e agendar uma consulta domiciliar.
— Já te disse que não precisa. Isso aqui não foi nada, está
exagerando.
— Mas por que essa resistência? O que custa deixar que ele avalie a
senhora e quem sabe fazer alguns exames de sangue depois?
— Mas que menino teimoso! Está bem, se for largar do meu pé, pode
marcar a consulta.
— Não precisa ficar brava, sabe o quanto te amo e que só quero o seu
bem.
— Ok, ok... — Ela meneou a cabeça, ainda irritada, o que me fez
olhá-la com divertimento.
Vovó era meu esteio, já estava idosa, mas o que eu pudesse fazer para
que ficasse bem e ainda vivesse muitos anos, eu faria sem hesitar.
Antes de retornar para a editora, avisei que dormiria aquela noite na
minha cobertura, já que tinha um jantar de negócios no Itaim Bibi. Despedi-
me dela com um beijo na testa e pedi que dona Mariana me avisasse, caso
precisassem de qualquer coisa.

A tarde seguiu tão agitada quanto a manhã. Ao chegar no meu prédio,


ainda fui para a academia, antes de tomar banho.
O jantar foi com uma agente literária. Ela era linda, jovem,
interessante e sempre que nos encontrávamos, flertava comigo. No entanto,
pelo que eu já conhecia dela, não era o tipo de mulher à procura de apenas
uma aventura sexual e como eu não tinha nada para oferecer além disso e
não costumava misturar diversão com negócios, fingia não entender suas
indiretas, nem os olhares sedutores.
Fiquei entusiasmado com o que ela me contou sobre um original e
pedi que me enviasse o book proposal para melhor avaliação. Ao contrário
das minhas concorrentes que preferiram investir em traduções de best
sellers estrangeiros, a Histórias & Livros vinha ganhando cada vez mais
destaque por apostar em autores nacionais, muitas vezes ainda pouco
conhecidos. Fazíamos boas campanhas de marketing e transformávamos
seus livros em verdadeiros sucessos de vendas.
Depois daquele longo e produtivo dia, cheguei em casa exausto e me
atirei na cama.

Acordei com o cheirinho de café. Tomei uma ducha fria para me


ajudar a despertar melhor, vesti-me e desci para a cozinha.
— Bom dia, seu Raoni! — minha governanta cumprimentou alegre.
— Bom dia, dona Cícera! Tudo bem com a senhora?
— Tudo sim, graças a Deus. Como me avisou ontem que dormiria
aqui, cheguei mais cedo e já fiz café e também seus ovos mexidos, como
gosta, ainda estão quentinhos.
— Obrigado, querida.
— Está ainda mais bonito hoje, patrão, mas se me permite dizer, acho
que leva uma vida solitária demais. Devia é arrumar logo uma namorada,
casar e encher esse apartamento de crianças.
— Ah, dona Cícera, a senhora conhece a minha história. Não acho
que alguém como eu, que passou por tudo que passei, seja capaz de ter uma
família, de acreditar no amor, de querer ter filhos...
— Corta meu coração te ouvir falar assim e ver essa tristeza que
carrega no fundo do olhar. É tão novo, rico, bonito, um rapaz bom, merece
ser feliz.
— Não sei se sou tão bom assim quanto imagina. Acredite, existem
monstros que habitam em mim e que a qualquer momento podem vir à tona.
— Eu sinto tanto... Vou orar a Deus pra te libertar dessa dor, desses
traumas. Isso uma hora vai passar, o senhor vai ver.
Ela me serviu o café e eu respirei fundo. Gostava de dona Cícera, ela
me conhecia há anos. Antes de se tornar minha governanta, trabalhou como
copeira na editora. Contudo aquele não era o melhor tipo de conversa para
se iniciar um dia.
Tomei meu desjejum, despedi-me dela e saí, refletindo sobre a vida.
A caminho da empresa, decidi que assim que chegasse, ligaria para o
médico da vovó e para meu urologista. Era melhor fazer logo a vasectomia,
não queria correr riscos de colocar um filho no mundo e acabar sendo um
péssimo pai. Como eu poderia ser um bom, se não tive exemplo disso?
Flávia

Camila ficou tão empolgada quanto eu, quando contei que tinha
conseguido a vaga. Davi, que já estava com seis anos, às vezes se
comportava como um verdadeiro rapazinho e também fez questão de
demonstrar sua alegria e entusiasmo.
— Que máximo, parabéns, mamãe! — Ele se aproximou com os
bracinhos estendidos para me dar um abraço. Abaixei-me para receber seu
carinho. — Um dia me leva até lá? Acho que deve ser bem legal trabalhar
em um lugar cheio de livros pra todos os lados.
— Obrigada, meu lindo. Se me permitirem, te levo, sim. Mas sem
querer ser desmancha-prazeres, acho que uma editora não é bem como está
imaginando.
— O que é desmancha-fazeres?
— Desmancha-prazeres, amor. É quando alguém fala ou faz algo que
meio que acaba com a alegria do outro, entende?
— Hum... acho que sim. Tipo quando eu estou animado vendo um
desenho e você diz que é hora de ir pra cama, não é?
Eu e Camila não conseguimos conter o riso, diante daquele rostinho
lindo e fofo que demonstrava toda a frustração com a situação relatada.
— Isso mesmo. Mas sabe que a mamãe sempre fala para o seu bem,
não é? Criança tem que dormir cedo, pra descansar e poder crescer.
— Será que eu vou ficar alto? Como era meu pai? Você nunca fala
dele.
— Seu pai é bem alto e muito bonito. Você se parece muito com ele.
O cabelo castanho, os traços do rosto. Só seus olhos azuis é que puxaram
aos meus. — Sentei e o coloquei no meu colo. Mesmo tantos anos depois,
era impossível esquecer como era Romeu, pois sua semelhança com Davi
me fazia lembrar dele todos os dias.
— Não sabe mesmo onde ele está? Gostaria tanto de conhecê-lo...
— Infelizmente não. Queria que as coisas tivessem sido diferentes.
Sinto tanto, meu filho... — Beijei o topo da sua cabecinha.
— Ele não morreu, né?
— Eu nunca mais o vi, nem soube nada sobre ele, mas imagino que
esteja vivo.
Eu não tinha contado para meu filho em que situação o havia
concebido, mas ele sabia que eu e o seu pai não nos vimos mais, que nos
afastamos antes de eu descobrir que estava grávida e que, portanto, ele não
tinha conhecimento da sua existência.
— Todas as noites eu peço a Deus para dar um jeitinho de fazer você
e papai se acharem. Para Ele nada é impossível, não é mesmo?
— Tem toda razão, meu amor. Para Deus nada é impossível.
Não gostava de ficar iludindo Davi, já que encontrar o pai seria como
achar uma agulha no palheiro, mas também não era justo tirar sua
esperança. Afinal, o que seria de nós sem ela?

Na segunda-feira seguinte, deixei Davi e Camila na escola antes de ir


para a editora. Minha amiga ainda não comprara um carro e como lecionava
de manhã e Davi ficava no período integral, eu os levava, depois ela voltava
de ônibus e eu o buscava no final do dia.
Ao chegar à empresa, que se localizava em um prédio luxuoso na
Avenida Paulista, apresentei-me na recepção. Com as mãos frias e suando,
pelo nervosismo, eu jurava que até podia ouvir meus próprios batimentos
cardíacos.
Uma moça simpática me providenciou um crachá de visitante e me
levou até o departamento de Recursos Humanos. Carteira assinada e
exames admissionais agendados, conduziram-me ao setor em que
trabalharia, onde fui apresentada ao chefe. Seu nome era Jonas, devia ter
por volta de cinquenta anos. Era alto, tinha os cabelos grisalhos, olhar
atento por detrás dos óculos de grau e um sorriso fácil e cativante. Ele me
convidou para sentar e em poucos minutos de conversa, minha tensão
amenizou.
— Consegue fazer os exames amanhã? Estamos precisando com
urgência de reforço, então gostaria que já começasse a trabalhar na quarta-
feira.
— Claro. Já deixaram tudo agendado.
— Então é isso, Flávia. Seja bem-vinda à Histórias & Livros! Fico te
aguardando na quarta.
Ele levantou, fiz o mesmo, e nos despedimos com um aperto de mãos.
Antes de deixar a sala, ainda dei uma boa olhada pelo lugar. Detive
minha atenção em uma estante enorme onde estavam os títulos já
publicados pela editora. Algo dentro de mim se agitou ao imaginar que,
algum dia, meus romances também poderiam estar ali.
Respirei fundo e fui embora, ainda com uma sensação gostosa de que
minha vida estava prestes a mudar.

Na quarta-feira, assim que cheguei para o meu primeiro dia de


trabalho, recebi o crachá oficial de funcionária e fui encaminhada para o
setor de avaliação de originais.
— Bom dia, Flávia! — Jonas cumprimentou alegre, assim que entrei.
— Animada para começar?
— Bom dia, senhor Jonas. Estou bastante animada, sim.
— Ah, esqueci de dizer na segunda-feira, mas não precisa me chamar
de senhor, me sinto velho demais e já bastam os meus cabelos brancos para
me lembrarem da minha idade.
Seu jeito espirituoso me fez sorrir.
— Jonas, então, como queira.
Ele assentiu satisfeito.
— Essa será sua mesa. — Apontou à direita. — Eu já baixei no
laptop quatro arquivos de originais que quero que avalie primeiro. Os
outros receberá por e-mail depois. Criamos uma conta pra você, é
flaviacastilho@historiaselivros.com e a senha inicial é 123*hL. Por favor
altere no seu primeiro acesso.
— Ok, pode deixar. Eu preciso ler os textos na íntegra ou só os
primeiros capítulos?
— Leia os seis primeiros capítulos. Se achar que a escrita é boa e a
história tem apelo e potencial, continue, senão, pode descartar e partir para
o próximo.
— Beleza.
— Os que gostar e concluir a leitura até o final, destaque os pontos
fortes da trama e coloque os motivos pelos quais acha que devemos
publicar a obra, faça também uma espécie de resenha. Usarei esse material
para apresentar para o Raoni depois.
— Quem é Raoni?
— Raoni Campelo é o CEO da companhia, neto e único herdeiro da
Vilma Campelo, a dona de tudo isso aqui. Ainda vai conhecê-lo.
Aquiesci, constrangida por nunca ter ouvido falar sobre ele. Apesar
de a editora ser uma das maiores do Brasil, seus donos não costumavam
aparecer nas mídias e eu não sabia nada sobre eles.
— Ah, Flávia, exigimos como pré-requisito para a contratação
formação em Revisão Textual porque precisaremos socorrer essa área vez
ou outra. Como vi em seu currículo que já tem experiência como revisora
freelancer para algumas editoras, acredito que não será um problema pra
você, certo?
— Tranquilo, pode contar comigo!
— Vou te deixar trabalhar agora e sair para uma reunião. Daqui a
pouco seus outros dois colegas chegarão. Se tiver alguma dúvida e precisar
de qualquer coisa, pode perguntar pra eles, está bem?
— Certo, obrigada!
Ele deixou a sala e eu ocupei o meu lugar. Abri o laptop e comecei a
trabalhar. Achei a história do primeiro original com um ritmo muito lento e
até enfadonha, então só fui até o capítulo seis por desencargo de
consciência e logo peguei o segundo para ler. Ao contrário do primeiro,
tinha uma escrita fluida, envolvente e um ritmo perfeito. Devorei cada
página sem me dar conta do tempo.
Meus colegas de setor chegaram, cumprimentaram-me e ocuparam
seus lugares.
Continuei a leitura daquela obra fascinante e quando terminei, fiquei
com uma gostosa sensação de que queria mais. Empolgada, abri um arquivo
no Word e fiz as anotações que achava pertinentes, os motivos pelos quais
julgava que ela deveria ser publicada e uma pequena resenha. Só conferi as
horas quando meu estômago começou a roncar de fome.
Meus colegas já haviam saído para o intervalo de almoço quando me
dei conta de que já perdera meia hora do meu. Apressada, saí da editora e
fui até o primeiro self-service que encontrei.
Ao retornar, peguei o terceiro original que Jonas deixara separado
para mim. Estava até bom, mas o autor se perdeu na história a partir de
cerca de cinquenta por cento dela. Até tentei insistir na leitura, mas acabei
abandonando e partindo para o próximo.
O quarto foi uma agradável surpresa que me conquistou página por
página e também mereceu um relatório acalorado.
Quando o expediente encerrou, fui direto buscar Davi na escola.
Muito animado, ele me encheu de perguntas sobre meu primeiro dia de
trabalho. Passamos na padaria para comprar pão e bolo e depois fomos para
casa.

Na quinta-feira, consegui avaliar três originais pela manhã e mais dois


à tarde. Só um passou pelo meu crivo. Antes que o expediente terminasse,
Jonas me chamou para tomar um café.
— Gostei bastante dos relatórios que entregou ontem. Você tem um
olhar muito especial para as histórias e isso é ótimo. Tenho certeza de que
nos ajudará a fazer boas escolhas.
— Fico feliz que esteja agradando.
— Ontem na reunião com Raoni, ele pediu para darmos uma olhada
em alguns livros que estão em destaque na autopublicação da Amazon.
— Tem algum que gostaria que eu visse primeiro?
— Tem sim. Já faz algum tempo que uma autora vem me chamando
atenção e achei a última história que ela publicou muito boa. Adoraria saber
sua opinião.
— Claro. Qual o título da obra?
— Você em mim, da F.C. Paixões.
— C-como disse? — Ao ouvir o título do meu mais recente romance
e o meu pseudônimo, o coração bateu forte e descompassado, causando-me
uma vertigem.
Flávia
— Você está bem? — o chefe questionou, preocupado, percebendo
meu mal-estar.
— Estou. — Respirei fundo, tentando me acalmar. — Desculpa,
Jonas. Eu juro que adoraria dar a minha opinião sobre essa obra, mas não
seria muito ético da minha parte.
— E por que não? — Ele me encarou curioso, unindo as
sobrancelhas.
— É que eu sou a F.C. Paixões. — Sorri nervosa.
— Não acredito! Você está brincando, né?
— Não. É a mais pura verdade.
Nos minutos que se seguiram, contei a ele em detalhes toda a minha
trajetória até ali.
— Uau! Estou chocado, Flávia! Menina, eu adoro as suas histórias e
acho que merece muito todo o sucesso que está fazendo. Você tem algum
original inédito?
— Tenho sim. — O coração continuava parecendo uma escola de
samba dentro do peito e o sorriso bobo insistia em não deixar meu rosto.
— Poderia me enviar ainda hoje?
— Claro. Será uma honra submeter meu texto para sua apreciação.
— Estou muito empolgado com essa descoberta! Prometo ler ainda
hoje e amanhã te falo o que achei.
— Muito obrigada por isso, de verdade. Nem imagina o quanto
sonhei com esse momento, com a oportunidade de ter um livro publicado
pela editora.
— Se for tão bom quanto os outros, acredito que Raoni vai concordar
em investirmos em você.
— Torcerei por isso.
Agradeci mais uma vez, despedimo-nos e saí.
No caminho até a escola do Davi, só conseguia agradecer a Deus.

— Você parece mais feliz hoje, mamãe. Está até mais bonita — meu
filho comentou ao me ver e me dar um forte abraço.
— Obrigada, meu amor. Tem uma coisa muito boa que pode
acontecer em breve.
— Vai ganhar um presente?
— Digamos que é praticamente isso. Talvez a editora Histórias &
Livros publique um romance meu, não é demais?
— Que irado!
— Irado mesmo! Ainda não estou nem acreditando. Vamos embora
rapidinho, porque quando a mamãe chegar em casa, ainda tem que enviar o
arquivo do livro para o chefe dela.
— Então vamos no modo turbo!
Ri do jeito empolgado dele e entramos no carro. O trânsito quase me
enlouqueceu e acabei demorando mais do que previa. Mal chegamos em
casa, liguei meu computador e enviei o e-mail para Jonas.
— Boa sorte, mamãe! — Davi, que não desgrudou de mim desde que
chegamos, falou ao me ver fechar os olhos e fazer uma prece em silêncio.
— Obrigada, meu amor! — Abri as pálpebras, beijei sua testa e o
chamei para fazermos um lanche.
Antes que eu tivesse a chance de abrir a boca, Davi contou para
Camila a novidade.
— Que maravilha, amiga! Merece demais as coisas boas que estão
acontecendo. Vai dar certo, você vai ver. Na sua noite de autógrafos serei a
primeira da fila — falou, exagerada, e me abraçou. — Que tal uma pizza
para comemorarmos? Vou pedir pra gente!
— Oba! Pede de samorela com presunto! — Davi se manifestou,
eufórico.
— É muçarela, meu bem — eu o corrigi e nós três rimos.
Enquanto aguardamos a entrega, tomamos banho.

Mal consegui dormir naquela noite e no dia seguinte, ao chegar à


editora, fiquei ansiosa para encontrar Jonas.
Para minha agonia, só conseguimos nos ver quando eu saía para o
intervalo dos turnos.
— Estava saindo para o almoço? — ele perguntou ao entrar na sala e
me ver pegando a bolsa.
— Sim, mas se quiser conversar, posso esperar.
— Imagina, querida, não vou te deixar morrendo de fome. Vamos
almoçar juntos e a gente conversa. Aproveite que é por minha conta!
— Sorri, ansiosa, e o acompanhei.
Ele me levou a um restaurante sofisticado, o que me deixou um pouco
desconfortável. Ao olhar os preços no cardápio, fiquei tão assustada que
quase perdi a fome.
— O que vai querer? — perguntou gentil.
— Eu... hum... uma água, acho.
— Boba! Não se preocupe com os preços. O dono daqui é primo do
Aloísio, meu marido, e eu sempre tenho um bom desconto.
— Ainda, assim... tudo é tão caro que não tenho coragem de escolher
nada.
— Então deixa que escolho pra você. — Ele ergueu um dedo e logo
um garçom se aproximou.
— Duas sugestões do chefe, por favor, e dois sucos de laranja. — O
funcionário anotou os pedidos em seu tablet e saiu.
— Flávia Castilho... — ele começou a falar e fez uma pausa, olhando-
me com empolgação. — Ou seria melhor eu dizer F. C. Paixões?
Sorri, quase tendo um troço, de tanta ansiedade, aguardando o que
viria a seguir.
— A história que me mandou é simplesmente SEN-SA-CIO-NAL!
— Ah, meu Deus... — Arregalei os olhos e levei a mão à boca,
contendo a vontade de dar um gritinho.
— Querida, precisamos publicar você, tenho certeza de que seu
romance será o novo best seller da editora.
— Não me diga uma coisa dessas que meu pobre coração não
aguenta. — Minha voz fraquejou e os olhos ficaram marejados, tamanha
emoção.
— Eu falo sério, Flávia. O original é muito bom. Tem muito potencial
de venda. Raoni viajou hoje de manhã e não tive a oportunidade de falar
com ele antes, mas assim que voltar dos Estados Unidos, apresentarei seu
romance. Quem bate o martelo na decisão final do que publicaremos ou não
é ele. Mas o conhecendo bem, meu amor, acho que você já pode começar a
comemorar.
— Ah, Jonas, eu preciso te dar um abraço. — Levantei, empolgada
demais para me conter, e fui até ele. — Obrigada, obrigada, obrigada! Dei
um beijo estalado em sua bochecha, sem me preocupar se meu gesto estava
sendo inconveniente.
— De nada! Será uma grande honra te lançar no mercado tradicional
do livro!
Depois daquela conversa, fiquei tão agitada que mal consegui comer e
foi difícil me concentrar no trabalho no período da tarde.
Ao sair da editora, fiz uma prece ao Senhor, agradecendo por Ele
nunca ter me abandonado. Achava rigorosa demais a forma como meu pai
enxergava a religião, no entanto jamais questionei a existência de Deus,
nem Sua bondade. Rebelei-me contra a opressão, não contra a fé.
Passei por momentos difíceis, tive tanto medo e incertezas, mas as
coisas foram se ajeitando. Não era fácil ser mãe solo, ter de me virar
sozinha, sem o apoio da minha família, sem ao menos saber por onde
andava o pai do meu filho e sua real identidade. Considerava-me uma
guerreira. A esperança em dias melhores sempre me guiou. Já me
autopublicava há mais de sete anos, meus livros garantiam meu sustento,
mas sabia que a oportunidade que o Jonas estava me oferecendo, seria um
ponto de virada não só em minha carreira, também na minha vida.
Raoni

Com o crescimento vertiginoso da editora, boas propostas não


paravam de chegar, como o convite que recebemos de uma grande
companhia americana para uma parceria exclusiva. Conversamos por
videoconferência, mas achei melhor ir pessoalmente resolver algumas
questões.
Precisei cancelar a consulta que marcara com o urologista. Havia
ligado também para o consultório do médico da vovó. Ele estava sem data
para as próximas semanas, contudo, mesmo ela insistindo que se sentia
bem, deixei agendado com ele uma visita domiciliar para o mês seguinte.
Passei uma semana proveitosa nos Estados Unidos e vim de lá com
mais um excelente acordo comercial assinado. Consegui exclusividade para
traduzir os livros de uma das mais famosas editoras norte-americanas e
consegui ainda que eles concordassem em traduzir para o inglês e publicar
os best sellers brasileiros da Histórias & Livros. A oportunidade incrível
para nossos autores entrarem no mercado estrangeiro me deixou muito
contente.
As boas notícias não paravam de chegar. Logo que retornei, Jonas foi
até a minha sala contar que tinha descoberto um novo talento em quem
deveríamos investir e que eu não iria acreditar quando ele me dissesse quem
era.
— Pare de fazer suspense e diga logo, Jô! — adverti assim que ele
sentou à minha frente.
— A autora está aqui bem debaixo do nosso nariz. É a nova
contratada do meu setor, a Flávia Castilho.
— Como? Nem sabia que era escritora... — Olhei para ele
desconfiado.
— Na verdade, nem eu. Mas acabei descobrindo que ela é a F.C.
Paixões, aquela autora que vem ganhando destaque na Amazon. Daí
perguntei se tinha algum original inédito para me apresentar. Ela me
mandou um texto que devorei, juro. Precisamos publicar esse livro, Rao.
Tenho certeza que vai vender igual água!
— Sério que ela é a F.C. Paixões?
— Seríssimo! Nunca tinha revelado a real identidade, nem mostrado o
rosto por conta de questões familiares. Uma longa história.
— Me manda o arquivo para eu dar uma olhada, então, por favor.
— Pode deixar, farei isso agora mesmo.
Ele se despediu e saiu.
Eu ainda não tinha lido nada da tal F.C. Paixões, mas já tinha pedido a
Jonas que ficasse de olho nela, pois vinha mesmo conseguindo ótimos
resultados com seus lançamentos independentes. Achei interessante ela ser
a nossa nova funcionária e fiquei curioso para ler o texto inédito que
impressionou o Jô.
Respondi alguns e-mails e logo chegou o dele com o arquivo do
romance. Intrigado, comecei a ler no mesmo instante.
Ela tinha uma escrita simples, mas bem fluida e envolvente.
Conseguiu ganhar minha atenção logo com a primeira frase.
Sem nem me dar conta do tempo, passei a manhã toda vidrado
naquela história, que era realmente boa, envolvente e apaixonante. Jonas
tinha razão, era o tipo do livro que com uma boa campanha de marketing e
distribuição, venderia como água no deserto. Com certeza cairia no gosto
do público feminino.
Já estava quase na hora do intervalo dos turnos e logo as equipes
sairiam para o almoço, querendo conhecer a dona do nosso próximo best
seller, liguei para Jonas e pedi que ele a levasse até minha sala.
Poucos minutos depois, ele entrou com a garota, que me pareceu na
mesma medida eufórica e assustada.
Quando nossos olhares se encontraram, tive a impressão de já tê-la
visto antes. Estreitei as pálpebras e a observei bem, mas por mais que me
esforçasse, não conseguia lembrar de onde.
— Então você é a famosa F. C. Paixões? — perguntei em tom
divertido, mas o sorriso cordial que eu estampava no rosto logo se desfez ao
perceber que a garota ficou pálida de repente e parecia prestes a desmaiar.
— Não está se sentindo bem?
A resposta foi um balbucio ininteligível e para o meu espanto, em
seguida, ficou toda mole e despencou no chão, desacordada.
— Faça alguma coisa, Jonas! — Antes de levantar e ir ao seu socorro,
gritei para ele que estava estático ao lado dela, parecendo horrorizado com a
cena.
Tentei espantar do pensamento as imagens da minha mãe morta, que
vieram com tudo em minha mente, fazendo as pernas fraquejarem e os
batimentos cardíacos acelerarem. Angustiado, abaixei-me ao lado da moça
para conferir se respirava e tinha pulso. Fiquei aliviado ao constatar que
estava viva.
— Traga um copo d’água, depressa — pedi a Jonas que ainda estava
meio atônito. — Ande homem, nunca viu ninguém desmaiado antes?
— Sendo bem honesto, não — ele conseguiu responder e logo se
afastou para pegar o que eu pedi.
Molhei com delicadeza a testa da garota e também seu pescoço. Ela
era linda. Pele clara, cabelo loiro, nariz fino e arrebitado, lábios carnudos. A
cada segundo a observando, mais tinha a sensação de que a conhecia. Não
podia ser das suas redes sociais de autora, já que Jonas dissera que ela não
se mostrava por questões familiares. De onde, então? Será que já havíamos
ficado juntos? Não era um exímio fisionomista, mas costuma recordar das
mulheres com quem transava. Não podia ser isso. Talvez fosse apenas
impressão.
— Ei, Flávia, acorde — chamei-a pelo nome e bati de leve no seu
rosto delicado.
Molhei um pouco mais sua testa e o pescoço, então ela puxou o ar
com força e abriu as pálpebras, olhando-me assombrada. Seus olhos azuis
se prenderam aos meus com tanta intensidade que me deixaram perturbado.
— Nós já nos vimos antes? — questionei, ajudando-a sentar. — Você
me parece muito familiar, porém não estou conseguindo lembrar de onde
nos conhecemos.
— Não pode ser... — ela balbuciou e voltou a desmaiar.
— Pelo amor de Deus, não fique aí parado, chame uma ambulância,
Jonas! O que está acontecendo com essa mulher? Será que ela tem algum
problema de saúde?
Ajeitei seu corpo no chão e peguei uma almofada para colocar
debaixo da cabeça, ouvindo Jonas falar na emergência.
Enquanto aguardamos, andei de um lado para o outro, preocupado e
ansioso, tentando entender as palavras que ela pronunciou antes de apagar
pela segunda vez: “não pode ser”. O que quis dizer com aquilo?
Alguns minutos depois ouvi barulho de sirenes, o que me perturbou
ainda mais. Não demorou para que uma equipe de paramédicos adentrasse
minha sala e prestasse socorro para a funcionária desfalecida no chão.
Por mais que a situação em nada se comparasse a daquela noite
fatídica, foi impossível não recordar. Tomei um copo d’água e respirei
fundo, antes que eu também precisasse de atendimento.
Flávia

Quando Jonas me disse que o todo poderoso CEO da editora, o senhor


Raoni Campelo, queria falar comigo, fiquei ao mesmo tempo animada e
ansiosa.
— Será que ele gostou do meu texto? — questionei ao meu chefe
imediato, levantando e ajeitando a roupa com as mãos. — Estou bem?
— Vamos descobrir agora o que ele achou e não se preocupe com seu
visual, está linda como sempre.
Sorri, tentando conter o nervosismo e o acompanhei.
Sem aguardar que a secretária nos anunciasse, Jonas bateu de leve na
porta e entrou, chamando-me em seguida. Pedi licença e adentrei o local. O
coração batia acelerado e as mãos suavam frio. Enxuguei-as na calça e
respirei fundo. Precisava me acalmar. Não podia fazer papel de tola. Se ele
queria falar comigo, provavelmente tinha gostado do meu texto e talvez
oferecesse uma publicação. Aquela era uma grande oportunidade, não
poderia desapontá-lo aparecendo na sua frente como uma criança assustada.
No entanto quando achei que tinha as emoções sob controle e ergui o olhar
para encontrar o dele, fiquei paralisada.
Ou eu estava enlouquecendo, tendo uma alucinação, ou o homem à
minha frente, o herdeiro da Histórias & Livros, era o pai do meu filho.
Engoli em seco, atordoada. Raoni Campelo era o Romeu?
Fechei as pálpebras por um instante, imaginando que quando as
abrisse veria outro rosto. Bastou aqueles segundos para os flashes de
recordações da noite que saí com Betânia, para comemorarmos a entrada na
faculdade, viessem em minha mente. O lugar chique, as pessoas bonitas e
bem-vestidas, os drinques, o efeito do álcool me deixando zonza e o
desconhecido lindo e sedutor. Nossa conversa, o motel, os beijos, seu
sorriso perfeito, a boca safada percorrendo meu corpo e me dando prazer.
Ele dentro de mim. O cheiro de sexo misturado ao seu perfume marcante e
certamente caro, nossos gemidos, o orgasmo avassalador.
Apavorada com as lembranças, abri os olhos. Para meu desespero, a
figura que me encarava continuava a mesma. Não tinha dúvidas, era ele.
Raoni era Romeu. Meu sangue gelou. Olhava-o como se visse um fantasma,
impressionada pela semelhança com Davi, muito maior do que eu supunha.
Era impossível negar que eram pai e filho.
Quando ele perguntou se eu era a famosa F.C. Paixões, tentei sorrir,
responder qualquer coisa, mas uma vertigem estranha me dominou. Ele me
encarou preocupado e questionou se eu estava bem, ainda incrédula com
aquele reencontro, balbuciei um “não pode ser”, antes de apagar.
Acordei com ele abaixado ao meu lado, com a mão no meu rosto. Seu
perfume ainda era o mesmo que usava naquela noite. Lembrei do seu corpo
nu sobre o meu, levando-me aos céus. Aturdida, desmaiei de novo.
Quando recobrei a consciência pela segunda vez, a luz de uma
lanterna incomodava meus olhos. Não demorou para perceber que estava
sendo examinada por uma equipe de resgate. Para quem teve receio de fazer
feio diante do CEO, o que poderia ser pior que aquilo?
Um dos paramédicos explicou que eu estava bem, frequência e ritmo
cardíacos normais, assim como a pressão arterial, respiração e glicemia.
Que provavelmente foi só um desmaio causado por fortes emoções. Assenti
e eles me ajudaram a ficar de pé. Quando se certificaram de que eu não
apagaria de novo, orientaram que eu agendasse uma consulta médica de
rotina, despediram-se e foram embora.
— Desculpem-me por isso — pedi, desconcertada, sem conseguir
encarar Raoni.
— Não precisa se desculpar, imagina, ninguém tem culpa de passar
mal. Tem certeza de que agora está mesmo se sentindo bem? — Aquela voz
grave e melodiosa questionou, a mesma que sussurrou obscenidades em
meu ouvido quase sete anos antes.
— Estou sim. — Abri os olhos e me obriguei a encará-lo, forçando
um sorriso.
— A gente já se conhece? — ele questionou, observando-me com
atenção, pálpebras estreitadas e sobrancelhas quase unidas.
— Creio que não. — Tentei disfarçar meu nervosismo e a mentira.
— Tenho a impressão de já ter te visto... — Ele ainda me olhou
desconfiado. — Sentem-se, por favor. — Indicou as cadeiras em frente à
sua imponente mesa de madeira escura e ocupou a do outro lado. — Sei que
já está na hora do almoço, mas vou pedir para trazerem um café e uns
biscoitos pra gente, ok?
Eu e Jonas assentimos. Meu chefe imediato ainda me observava
assustado.
— Estou bem, juro. Pare de me olhar desse jeito — pedi baixinho e
ele aquiesceu.
— Flávia — Raoni voltou sua atenção para mim, ao desligar o
telefone. — Ou devo chamá-la de F.C. Paixões? — soou divertido.
— Flávia está ótimo — respondi simpática, tentando, pelo menos por
ora, esquecer que era o pai do Davi e que em algum momento eu precisaria
lidar com aquilo.
— Li o original que enviou para Jonas. Ele tinha razão, sua escrita é
fluida, envolvente e a narrativa muito boa, com ótimo apelo comercial.
— Muito obrigada. — Meu coração disparou em expectativa.
Respirei fundo, tentando manter a calma, pois seria ridículo desmaiar uma
terceira vez.
— Quero publicar seu livro.
— Jura? — Arregalei os olhos e minha voz saiu afetada. Precisei
conter a vontade de gritar, levantar, pular e até mesmo chorar de alegria.
Naquele momento fomos interrompidos pela copeira levando o café e
os biscoitos que pedira.
— Faremos de tudo para ser um grande sucesso de vendas. Vou te
apresentar minha ideia para a publicação, mas para que possamos fechar o
contrato, tenho uma exigência.
— Claro. Qual seria? — Peguei uma xícara de café e um biscoito.
— Fica impossível planejarmos um bom lançamento sem que revele
sua identidade e mostre seu rosto. Pode até manter o pseudônimo, caso
queira, mas a imprensa vai desejar saber quem é a pessoa por trás dele.
Assenti, prestando atenção ao que dizia.
— Também costumamos organizar turnês pelo Brasil e as
consideramos uma excelente forma de divulgação e uma maneira de
conquistar novos leitores — continuou sua explicação. — Jonas me disse
que tiveram questões familiares que a fizeram se manter anônima no
passado, mas preciso saber de você com honestidade, haveria algum
problema em se revelar agora?
Levei apenas alguns segundos para refletir sobre sua pergunta. Com
certeza meu pai ficaria furioso quando o nome da filha fosse exposto para
todo o Brasil com uma escritora de romances eróticos. Mas ele me virou as
costas na época que mais precisei, afastou-me de mamãe e minha irmã. Em
quase sete anos nunca me procurou para saber se estava bem ou se
precisava de ajuda, nem quis conhecer o neto. O que me importava a sua
reação?
— Problema nenhum. Acho que já era mesmo a hora disso acontecer
— respondi, decidida.
— Excelente! Que tal almoçarmos juntos para conversarmos melhor
sobre o contrato?
— Boa ideia. O biscoitinho está uma delícia, mas não conseguirá
aplacar minha fome — respondi, sincera, e ele deu um sorriso tão lindo
quanto os que me recordava. — Vou só pedir que Tales nos acompanhe, ele
é o advogado da editora e poderá esclarecer melhor quaisquer dúvidas que
tenha.
Aquiesci e o aguardei fazer a ligação.
— Parabéns, garota! Estou muito contente por essa contratação. Já
estava de olho em você, quero dizer, na F.C. Paixões, há um bom tempo —
Jonas pousou sua mão sobre a minha. Seu livro será um sucesso, pode
acreditar na gente!
Sorrimos e logo Raoni nos chamou para sair.
Estava tão empolgada com tudo aquilo que deixei as preocupações
para depois. Tinha consciência de que em algum momento precisaria
revelar a ele que eu era a Julieta com quem transara no passado e que ele
tinha um filho. Mas como diria Camila: “uma coisa de cada vez!”

O almoço foi bastante agradável. Tales devia ter mais ou menos a


idade de Raoni. Era lindo, negro, alto, forte e dono de um sorriso cativante.
Apesar da beleza do rapaz, o foco da minha atenção era o CEO herdeiro.
Não por sua posição social, riqueza, poder, nada disso, mas porque ainda
estava espantada por tê-lo reencontrado depois de tanto tempo. O destino
era mesmo surpreendente. Quando eu imaginaria, ao me candidatar para
aquela vaga, que acabaria encontrando o pai do meu filho?
Não foi à toa que me encantei por Raoni naquela noite anos antes. Ele
era mesmo uma figura imponente. Mais alto e mais forte do que eu me
lembrava. Bonito, charmoso, com um ar de mistério. Tinha algo nele que
aguçava meus instintos, curiosidade e desejo. Uma certa tristeza no olhar,
um jeito protetor. Enquanto o observava, acho que cheguei a suspirar.
— Está mesmo bem? — Sua voz aveludada me despertou do
devaneio.
— Sim. Obrigada por perguntar.
Ele concordou com um aceno de cabeça e grudou seu olhar poderoso
e enigmático no meu. Cheguei a ter uma palpitação e meu corpo todo ficou
em alerta.
— O dia está quente hoje, né? — comentei, abanando-me, precisando
de ar.
Os três homens me olharam confusos.
— Até que está bem fresco e a climatização aqui do restaurante é
perfeita, não acha? — Jonas franziu o cenho ao me avaliar, parecendo ainda
se questionar o que estava acontecendo comigo.
— Ah, talvez sejam mesmo minhas emoções que ficaram afloradas e
estão me deixando esquisita. Afinal, não é todo dia que se recebe uma
proposta de publicação de uma editora tão famosa. — Tentei soar divertida
e pareceu funcionar, pois os três sorriram.
O almoço seguiu em clima descontraído, no entanto volta e meia meu
olhar se cruzava com o de Raoni e ele parecia continuar tentando se lembrar
onde já tinha me visto.
Ele tinha bebido na noite que ficamos juntos e ali no restaurante
contou que não tomava nada alcóolico. Talvez por isso ainda não tivesse se
recordado de onde me conhecia.

Foi difícil trabalhar naquela tarde. Estava eufórica pelo fato de que
teria um romance publicado pela Histórias & Livros e porque precisava
encontrar uma forma de contar ao Raoni sobre a paternidade do Davi.
Quando o expediente terminou, fui direto para a escolinha. Mais uma
vez meu pequeno me recebeu com um abraço de urso.
— Lembra que a mamãe disse que poderia ter um livro publicado
pela editora que está trabalhando?
— Claro! Eu até orei pro Papai do Céu para que desse tudo certo.
— Pois suas preces foram atendidas, filho! Hoje me disseram que vão
publicar meu romance!
— Sério? — ele arregalou os olhinhos, animado.
— Seríssimo!
— Uhul! Que irado, mãe, parabéns! Você vai ficar famosa e aparecer
na TV?
— Quem sabe, meu amor?
— Aposto que vai e quer saber? Acho que será assim que o papai irá
te ver e vamos descobrir onde ele está.
— Oh, meu amor... — Engoli em seco ao ouvir aquilo.
Eu quis dizer que já o tinha encontrado, mas não poderia falar aquilo
assim de qualquer maneira, muito menos sem antes saber qual seria a
reação do Raoni. E se ele não quisesse assumir a paternidade? Era melhor
Davi achar que o pai estava perdido por aí, do que o rejeitou.
— Que tal comprarmos um bolo bem gostoso e um potão de sorvete
pra comemorarmos?
— Ótima ideia! Sorvete é minha comida favorita!
— Ah, menino, sorvete nem é de fato comida — exagerei ao
pronunciar a última palavra —, é só uma sobremesa gelada cheia de açúcar
e gordura. Ficaria mais feliz se me dissesse que ama arroz com brócolis e
carne.
— Brócolis, eca! — Ele fez cara de nojo e eu ri.
— Ainda vou te convencer a gostar do que é saudável, mas agora
merecemos mesmo nos empanturrarmos de besteiras! Partiu padaria e bora
comemorar!
— Demorô!
Davi esfregou as mãozinhas, empolgado. Coloquei sua mochila no
carro e o ajudei a se acomodar no assento infantil, no banco traseiro, e a
afivelar o cinto de segurança.
Seguimos cantarolando, alegres, até a padaria.
Aquele foi um delicioso fim de tarde.
Quando meu filho dormiu, contei para Camila sobre Raoni ser o meu
Romeu.
— Meu Deus, amiga! E ele não te reconheceu?
— Não. Ficou me olhando desconfiado, dizendo que tinha a
impressão de já ter me visto antes, mas não lembrou de onde.
— Você vai contar a verdade a ele?
— Preciso, né? Ele tem o direito de saber que tem um filho e Davi
merece conhecer o pai. Só não sei como farei isso. Raoni parece um cara
bacana, mas não faço ideia de como reagirá a notícia da paternidade.
Provavelmente, vai achar que estou louca, ou querendo seu dinheiro.
Depois deve exigir um teste de DNA e só de pensar nessas possiblidades,
eu já sinto uma pontada no estômago.
— Calma, Flavinha, não sofra por antecedência. Tenho certeza de que
encontrará uma forma de abordar o assunto e fazer a revelação, sem que ele
pense que é uma lunática ou oportunista. E quanto ao exame de DNA,
normal que ele exija essa comprovação, né? Fique tranquila. Dará tudo
certo.
— Que Deus te ouça! Davi desejou tanto encontrar o pai, não merece
ser rejeitado.
— Não será. Confie no Senhor que ele te mostrará o caminho e guiará
suas decisões.
— Obrigada, amiga. Te amo demais, sabia?
— Também te amo!
Demos um abraço carinhoso.
Ao deitar, revirei na cama de um lado para o outro, pensando no que
fazer. Aquele fora um dia bem surreal e eu ainda não tinha certeza se não
estava apenas sonhando. Quando o cansaço cobrou seu preço, deixei o sono
me dominar e adormeci.
Raoni

Depois daquela manhã meio tumultuada por conta dos desmaios da


minha nova funcionária, o restante do dia transcorreu tranquilo, entretanto a
impressão de já tê-la visto antes, ainda permanecia.
O almoço foi bem agradável e, por vezes, enquanto a observava,
nossos olhares se cruzaram, esquentando algo dentro de mim. Aquele
sorriso, os olhos, o rosto, a voz, ou eu estava enlouquecendo, ou já a
conhecia de algum lugar. Mas de onde?
De volta à editora, forcei a memória, mas simplesmente nenhuma
lembrança me ocorreu. Quando finalizei tudo que precisava, resolvi fazer
uma busca pela internet. Nas redes sociais não havia nenhuma foto da
escritora, nem perfil pessoal em nome de Flávia Castilho que
correspondessem a ela. Os sites de buscas também não trouxeram nada.
— Que estranho isso! — resmunguei baixinho pensando naquela
sensação que não me abandonava, nos desmaios sem motivo aparente e no
fato de que jurava que ouvi a moça dizer “não pode ser”, antes de apagar
pela segunda vez. O que aquilo significava? Será que ela também teve a
mesma sensação que eu?
Meu fluxo de pensamento foi interrompido por uma batida leve na
porta.
— Sua secretária não estava aqui fora para me anunciar, atrapalho? —
Tales questionou ao abri-la e entrar.
— Não. Eu já terminei o trabalho, estava só navegando na internet.
Senta aí. — Apontei a cadeira de frente à minha.
— Redigi o contrato da Flávia e enviei no seu e-mail para conferir se
está tudo como deseja, antes de mandar pra ela.
— Ah, eu vi aqui e já conferi, está tudo certo, sim. Pode encaminhar.
— Beleza, farei isso antes de ir, então. Você está meio esquisito.
Algum problema?
— Cara, desde que vi a Flávia hoje, tive a impressão de que a
conheço de algum lugar. Estava pensando aqui sobre como foi estranho ela
desmaiar e acho que falou algo como “não pode ser”. Mas depois perguntei
se a gente já se conhecia e ela disse que não.
— Talvez tenha entendido errado. E quanto a achar que a conhece, ela
pode se parecer com alguma garota com quem já ficou.
— É... Talvez seja só coisa da minha cabeça. Como foram esses dias
aqui na minha ausência?
— Tranquilos. Ainda estou impressionado com o contrato que você
fechou com os americanos, será muito bom pra gente e para os nossos
autores.
— Sim! Estou bastante empolgado.
— Pra você o céu é o limite, amigão! Bem, já encerrei por hoje. Vou
só mandar o e-mail com o contrato e depois ir pra casa. Precisa de mais
alguma coisa de mim?
— Não. Pode ir sossegado.
Tales levantou, despedimo-nos e ele deixou minha sala. Pouco depois
eu também saí.
Dormi na mansão naquela noite. Não sei se por conta de ter visto
Flávia desmaiada, sendo atendida por paramédicos, mas sonhei com o dia
em que minha mãe morreu. Mesmo cada vez mais raros, de vez em quando
os pesadelos ainda me aterrorizavam.
Acordei com meu próprio grito. Todo suado, ofegante e com coração
disparado, sentindo um aperto horrível no peito. Como era de costume
naquelas situações, vovó estava sentada ao meu lado na cama.
— Shhhh, foi só um sonho ruim, estou aqui com você, meu amor. —
Ela me abraçou e como uma criança assustada e indefesa, comecei a chorar.
— Odeio recordar o que aconteceu, queria ter sido capaz de impedir a
tragédia.
— Ô, meu filho, você era apenas uma criança. O que poderia ter
feito?
— Não sei o que seria de mim sem a senhora. Promete que nunca vai
me abandonar? — Funguei, enxugando o rosto com a mão.
— Não posso te prometer uma coisa dessas, querido. Já estou com
oitenta anos, não viverei muito mais. Você devia arrumar uma namorada,
casar, ter filhos. Eu partiria mais tranquila se soubesse que não ficará
sozinho.
— Por conta de tudo que vivenciei, não consigo nem me imaginar
sendo marido, pai... Queria que as coisas tivessem sido diferentes, mas fui
marcado de uma forma tão profunda e cruel, que temo um dia me tornar o
monstro que Cássio foi. Já que o sangue dele corre em minhas veias.
— Isso jamais acontecerá. Teve sua fase terrível na adolescência que
me deixava com os cabelos em pé, mas mesmo quando brigava e quebrava
a cara de algum garoto, era para defender alguém, nunca uma violência
gratuita. Você não se parece nada com seu pai, nunca vai ser igual a ele, tire
esse temor do coração.
— A senhora nem imagina o quanto gostaria.
— Ainda vai conseguir, meu amor. Tenho certeza. Espero estar aqui
para ouvir isso da sua boca, para vê-lo feliz com sua própria família.
— Ah, vovó, tem mais fé em mim do que eu mesmo.
— É porque eu te amo infinitamente.
— Eu também te amo. Desculpe tê-la acordado. E obrigado por tudo
e pelas palavras carinhosas. Agora vá descansar. — Dei um beijo em sua
testa.
Ela aquiesceu, levantou e saiu.
O que seria de mim quando ela não estivesse mais nesse mundo?
Algum dia eu seria capaz de superar meus traumas e me envolver
sentimentalmente com alguma mulher? Estava decidido a não ter filhos,
mas o que seria pior, enfrentar meus medos, ou viver na solidão?
Atordoado, demorei para conseguir pegar no sono outra vez.
Flávia

Na manhã seguinte, assinei e entreguei o contrato na editora,


empolgada demais, já sonhando com o lançamento. O dia de trabalho foi
puxado. Quando terminei de avaliar um primeiro original, Jonas perguntou
se eu poderia revisar um livro que estavam com certa urgência. Sabia que
em algum momento precisaria socorrer a equipe de revisores e gostava
tanto daquele tipo de trabalho, que concordei de pronto. Como o romance
era pequeno e já havia passado por preparação textual, a revisão foi
tranquila e consegui terminá-la antes do final do expediente.

Saí da empresa e ao buscar Davi, a professora reforçou o aviso de que


na próxima quinta-feira não haveria aula, pois a escola emendaria o feriado
de sexta, o que me deixou preocupada. Tinha esquecido completamente
daquilo e o pior de tudo, em datas assim, Camila costumava aproveitar para
visitar os pais em Limeira. Com quem eu deixaria meu filho?
Antes de me desesperar por completo, esperei chegar para confirmar
com minha amiga seus planos.
— Mila, já decidiu o que vai fazer no feriado? — perguntei ao entrar
no apartamento e vê-la na sala.
— Vou para a casa dos meus pais, já comprei passagem para a quinta-
feira.
— Imaginei, mesmo.
— Posso assistir desenho antes de tomar banho, mamãe? — Davi
perguntou, após deixar a mochila no quarto.
— Tome banho primeiro, amor. Enquanto isso arrumarei algo para
comermos, depois pode assistir desenho até a hora de dormir, se quiser.
— Estou com preguiça de tomar banho — resmungou, emburrado.
— Como assim? Que horror! — Arregalei os olhos para ele, fingindo
espanto, mesmo que aquela fosse uma situação corriqueira. — Se quiser, eu
dou banho em você, meu lindo.
— Ei, já sou rapaz, não preciso mais disso.
— Então deixe de preguiça e vá! Ande logo! — Dei um tapinha em
seu bumbum e ele saiu ainda resmungando.
— E vocês, amiga, o que farão no feriado? — Mila questionou
depois, ainda sorrindo pela cena protagonizada por Davi.
— Ficaremos aqui mesmo, talvez eu o leve a um parque de diversões.
— Vai folgar na quinta?
— Não. — Fiz careta. — Vou ter que ver com meu chefe se posso
levar o Davi comigo para a editora.
— Nossa, amiga, nem pensei nisso antes de comprar minha
passagem. Veja com ele amanhã, se não puder levá-lo com você, tento
trocar o meu bilhete para o final do dia.
— Não quero te atrapalhar. Vou falar com jeitinho com o senhor
Jonas. Posso arrumar uns livros para Davi ler e uns desenhos para colorir,
acho que ele não atrapalhará se ficar lá comigo.
— Está certo, mas de qualquer forma, se precisar de mim, avise que
tento dar um jeito, ok?
— Está bem, obrigada, amiga! — Lavei as mãos e preparei
sanduíches de pão com queijo e mortadela para todos nós.
Como não queria prejudicar o tempo que Camila poderia estar com a
família, fiz uma prece a Deus pedindo que tocasse o coração do meu chefe
quando eu o abordasse com aquele pedido especial.

Na quarta, assim que cheguei à editora, fui falar com o senhor Jonas.
Expliquei a situação e quase supliquei ao pedir que ele me deixasse levar
meu filho comigo no dia seguinte, prometendo que ele seria bem-
comportado e não incomodaria ninguém.
— Claro, querida, pode trazê-lo, sim. Vou providenciar uma mesa
pequena para ele e pedir que coloquem ao lado da sua e também livros e
revistinhas de colorir. Quando ele se entediar, pode assistir TV na sala de
descanso e até tirar um cochilo. Raoni ficava muito por aqui quando era
garoto e alguns funcionários, vez ou outra, também precisaram trazer os
filhos, então fique tranquila.
— O senhor Raoni gosta de crianças? — perguntei, aproveitando para
descobrir um pouco mais sobre o pai do Davi.
— Ele gosta e leva o maior jeito com elas, é uma pena que não deseje
ter filhos.
— Mas por quê? — Senti uma pontada no estômago ao ouvir aquela
informação.
— É uma triste história, querida. Não comentamos muito sobre o
assunto por aqui, apesar de não ser nenhum segredo. Enfim, Raoni nasceu
em um lar violento, o pai era alcoólatra e acabou sendo responsável pela
morte da mãe dele. Já preso, se matou. Dona Vilma foi quem o criou. Na
época era ela quem dirigia a editora, por isso ele vivia por aqui e por conta
de toda essa tragédia familiar, diz que nunca terá filhos.
— Nossa... eu não poderia imaginar uma coisa dessas.
— Infelizmente a vida é mais dura para alguns do que para outros,
não é mesmo?
— Sei bem disso. — Esbocei um sorriso, triste por minha própria
história e mais ainda por aquela que acabara de ouvir.
Agradeci ao senhor Jonas por me deixar levar Davi e fui para meu
local de trabalho.
Se Raoni era tão traumatizado com a questão da paternidade, como
reagiria ao saber que tinha um filho? Engoli em seco, sentindo um
desconforto apertando o peito.

Na quinta-feira, Camila viajou cedinho. Logo depois saí com Davi


para o trabalho. Assim que chegamos à editora, reforcei todas as
recomendações de antes.
— Amor, por favor, comporte-se, está bem? Coloquei uma garrafinha
de água e outra de suco na sua lancheira térmica, além de banana, maçã e
bolachas. Na hora do almoço, iremos até um restaurante. Se precisar ir ao
banheiro, ou se cansar de ficar na minha sala comigo, me avise que damos
um jeito, ok? Terá livros para ler e revistinhas para colorir. Também trouxe
seu tablet e os fones de ouvido.
— Pode deixar, mamãe. Prometo que vou me comportar.
Sorrimos um para o outro e entramos no elevador. Logo que as portas
de aço abriram, demos de cara com a última pessoa que eu esperava
encontrar naquele momento.
— Bom dia, Flávia! — Raoni cumprimentou e olhou de mim para
meu filho, curioso. — E você rapazinho, como se chama?
— Davi — ele respondeu tímido, ajeitando a mochila nas costas.
— A escola emendou o feriado e como eu não tinha com quem deixá-
lo, pedi ao senhor Jonas para trazê-lo comigo. Ele é bonzinho, prometo que
não irá incomodar ninguém. Espero que não se importe...
— Está tudo bem. Jonas havia me informado.
— Você já sabe ler? — Raoni perguntou ao se abaixar à frente do
pequeno.
— Sei sim.
— Pedimos para separarem para você os livros infantis que a editora
já publicou. Eles são da nossa biblioteca, mas pode escolher o que mais
gostar que te darei de presente, ok?
— Muito obrigado. — Davi sorriu e seus olhinhos brilharam.
— Obrigada por isso. Nós já vamos para o meu setor. Tenha um bom
dia — agradeci desconcertada com aquele encontro.
— Tenham um bom dia vocês também.
Precisei obrigar as minhas pernas a se movimentarem. Ao ver Raoni e
Davi interagindo, quase chorei de emoção. Mesmo sem saberem que eram
pai e filho, eles se deram bem.
Eu precisava dar logo um jeito de revelar aquele segredo.
Raoni

Após ver Flávia chegar com o filho na editora, fiquei ainda mais
cismado de que a conhecia de algum lugar. Sem conseguir tirar aquilo da
cabeça, no final do expediente resolvi passar no setor de avaliações dos
originais.
Quando entrei na sala, os outros dois funcionários já tinham ido
embora, Flávia estava compenetrada lendo alguma coisa no computador e o
garotinho parecia completamente fascinado pelo livro que tinha nas mãos.
— Atrapalho? — perguntei, fazendo com que a atenção deles se
voltasse para mim.
— De forma alguma. — Ela me olhou com surpresa, mas sorriu
simpática. — Estava só insistindo mais um pouco na avaliação de um
original, porém esse aqui não vai ter salvação. Começou até bem, só que o
autor acabou se perdendo no meio da história.
— Acontece muito, não é mesmo? — Ela assentiu e então abaixei-me
para ficar na altura da mesa infantil que Davi ocupava. — E você,
rapazinho, o que está lendo aí?
— “O Pequeno Príncipe” — respondeu animado, com os olhinhos
azuis, iguais aos da mãe, arregalados, virando o exemplar de capa dura,
para me mostrar o título.
— Está gostando da leitura?
— Estou. Na verdade, já conheço a história, temos um livro lá em
casa, só que não é tão bonito quanto este.
— É uma das histórias preferidas dele — Flávia se manifestou.
— Pelo visto tem bom gosto. Eu também aprendi a ler bem novo,
antes que a maioria dos meus colegas da escola, e muito cedo me apaixonei
pelos livros. Já escolheu qual vai querer de presente?
Ele negou com a cabecinha, tímido.
— Então leve este exemplar. É uma edição especial, realmente muito
bonita.
— Que demais! Posso aceitar, mamãe? — Ele olhou para ela,
aguardando a aprovação.
Flávia, parecendo emocionada, apenas assentiu.
— Muito obrigado, senhor Raoni! Será meu livro mais bonito e olha
que tenho muitos!
— Isso é ótimo. Seu pai também gosta de ler? Imagino que ele tenha
muito orgulho de você.
— Ah, eu ainda não conheço meu pai. — Fez uma carinha triste.
— Não? — Olhei dele para a mãe, curioso e Flávia fez uma careta.
— Não. Ele e minha mãe se perderam um do outro, papai ainda não
sabe que eu existo. Mas por mais que mamãe diga que encontrá-lo seria
como achar agulha num palheiro, o que na verdade não entendo muito bem,
tenho esperança de que vou conhecê-lo um dia.
Fiquei por um instante sem palavras, ao ouvir o relato do garotinho.
Então Flávia era uma mãe solo? Qual seria a sua história?
Sem querer constrangê-la ainda mais, pois a coitada já estava com
uma expressão de desespero na face ruborizada, apenas balancei a cabeça,
concordado e sorri para ele.
— Bem, senhor Raoni, eu terminei o trabalho por hoje e deu meu
horário, nós já vamos embora. Muito obrigada por permitir que eu trouxesse
Davi comigo e pelo presente que deu a ele.
— Não precisa agradecer. Bom feriado para vocês amanhã e bom fim
de semana!
Despedi-me dos dois e deixei a sala, pensativo, muito curioso para
saber mais sobre a vida da Flávia.

Quando eu estava saindo, encontrei Jonas.


— Flávia já foi embora? — ele questionou ao notar de onde eu vinha.
— Ainda não, mas já está de saída. Precisa falar com ela?
— Não, na verdade queria falar com você um minutinho.
— Claro. Vamos até a minha sala — chamei e ele me acompanhou.
— Então conheceu o pequeno Davi? — Jô perguntou, ajeitando os
óculos.
— Sim. Achei o garotinho lindo, fofo e esperto.
— Ele me lembra muito de você, sabia? Assim que o vi, recordei de
quando era pequeno e vivia por aqui, sempre com um livro nas mãos.
Fiquei imaginando que um filho seu seria bem parecido com o da Flávia,
tirando os olhos claros.
— Sabe muito bem que não vou ter filhos — minha frase saiu mais
ríspida do que eu pretendia.
— Foi um pensamento que me ocorreu, peço desculpas se estou
sendo inconveniente.
— Não precisa, está tudo bem. Eu é que acabei sendo rude, me
desculpe, Jô. Você não merece minha grosseria.
— Vamos deixar isso pra lá. — Ele deu um tapinha no meu ombro,
logo que entramos no meu escritório. — O que eu queria saber de você é
quando pretende lançar o livro da Flávia, para que eu possa encaminhar o
arquivo ao setor de revisão com tempo hábil.
— Pensei no próximo semestre, porque para este já temos outras
programações.
— Perfeito, então! Ah, ela separou alguns originais muito bons, dos
arquivos que avaliou até agora. Gostei em especial de um deles, posso te
encaminhar para dar uma olhada? É um suspense policial.
— Claro, me mande sim, por favor.
— Farei isso antes de ir embora, porque se quiser aproveitar o feriado
e o fim de semana para ler, já estará com o arquivo.
— Ótimo! Jô, agora mudando de assunto, mas ainda falando sobre a
Flávia, Davi comentou comigo que não conhece o pai. Confesso que apesar
de não gostar de fofocas, fiquei curioso a respeito da vida dela. Sabe de
alguma coisa?
— Não muito. Só que é mãe solo, formada em Letras pela USP, pós-
graduada em Revisão Textual pela PUC, que teve um problema com a
família e divide o apartamento com uma amiga. Não faço a mínima ideia do
porquê o garoto não conhece o pai, nem quem ele seria.
— Era só curiosidade mesmo.
Ele assentiu e levantou.
— Eu já estava indo embora, mas vou te mandar antes o arquivo do
original que falei. Bom feriado e bom fim de semana!
— Obrigado. Pra você também!
Jonas deixou a sala e eu fiquei pensando em Davi me dizendo que o
pai não sabia da sua existência e de como Flávia ficou constrangida com a
conversa. Qual seria o mistério envolvendo a paternidade do seu filho? E
por que, mesmo não me dizendo respeito, eu não conseguia parar de pensar
naquilo? Nem nela e em seus impressionantes olhos azuis?
— Posso entrar? — Tales questionou após bater de leve na porta e
entreabri-la. A secretária não estava...
— Você não precisa ser apresentado, meu amigo, sabe disso. — Nem
deixei que ele terminasse a justificativa. — Entre!
— E aí, Rao, qual a programação para o feriadão? — questionou, ao
ocupar a cadeira à minha frente.
— Ainda não pensei em nada. E você?
— Conheci uma garota no fim de semana passado, o nome dela é
Ariana. Trabalha com moda e mora numa mansão nos Jardins. Vai dar uma
festa lá amanhã, me convidou e disse que eu poderia levar um amigo. Tá a
fim?
— Pode ser. Me mande uma mensagem com a localização e o horário,
daí a gente combina.
— Beleza! Já vou, amanhã a gente se encontra, então.
— Falou!

Passei a sexta-feira em casa com a minha avó, maratonando a


primeira temporada de uma série de TV inspirada em livros que
publicamos. A adaptação para o audiovisual ficou muito boa.
No sábado à tarde, fui com Tales para a tal festa. O mais difícil que eu
achava no fato de não beber, era ter de aguentar, sóbrio, as pessoas
embriagadas.
Meu amigo acabou ficando com a Ariana, uma ruiva natural de olhos
verdes, linda. Eles me apresentaram para uma amiga dela, Letícia.
Psicóloga, alta, pele clara, cabelos e olhos castanhos, a moça parecia tão
deslocada naquele ambiente de pessoas bêbadas e eufóricas, quanto eu.
— Quer sair daqui? — propus, assim que ficamos a sós.
— Adoraria. Minha cabeça já está doendo com tanto barulho.
Sem nos preocuparmos em nos despedirmos de ninguém, deixamos a
festa.
Ela estava sem carro, contou que tinha ido de carona com outra
amiga, então fomos no meu para a minha cobertura.

— Uau, adorei a sua casa! — Ela olhou, admirada, ao redor, logo que
entramos. — Mora aqui sozinho?
— Moro. — Resumi a resposta, sem dar detalhes sobre minha vida
pessoal.
— Então você não bebe?
— Não. E você? Acho que éramos as únicas duas pessoas sóbrias
naquele lugar — comentei em tom divertido.
— Também não — respondeu e se aproximou, sedutora. — Não tem
namorada?
— Olha, Letícia, vou ser muito franco contigo. Eu não namoro. Não
tenho o menor interesse em um relacionamento sério, mas te achei linda e
muito atraente. Se quiser só diversão, podemos curtir um pouco juntos. —
Passei a mão em sua cintura fina, estreitando nossa distância. — Mas seria
só sexo, nada mais.
Ela me olhou por um longo instante, parecendo decidir o que faria.
— Acho que posso lidar com isso, afinal, sendo bem honesta também,
faz tempo que não transo, estou excitada só de ouvir sua voz e você tem
cara de quem tem pegada. Eu topo só sexo.
— Perfeito. — Acariciei seu rosto e a beijei com volúpia.
A moça respondeu com a mesma intensidade. Logo estávamos
explorando com as mãos o corpo um do outro, atiçando, arrancando
gemidos.
Quando nossos lábios se desgrudaram, levei-a para o meu quarto,
onde voltamos a nos agarrar. Retirei seu vestido e ela me ajudou a me livrar
de minhas roupas. Nós nos masturbarmos, eu já estava de pau duro, louco
para fodê-la.
Letícia abaixou-se à minha frente e me chupou. Sem deixar que fosse
até o fim, puxei-a para cima e a ajudei a deitar na cama. Foi a minha vez de
prová-la. Quando estava prestes a gozar, afastei-me, sob seus protestos para
colocar o preservativo. Então voltei a me posicionar entre as suas pernas e a
penetrei em uma estocada vigorosa, enterrando-me forte e fundo. Comecei
a entrar e sair devagar. Ela gemia e se contorcia, ensandecida, arranhando as
minhas costas.
Aumentei a velocidade das investidas, alucinado. Quando fechei os
olhos, o rosto que veio em minha mente me assustou. Não era mais a
morena que eu possuía, mas a loira de intrigantes olhos azuis que andava
despertando a minha curiosidade.
Não era certo ficar fantasiando com minha nova funcionária, então
balancei a cabeça, tentando desfazer aquela ilusão absurda. Contudo não
obtive sucesso. Quando atingi o clímax, foi o nome de Flávia que saiu da
minha boca.
— Letícia, gato. Meu nome é Letícia. — Minha acompanhante me
corrigiu, em tom raivoso.
— Desculpa, eu... — Olhei para ela com vergonha e aterrorizado pelo
ocorrido.
— Tudo bem. O sexo foi ótimo, mas preciso ir. — Levantou,
apresada, vestiu suas roupas e saiu.

— Que merda foi essa que acabou de acontecer? — resmunguei


baixinho, atordoado, ao ouvir a porta batendo.
Eu não costumava pensar em uma mulher quando estava com outra.
Por que Flávia surgiu naquele momento em minha mente?
Quem é você? De onde nos conhecemos? Questionei em pensamento,
perturbado e fui para o banheiro. Talvez uma boa chuveirada me ajudasse a
colocar as ideias no lugar.
Flávia

No feriado, levei Davi a um parque de diversões que ele adorava.


Depois de brincar muito, comemos pizza, tomamos sorvete e voltamos para
casa.
Antes de dormir, meu pequeno pediu para eu pegar o livro que
ganhara do Raoni.
— Mãe, gostei muito do senhor Raoni, será que papai é como ele?
— Como ele? — questionei atônita.
— É, tipo, será que também gosta de ler e é bonzinho?
— Imagino que sim, meu amor. Aposto que ele ficará muito
orgulhoso de você, quanto te conhecer.
— Tenho orado tanto para o Papai do Céu, pedindo que dê um jeito
de fazer a gente se encontrar...
— Oh, meu amor. — Puxei-o de encontro ao meu peito e o abracei
apertado.
— Eu te amo muito, mamãe, mas seria legal ter um pai também.
— Eu sei, querido. Também te amo, infinitamente.
— Pode ler um pouquinho pra mim?
— Claro.
Abri o lindo exemplar de capa dura.
— Capítulo VIII. “Logo aprendi a conhecer melhor aquela flor.
Sempre houvera, no planeta do pequeno príncipe, flores muito simples,
ornadas de uma só fileira de pétalas, e que não ocupavam espaço, nem
incomodavam ninguém. Apareciam pela manhã, na relva, e à tarde já
murchavam. Mas aquela...”
Antes que eu terminasse o capítulo, Davi, exausto pelo dia agitado,
adormeceu.
Beijei sua testa. Guardei o exemplar na prateleira e deixei o quarto.
Meu filho merecia saber quem era seu pai. Mas como Raoni reagiria à
notícia? Como e quando eu deveria contar?
Atormentada pelas dúvidas, fui para o meu quarto e abri o laptop. O
coração disparou ao acessar meu e-mail antigo e ver uma mensagem na
caixa de entrada. Era da Laura, minha irmã com quem eu não falava há
mais de seis anos.
Oi, Flávia! Como você está, minha irmã?
Já faz tanto tempo que não temos notícias uma da outra, mas quero
que saiba que nunca a esqueci. Sinto muito por não ter te procurado antes,
mas depois que você foi embora, nosso pai começou a vigiar mamãe e eu,
tentando a todo custo evitar que tivéssemos contato com você. Trocou
nossos telefones, inclusive o de casa, e verificava as correspondências
antes que pudéssemos pegá-las. Fez das nossas vidas um verdadeiro
inferno. Suas pregações se tornaram mais rígidas e éramos proibidas de
tocar em seu nome.
Sei que nunca fomos as melhores amigas, mas eu te amava, mesmo
sendo tão diferente de mim, e ainda amo. Durante esses anos, todos os dias
pedia em oração a Deus para que te protegesse. Espero que esteja bem. E
meu sobrinho? É um menino ou uma menina?
Faz um ano que me casei. Estou morando em Osasco. Grávida de
quatro meses, tenho pensando muito em você, em tudo o que passou
sozinha. Espero que tenha encontrado pessoas boas em seu caminho.
Gostaria de te ver e de poder te pedir perdão pessoalmente. Eu deveria ter
tentado fazer alguma coisa naquela época para te ajudar. Deveria tê-la
procurado antes. A culpa tem curvado minhas costas e a saudade,
atormentado meu peito. Me dê notícias suas e de seu filho.
Com amor,
Laura.

Chorei ao ler as palavras de minha irmã. Durante tanto tempo tentei


contato com ela e mamãe, mas nunca tive respostas. Depois procurei
esquecê-las, o que foi impossível, claro. A saudade também esmagava meu
peito. Sentia muito pelas coisas terem sido como foram. Não me arrependia
das minhas atitudes rebeldes do passado, nem da noite que dormi com
Raoni, um desconhecido na época, pois se não fosse assim, não teria Davi e
meu filho era tudo para mim, meu bem mais valioso. Mas minhas escolhas
me afastaram de Laura e mamãe e privaram Davi do convívio com o pai.
Deus era bondoso e estava me dando uma nova chance. Consertaria o
que fosse possível. Contaria a Raoni que ele era o pai do meu filho,
reaproximaria de minha irmã e esperava que também da minha mãe.
Com um ânimo renovado, tratei de responder o e-mail.

Querida irmã, nem imagina o quanto fiquei feliz por receber seu e-
mail.
Ao longo desses anos tentei contato com você e mamãe, mas sem
conseguir respostas, acabei desistindo e sinto muito por isso. Estou bem.
Me formei em Letras e fiz uma pós-graduação em Revisão de Textos.
Continuo escrevendo meus romances e estou trabalhando em uma grande
editora. Meu filho é um menino, Davi. Um garoto lindo, inteligente e
amoroso, que enche minha vida de alegria.
Não foi fácil enfrentar a gravidez e a maternidade sem o apoio de
vocês, mas também não fiquei completamente sozinha. Fiz uma grande
amiga durante a faculdade, com quem divido um apartamento até hoje. Ela
me ajudou muito e ainda ajuda.
Estou feliz que tenha se casado e que esteja grávida. Quero que saiba
que nunca culpei você nem mamãe por não terem impedido papai de me
mandar embora. O que poderiam fazer? Se conseguir falar com ela sobre
mim, diga que estou com saudades e que a amo.
Vou te mandar uma foto minha com Davi, me mande também uma sua
grávida. Quero muito te ver, vamos dar um jeito nisso.
Com todo o meu amor e uma saudade imensa,
Flávia.

Anexei uma foto minha com meu filho e enviei o e-mail.


Obrigada por essa oportunidade, Senhor. Prometo fazer as coisas
certas desta vez. Fechei os olhos e agradeci a Deus.

Passei o fim de semana inteiro refletindo sobre como abordar o


assunto da paternidade do Davi com Raoni. Estava com a cabeça tão cheia
de preocupações que até tive dificuldades para escrever. Tinha começado
um novo romance, mas acabei travando em determinado capítulo. Escrevi e
apaguei várias vezes, até me dar por satisfeita.
Na segunda-feira, deixei meu filho e Camila na escola e fui para a
editora. Minha amiga que chegara no domingo à noite e já sabia da minha
decisão de não passar daquele dia para ter a conversa com o CEO, deu-me
um abraço apertado e me desejou boa sorte.
Assim que entrei na empresa, mesmo com o coração disparado, as
pernas fracas e as mãos suando frio, encaminhei-me para à sala da diretoria
e pedi para falar com Raoni. Depois de se certificar de que ele poderia me
receber, a secretária autorizou minha entrada.
— Bom dia, senhor Raoni — minha voz saiu trêmula.
— Bom dia, Flávia. Não está se sentindo bem? — Estreitou as
pálpebras e me avaliou com atenção.
— Estou bem, só um pouco nervosa com o que preciso conversar com
o senhor.
— Não precisa ficar me chamando de senhor.
— Certo. Com você...
— Sente-se. — Apontou a cadeira e me acomodei.
— É algo a respeito do seu contrato de publicação? — interrogou,
ainda me olhando com curiosidade.
— Não. Na verdade... hum-hum — raspei a garganta, engoli em seco
e respirei fundo, tentando não perder a coragem. — Você tinha razão.
— Sobre o quê?
— Nós já nos vimos antes.
— Não podia ser só cisma minha, mesmo. Perdoe por não ter
reconhecido você. Onde nos encontramos?
— Bem, isso é um pouco embaraçoso, mas há mais de seis anos,
quase sete, nós nos encontramos em um bar na Vila Madalena, recém-
inaugurado na época. Eu saí para comemorar a entrada na faculdade, tinha
bebido demais e você, apesar de dizer que não bebe, também estava
alcoolizado naquela noite.
— Cacete! — Ele arregalou os olhos e ficou pálido. — Você é a
Julieta com quem transei?
— Sim. — Fiz uma careta, desconcertada.
Fiquei aliviada por ter contado a primeira parte, mas ainda faltava a
mais importante. Raoni poderia supor que sua vida estava prestes a mudar?
Um homem que declarava não querer ter filhos, podia mudar de opinião ao
saber que já era pai? Ele assumiria Davi?
Com o coração retumbando dentro do peito e a cabeça tonta pelos
questionamentos, respirei fundo para prosseguir. Precisava daquelas
respostas e as teria em breve.
Raoni

Quando Flávia confirmou minhas suspeitas de que eu a conhecia e


contou que transamos naquela única noite que bebi na vida adulta, primeiro
fiquei envergonhado, por estar tão fora de mim que nem fui capaz de me
recordar dela direito, depois comecei a ficar preocupado.
De repente, uma forte suspeita me assolou ao me dar conta de que
aquela noite, como acabara de dizer, acontecera há cerca de sete anos e que
ela era uma mãe solo de um garoto de seis que se parecia muito comigo e
não conhecia o pai.
— Cacete! — repeti o xingamento. Atordoado demais com o
turbilhão de pensamentos que dominou minha mente.
Aquilo não podia estar acontecendo. Era demais para mim. Sentindo-
me sufocado, afrouxei a gravata, levantei e comecei a andar de um lado
para o outro.
Eu não podia ter colocado um filho no mundo e pior ainda, eu não
podia tê-lo abandonado, sem ao menos saber da sua existência.
— Flávia... — aproximei-me, parando a poucos centímetros dela,
fazendo com que me encarasse assustada —, Davi é meu filho? —
perguntei sem rodeios.
— Sim — respondeu depois de arregalar os olhos e engolir em seco.
Minha pulsação acelerou e tive a impressão de que a sala rodava.
Flávia me encarou com tanto receio e pesar, que meu coração se partiu em
mil pedaços. Eu estava apavorado, mas não podia deixar de pensar em tudo
o que ela passou sozinha nesses anos todos, sem nem sequer saber a
identidade do pai de seu filho.
— Desculpe não ter falado antes. — Ela respirou fundo, a voz saiu
vacilante, parecia lutar contra as lágrimas. — Naquela época não sabíamos
nada um do outro, por isso foi impossível te encontrar. Mas desde a
primeira vez que te vi aqui na editora, eu soube que era você. Já faz muito
anos, só nos vimos aquela noite, mas eu seria incapaz de esquecer seu rosto,
pois todos os dias ao olhar para o Davi, vejo seus traços nele.
— Meu Deus, como isso foi acontecer? Lembro que usamos
preservativo.
— Usamos sim. Também nunca imaginei que acabaria grávida, aos
dezoito, de um desconhecido, na minha segunda transa. — Riu sem humor
e enxugou com a mão uma lágrima que escorreu por sua face. — E que por
isso seria expulsa de casa e teria que me virar sozinha. Sei que deve estar
apavorado com o que está ouvindo, mas pode imaginar o que passei? —
Elevou o tom de voz, exasperada, sofrida. — Não espero que aceite essa
revelação por verdade sem exigir provas. Pode pedir o exame de DNA, eu
levo Davi para colher o sangue.
— Eu não acredito que sou o pai daquele garotinho — falei
desorientado e esfreguei o rosto. — Sinto tanto pelo que passou. Posso
imaginar, sim, como foi. Seu medo, a incerteza, as dificuldades. — Segurei
suas mãos e fiz um carinho nos dorsos, com os polegares. — Não duvido de
sua palavra, Flávia. O exame será necessário, por conta de burocracias
legais, porém sei que camisinha não é um método contraceptivo 100%
eficaz. Até por isso eu estava planejando fazer uma vasectomia. Como já
deve ter ficado sabendo, nasci em um lar violento e tive a infância marcada
por uma tragédia.
— Eu soube e lamento muito. — Nossos olhares sofridos não se
desgrudavam.
— Não queria ter filhos, pois tinha um medo terrível de ser péssimo
nessa tarefa, de desgraçar a vida de uma criança como Cássio fez com a
minha, de algum dia me transformar nele, entende?
Ela assentiu e outra lágrima caiu de seus olhos.
— Mas agora que sei que já sou pai, é diferente. Não vou abandonar
vocês, jamais faria isso com um filho meu e com a mãe dele. Não será fácil
enfrentar meus temores, no entanto te prometo que farei de tudo para ser a
figura paterna que Davi merece. — Acabei com nossa distância, ao
envolvê-la em um abraço carinhoso.
Emocionada, Flávia não conseguiu mais controlar o pranto.
— Vai ficar tudo bem, eu juro — sussurrei em seu ouvido, afagando o
cabelo loiro, macio e cheiroso.
Flávia era Julieta, a Lolita que me enfeitiçou e enlouqueceu tantos
anos atrás. Como pude me esquecer de seu rosto se nunca apaguei da
memória a noite que passamos juntos?
— Quer uma água, um café, uma dose de vodca? — ofereci, ao nos
afastarmos, arrancando-lhe um doce sorriso.
— Confesso que uma bebida alcóolica cairia bem nesse momento,
mas aceito um copo d’água.
Anuí e fui até o aparador onde ficava a jarra. Servi dois copos, fiquei
com um e a entreguei o outro.
— Vou conversar com Tales para explicar a nossa situação e pedir que
ele providencie o que for necessário para eu assumir a paternidade do Davi.
— Tive tanto medo da sua reação... — ela falou após beber um pouco
da água.
— Por conta do que ouviu a meu respeito, receio eu.
— Sim. E porque acabei de entrar aqui na editora, fiquei com medo
de não se lembrar daquela noite e de me achar uma louca oportunista.
— O destino tem mesmo um jeito estranho de aproximar as pessoas,
né?
— Demais! Somos de mundos distintos, naquela época então, nem se
fala! Eu era uma jovem rebelde com a opressão de um pai pastor de igreja,
muito rígido. Já publicava meus romances e recebia uma graninha de
royalties, mas nada que me permitisse frequentar aquele tipo de ambiente.
Uma amiga tinha ganhado convites para o bar chique, recém-inaugurado, e
me chamou. Acho que se não fosse assim, nunca teríamos nos conhecido.
— Você parecia tão ousada quando conversamos, porém, ao ficarmos
a sós naquele quarto de motel, soube que não era tão experiente quanto
queria transparecer. Era só uma garota curiosa, ansiando por uma boa
experiência sexual.
— Tem toda razão... Ah, que vergonha! — Levou a mão ao rosto,
muito avermelhado. — Minha primeira vez tinha sido decepcionante. Eu
queria experimentar o que lia nos livros eróticos e criava para meus
próprios personagens.
— Espero tê-la deixado satisfeita. — Ergui uma sobrancelha,
provocante, esquecendo-me um pouco da tensão de minutos antes,
recordando de como foi gostoso estar com ela.
— Você foi incrível! Confesso que alimentou a minha imaginação
durante anos para criar cenas hot. Foi minha grande inspiração.
— Durante anos? — questionei surpreso com a revelação. Flávia aos
dezoito já era linda, mas se tornou uma mulher maravilhosa e muito
atraente. Como seria sua vida amorosa?
— Você não foi o último homem com quem transei, se é o que está
pensando, mas não estive com ninguém por um longo tempo. Primeiro
porque estava grávida; depois, porque tinha um bebê para cuidar. E mesmo
após Davi crescer um pouco e Camila, minha grande amiga com quem
divido apartamento desde aquela época até hoje, sempre se oferecer para
ficar com ele para que eu pudesse sair e me divertir, simplesmente não
conseguia relaxar de verdade. Tive alguns paqueras, sexo casual razoável,
nada de mais.
— Lamento de verdade por tudo que passou. Você é linda, inteligente,
sexy, merece ter muitas outras experiências incríveis, como a que tivemos
juntos. — Aproximei-me outra vez e toquei seu rosto, louco de vontade de
beijá-la, de mostrar a ela de novo como era ser bem comida.
— Não faça isso, estamos em uma situação complicada, mas tem
sangue correndo em minhas veias, hormônios em ebulição em meu
organismo e uma imaginação muito fértil me atordoando. — Sua voz saiu
fraca, entrecortada por uma respiração ofegante. Flávia estava tão excitada
quanto eu.
— Quer saber? Foda-se nosso bom senso! Já temos um filho mesmo,
passei muitos anos pensando sobre o que teria acontecido com você e agora
que está aqui na minha frente, tão linda e sedutora, estou louco de vontade
de tê-la de novo em meus braços. Posso te beijar, Flávia? Posso arrancar sua
roupa e te foder ali naquele sofá? — questionei, meio fora de mim.
— Ah, Raoni... — Ela deixou um sorriso nervoso escapar e umedeceu
os lábios com a língua em seguida.
— Isso é um sim? — Passei a mão em sua cintura e sussurrei a
pergunta em seu ouvido.
— É um sim. Faça o que quiser comigo, desde que me leve ao céu.
— Então é pra lá que estamos indo, querida! — Mordisquei seu
pescoço e só me afastei para trancar a porta.
Nunca tinha transado com ninguém na minha sala, ali na editora, mas
naquele momento era tudo o que eu mais desejava fazer.
Flávia

Quando Raoni me provocou daquele jeito, deixei o discernimento e o


juízo de lado. Ele era bonito, atraente e mesmo depois de quase sete anos,
eu lembrava de como era gostoso. Fazia tanto tempo que eu não tinha uma
transa que me satisfizesse, que tudo o que mais queria naquele momento era
me sentir desejada e ser bem fodida.
Ele reagiu melhor do que eu esperava à descoberta da paternidade, o
que me trouxe grande alívio e me deixou ainda mais encantada e com
vontade de estar em seus braços outra vez.
— Você é linda — falou com a voz carregada de luxúria ao se
reaproximar de mim. — Nem acredito que pude esquecer seu rosto. —
Tocou-me no local, com delicadeza e desejo. — Agora que sei que era você
naquela noite, me veio à mente seus olhos curiosos e ousados. O jeitinho de
Lolita que me enfeitiçou.
A mão que estava em minha face, embrenhou-se no meu cabelo e me
agarrou pela nuca; enquanto a outra, pousada na cintura, deslizou para as
minhas costas, depois desceu para a bunda, apertando-me, enlouquecendo-
me.
Nossos olhares estavam cativos, as respirações erráticas. Meu coração
batia descompassado e tudo em mim ansiava por ele.
— Eu te quero, Flávia. Estou louco de desejo, mas...
— Mas? — Encarei-o aflita ao notar sua expressão atormentada. Ele
não podia desistir do que estávamos prestes a fazer. Não depois de me
deixar naquele estado.
— Temos um filho, você é minha funcionária, acabei de contratar um
romance seu para publicar, não quero que o que aconteça aqui seja
interpretado de forma errada. Não estou te prometendo nada em relação a
nós dois. Não sou do tipo que namora, me entende?
— E eu não sou do tipo que se ilude fácil, fique tranquilo. Apesar de
escrever romances que mais parecem contos de fadas, tive uma vida muito
dura para criar expectativas irreais. Eu quero isso aqui tanto quanto você.
Por favor, não desista de transar comigo. Me recorde como é ser bem
comida — pedi, provocante, quase desesperada de tanto tesão e colei minha
boca na dele.
Raoni correspondeu com o mesmo ímpeto. Sua língua habilidosa
exigiu passagem pelos meus lábios e bailou com a minha. Se era um sonho
bom, eu não queria acordar.
Enquanto nos beijávamos, explorávamos o corpo um do outro com as
mãos. Ele retirou minha blusinha e apalpou meus seios, ainda sob o sutiã.
Sem dificuldade, desabotoou a lingerie e me livrou dela.
Apalpou-os de novo, em um contato direto, apertando os biquinhos
que já estavam duros, arrancando-me um gemido.
Ele retirou o paletó e eu desabotoei sua camisa, passeando os dedos
por seu tórax firme, musculoso na medida certa.
Então Raoni abriu minha calça e puxou a peça para baixo, juntamente
com a calcinha
Fiquei nua, exposta. Nunca fui magrinha, sempre tive uns quilos a
mais do que deveria ser meu peso ideal e a gravidez mexeu com meu corpo.
Os seios já não eram tão firmes e empinados quanto antes e a barriga nunca
mais foi a mesma. Eu poderia estar insegura, no entanto ele me observava
com tanta lascívia, que me senti linda.
— Você é perfeita, Flávia! — Olhou-me de cima a baixo, depois me
tomou em seus braços e beijou a minha boca com devassidão.
Quando sua mão safada massageou minha intimidade, gemi baixinho.
Eu também queria tocá-lo. Afoita, abri seu cinto, depois a calça, que
deslizou para seus pés. Passei a mão por dentro da cueca, liberando a
majestosa ereção. Ficamos nos masturbando por alguns instantes, enquanto
nos beijávamos com devassidão.
A seguir Raoni me guiou até o sofá. Sentei e ele ajoelhou no chão,
afastou minhas pernas e enfiou a cabeça entre elas. Arfei em expectativa.
Quando chupou meu sexo, retorci-me inteira e agarrei seu cabelo.
Precisei me controlar para não fazer muito barulho, afinal de contas,
estávamos em horário de trabalho e alguém poderia nos ouvir. Esperava que
sua secretária estivesse ocupada o suficiente para não prestar atenção aos
ruídos na sala ao lado.
— Ah, que delícia — ronronei, manhosa, quando ele me penetrou
com dois dedos e começou a me foder com eles, sem parar o que fazia com
a boca.
Não demorou para que minha visão nublasse e meus músculos
retesassem. Raoni intensificou seus atos e logo um orgasmo intenso me
dominou. Fui arremessada ao céu e despenquei em queda livre.
— Como você é bom nisso — balbuciei meio torpe.
— É um prazer te satisfazer, não tenha dúvidas. — Sentou e me
colocou em seu colo. Sorrimos com cumplicidade e ele me beijou. Sentir
meu gosto em seus lábios foi muito excitante.
Rebolei, esfregando-me em seu membro duro.
— Cacete, você é gostosa demais, mulher! — Agarrou minha bunda e
me ajudou a me movimentar.
— Está muito bom assim, mas quero você dentro de mim — pedi,
desorientada.
— Só um instante. — Ele me tirou do seu colo e levantou. — Vou
pegar um preservativo.
Ele foi até a calça e retirou uma camisinha de dentro da carteira.
Rasgou com os dentes o envelope metálico e vestiu a proteção.
Assim que sentou de novo no sofá, voltei para seu colo e o ajudei a se
encaixar em mim. Arfei ao ser preenchida por ele e comecei a cavalgá-lo.
Com as mãos em meus quadris, ele me ajudava a subir e descer cada vez
mais rápido.
Quando minhas pernas fraquejaram, ele mudou nossas posições,
colocando-me de quatro, ajoelhada no sofá, com as mãos apoiadas no
encosto e ficou de pé atrás de mim.
Arrebitei bem o traseiro e ele me deu uma palmada, atiçando-me
ainda mais, em seguida me penetrou de uma vez, em uma estocada
vigorosa, forte e funda. Precisei abafar um gritinho.
Rebolei ao tê-lo todo dentro de mim e Raoni começou a entrar e sair
devagar, aumentando o ritmo aos poucos. As investidas foram ficando mais
intensas e selvagens. Com uma mão ele agarrava meu cabelo em um rabo
de cavalo; com a outra, meu quadril.
Quando atingi o clímax pela segunda vez, plenamente satisfeita, ele
se libertou e gozou também, seu urro, mesmo que contido, foi uma deliciosa
canção para meus ouvidos.
Desabamos suados e ofegantes no sofá.
— Por favor, me diga que tem um banheiro com chuveiro, atrás
daquela porta. — Apontei na direção.
— Tem sim. Vamos lá tomar uma ducha. — Ele levantou e me
estendeu a mão, ajudando-me a levantar também.
— Obrigada. — Acompanhei-o até o local.
Raoni retirou toalhas limpas de um armário e as pendurou no box.
— Não posso molhar o cabelo, pois ficará difícil disfarçar o que
fizemos enquanto estivemos trancados em seu escritório, se eu sair daqui
com os fios molhados.
— Infelizmente não tenho um secador pra te oferecer. — Beijou
minha testa e ligou o chuveiro.
— Você foi perfeito! Obrigada por me lembrar como é bom ser bem
comida.
— Imagina, o prazer também foi meu. — Ele colocou sabonete
líquido nas mãos e me ensaboou.
— Desse jeito a gente não sai daqui hoje.
— Só estou te dando banho, não estou fazendo nada de mais. — A
voz soou inocente e um sorriso travesso brincou em seu rosto, enquanto o
safado percorria minha pele.
— Sei... ah... — gemi quando ele lavou minha intimidade.
— Já que é assim, quero retribuir a gentileza. — Foi a minha vez de
ensaboá-lo. Após enxaguar seu membro, que já estava ereto de novo,
desliguei o chuveiro e me ajoelhei, louca para prová-lo.
Lambi todo o comprimento e depois abocanhei o máximo que
consegui e comecei a chupá-lo com vigor.
— Cacete, Flávia, que boquinha mais gostosa!
Na hora lembrei do meu primeiro boquete, que foi justamente com
ele. Eu nem sabia o que estava fazendo direito naquela época, mas os anos
me ensinaram algumas coisas.
Disposta a fazê-lo gozar, suguei com vigor, deixando-o deslizar até
bem fundo na minha garganta, alternando lambidas e leves mordidinhas.
Agarrado ao meu cabelo, Raoni emitia sons desconexos, elogios
misturados a palavrões.
— Se não quiser que eu goze em sua boca, é melhor parar agora —
advertiu, mas eu continuei.
Quando ele gozou, engoli tudo, até a última gota. Mais uma primeira
vez com Raoni.
— Vai ser difícil trabalhar hoje — falou, sorrindo, ainda meio mole.
— Por falar nisso, é melhor sairmos logo daqui. Preciso ir para o meu
setor, tenho muitos originais para avaliar e já devem estar estranhando a
minha ausência. — Liguei o chuveiro e enxaguei a boca.
Raoni terminou de se lavar e assim que desligou a água, pegou uma
toalha e me envolveu, depois pegou a dele e se enxugou.
Sequei-me o mais rápido que consegui e voltei para a sala, à procura
de minhas roupas.
— Como estou? — perguntei assim que me vesti.
— Linda e com cara de quem transou.
— Está brincando, né?
Ele negou com a cabeça, segurando o riso.
— Ah, meu Pai! Não quero virar motivo de fofoca aqui na empresa.
Daqui a pouco vão dizer que você só vai me publicar porque me comeu.
— Esse foi um dos motivos de eu ter hesitado, seu romance é ótimo e
você não merece ser vítima de falatórios. Mas o que está feito, está feito. Eu
não me arrependo, e você?
— Também não. Foi tão bom! E por falar em não se arrepender,
quanto ao Davi...
— Fique tranquila. Ainda hoje conversarei com Tales e pedirei para
providenciar tudo o que for necessário para o exame de DNA e o
reconhecimento da paternidade. E se me permitir, eu gostaria de me
aproximar dele, conhecê-lo melhor.
— Claro.
— Já contou pra ele?
— Ainda não, pois não sabia como você reagiria.
— Confesso que fui pego de surpresa, nunca imaginei uma coisa
dessas, estava decidido a não ser pai, mas agora que sei que tenho um filho,
eu o quero, entende?
Assenti, emocionada.
— Eu poderia levá-los para passear sábado à tarde? Tomar sorvete,
algo assim, quem sabe ir a um parque de diversões, o que acha?
— Ótima ideia. Será bacana vocês irem se aproximando, antes do
Davi saber a verdade. E ele adora passeios, sorvetes e parques de diversões.
Inclusive tem um perto de casa. Moramos no Rio Pequeno.
— Então ficamos combinados?
— Sim.
— Me passe seu telefone para depois marcarmos o horário e você me
enviar seu endereço.
— Certo, anota aí.
Ele pegou o celular sobre a mesa e eu ditei os números.
Antes de eu deixar sua sala, Raoni me deu um abraço apertado.
Adorei o carinho inesperado e tudo que fizemos. Precisava tomar cuidado
para não confundir as coisas e não me envolver mais do que deveria. Ele
não poderia ser mais uma de minhas aventuras, pois era o pai do meu filho.

Naquela noite, percebi que Camila estava ansiosa para conversarmos.


Assim que Davi dormiu, ela se aproximou de mim na cozinha.
— E aí, amiga, como foi lá hoje? Conseguiu conversar com o Raoni?
— Sim.
— Como ele reagiu?
— Melhor do que eu esperava. Ficou assustado, claro, mas não
duvidou da minha palavra em nenhum momento. Falou que fará o teste de
DNA e quer assumir a paternidade.
— Que maravilha, Flavinha!
— Estou feliz. Ele inclusive disse que quer conhecer o filho melhor,
pediu para nos levar para um passeio no sábado.
— Isso é ótimo! Davi sempre sonhou em encontrar o pai, ficará
enlouquecido quando souber que já o achou. Você pretende contar pra ele
quando?
— Ainda não sei. Acho melhor fazermos o exame primeiro e deixar
que eles se encontrem.
— Tem razão. Agora me conte uma coisa, amiga, esse brilho todo no
olhar é só por tudo ter corrido bem, ou tem mais coisas que ainda não sei?
— Você me conhece mesmo como ninguém, né?
— Ah, não me diga que... — Arregalou os olhos, animada.
— Eu transei com ele.
— Como assim, gente? Estou chocada! Pode me contar todos os
detalhes sórdidos. — Puxou duas cadeiras e sentamos.
Contei para a minha amiga o que aconteceu e ela ficou boquiaberta.
— Que safadinhos!
— Mila, juro que nunca senti tanta atração por alguém. Não sei o que
há nesse homem, mas o fato é que ele me faz perder o juízo.
— E agora, como vocês vão ficar? Vão namorar?
— Ele disse que não namora. Tenho consciência de que foi uma
transa casual e que precisarei tomar cuidado daqui por diante, pois não
posso deixar que o meu desejo insano interfira na relação pai e filho.
— É o universo mexendo seus pauzinhos... Sabe o que acho? Vão
acabar ficando juntos e formando uma linda família feliz.
— E eu acho que você precisa parar de acreditar no que lê nos
romances. Essas coisas só acontecem nas histórias inventadas, amiga. São
fantasias, contos de fadas. As leitoras amam finais felizes porque estão
cansadas da vida real, que costuma ser dura, por isso, nós escritores, damos
isso a elas.
— Fala sério, Flavinha, vai querer me convencer que você não
acredita no que escreve? Que não acha que seja, sim, possível, na vida real?
— Até acredito, mas prefiro não me iludir. Assim evito sofrimento
desnecessário.
— Dê tempo ao tempo. Não precisa ficar se iludindo, mas também
não feche o coração para essa possibilidade. Torço para um final feliz com
vocês três juntos.
— Obrigada, amiga! Também torço por você, para que encontre o
cara que te fará viver uma linda história de amor, com direito a tudo o que
sempre sonhou.
— O que seria da vida sem os sonhos, não é mesmo?
Assenti e sorrimos com cumplicidade. Depois desejamos boa-noite e
cada uma foi para o seu quarto.
Eu já tinha escrito muitas histórias, com reviravoltas incríveis, mas
nunca imaginei que uma daquelas aconteceria comigo. Já não tinha
esperança de encontrar o pai do meu filho, e não só o achei, como ele era o
meu chefe gostoso, com quem acabei transando outra vez.
Que loucura tudo isso! O que o destino ainda reserva para nós?
Agitada demais pelos acontecimentos do dia, rolei de um lado para
outro na cama e demorei para conseguir dormir.
Raoni

Foi difícil trabalhar naquele dia, pois cada vez que meu olhar vagava
até o sofá do escritório, eu recordava das cenas protagonizadas com Flávia
sobre ele. Além de linda, batalhadora, inteligente e interessante, a mãe do
meu filho era muito gostosa.
A mãe do meu filho... Afundei as mãos no cabelo, atordoado. Como
aquilo foi acontecer? Como eu podia ser o pai que aquele garotinho de seis
anos tão fofo e esperto sonhava encontrar?
Às vezes planejamos o futuro, o que desejamos ser ou não, sem nos
darmos conta de que, na verdade, não passamos de marionetes nas mãos do
destino. Eu jurava que não teria filhos, estava decidido, jamais imaginaria
que já tinha um.
Por mais que tenha passado a vida toda rejeitando a ideia da
paternidade, por medo de me tornar um pai terrível como o meu foi, após a
revelação de Flávia, algo dentro de mim mudou. Ainda faria o exame de
DNA, mas não duvidava da sua palavra, mesmo porque, como ela mesma
disse, Davi se parecia muito comigo, apenas os olhos eram iguais aos da
mãe.
Eu queria conhecê-lo melhor, protegê-lo a qualquer preço, compensar
de alguma forma os anos que passamos longe um do outro. Estava ansioso
por nosso encontro no sábado. Todos aqueles sentimentos inesperados me
deixaram confuso, feliz, empolgado e com um medo tremendo.
Quando cheguei à mansão, ao final da tarde, ainda continuava
reflexivo.
— Dia difícil, meu amor? — vovó indagou ao me ver entrar. — Está
com uma carinha preocupada.
— Acho que surpreendente seria a palavra mais adequada. — Fui até
ela, que estava no sofá, com um livro nas mãos, e beijei sua testa.
— Quer me contar o que aconteceu? Quem sabe eu possa ajudar de
algum modo. Sente aqui. — Indicou o seu lado e eu me acomodei,
afrouxando o nó da gravata.
— Lembra de eu falar com a senhora da nossa nova contratada para o
setor de avaliação de originais, a Flávia?
— A que é escritora e que vamos publicar um livro dela?
— Isso, a própria.
— O que tem a moça? Está interessado nela? — Um brilho de
empolgação reluziu nas íris esverdeadas de dona Vilma, que não desistia da
ideia de me ver casado um dia.
— Bem, hum-hum... — raspei a garganta e retirei o paletó, pois fiquei
com calor só de lembrar do sexo quente que fizemos. — Eu mentiria se
dissesse que não me sinto atraído por ela.
— Que maravilha ouvir isso!
— Não se anime demais, está bem? Ela é linda, sexy e interessante,
mas não é sobre isso que queria te falar.
— Ah, não? — Franziu o cenho, nitidamente confusa. — O que tem a
moça, então?
— Ela tem um filho de seis anos, chamado Davi. Eu o conheci na
quinta-feira antes do feriado, pois precisou levá-lo para o trabalho, já que
não tinha ninguém para ficar com ele. Jonas comentou que o achou muito
parecido comigo, que vê-lo o fez recordar de quando eu era garoto e vivia
por lá com a senhora.
— Lembro bem dessa época, você estava sempre com um livro nas
mãos. Sorriu, saudosa. — Então o assunto é sobre o menino?
— Vovó, a senhora não vai acreditar, mas hoje pela manhã Flávia
confessou que eu e ela nos conhecemos há quase sete anos. Numa noite em
que saí para comemorar aquele contrato que fechamos com o pessoal do
audiovisual, lembra?
— Sim, sim.
— Naquela noite, eu bebi, coisa que a senhora sabe bem que não
faço, e acabei transando com uma garota de quem eu nem sequer sabia o
nome verdadeiro.
— A desconhecida é a Flávia? — Arregalou os olhos, animada.
— É ela, vó. Desde que a vi na editora, tive a impressão de que nos
conhecíamos, mas não conseguia me recordar de onde.
— Meu Deus! Isso foi há quase sete anos e hoje ela tem um filho de
seis, não vai me dizer que...
— Sim. Hoje Flávia revelou que o garoto é meu filho.
— Glória a Deus, que bênção, muito obrigada, Senhor! — Exagerada,
ela elevou as mãos. — Imagino que você deva estar assustado, querido, mas
estou muito feliz! Sempre me preocupei em partir desse mundo e te deixar
sozinho, agora poderei ir tranquila, pois você terá a sua família. — Já pediu
o exame para confirmar a paternidade?
— Ainda não. Queria ter falado com Tales hoje, para que providencie
tudo o que for necessário, porém fiquei atordoado demais e acabei me
esquecendo. Amanhã cedo falarei com ele.
— Está decidido a assumir a criança, então? — Ela nem conseguia
disfarçar o contentamento.
— Vou, sim, vó. Eu não pensava em ter filhos, mas agora que sei que
já tenho um, não o deixarei desamparado. E não falo só em relação ao que o
dinheiro pode comprar, mas também ao afeto. Prometo que vou me esforçar
para ser o pai que aquele garotinho lindo e esperto merece. Fiquei
encantando quando o conheci, agora estou louco para reencontrá-lo.
— Eu quero conhecê-lo, hein?
— Fique tranquila que vai, sim, conhecer seu bisneto, dona Vilma.
— Isso merece uma comemoração! Vou chamar Mariana e pedir que
providencie um jantar especial pra gente.
— Certo — concordei com um sorriso. — Enquanto isso vou tomar
um banho.
— Vá lá, querido! — Ela acariciou meu rosto.
Levantei, dei outro beijo em sua testa e segui em direção às escadas.

Naquela noite, depois de jantar com vovó e dona Mariana, fui para o
quarto e fiquei revirando na cama. As imagens de Flávia me cavalgando,
com a face afogueada e a respiração ofegante, invadiram minha mente,
deixando-me excitado, só não bati uma pensando nela, porque logo foi o
rostinho de Davi que surgiu, acalmando meu corpo e trazendo um aperto
para meu peito.
“Eu ainda não conheço o meu pai.” Lembrei da sua carinha triste.
“Ele e mamãe se perderam.” “Papai ainda não sabe que eu existo.”
— Eu sei que você existe e te quero, meu filho — falei baixinho,
emocionado. — Em breve saberá disso. Nunca vou deixar nada nem
ninguém te afastar de mim.
Respirei fundo, tentando acalmar o turbilhão de sentimentos.

Na manhã seguinte, assim que cheguei à editora, fui até a sala de


Tales.
— Posso entrar? — questionei após bater na porta e entreabri-la.
— Claro! Precisa de alguma coisa? Senta aí! — Apontou a cadeira à
sua frente.
— Preciso de um favorzão que não tem a ver com a empresa.
— No que eu puder ajudar, será um prazer.
— O que vou te contar por enquanto precisa ser mantido em sigilo,
certo? Pelo menos até eu e Flávia decidirmos como agir de agora para
frente.
— Você e Flávia? Não estou entendendo. — Estreitou as pálpebras,
intrigado.
Nos minutos seguintes, contei ao meu amigo e advogado toda a
história, omitindo apenas o detalhe de ter transado com a Flávia no dia
anterior. Quando terminei, ele me encarava boquiaberto, abismado.
— Isso é sério, Raoni, ou está de brincadeira comigo?
— Está louco, cara? Acha que eu brincaria com uma coisa dessas? —
resmunguei, irritado.
— Então você está acreditando mesmo ser o pai do filho da Flávia?
— Sinceramente, não tenho razão nenhuma para duvidar da palavra
dela, e você chegou a ver o garoto? Ele se parece muito comigo.
— Caramba, surreal isso...
— Eu que o diga!
— E você não está apavorado com a descoberta? Estou te achando até
bem calmo. — Ele me observava com atenção e curiosidade.
— Fiquei assustado pra cacete, ontem, desorientado até, mas preciso
confessar que já estou gostando da ideia.
— Quem te viu, quem te vê, hum? Vivia dizendo que nunca teria
filhos e está todo babão com a notícia.
— O menininho é encantador e agora que sei que é meu filho, estou
louco para conhecê-lo melhor. Vou levá-los para passear no sábado.
— Estou feliz por você, Rao, de verdade! Pode deixar que ainda hoje
começarei a providenciar tudo que for necessário para que façam o exame e
para que possa assumir a paternidade depois.
— Muito obrigado, Tales! E conto com sua discrição.
— Fique tranquilo quanto a isso.
Despedimo-nos e deixei sua sala. Antes de voltar para a minha,
precisei me controlar para não ir até o setor de avaliação de originais ver a
Flávia. No entanto meu esforço foi em vão, pois quando virei no corredor,
dei de cara com ela vindo da direção contrária.
— Bom dia! — cumprimentei meio sem jeito, enfiando as mãos nos
bolsos, enquanto meu desejo era passeá-las por seu corpo gostoso.
— Bom dia! — Ela me encarou, tão desconcertada quanto eu.
— Acabei de falar com Tales, ele vai providenciar tudo.
— Que ótimo!
— Já falou com Davi sobre o passeio de sábado?
— Ainda não. Ele é muito ansioso, vou deixar pra contar mais perto.
— Sério? Eu também era assim. Acho que quase enlouquecia minha
avó, porque se ela me dissesse que faríamos algo, ou que alguma data
importante estava chegando, eu começava uma contagem regressiva e todos
os dias falava sobre aquilo.
— Meu Deus, Davi é bem assim! — Ela arregalou os olhos e nós dois
sorrimos com uma cumplicidade gostosa.
— Bem, vou para a minha sala. Qualquer coisa que precisar, pode
falar comigo, ok? E em breve Tales deve entrar em contato com você pra te
passar as orientações. — Como estávamos no meio do corredor onde
qualquer pessoa poderia nos ouvir, falávamos baixinho.
— Certo. Tenha um bom dia!
— Você também!
Despedimo-nos e cada um seguiu seu caminho. Apesar de ter passado
o restante do dia sem vê-la, não consegui tirá-la do pensamento.
Flávia

Fiquei desconcertada ao encontrar Raoni na editora logo pela manhã.


Ele me pareceu ainda mais lindo e foi impossível não pensar no que
fizemos no dia anterior.
Quis muito fazer sexo casual com ele, entretanto estava complicado
controlar o desejo que eu sentia e a vontade de estar em seus braços outra
vez. Havia uma grande bagunça dentro de mim, mas eu precisava me
controlar, pois não queria prejudicar em nada a relação que ele teria com
nosso filho.
Naquela tarde, Tales me enviou um e-mail informando onde eu
deveria levar Davi para colher o sangue para o exame de DNA. Por mais
que tivesse certeza de que Raoni era o pai, uma ansiedade estranha me
dominou.
Sem querer prorrogar a espera, assim que busquei meu pequeno na
escola, resolvi ir até o laboratório.
— Meu amor, vou te levar para colher sangue agora, está bem? —
contei depois de receber um abraço apertado.
— Ah, não, isso não é justo, eu odeio ser picado, aquela agulha dói,
mãe! — resmungou, de cara feia. — E eu nem fui ao médico esses dias, por
que preciso fazer exame?
— Você é forte e sabe bem que dói menos que a picada de um
mosquito. — Ajudei-o a entrar no carro.
— É... pelo menos não fica coçando depois.
— Isso é verdade! — concordei e rimos da sua constatação.
— Mas para que é esse exame? — ainda insistiu, não totalmente
convencido a aceitar de boa vontade.
— Para uma surpresa. — Apertei seu nariz e afivelei seu cinto de
segurança.
— Que tipo de surpresa mais esquisita é essa? Estou achando que não
vou gostar.
— Se eu contar não será mais surpresa, mas aposto que vai gostar,
sim.
— Está bem, mas se você estiver só me enganando, vou ficar muito
chateado.
— Eu não faria uma coisa dessas. — Beijei sua testa e ocupei o banco
do motorista, fechando a porta do carro em seguida.
— Só vou se me der um picolé depois — tentou barganhar e me
arrancou uma gargalhada.
— Espertinho! Vamos combinar assim: se não chorar, ganha um
picolé.
— Eu não sou mais um bebê, não vou chorar.
— Combinado, então! — Dei a partida no carro e o observei pelo
espelho retrovisor, parecia satisfeito com o que conseguira.
Já no laboratório, Davi se comportou como um verdadeiro rapazinho.
Conforme prometi, saindo de lá o levei para comprar picolé e depois fomos
para casa. Quando chegamos, ele contou à Camila que não falou nem um
“ai”, quando a enfermeira tirou seu sangue.
— Muito bem, garoto! — Eles deram um soquinho na mão um do
outro. — Agora vou tomar meu banho.
— Sem reclamar? — Fiz falsa cara de espanto. — Acho que vou
comprar picolé pra você mais vezes — impliquei e nós três rimos.
— Ótima ideia, mamãe! — Dei um tapinha em seu bumbum e ele
saiu apressado para o banheiro.
— O sangue foi para o que estou pensando? — Camila perguntou
baixinho quando ouvimos o chuveiro sendo ligado.
— Foi. Não tenho dúvidas de que Raoni é o pai, mas confesso que
estou ansiosa.
— Imagino, amiga. Demora quantos dias para o exame ficar pronto?
— Sentou no sofá e ocupei o seu lado, virando-me para ela.
— Trinta.
— Nossa, isso tudo?
— Pois é, também achei muito.
— E pretende esperar até lá pra contar ao Davi?
— Acho que não conseguirei guardar esse segredo por tanto tempo.
Quero ver como será a interação dele e Raoni no sábado e talvez eu já diga.
— Eu, no seu lugar, também falaria. Ele vai ficar enlouquecido
quando souber que encontrou o pai.
— Vai, sim! Eles se deram bem no dia que se viram na editora e isso é
um bom sinal, né?
— Claro. Vai dar tudo certo, amiga! E você e o Raoni, se viram hoje?
— Bem rapidinho, pela manhã.
— E como foi encará-lo depois do que os safadinhos fizeram ontem,
hum? — Arregalou os olhos, curiosa e bateu de leve a mão na minha coxa.
— Foi meio estranho. Eu sei que não devia ficar o desejando, mas ele
é lindo demais, Mila, e que pegada aquele homem tem! Só de recordar o
que fizemos, me deu um calorão!
— Estou amando essa história e torcendo para que acabem juntos.
— Não coloque caraminholas na minha cabeça, ela já está bagunçada
demais — choraminguei.
— Desculpe, é que estou empolgada em te ver assim. Você merece
ser feliz.
— Merecemos, amiga! — Segurei em suas mãos, com carinho.
Passei os dias seguintes agitada, pensando em como seria o encontro
de Raoni e Davi. Na quinta, combinei com ele para nos buscar às 15h.
Enviei meu endereço por mensagem.
Só na sexta-feira à noite contei para meu filho sobre o passeio.
— Era essa a surpresa, mãe? — ele perguntou, animado.
— Digamos que parte dela. — Fiz ar de mistério. Se tudo corresse
bem, eu pretendia revelar a ele sobre o pai naquele encontro.
— Hum, está cheia de segredinhos... — Apertou os olhinhos e me
analisou.
— Confie em mim, você vai gostar! Agora vamos fazer a oração.
Oramos, depois li um pouquinho para ele, que adormeceu depressa.
Ao deixar seu quarto, pedi a Deus que abençoasse nossas vidas e tudo
o que estava por vir. Davi sonhou tanto em conhecer o pai, esperava que
Raoni não o decepcionasse.

Desde que acordamos no sábado, Davi não falava em outra coisa que
não fosse o passeio.
— Faltam quantas horas, mamãe?
— Meu amor, você me perguntou isso há dez minutos, precisa
aprender a controlar essa ansiedade.
— Mas é que estou muito empolgado! Adoro aquele parque e gostei
muito do senhor Raoni. Será que ele vai querer ir nos brinquedos comigo?
— Não sei. Descobriremos em breve se ele é corajoso como você, ou
medroso como a mamãe. — Fiz careta e ele sorriu.
— Acho que ele é corajoso!
— Quem é corajoso? — Camila perguntou ao entrar na sala.
— O chefe da mamãe. Eu pelo menos acho que deve ser, né? — Davi
levantou as mãozinhas de um jeito engraçado. — Ele vai nos levar para
passear.
— Estou sabendo e espero que se divirtam bastante.
— Não quer ir com a gente, tia Mila?
— Hoje não posso, meu bem, mas obrigada pelo convite. — Ela fez
um carinho na cabeça dele e piscou para mim.
Quando deu o horário combinado, o interfone tocou.
Atendi e o porteiro avisou que ele nos aguardava lá embaixo.
— Vamos, meu amor? — chamei, Davi.
— Vamos, sim. — Levantou apressado e se encaminhou para a porta.
— Bom passeio pra vocês, amiga. Vai dar tudo certo. — Camila se
despediu de mim com um abraço.
— Obrigada. — Dei um beijo em seu rosto e peguei minha bolsa
sobre a mesinha de centro.
— Tchau, tia Mila! — Davi gritou sem nem olhar para trás.
Descemos de elevador e assim que chegamos à portaria, tive uma
palpitação ao ver Raoni, lindo, em trajes informais, de camiseta branca e
calça jeans, tão diferente de como se vestia para ir trabalhar, parado a nossa
espera.
— Oi! Você veio mesmo! — Davi falou empolgado, aproximando-se
dele.
— Vim, sim. Preparado pra se divertir? — A voz grave e melodiosa
questionou com doçura, aquecendo meu peito.
— Estou preparado e muito animado. Adoro aquele lugar!
— Sua mãe me disse mesmo. — Ele acariciou a cabecinha do filho e
olhou para mim. — Oi, boa tarde! — cumprimentou e mesmo que não o
conhecesse bem, pude notar que estava diferente do seu habitual, não só
pela roupa, parecia nervoso.
— Boa tarde!
— Podemos ir?
Assenti, despedi-me do porteiro e seguimos em direção ao carro
estacionado em frente ao prédio.
— Senhor Raoni, você tem medo de altura? — Davi perguntou ao se
acomodar no banco traseiro.
— Eu não. E adoro adrenalina!
— Adrenalina? O que é isso? — Davi franziu o cenho e eu afivelei
seu cinto. Depois fechei a porta de trás do carro, entrei pela do passageiro
da frente e sentei também.
— Adrenalina é um hormônio, uma substância, liberada pelo nosso
organismo quando passamos por alguma situação de perigo, como quando
fazemos alguma aventura. É ela que deixa nosso coração acelerado e o
corpo todo agitado, sabe?
— Ah, agora entendi. Então eu também gosto de adrenalina! — Seu
jeitinho fofo e empolgado nos fez rir. — Mamãe é medrosa, não gosta de
altura, nem de velocidade, acredita?
— Ah, é mesmo? — Raoni questionou com uma cara engraçada,
olhando do nosso filho para mim. — Sua mãe sempre me pareceu muito
corajosa — falou as palavras sem desfazer nosso contato visual e o brilho
provocante que reluziu em suas íris castanhas fez um calorão me invadir.
Meu rosto esquentou tanto que devo ter corado.
— Vocês dois podem por favor parar de falar de mim? — Tentei soar
divertida.
— Claro. — Raoni estreitou as pálpebras e ainda me analisou por um
instante, antes de se virar para trás e dar uma piscadela para Davi.
Depois se endireitou no banco do motorista, colocou o cinto de
segurança e deu a partida no carro.
Durante o trajeto, Davi não parou de tagarelar um segundo. Não me
recordava de vê-lo tão eufórico.
— Podemos ir na montanha-russa, senhor Raoni? — Davi pediu
assim que chegamos. — Mamãe nunca vai comigo, porque tem medo —
sussurrou a última parte, colocando a mãozinha em frente à boca —, e não
me deixam ir sozinho.
— Eu adoro montanha-russa, vamos sim! — Ele tocou na mão do
pequeno e depois se virou para mim. — Posso levá-lo?
— Pode. Preciso confessar que tenho pavor desse brinquedo — foi
minha vez de sussurrar e os dois riram. — Vão se divertir! Ficarei aqui
esperando.
— Vamos lá, garotão! — Raoni pegou na mãozinha de Davi que disse
um “uhul!” e saiu acompanhando o pai.
Fiquei os observando se afastarem. Era impressionante como se
pareciam e como se deram bem.
Depois da volta na montanha-russa, em que Davi gritou
enlouquecido, Raoni o colocou sentado em seus ombros e caminhou até
mim. Precisei me controlar para não chorar de emoção ao ver a cena.
Mesmo que Davi ainda não soubesse que ele era seu pai, confiava em Raoni
e ninguém poderia negar que havia uma conexão natural imensa entre eles.
— Foi divertido? — perguntei quando os dois pararam à minha
frente.
— Foi muito irado, mãe! Muita adrenalina! Nem acredito que eu
nunca tinha ido antes.
— Que bom que gostou. — Olhei dele para meu chefe, que parecia
outra pessoa.
A versão “homem de família” do todo poderoso CEO estava me
deixando ainda mais fascinada por ele.
— Que tal irmos nos carrinhos de bate-bate agora? — Raoni propôs,
entusiasmado.
— Eu topo! — concordei sem hesitar.
— Eu também! — Davi se manifestou em seguida. — Ah, senhor
Raoni, esse é um dos brinquedos preferidos da mamãe.
— Não precisa me chamar de senhor, querido. — Colocou o pequeno
no chão e bagunçou seu cabelo.
— Está bem. — Ele assentiu com os olhinhos azuis brilhando.
Nós três nos encaminhamos para a área do brinquedo e cada um
ocupou um carro.
Durante os minutos seguintes, eu os persegui enlouquecida, até que
eles resolveram se unir para chocar seus carros ao mesmo tempo contra o
meu. A brincadeira foi muito divertida e quando nosso tempo acabou,
estava com o rosto dolorido de tanto rir.
— Roda gigante? — Raoni questionou, ao nos afastarmos da área
onde estávamos.
— Tenho medo de altura mesmo, Davi não estava só me implicando
quando contou.
— Eu seguro sua mão — ele falou de um jeito zombeteiro, mas muito
fofo.
— E eu seguro a do outro lado — Davi se uniu ao novo amigo, para
me convencer. — Vamos, mamãe, por favor. Vai ser legal!
— Está bem. Mas se eu tiver um troço lá em cima a culpa é de vocês.
— Não vai desmaiar, né? — Raoni me encarou, preocupado.
— Não. Fique tranquilo, não é algo que costume acontecer com
frequência.
Ele anuiu, ainda me observando com receio.
— Juro. Tenho medo de altura, mas com vocês segurando minhas
mãos, ficarei bem. — Dei uma piscadinha e ele sorriu, por fim.
Davi foi o primeiro a se acomodar no assento do brinquedo. Sentei no
meio e Raoni ao meu lado. Como prometido, eles me deram as mãos.
Apertei ambas com força, não porque estivesse apavorada, mas porque foi
muito emocionante tê-los juntinhos de mim daquele jeito. Passei por tanta
coisa sozinha com Davi, mas naquele instante tive a certeza de que nunca
mais estaríamos desamparados.
Quando a roda começou a girar, fechei os olhos e fiz uma oração a
Deus, agradecendo por aquela chance de reencontrar Raoni, de Davi poder
conviver com o pai.
— Está tudo bem? — a voz grave me perguntou com mansidão,
fazendo-me abrir as pálpebras.
— Sim. Obrigada por estar aqui. — Acariciei sua palma com o
polegar e o fitei com intensidade.
— Estarei sempre ao lado de vocês — sussurrou e beijou minha testa.
— Está com medo, mamãe? — Davi perguntou, quase gritando.
— Não, meu amor. — Virei-me para ele. — Estou me sentindo segura
no meio de vocês.
Ele sorriu satisfeito e voltou sua atenção para o horizonte.
Quando a última volta terminou, descemos e eu propus fazermos um
lanche. Os dois concordaram e seguimos até a praça de alimentação.
Pedimos pizza e enquanto comemos, Davi comentou sobre como
estava gostando do passeio. Depois contou a Raoni quase tudo sobre si: o
desenho preferido, os nomes dos coleguinhas da escola e da professora, o
que mais gostava de fazer, sua comida predileta e falou até do que não
gostava. Raoni parecia encantado e embarcou na conversa com interesse e
naturalidade.
— Queria que meu pai fosse como você! — Davi nos surpreendeu
com sua declaração genuína.
Os dois se olharam com tanto afeto, que não consegui controlar as
lágrimas.
— O que foi, mamãe? Por que está chorando? — Nosso pequeno
questionou com aflição.
Respirei fundo decidindo que aquele era o momento certo, não havia
razão para esperar mais para revelar a verdade.
— Lembra que eu te contei que depois que engravidei de você, acabei
perdendo contato com seu pai e nunca mais tive notícias sobre ele?
— Uhum. O papai morreu, mamãe, é por isso que está chorando? —
ele indagou, com a carinha triste.
— Não, meu amor. — Olhei dele para Raoni, que engoliu em seco e
ficou subitamente sério, nervoso. — Há alguns dias tive uma grande
surpresa — voltei minha atenção para meu filho —, ao reencontrar seu pai
por acaso.
— Jura? Ah, meu Deus! Então vou conhecê-lo? Onde ele está? —
Davi ficou quase histérico com a notícia.
— Eu sou o seu pai — Raoni se pronunciou, antes que eu contasse,
fazendo meu queixo tremer e o coração disparar.
Davi o olhou com incredulidade e desconfiança. Depois me encarou e
voltou a fitar Raoni.
— Ah, isso não tem graça, sabiam? Vocês combinaram essa mentira
só para me deixar feliz, porque gostei de conhecer Raoni aquele dia na
editora e acham que nunca vou encontrar meu pai verdadeiro? — Ele olhou
para nós dois, zangado.
— Não é mentira, querido. Sou mesmo o seu pai. Até aquele dia eu
não sabia. Fazia muito tempo que não via a Flávia e não a reconheci quando
começou a trabalhar na editora. Além do mais, nunca soube que ela teve um
filho meu. Quando sua mãe me contou a verdade, fiquei muito feliz. É uma
pena que tenhamos passado tantos anos sem nos conhecermos, mas se me
permitir, quero fazer parte da sua vida de agora em diante. Prometo tentar
ser o pai que merece. — A voz de Raoni saiu embargada e seus olhos
marejaram.
— Então é sério? Verdade mesmo? — Davi arregalou os olhos,
abismado.
Eu e Raoni sorrimos e concordamos.
— Ah, meu Deus, não estou acreditando nisso! — Davi começou a
chorar, levantou da cadeira e subiu no colo do pai, abraçando-o apertado. —
Estou tão feliz! — disse com a voz trêmula pela emoção.
A cena foi tão tocante que não consegui controlar o pranto. Tudo
estava acontecendo de uma forma muito melhor do que eu poderia esperar.
Reencontrar Raoni daquele jeito, sua reação positiva ao saber da existência
do filho, mesmo que não desejasse ser pai, a conexão dele com Davi, nossa
tarde no parque, a forma como segurou minha mão na roda gigante e disse
que sempre estaria conosco.
Sem conseguir parar de olhá-los, fiz uma prece a Deus agradecendo
por aquele momento e me recordei de duas passagens da Bíblia:
“Ainda que me abandonem pai e mãe, o Senhor me acolherá.” (Salmo
27:10)
“Seja forte e corajoso, porque eu, o seu Senhor, o seu Deus, estarei
com você em qualquer lugar para onde você for!” (Josué 1:9)
Obrigada, meu Pai, por nunca ter nos abandonado, e por permitir
esse reencontro. Para Ti nada é impossível. Passamos por muitos momentos
de tormentas, mas que de agora por diante venham os dias de paz e
alegrias.
Raoni

Fiquei muito emocionado com a reação do Davi ao saber que eu era


seu pai. Aquele passeio estava sendo ainda melhor do que imaginei. Ele era
um garotinho encantador que me fascinava a cada segundo mais.
— Sabe o exame de sangue que você fez? — perguntei com ele ainda
no meu colo e enxuguei seu rostinho molhado.
— Aham. Eu nem chorei com a picadinha.
— Muito bem! É um rapazinho muito forte, além de inteligente, lindo
e esperto, e isso me deixa todo orgulhoso, sabia?
Ele sorriu, tímido e se aconchegou em meu peito.
— Aquele exame é para provar que eu sou seu pai, porque quero
colocar meu nome em seus documentos.
— Essas coisas de gente grande são tão complicadas! — Ergueu o
rostinho para me olhar.
— Verdade, né? Agora me conte, como é seu nome completo?
— Davi Castilho.
— Lindo. Mas o que acha de passar a se chamar Davi Castilho
Campelo?
— Campelo é seu sobrenome? — perguntou arqueando as
sobrancelhas.
— É sim.
— Então vou adorar! Sabia que sou o único da minha sala que só tem
um sobrenome?
— Isso está prestes a mudar. Ah, tem mais uma pessoa querendo te
conhecer.
— Quem?
— A minha avó, dona Vilma, sua bisavó.
— Que irado! Além de ganhar um pai, também ganhei uma bisa.
Antes era só eu, mamãe e tia Mila de família, e assim, ela nem é minha tia
de verdade, só do coração mesmo, porque não é irmã de sangue da mamãe,
apesar delas se gostarem muito.
— Entendi. Eu também só tinha a minha avó, mais ninguém de
família. Estou feliz de agora ter vocês!
— Muito louco isso, né? — Davi me olhava com encantamento.
— Demais! — Sorri, achando engraçadinho o jeito dele. — Que tal
um sorvete de sobremesa?
— Eu amo sorvete, é minha sobremesa favorita!
— Estou adorando saber tantas coisas sobre você. Qual o seu sabor
preferido?
— Flocos.
— Hum, a gente é muito parecido. É o meu preferido também.
— Jura? — Seus olhinhos claros brilharam de entusiasmo.
— Uhum. — Notei que Flávia nos observava com atenção, com o
sorriso emocionado. — E o seu? — perguntei para ela.
— Creme, talvez. Também gosto muito de flocos. Na verdade, acho
difícil escolher um só.
— Tem razão, mamãe, todos os sorvetes são uma delícia! — o
pequeno falou exagerado.
— Vou lá comprar pra gente, quer vir comigo? — perguntei para
Davi.
— Quero sim. A mamãe fica aqui guardando nosso lugar e vou lá te
ajudar a trazer, papai — a palavra saiu com tanta naturalidade que aqueceu
o meu coração.
Assenti e o ajudei a se levantar, em seguida me levantei também.
— Será rapidinho — falei para Flávia, antes de sairmos.
— Vão tranquilos.
Assim que retornamos, entreguei um sorvete de creme para ela e
fiquei com o meu de flocos, igual ao de Davi.
O pequeno se lambuzou todo e não parava de tagarelar, contando suas
peripécias de criança. Eu ouvia tudo fascinado e por mais que meu foco ali
fosse ele, foi impossível não reparar em Flávia e não recordar dos nossos
momentos juntos.
O sorriso doce e o semblante emocionado a deixaram ainda mais
linda e atraente. Ela me flagrou a observando, mas não desfez nosso contato
visual, pelo contrário. Parecia tão hipnotizada quanto eu.
Desejei tê-la de novo em meus braços, mesmo sabendo que aquilo
não deveria acontecer. Não seria justo brincar com seus sentimentos, nem
bagunçar a relação de amizade que começávamos a construir. Davi era
nosso elo eterno e eu precisava pensar nele em primeiro lugar.
Quando nosso filho terminou o sorvete, começou a piscar mais
lentamente e a bocejar.
— Está cansado, querido? — Acariciei seu rostinho todo melado.
— Sim. A tarde foi muito legal, mas estou com sono. Podemos ir pra
casa?
— Claro. Venha, te levo no colo até o carro. — Levantei e o peguei
nos braços.
— Pode deixar que eu o levo — Flávia ofereceu ao levantar também.
— Não precisa. Faço questão. — Acariciei a cabecinha dele,
repousada na curva do meu pescoço. Foi muito gostoso tê-lo agarradinho a
mim.
Ela aquiesceu e caminhamos até o estacionamento.
Quando coloquei Davi no carro, ele tinha dormido. Fiquei o olhando,
embasbacado.
— Amei a nossa tarde — comentei baixinho com Flávia, que estava
parada ao meu lado, após ajeitar Davi no banco, afivelar seu cinto de
segurança e fechar a porta.

— Eu também. Com certeza esse dia ficará marcado em nossas


memórias para sempre.
Estávamos a poucos centímetros de distância. Seu perfume suave me
inebriou e senti uma vontade absurda de tocá-la.
— Obrigado. — Acariciei sua face.
— Pelo que exatamente está agradecendo? — Pousou a mão pequena
e quentinha sobre a minha.
— Por ter me dado um filho incrível e me provado que eu estava
errado quando decidi que não queria ser pai. Nunca serei como Cássio, hoje
consegui compreender isso. Eu acabei de conhecer o Davi, mas já o amo e
seria capaz de qualquer coisa para protegê-lo, para garantir a sua segurança
e felicidade. — As lágrimas pinicaram meus olhos e precisei lutar contra a
emoção desenfreada. — Aquele homem desgraçou a minha vida, Flávia,
matou mamãe, ferrou com minha cabeça. Só mesmo um maldito doente
seria capaz de tanta crueldade.
— Eu sinto tanto por tudo que passou, Raoni. — Assim como os
meus, os olhos dela marejaram e Flávia me abraçou apertado, confortando-
me.
Afaguei suas costas e beijei sua testa.
— Eu não esperava por nada disso, mas estou feliz por ter vocês dois
em minha vida — falei quando nos afastamos.
— Também estou feliz por tê-lo encontrado. — Sorriu com ternura.
— Vamos? — chamou em seguida.
Assenti e dei a volta no carro para abrir a porta do passageiro da
frente para ela.
Flávia se acomodou e então voltei para ocupar o banco do motorista.
Raoni

Seguimos o trajeto em silêncio. Quando parei em frente ao prédio que


eles moravam, Davi acordou.
— Já chegamos? — perguntou, sonolento.
— Chegamos, sim, querido — respondi, olhando-o pelo espelho
retrovisor.
— Queria te mostrar minha casa, meu quarto. Entra com a gente? —
convidou, esfregando os olhinhos. — Também adoraria se você me
colocasse pra dormir, papai.
Virei para trás e fiz um carinho em sua perna, depois olhei para
Flávia, aguardando um consentimento. Queria muito aquilo, mas não
forçaria a barra se percebesse que ela não estava confortável.
— Suba conosco. Será um prazer recebê-lo em nossa casa.
— Está bem, eu vou — concordei, animado para conhecer mais sobre
a vida deles.
Nós três descemos e entramos no prédio. Fomos de elevador até o
terceiro andar e quando as portas de aço se abriram, Davi segurou minha
mão e me puxou em direção ao seu apartamento.
— É aqui, papai. — Parou em frente à porta, aguardando que a mãe a
abrisse.
— Depressa, mãe — pediu, ansioso.
— Calma, meu amor, seu pai não vai sair correndo e estou
procurando a chave na bolsa. Aqui, achei. Podem me dar licença um
instantinho? — ela pediu e nos afastamos para que alcançasse a fechadura.
Assim que entramos, Davi me guiou até seu quarto. Era pequeno,
simples, mas bem bonitinho. Tinha uma cama de solteiro, com uma colcha
com estampa de dinossauros e ao lado, uma estante cheia de livros e
brinquedos. A parede do fundo era azul-claro e tudo estava bem organizado.
— Bem que me disse que gosta de dinossauros. — Analisei a sua
coleção. — Sabe o nome de todos? — Virei-me para ele.
— Sei, sim! — Sorriu, todo orgulhoso. — Esse aqui é o
Braquiossauro, ele era herbívoro, grande e pesado. — Apontou o
brinquedo. — Esse outro é um Tricerátope, também era herbívoro. E aqui
um dos meus preferidos, o Tiranossauro Rex, carnívoro, um dos maiores
predadores do período jurássico. E, por último o mosassauro, um gigantesco
réptil aquático que podia medir até dezoito metros. Isso é mais ou menos
três vezes o tamanho de um tubarão-branco adulto, um dos mais temidos de
hoje em dia.
— Uau! Onde você aprendeu tudo isso? — questionei,
verdadeiramente impressionado.
— Nos desenhos e nos livros. Tenho uma coleção de livrinhos só de
dinossauros — contou, com satisfação.
— Acho que os desenhos de agora devem ser bem melhores do que os
da minha época. Quando eu era criança não aprendia essas coisas vendo TV.
— Mamãe vive falando isso. São muito bons mesmo. Qualquer dia
desses, se quiser, pode vir assistir comigo.
— Será um prazer, meu filho, vamos combinar.
— Bem rapazes, o assunto aí está animado, mas é melhor Davi tomar
banho, antes que caia no sono de novo.
— Às vezes eu morro de preguiça de tomar banho — sussurrou, em
confidência, o que achei fofo.
— Se quiser, posso te ajudar.
— Oba! Quero sim!
— Então vão lá, enquanto isso prepararei seu leite. — Flávia deu uma
piscadela e nos deixou a sós.
— Por aqui, papai. — Davi saiu do quarto e me chamou, mostrando o
caminho.
Segui-o até o pequeno banheiro e fiquei me questionando se seria o
único do apartamento.
Ajudei-o a tirar a roupa e ele entrou no box, ligando o chuveiro em
seguida.
— Pode lavar meu cabelo? — pediu, manhoso.
— Claro. Qual o seu xampu?
— Esse aqui. — Ele me entregou um frasco azul, com estampa
infantil.
Coloquei um pouco do líquido na mão, apreciando o cheirinho
gostoso e depois passei em sua cabecinha, esfregando de leve, fazendo
espuma. Repeti o processo com o condicionador que ele me entregou.
Depois Davi colocou sabonete líquido na espuma e esfregou o
corpinho, dando atenção especial aos pés, o que achei até engraçado, pois
como ele estava de tênis, os pezinhos pareciam limpos.
— Deixe que eu ensaboo suas costas — pedi e ele me entregou a
bucha.
Esfreguei sua pele delicada de leve, com receio de machucá-lo. Em
seguida ele terminou de se lavar, enxaguou e desligou o chuveiro.
— Pode pegar minha toalha pra mim, pai?
— Claro, filho. Qual é?
— Advinha? — falou, travesso, apontando para onde haviam três
toalhas penduradas, uma rosa, uma amarela e outra de dinossauros.
— Não acredito! Até a toalha é de dinossauro? — Arregalei os olhos
e fingi espanto.
— Eu gosto mesmo. — Ergueu os ombrinhos, divertido, e eu a peguei
e entreguei a ele.
Ajudei-o a se secar e voltamos para o quarto. Ele vestiu o pijama e
logo Flávia apareceu de novo, informando que o leite estava pronto.
Ele tomou leite e comeu biscoitos. Depois pediu que eu o ajudasse a
escovar os dentes. Todas aquelas tarefas eram novas para mim, mas
estavam sendo bem agradáveis. Estava adorando passar aquele tempo com
meu filho.
Voltamos para seu quarto e pediu que eu lesse um pouco para ele.
Escolheu o exemplar de capa dura de “O Pequeno Príncipe” que lhe dei,
antes de deitar na cama.
— Onde quer que eu comece? — perguntei ao abrir o livro.
— Deixa eu ver. — Sentou para me mostrar onde a mãe tinha parado.
— Certo. Então vamos lá. Hum-hum... Capítulo IX: “Creio que ele se
aproveitou de uma migração de pássaros selvagens para fugir. Na manhã da
viagem...”
Antes que eu terminasse o próximo capítulo, Davi adormeceu.
— Boa noite, meu filho. Adorei nosso dia juntos. Pode ter a certeza
de que foi só o primeiro de muitos que virão — falei baixinho e beijei sua
testa.
Depois o cobri com o edredom, pois fazia um pouco de frio. Ainda
fiquei o observando por alguns instantes, antes de me levantar, procurar o
interruptor para apagar a luz e deixar o quarto.

— Como foi? — Flávia perguntou, quando apareci na sala.


— Incrível. Estou completamente apaixonado por nosso filho.
— Ele é mesmo uma criança maravilhosa.
— Você sabe que o mérito de ele ser assim é seu, né? — elogiei e me
aproximei dela.
— Apenas em partes. Eu tentei fazer o meu melhor, mas Davi é essa
criança esperta e amorosa, por natureza.
— Estou com um orgulho danado e emocionado pra caramba.
— Também estou emocionada e confesso que fiquei encantada de ver
a sua interação com ele. Quer ficar mais um pouco? Podemos pedir alguma
coisa pra comermos.
— Já está ficando tarde e não quero incomodar. Sua amiga com quem
divide o apartamento não está em casa?
— Camila me mandou uma mensagem avisando que saiu com umas
amigas e só deve voltar de madrugada. Se ficar, não me atrapalhará em
nada, pelo contrário, gostarei de ter a sua companhia.
— Sendo assim, eu fico. Vou pedir comida pra gente, então. —
Peguei o celular no bolso da calça e abri o aplicativo de delivery. — O que
prefere: comida japonesa, italiana ou árabe?
— Italiana.
— Hum, deixa eu ver aqui o que temos. Que tal Nhoque à bolonhesa?
— Adoro. Pode pedir!
— Quer beber alguma coisa? Não tomo nada alcóolico, mas se quiser,
peço pra você.
— Não, obrigada.
— Que tal um suco de uva integral? Combina bem com a massa, o
que acha?
— Perfeito.
— Certo. Prontinho, agora é só esperarmos. — O que foi? —
perguntei após guardar o celular e notar que ela me observava com uma
cara engraçada.
— Confesso que tive medo de me achar louca quando contei sobre
Davi, de não querer assumi-lo como filho e agora está aqui, tão entregue a
toda essa novidade. Você sequer chegou a duvidar da minha palavra...
— Como duvidar? A data daquela noite bate com a idade que Davi
tem hoje, além disso, ele se parece muito comigo. E como se não bastasse,
você desmaiou ao me ver e depois, quando me contou, tinha tanta verdade e
receio no seu olhar, que não podia estar só inventando uma história para
querer tirar algum proveito.
— Obrigada por confiar em mim e por ter sido tão perfeito hoje.
— Estou longe de ser perfeito, Flávia. Mas prometo que controlarei
os fantasmas que me atormentam e tentarei ser o melhor pai possível para o
nosso menino.
— Pelo que vi hoje, não precisará fazer o menor esforço pra isso. —
Ela segurou minha mão e fez um carinho.
— Adoro seu toque — confessei, confuso com os sentimentos que me
invadiam.
— Sei que não devemos confundir as coisas, mas... — Umedeceu os
lábios com a língua, tão aturdida quanto eu. — Estou louca pra te beijar,
Raoni, para estar de novo em seus braços.
— Cacete, Flávia, assim fica difícil me controlar, resistir ao desejo
que está me consumindo.
— Não resista.
Bastou aquelas palavras para que eu tomasse sua boca na minha com
urgência.
Eu não sabia o que estava acontecendo comigo, nunca fiquei tão
vulnerável diante de uma mulher, tão fascinado. Talvez estivesse
confundindo as coisas e parte daquele tesão louco fosse apenas admiração,
mas não queria pensar demais naquele momento. Desejava apenas sentir
seus lábios outra vez, ter sua língua ousada brincando com a minha, suas
mãos atiçando meu corpo e, se me permitisse, enterrar-me bem fundo nela e
levá-la ao céu.
Meio que desesperados, agarramo-nos com devassidão.
Flávia

— Pediram quanto tempo para entregarem a comida? — perguntei,


resfolegante, quando nossos lábios se afastaram.
— Quarenta minutos. — Sorriu, malicioso, entendendo bem minhas
intenções.
— Tem camisinha aí?
— Tenho, sim.
— Então vamos para o quarto, pois estou quase perdendo o juízo e
transando com você aqui na sala mesmo. — Levantei e estendi a mão para
ele.
Raoni abraçou-me por trás, roçou sua ereção em minha bunda e
beijou meu pescoço, atiçando-me ainda mais.
— Venha! — chamei, entrelaçando nossos dedos e o guiei.
Fechei a porta devagar e a tranquei.
— Não podemos fazer barulho, hein? — adverti ao retirar sua
camiseta.
Passeei a mão pelo delicioso tórax musculoso e desci para barriga de
tanquinho, até alcançar o cós da calça.
— Topo o que for preciso pra te ter agora e a última coisa que quero é
acordar nosso filho — gemeu baixinho quando abri o botão, abaixei o zíper
e enfiei a mão dentro da cueca, masturbando-o.
Então ele se livrou do restante de suas roupas e me ajudou a tirar as
minhas.
— Você é gostosa demais! — falou ao me analisar de cima a baixo e
em seguida envolveu meus seios com as mãos.
— Ah, que delícia — ronronei quando ele apertou os biquinhos,
fazendo-os enrijecerem. — Vamos pra cama — convidei e deitei no
colchão.
Raoni pegou uma camisinha no bolso da calça e logo se juntou a
mim, vindo por cima.
Beijou-me com lascívia, chupando-me a língua, mordiscando meus
lábios, enquanto a mão habilidosa foi parar entre minhas pernas para
massagear o ponto sensível.
Eu estava em chamas. Completamente excitada, encharcada, ansiando
tê-lo.
A boca voraz abandonou a minha para percorrer um caminho
descendente pelo queixo, pescoço, colo, até parar nos seios.
Raoni sugou um, depois o outro, arrancando-me gemidos manhosos, e
seguiu para a barriga. Passou a língua pelas laterais e ao redor do umbigo.
Então seguiu até minha intimidade, que pulsava e latejava, implorando por
alívio.
Dobrei as pernas e afastei os joelhos, oferecendo-me para ele.
— Perfeita — sussurrou antes de abocanhar meu sexo. Lábios e
língua trabalhavam avidamente e dois dedos impiedosos me fodiam.
Minha vontade era de gemer alto e gritar seu nome, mas precisava me
controlar e aquilo estava me deixando ainda mais louca de tesão.
— Quero você dentro de mim, agora — falei, já meio torpe.
— Será um prazer atender o seu pedido. — Ele pegou a embalagem
do preservativo que estava jogada ao nosso lado, rasgou-a com os dentes e
vestiu o glorioso membro ereto.
Posicionou-se entre minhas pernas e me penetrou devagar. Quando
terminou de se acomodar, começou a entrar e sair, aumentando o ritmo das
investidas aos poucos.
Nossos corpos se chocavam cada vez com mais força, enquanto
gemíamos baixinho. Eu alternava entre arranhar suas costas e apertar a
bunda gostosa; ele, entre massagear meus seios e clitóris.
Estávamos muito excitados, enlouquecidos. Não demorou para minha
visão nublar, os músculos retesarem e eu ser arremessada ao céu,
despencando em queda livre em seguida.
Quando gozei, apertei seu pau com tanta força, que logo ele alcançou
o clímax também.
— É maravilhoso transar com você! — elogiei quando ele desabou,
suado e ofegante, ao meu lado.
— Digo o mesmo. Você é gostosa demais, Flávia! — Deu-me um
selinho nos lábios e acariciou meu rosto afogueado.
Aconcheguei-me junto a ele e ficamos abraçados por alguns minutos,
em silêncio, aguardando nossas pulsações e respirações se normalizarem.
— Que tal uma ducha morna? — propus algum tempo depois.
— Ótima ideia!
Como o apartamento só tinha um banheiro, abri a porta do quarto
devagar, certificando-me de que a do Davi continuava fechada e que Camila
ainda não voltara para casa. Peguei uma toalha limpa para Raoni e fomos
para o banheiro.
Por mais que a vontade fosse de recomeçar tudo debaixo da água
quentinha, era melhor não nos arriscarmos, então nos apressamos e depois
de banhos rápidos, retornamos ao quarto enrolados nas toalhas.
Como Raoni não tinha outra roupa, vestiu a mesma que estava antes.
Eu escolhi um vestido limpo, curto e simples, de malha. Calcei rasteirinhas
e deixei o cabelo molhado e solto.
Voltamos para a sala e alguns minutos depois nossa entrega chegou.
O pai do meu filho me ajudou a colocar os pratos na mesa e a nos
servir. Sentamos de frente um para o outro.
— Hmmm, que delícia — comentei, revirando os olhos, depois da
primeira garfada.
— Se gemer assim de novo, sou capaz de cometer uma loucura — ele
advertiu sério, encarando-me com uma intensidade perturbadora.
— Não sei o que tem em você que me enlouquece, mas só de me
olhar desse jeito já fiquei excitada de novo.
— Nossa química é absurda mesmo, acho que nunca tinha sentido
isso por outra mulher — confessou, ainda me fitando, fazendo algo
semelhante a esperança brotar em meu peito.
Será que existe alguma chance de ficarmos juntos como casal, de
sermos uma família, um dia? O pensamento me inquietou e achei melhor
desfazer nosso contato visual.
— Coma antes que esfrie, o Nhoque está delicioso — falei para
quebrar a tensão sexual.
— Gostoso mesmo! — comentou após experimentar. — Flávia,
contei para minha avó sobre vocês e ela disse que quer conhecer o bisneto
— mudou o assunto para uma zona mais confortável. — O que acha de
almoçarem com a gente na casa dela no próximo fim de semana?
— Por mim, tudo bem e aposto que Davi vai adorar conhecer a bisa.
Como ele mesmo te disse, somos só nós dois e Camila de família.
— Você me falou que seu pai te mandou sair de casa quando
descobriu sua gravidez e que escrevia livros eróticos, nunca mais falou com
ele e sua mãe? Não tem irmãos?
Eu e mamãe tentamos manter contato por um tempo, mas ele fez de
tudo para impedir isso. Tenho uma irmã, Laura. Ela é mais nova que eu,
também passamos anos sem termos notícia uma da outra, mas recentemente
ela me mandou um e-mail. Tenho muitas saudades dela, de mamãe e até de
papai. Apesar de sempre ter sido muito rigoroso, não era um homem mau.
— Por que não os procura? — questionou cauteloso.
— Penso em fazer isso um dia, mas confesso que tenho receios de ser
escorraçada outra vez.
— Assuntos de família não são simples, ainda mais quando se passou
por tantos dramas como a gente.
— Tem razão. E depois que me tornei mãe, sempre penso em meu
filho em primeiro lugar. Acho que por isso não insisti em procurar meus
pais, em tentar uma reaproximação, porque não quero que meu filho sofra,
que se sinta rejeitado se tudo der errado. Foi por isso também que demorei a
te contar a verdade.
— Te entendo perfeitamente. Eu mal descobri que sou pai e sinto que
sou capaz de qualquer coisa para proteger aquele garotinho lindo.
— Vamos fazer um bom trabalho, ele crescerá em um meio muito
diferente dos que viemos. Nunca lhe faltará carinho, amor e compreensão,
não é mesmo?
— Pode contar comigo para isso.
Terminamos nossa refeição em um clima gostoso de paz e
cumplicidade.
Depois que Raoni foi embora, deitei na cama e fiquei refletindo sobre
o nosso dia. Ele tinha seus traumas, contudo era um cara extraordinário.
Não escolhi o pai do meu filho, já que a gravidez não foi planejada e na
época ele era apenas um desconhecido, no entanto, não poderia ter pensado
em um homem melhor.

A semana seguinte foi intensa e corrida, o que achei ótimo, pois


manteve minha mente ocupada, já que a cada tempinho livre que tinha,
Raoni invadia meus pensamentos. Ora eu recordava da sua interação com
Davi, ora dos nossos momentos de intimidade, ou simplesmente dos seus
olhos sofridos e intensos e do sorriso sedutor.
Na quarta-feira ele me chamou à sua sala. Confirmou o almoço na
mansão da avó para o sábado e pediu para conversar com Davi por
videochamada, dizendo que já estava com saudades. Concordei e no final
daquela tarde mesmo os dois se falaram. Davi ficou eufórico e perguntou se
Raoni poderia buscá-lo qualquer dia na escola, pois os amiguinhos estavam
achando ele tinha inventado que encontrara o pai.
Eu estava por perto ouvindo tudo o que diziam e aquilo cortou o meu
coração, ele ainda não havia me contado.
— Pergunte para a sua mãe se posso te buscar amanhã. Faço questão
de mostrar para todo mundo que você encontrou sim o seu pai.
— O papai pode me buscar na escola amanhã, mamãe? — nosso
pequeno gritou, mesmo sem necessidade, acho que pela empolgação.
— Pode, sim. — Aproximei-me do celular. — Daqui a pouco te passo
o endereço e quando eu deixar Davi na escola amanhã, entregarei uma
autorização por escrito para que você o busque, está bem?
— Obrigado, Flávia.
— De nada. — Afastei-me, permitindo que eles conversassem mais
um pouco.
Quando encerraram a videochamada, Davi não conseguia falar em
outra coisa que não fosse que o pai o buscaria na escola no outro dia e que
no sábado o levaria para conhecer a bisavó.

Davi estava fascinado por Raoni e por mais que tentasse negar para
mim mesma, eu também estava.
Raoni

Na sexta-feira à tarde, conforme combinei com Davi e Flávia, fui


buscar o pequeno na escola. Quando me permitiram que entrasse, para
pegá-lo à porta da sua sala, segui determinado a mostrar para todo mundo
que ele tinha, sim, encontrado o pai.
— Vim buscar o Davi — informei para a professora e percebi vários
pares de olhos curiosos me observarem.
— Qual o seu nome?
— Raoni Campelo, sou o pai dele.
— Poderia me mostrar um documento, senhor Raoni? — pediu, após
conferir algo em uma agenda.
Retirei a CNH da carteira e entreguei para ela.
— Está certo. — Sorriu simpática e se virou para a turma. — Davi,
seu pai veio buscá-lo.
Um burburinho se fez enquanto meu filho guardava, apressado, seus
materiais na mochila.
— Então é verdade? — Ouvi uma voz infantil perguntar, surpresa.
— Você encontrou mesmo o seu pai? — outra criança indagou, tão
impressionada quanto a primeira.
— Eu disse, mas vocês não acreditaram... — Ele deu de ombros,
despediu-se dos amigos e caminhou até mim.
— Oi, querido! Como foi seu dia? — Abaixei-me para abraçá-lo.
— Foi legal. Estou feliz por ter vindo. — Agarrou-me com força.
Beijei seu rostinho e me endireitei, segurando-o pela mão, pequena,
macia e quentinha.
— Tchau, tia Lorena! — Despediu-se da professora, com um sorriso
enorme no rosto.
— Tchau, Davi! Bom fim de semana e até segunda-feira! Até mais,
senhor Raoni. Foi um prazer conhecê-lo.
Acenei discretamente com a cabeça e saímos.
— Podemos passar em algum lugar para tomar sorvete? — ele pediu,
ao entrar no carro.
— Claro! Vi uma sorveteria aqui perto. — Afivelei seu cinto de
segurança, fechei a porta do passageiro e ocupei o banco do motorista. —
Vamos até lá, então.

Dirigi até o local e assim que entramos, enviei uma mensagem para
Flávia, avisando. Ela respondeu de imediato, dizendo que estava tudo bem.
— Vamos lavar as mãos e depois nos servimos, ok?
Ele concordou e caminhamos até a pia. De lá fomos para o local onde
ficavam os refrigeradores. Era uma sorveteria self-service.
— Flocos e o que mais? — questionei ao pegar dois potinhos.
— Ninho com Nutella e Tuti-fruti — respondeu, animado.
— Está bem. Vou querer os mesmos. — Pisquei para ele, que sorriu
satisfeito.
Servi nossos sorvetes e coloquei calda, granulado, confete de
chocolate colorido e canudinho de wafer.
Passei no caixa para pesar os potes e pagar, depois sentamos à uma
mesa em um canto.
— Hmmm, que gostoso! — Davi comentou, após experimentar um
pouquinho de cada sabor.
— Tem razão. Essa combinação ficou mesmo muito boa —
concordei, após provar também. — Sua mãe te contou que amanhã vocês
vão almoçar na casa da minha avó?
— Ela me disse hoje cedo. Como a minha bisa se chama mesmo? E
como ela é? Será que vai gostar de mim?
— O nome dela é Vilma. Tem oitenta anos, baixinha, de cabelo curto
e branco e é a pessoa mais maravilhosa que já conheci. Tenho certeza que
vai gostar de você, nem se preocupe com isso! Ah, lá na casa dela tem uma
piscina enorme, de água quentinha. Leve calção de banho. Você sabe nadar?
— Ainda não aprendi. Mamãe disse que vai me colocar na aula de
natação.
— Vou providenciar boias, para que fique tranquilo, mas posso tentar
te ensinar a nadar, se quiser.
— Quero sim, papai.
Cada vez que eu ouvia aquela palavra, sentia o peito aquecer.
Enquanto tomamos nossos sorvetes, fizemos planos para o dia
seguinte e Davi me contou sobre sua nova paixão, os Pokémons.
— Eu já gostava do desenho que passa na TV, daí meus colegas
ganharam umas cartinhas muito legais e estão me ensinando a jogar. É um
pouco complicado, mas muito divertido.
— Você ainda não tem dessas cartinhas?
— Não. Eu ia pedir para a mamãe, só que não tive coragem, porque o
Pedro, um dos meus melhores amigos, falou que custam muito dinheiro. —
Fez uma careta fofa e continuou a se deliciar com seu sorvete.
— Entendi.
Fiquei emocionado com sua justificativa. Achei linda a consciência
com o preço das coisas e a consideração com a mãe. Ele ainda era muito
pequeno para pensar daquela forma. Flávia fez um trabalho incrível o
criando sozinha até ali. No entanto eles não estavam mais desamparados.
Eu iria ajudá-los financeiramente e adoraria poder mimá-lo um pouco.
— Sabe me dizer onde que seus amigos compraram?
— Foi em papelaria, eu perguntei.
Assenti, pensando em comprar as tais cartinhas. Terminamos nosso
sorvete e eu o levei para casa.

— Espero não ter te deixado preocupada — falei para Flávia, logo


que chegamos e ela nos recebeu à porta.
— É a primeira vez que Davi sai com alguém sem a minha presença
ou da Camila, confesso que fiquei um pouquinho apreensiva, mas sei que é
coisa de mãe. Ele se comportou?
— Sim, muito bem. Nosso pequeno é um garotinho incrível. —
Baguncei o cabelo dele, que sorriu, feliz com o elogio. — Ah, gostaria que
levassem roupa de banho amanhã, tem piscina na casa da vovó e pensei em
entrar nela com vocês. Acho que podemos nos divertir bastante.
— Está bem, vou organizar uma mochila com toalha, um biquíni pra
mim e um calção para Davi.
— Não precisam levar toalhas.
— Melhor ainda. Quer entrar um pouco?
— Não, obrigado. Já vou, ainda preciso resolver umas coisas hoje.
Nos vemos amanhã. Venho buscar vocês.
Despedi do Davi com um abraço apertado e da Flávia com um beijo
no rosto.
Ao sair de lá, fui até o shopping mais próximo e fiquei contente por
encontrar as tais cartinhas de Pokémon em uma papelaria. Comprei uma
caixinha com cem e pedi para embrulhar para presente. Depois fui até uma
loja infantil e comprei boias de braço e macarrões flutuadores para uso na
piscina. De lá segui direto para a mansão.
— Oi, meu amor! — vovó cumprimentou assim que me viu entrar. —
O que é tudo isso? — questionou curiosa, apontando para as sacolas que eu
carregava.
— Oi, vovó! Tudo bem com a senhora? — Aproximei-me e beijei sua
testa. — Isso aqui são boias e espaguetes de espuma para entrar na piscina
amanhã com Davi, ele me contou que ainda não sabe nadar. Comprei
também um presentinho pra ele.
— Estou gostando de ver a sua empolgação com o garoto.
— Ele é incrível, dona Vilma! Estou apaixonado.
— Fico tão feliz de ouvir isso, meu filho, nem imagina o quanto! —
Ela pousou a mão em meu rosto e me fitou, emocionada. — Estou doida
para conhecer meu bisneto e a mãe dele! Já combinei tudo com Mariana
para o almoço amanhã. Ela pediu para a cozinheira fazer batata frita, arroz,
feijão, bife e salada, que acredito ser o prato que crianças mais gostam. E
comprou sorvete de flocos para sobremesa, como você sugeriu.
— Perfeito, vozinha! — Vou tomar um banho agora e desço para
jantarmos juntos. — Beijei o topo da sua cabeça e caminhei em direção às
escadas.
No dia seguinte, conforme combinado, passei para buscar Flávia e
Davi ao meio-dia. Ela estava linda com um vestido floral, curto e levemente
rodado. Calçava sandálias baixas e o cabelo loiro estava solto. Davi vestia
uma camiseta com estampa de dinossauros e uma bermuda combinando.
— Animados? — perguntei após nos cumprimentarmos.
— Eu estou! — o pequeno se manifestou, sem hesitar.
— Confesso que estou um pouquinho nervosa. — Flávia me encarou
com apreensão.
— Não precisa ficar. Dona Vilma é um amor de pessoa e está louca
para conhecê-los. Vamos?
Eles assentiram e Davi segurou em minha mão de um lado, dando a
outra para a mãe. Seguimos assim até o carro.
Durante o trajeto do Rio Pequeno até os Jardins, seguimos
conversando em um clima gostoso e descontraído. Empolgado, Davi não
parava de tagarelar.
— Chegamos — informei ao parar de frente ao portão da mansão e
apertar o controle para abri-lo.
— Uau, que casa linda! — Flávia comentou, admirada, observando
pela janela.
— Parece um castelo! — Davi se manifestou, exagerado.
Achando graça do jeito dos dois, estacionei e os ajudei a descer.
— Venham, vamos entrar. — Dei as mãos para eles e os guiei até a
porta.
— Que bom que vieram! Sejam bem-vindos! — Vovó se aproximou
de nós e cumprimentou as visitas. — Você deve ser o Davi — falou,
inclinando-se um pouco para baixo, para observar o bisneto.
— A senhora é a minha bisa? — ele questionou, meio tímido.
— Sou sim, querido. É um prazer conhecê-lo! Você é a cara do seu
pai quando tinha a sua idade, estou impressionada. — Ela acariciou o
rostinho dele.
— A senhora tem alguma foto para me mostrar?
— Tenho. Mariana, pode por favor pegar aquele porta-retratos no
escritório, o que tem uma foto minha com Raoni? — Solicitou para a
governanta.
— Claro, dona Vilma. Farei isso agora. — Pediu licença e se retirou.
— Então você é a Flávia, a famosa F.C. Paixões? — Vovó se
endireitou para cumprimentá-la.
— Sou a Flávia, sim, dona Vilma. É um prazer conhecê-la. Quanto ao
famosa, quem sabe um dia?
— Raoni me enviou o arquivo do seu livro que iremos publicar. Amei
a história! Tem muito talento. Com certeza será um grande sucesso.
Flávia sorriu, desconcertada.
— Vamos para a sala de jantar, o almoço já está servido.
Vovó chamou e a acompanhamos. Logo que sentamos, dona Mariana
apareceu com o porta-retratos e entregou para a patroa.
— Aqui está, querido, veja. — Ela mostrou para Davi.
— Nossa, eu pareço mesmo com o papai quando era criança. Que
demais! Só nossos olhos têm as cores diferentes.
— Te falei. Fiquei abismada ao te ver.
— O que é abismada? — ele perguntou, franzindo o cenho.
— Espantada, admirada. Entende?
— Ah, sim. Eu também fiquei abismado quando descobri que o
senhor Raoni era meu pai — comentou de um jeito fofo, fazendo nós todos
sorrirmos.
— Posso ver a foto? — Flávia pediu e nosso filho entregou o porta-
retratos para ela.
— Impressionante mesmo. Eu sempre achei que Davi se parecia com
a versão adulta do Raoni, mas o vendo criança, percebo ainda mais as
semelhanças. — Ela analisou a fotografia por alguns instantes e depois
devolveu o objeto para dona Mariana.
— Batata frita? Que delícia! — Davi comentou, já bem mais à
vontade, ao observar a comida sobre a mesa.
— Achei que você fosse gostar — vovó falou, com um sorriso de
satisfação no rosto e um brilho no olhar e logo voltou sua atenção para
Flávia. — Perdoe-me pela simplicidade da refeição, querida, prometo em
outra oportunidade providenciar algo mais elaborado, mas hoje minha
preocupação era agradar o meu bisneto.
— Imagina, dona Vilma. Nem estou acostumada a comer coisas
chiques.
Elas sorriram uma para outra com simpatia e em seguida nos
servimos.
Davi comeu tudo que a mãe colocou em seu prato e elogiou, dizendo
que estava uma delícia.
— Quer jogar videogame, enquanto esperamos um pouco até
podermos entrar na piscina? — perguntei para ele, assim que terminei
minha refeição também.
— Quero! Vai ser irado jogar com você, papai! — Ele levantou,
apressado.
— Então venha comigo, enquanto as mulheres terminam de comer. —
Levantei e segurei sua mãozinha. — Vocês se importam se as deixarmos a
sós? — perguntei olhando de uma para a outra.
— Não — Flávia respondeu, tranquila.
— Vão lá se divertir, querido, enquanto isso eu e Flávia colocamos o
assunto em dia.
— Não vai falar mal de mim, hein? — brinquei com minha avó e as
duas sorriram.
— De jeito algum, Só tenho coisas boas para falar de você, meu neto
amado.
Aquiesci, beijei sua testa e saí com Davi em direção à sala de TV.
Fiquei impressionado com o quanto Davi era bom nos jogos de
videogame. Depois de uma hora brincando com ele, em que nem vi o tempo
passar, chamei-o para procurarmos sua mãe e vovó, pois queria nos
prepararmos para entrar na piscina.
Encontramos as duas sentadas no sofá da sala, conversando.
— Tudo bem por aqui? — perguntei, olhando para a mãe do meu
filho, receoso por tê-las deixado tanto tempo sozinhas.
— Tudo certo. Estou adorando conversar com sua avó. — Flávia
sorriu para mim e voltou a atenção para ela. — A senhora é uma mulher
extraordinária, dona Vilma. Não foi à toa que Raoni se tornou o homem
maravilhoso que é — falou a última parte baixinho.
— Eu escutei o elogio, viu? — impliquei e ela corou. — Vamos para
a piscina?
— Eu irei lá para fora, mas apenas observarei vocês. Não ando
gostando de ficar de molho naquela água quente, me dá uma moleza
danada. — Vovó levantou com dificuldade.
— A senhora ainda não tinha me dito isso, podemos ajustar o controle
da temperatura para que não aqueça tanto de agora para frente. — Observei-
a, preocupado. Ela sempre amou aquela piscina.
— Faça isso, querido, mas acho que a verdade que você não quer
enxergar é que já estou ficando velha demais para certas coisas.
— Não diga bobagens, dona Vilma! — adverti sério e a abracei. — A
senhora é mais saudável e forte do que muitas pessoas de sessenta. Como
sempre falo, ainda viverá muitos anos.
— Bem queria que isso fosse verdade. Mas não é hora para pensar
nessas coisas. Vão se divertir, que me contentarei em observá-los. — Ela
deu tapinhas carinhosos em meu braço e se afastou de mim.
— Certo, vamos todos lá pra fora, então — chamei e indiquei o
caminho.
Coloquei Davi sentado em meus ombros e segui com ele na frente, as
duas vieram atrás de nós.
— Trouxeram calção e biquíni? — perguntei ao chegarmos à área da
piscina.
— Sim. Já viemos com eles debaixo das roupas — Flávia informou,
quando coloquei o pequeno no chão.
— Também já estou com meu calção. Então vamos logo tirar as
roupas e cair na água! — falei, já me livrando da camiseta.
Empolgado, Davi tratou logo de se despir também.
Flávia parecia meio receosa, no entanto quando vovó a estimulou,
acabou retirando o vestido.
Engoli em seco ao vê-la no comportado biquíni azul com estampa de
flores vermelhas. Foi impossível não percorrer seu corpo com os olhos, de
cima a baixo, e não recordar de como era gostoso transar com ela.
Respirei fundo e balancei a cabeça, espantando os pensamentos
inquietantes, antes que ficasse excitado na frente de todo mundo, o que
seria impossível disfarçar em traje de banho.
Enchi as boias e as coloquei nos bracinhos de Davi. Sem medo
algum, ele correu e pulou na água, como uma bomba, gritando “uhul!”,
eufórico.
Pulei em seguida e fui até ele. Flávia entrou por último e manteve
certa distância de nós.
— Sabe nadar? — perguntei para ela, segurando Davi.
— Mais ou menos, digamos que o suficiente para não me afogar.
— Então pegue um macarrão para boiar e relaxar. — Mostrei para ela
onde estavam.
Ela assentiu e fez o que sugeri.
— Quer aprender a nadar? — perguntei para Davi, que estava
jogando água para cima, com as mãozinhas.
— Quero!
— Então vamos fazer o seguinte: primeiro vou te ensinar bater as
pernas, depois eu tirarei suas boias e te ensinarei a mergulhar. Está bem?
— Combinado, papai!
Dei um beijo em sua bochecha e expliquei como ele deveria fazer.
Apoiei-o pela barriguinha e fui o guiando pela piscina, corrigindo a posição
das pernas, estimulando-o a prosseguir.
— Muito bem! Você é mesmo um garoto esperto, aprende rápido.
Agora pegue esse macarrão e o segure com os braços esticados, assim —
mostrei como fazer —, mantenha as pernas estendidas e continue batendo.
Vou me afastar para você vir nadando até mim, ok?
— Ok! — concordou e me afastei pouco mais de um metro.
Ele conseguiu ir nadando até onde eu estava.
— Que lindo, filho, você está nadando, parabéns! — Flávia bateu
palmas, sem conseguir disfarçar a satisfação.
Davi sorriu, todo orgulhoso, e eu fiquei emocionado por estar
ensinando algo a ele.
— Quer tentar mergulhar agora? — propus depois de repetirmos
aquele treinamento por alguns minutos.
— Quero. Você é um ótimo professor, papai!
— Que nada, você é que é muito esperto! Olha, vou tirar suas boias.
A piscina é funda, mas estarei o tempo todo com você, combinado?
Ele assentiu, prestando atenção ao que eu dizia.
— Puxe o ar e prenda a respiração. Vamos afundar e daí você solta
aos pouquinhos lá embaixo. Será rapidinho e a gente já sobe de novo, não
precisa ter medo.
— Sou corajoso.
— Eu já percebi que é.
Sorrimos com uma cumplicidade gostosa e fizemos o que instruí.
— E aí? Foi tranquilo?
— Foi, é bem fácil.
— Ótimo. Então agora a gente pode fazer o seguinte: você sai da
piscina e fica bem na beirada. Vou te ensinar a pular com os bracinhos
esticados e a cabeça abaixada. Daí vai fazer como agora, puxar o ar, prender
a respiração e soltar quando entrar na água. Estarei na sua frente e vou te
ajudar a subir. Quer tentar?
— Claro que quero! Estou achando o máximo aprender a nadar!
— Então vai lá! — Coloquei-o de fora da piscina e o instruí de novo a
como proceder. Afastei-me da borda, posicionando-me a cerca de um metro
dela e o aguardei.
Davi pulou sem medo, seguindo direitinho minhas orientações. Lá no
fundo começou a bater as perninhas e eu o guiei para fora.
— Estou impressionado com você, meu amor. Parece um peixinho!
— Flávia gritou de onde estava, com um sorrisão estampado no rosto.
— Eu também, querido. Está aprendendo com facilidade. Podemos
combinar de voltarem de novo no fim de semana que vem e daí te dou mais
dicas.
— Eu topo! Nadar é irado demais!
Vovó nos observava em silêncio, sentada em uma cadeira debaixo do
ombrelone, que a protegia do sol.
Depois da “aula” que dei para Davi, ainda brincamos por um tempo
na água. Flávia se juntou a nós e em certo momento em que ficamos com os
rostos a poucos centímetros de distância, tive uma vontade insana de beijá-
la. Precisei me esforçar muito para me afastar e fingir que não estava
afetado por sua presença e pelos pensamentos indecentes que insistiam em
passar por minha cabeça.
Flávia

Passamos uma tarde muito agradável na mansão dos Campelo.


Quando saímos da piscina, dona Vilma pediu que nos servissem um lanche.
— Tenho uma surpresa para você — Raoni falou para nosso filho,
assim que terminamos de comer.
— Sério? — Os olhinhos do pequeno brilharam em expectativa.
— Seríssimo! O que acha que é?
— Não faço ideia.
— Vou te dar uma dica. É algo que seus amiguinhos têm e você
queria muito.
— Não acredito! São cartinhas de Pokémon? — questionou, eufórico.
— Acertou em cheio! Comprei pra você ontem, depois que o deixei
na sua casa.
— Obrigado, papai! — Ele levantou e foi até Raoni para abraçá-lo.
— Estão no meu quarto. Quer ir até lá comigo, buscá-las?
— Quero! — Raoni levantou também e eles saíram de mãos dadas.
— Estou encantada de ver a interação dos dois — dona Vilma
comentou, nitidamente emocionada.
— Eu também fico até meio boba ao vê-los juntos. Se deram muito
bem. Davi já tinha gostado de Raoni mesmo antes de saber quem ele era de
fato. E desejava tanto encontrar o pai, que quando descobriu a verdade, logo
se apegou a ele.
— Imagino que já saiba a história do meu neto.
— Sim. Quando comecei a trabalhar na editora, o senhor Jonas me
disse por alto, depois o próprio Raoni me contou. Sinto muito pelo que
passaram, dona Vilma.
— Foi uma tragédia, querida. Nenhuma mãe está preparada para
perder um filho. — Olhou-me com uma tristeza profunda. — Verônica era
uma mulher linda por dentro e por fora, doce, sonhadora. O relacionamento
dela com Cássio desde o início foi conturbado. Mesmo antes de se tornar
um alcóolatra agressivo, ele já dava sinais que me incomodavam. Era
ciumento e controlador. Insisti para que minha filha separasse e fosse morar
comigo, levando Raoni, mas de alguma forma estranha que eu não
conseguia compreender e muito menos aceitar, ela parecia acreditar que ele
mudaria. — Fez uma pausa e respirou fundo.
Ouvir aquele relato deixou meu peito apertadinho.
— Depois as coisas pioraram e ela compreendeu que ele nunca
mudaria, mas teve medo de deixá-lo, do que poderia fazer. Quando, enfim,
decidiu sair de casa, naquela noite fatídica, acabou morrendo. Perdi minha
única filha, tão jovem. — Seus olhos marejaram e ela os enxugou com as
mãos.
— Lamento tanto, dona Vilma. Sinceramente, nem consigo imaginar
como suportar tamanha dor.
— Só não desmoronei porque Raoni precisava de mim. Por mais que
estivesse destroçada, evitava chorar perto dele. Tive de ser forte por nós
dois, afinal ele era apenas uma criança.
— Essa tragédia toda o marcou de forma profunda, não é mesmo?
— Infelizmente, querida. Meu neto passou dias sem falar, parecia um
bichinho acuado. Tinha pesadelos terríveis que o acordavam todas as noites.
Depois aos poucos, com meu carinho, proteção, paciência e, claro, com a
ajuda de uma psicóloga, e também dos livros, ele foi melhorando, mas
ainda carrega seus traumas até hoje. Tudo o que eu mais queria era que ele
se libertasse desse passado sombrio. Raoni é um homem bom.
— Ainda o conheço pouco, mas não tenho dúvidas disso. E é nítido o
amor que tem pela senhora — comentei, pousando a mão sobre a dela.
— Há muitos anos somos só nós dois. Ficamos muito apegados um
ao outro e confesso que isso andava me preocupando. Já estou velha, não
viverei muito tempo mais e Raoni dizia que não se casaria, nem teria filhos.
Me preocupava pensar que algum dia eu o deixaria sozinho. Agora que sei
que ele tem vocês, poderei partir em paz.
— A senhora é forte, nem aparenta a idade que tem, com certeza
viverá tempo suficiente para ver muita coisa boa acontecer.
— Sabe o que me deixaria ainda mais feliz?
Neguei com a cabeça, permitindo que continuasse.
— Vocês dois se casarem. — Ergueu as sobrancelhas e me encarou,
analisando minha reação.
— Eu... nós... não... — Engoli em seco, atordoada com o que ela
falou. — Não estamos juntos. Raoni me disse que não namora.
— Ele gosta de repetir essa besteira, mas não sou boba. Já vivi o
bastante para saber quando duas pessoas estão interessadas uma pela outra e
foi isso que observei essa tarde, enquanto estavam na piscina. Vocês acham
que disfarçam bem, mas está estampado em suas caras o quanto se desejam.
— Bem... — comecei a rir de nervoso e senti o rosto esquentar —,
mentiria se dissesse que ele não me atrai.
— Não precisa ficar envergonhada, querida, já tive a sua idade e
lembro como era estar apaixonada.
— Não estou apaixonada, dona Vilma. Só o acho lindo, atraente e
encantador. — Preferi omitir o adjetivo gostoso para não assustar a
senhorinha.
— Será que não? — Estreitou as pálpebras e me analisou mais um
pouco, desconcertando-me. — Enfim, quero que saiba que torcerei por
vocês.
Aquiesci, sorrindo e logo vi Raoni e Davi descendo as escadas.
— Mamãe, olha só o que o papai me deu! — Davi veio correndo na
minha direção e sentou em meu colo para mostrar o presente.
— Uau, quantas cartinhas!
— São cem, mamãe, cem! Acredita? — Ele estava eufórico.
— Agradeceu o seu pai? — questionei olhando dele para Raoni.
— Agradeceu, sim, fique tranquila. Ele estava me explicando sobre
cada Pokémon e me prometeu que depois vai me ensinar a jogar.
— Certo. Bem, já está ficando tarde, é melhor irmos embora. Vou
pedir um carro pelo aplicativo. — Tirei Davi do meu colo, colocando-o de
pé no chão e levantei.
— Imagina, eu levo vocês, faço questão — Raoni ofereceu, solícito.
Dona Vilma nos observava com fascínio e satisfação.
— Foi um prazer conhecê-la, querida. Volte outras vezes. — Ela se
aproximou e me envolveu em seus braços carinhosos.
— Obrigada. Adorei conhecer a senhora, sua casa linda e passar essa
tarde tão agradável aqui. — Beijei seu rosto e desfizemos nosso contato.
Em seguida ela se despediu de Davi com um abraço apertado.
— Amei a senhora, bisa, e tudo aqui. Podemos mesmo voltar?
— Claro. Sempre que quiserem, meu bisneto lindo. — Dona Vilma
fez um carinho no rostinho dele, que sorriu, satisfeito.
Deixamos a casa de mãos dadas, Davi no meio, eu de um lado e
Raoni do outro. Ao entrar no carro, nosso pequeno começou a bocejar.
— Tem gente que vai dormir agorinha — comentei ao afivelar seu
cinto.
— Posso tirar um cochilo? — perguntou, já bem sonolento.
— Pode, sim, meu amor. — Ajeitei-o, beijei sua testa, fechei a porta e
ocupei o banco do passageiro da frente.
Raoni observou o filho pelo espelho retrovisor.
— Ele já fechou os olhos — comentou baixinho. — Ele se divertiu
muito, né?
— Sim!
— Adorei ter vocês aqui — Deu a partida no carro e o colocou em
movimento.
— Está sendo um pai incrível, sabia? Fiquei encantada vendo você
ensinar Davi a nadar. Sua paciência e seu carinho com ele aqueceram o meu
coração.
— Quem diria que eu me tornaria um pai babão? Estou apaixonado
por esse garotinho lindo.
— Nosso pequeno é mesmo apaixonante. — Entreolhamo-nos
brevemente, sorrindo com cumplicidade.

Ao chegarmos ao prédio em que eu morava, Raoni carregou Davi no


colo até meu apartamento. Como ele tomou banho depois de sair da piscina,
não o acordei. Troquei sua roupa pelo pijama e escovei seus dentes com ele
dormindo.
— Como você fez isso? — Raoni questionou, encarando-me com as
sobrancelhas erguidas, perplexo, assim que fechei a porta do quarto do
nosso filho.
— Anos de experiência. — Dei uma piscadela para ele.
— Impressionante.
— Boa noite! — Camila nos cumprimentou ao chegar em casa.
— Boa noite, amiga. Mila, este é o Raoni; Raoni, está é a Camila,
minha melhor amiga, tia postiça do Davi e a pessoa maravilhosa com quem
divido o apartamento.
— Muito prazer em conhecê-la. — Ele estendeu a mão e os dois se
cumprimentaram.
— Davi dormiu? — ela perguntou, olhando na direção do corredor.
— Sim. Dormiu no carro. Acabamos de colocá-lo na cama.
— Se quiserem sair um pouco, eu fico aqui com ele. Imagino que
tenham muito para conversar — ela ofereceu, gentil.
Olhei para Raoni que concordou com um aceno de cabeça.
— Quer jantar comigo? — convidou em seguida.
— Adoraria. Vou só tomar um banho, então. Se importa de me
esperar uns minutinhos?
— De jeito algum. Vá tranquila.
— Faço companhia para ele, Flavinha. Vá se aprontar. — Ela
praticamente me empurrou da sala. — Aceita um café? — Ainda a ouvi
oferecer, antes de eu entrar no banheiro.

Sem querer deixar Raoni esperando, procurei ser o mais ágil possível
e consegui me arrumar em um tempo recorde.
— Estou pronta. Vamos? — chamei ao aparecer na sala.
— Está ainda mais linda! — Ele me observou de cima a baixo, e seu
olhar libidinoso incendiou meu corpo.
— Bom jantar! Divirtam-se, meninos! — Camila desejou, divertida,
ao se despedir de nós.
— Adorei sua amiga — Raoni comentou quando entramos no
elevador.
— Camila é uma pessoa extraordinária. Nem sei o que teria sido de
mim e Davi sem ela.
— Em poucos minutos de conversa deu mesmo para perceber como é
bacana e ama vocês.
— A recíproca é verdadeira. Ela é a família que eu escolhi.
— Por falar em família, o que achou da dona Vilma? — perguntou
quando as portas de aço se abriram no piso térreo e caminhamos em direção
à saída do prédio.
— Sua avó é uma fofa!
— É mesmo. Sou louco por ela, faço qualquer coisa para vê-la feliz.
Quando ele falou aquilo, logo pensei no que a senhorinha disse sobre
querer vê-lo casado, mas achei melhor não comentar.
— Que cara engraçada é essa? — Observou-me curioso, ao abrir a
porta do carro para mim.
— Nada. Só lembrei de uma coisa à toa.
Ele meneou a cabeça, ainda meio desconfiado, mas não insistiu.
Depois deu a volta no seu automóvel luxuoso para ocupar o banco do
motorista.
— Você prefere ir a um restaurante ou que peçamos alguma coisa
para comer na minha cobertura? — Deu a partida.
— Prefiro ir para a sua cobertura — respondi, ansiando ficar a sós
com ele.
— Perfeito, também acho a melhor opção. — Fitou-me com
intensidade, por um breve instante, umedecendo os lábios com a língua,
fazendo pensamentos luxuriosos invadirem minha mente e a pulsação
acelerar.
Seguimos até o Itaim Bibi e quando ele disse que chegamos, fiquei
impressionada com o imponente prédio de fachada moderna, em
revestimento preto e cinza e muito vidro.
Ele colocou o carro na garagem e subimos pelo elevador.
— Seja bem-vinda — disse ao destrancar a porta do apartamento e
apontar o interior.
— Uau! — Olhei ao redor, admirada.
O imóvel era enorme. A sala de pé direito duplo era ampla, com
gigantescas janelas de vidro temperado e cortinas que iam do teto ao chão.
Um sofá de chenile bege, de linhas retas, ficava de frente a duas cadeiras
pretas estilosas e que eu não duvidava que fossem assinadas por algum
designer famoso.
Em uma das paredes havia quadros de pintura abstrata coloridos e em
outra um espelho bem grande.
— Apesar de passar mais tempo na mansão, gosto daqui.
— Seu apartamento é lindo. Combina com você.
— Obrigado. Aceita vinho, água? Apesar de não beber, tenho bebidas
alcóolicas aqui.
— Aceito uma taça de vinho, então.
— Certo. — Ele caminhou até o bar, que ficava em um dos cantos,
abriu uma meia-garrafa de vinho tinto e me serviu. — Espero que seja do
seu agrado. É um Malbec argentino.
Senti o agradável aroma frutado do líquido violáceo, depois o provei.
— Delicioso. Obrigada.
— Fique à vontade. Vou ligar o som, quer ouvir algo em especial?
— Não. Pode colocar uma playlist que goste.
— Está bem. — Ele pegou o celular no bolso da calça e conectou seu
aplicativo de streaming à caixinha de som.
Logo começou a tocar Minefields, canção da Fouzia com participação
do John Legend.
Raoni encomendou a nossa comida, depois pediu licença e subiu as
escadas.
Fui até a janela apreciar a vista. Enquanto bebia o vinho, sentindo o
vento fresco da noite soprar meu rosto, prestei atenção à letra da música e
foi inevitável não pensar em nós.
“Now this might be a mistake
We’re broken in so many ways
But I’ll piece us back together slowly
Maybe I’m just a fool
I still belong with you
Anywhere you, anywhere you are
These minefields that I walk through
What I risk to be close to you
These minefields keeping me from you
What I risk to be close to you”

(Agora, isso pode ser um erro


Estamos quebrados de muitas maneiras
Mas eu vou nos recompor lentamente
Talvez, eu seja apenas um tolo
Eu ainda pertenço a você
Em qualquer lugar que você estiver
Esses campos minados pelos quais eu caminho
O que eu arrisco estar perto de você
Esses campos minados me afastando de você
O que eu arrisco estar perto de você)

Não havia nada simples nem convencional em minha relação com ele
e muito menos em nossas histórias particulares de vida. Tínhamos um filho
juntos e isso ainda tornava a situação toda mais delicada. No entanto por
mais que tentasse não pensar nele, não o desejar, era uma luta em vão. Eu o
queria. Não dava para negar aquilo para mim mesma.
Raoni

Flávia tinha algo que mexia comigo de um jeito que eu não conseguia
compreender bem. Estava feliz por recebê-la em minha casa e ansioso pelo
que aconteceria entre nós, já que seu desejo era tão nítido quanto o meu.
Subi as escadas apressado e não me demorei no banho. A vontade era
descer para encontrá-la usando apenas uma calça de moletom, sem nada por
baixo, e sem sapatos, pois tudo que eu mais queria era despi-la e fodê-la
com devassidão. No entanto, apesar do instinto animalesco, resolvi me
aprontar um pouco, já que ela estava toda produzida, linda em seu vestido
vermelho, com um decote provocante no busto.
Coloquei uma camisa branca, deixando os dois primeiros botões
abertos e dobrei as mangas. Escolhi uma calça jeans de lavagem escura e
um sapato marrom. Borrifei um pouco de perfume, ajeitei o cabelo e desci
para encontrá-la.
Quando entrei na sala, Flávia analisava os quadros na parede.
— Demorei? — perguntei, chamando a sua atenção, fazendo-a se
virar para mim.
— Não. Na verdade, foi bem rápido. Está lindo. — Olhou-me de cima
a baixo, umedecendo os lábios com a língua, atiçando minha imaginação e
incendiando meu corpo.
— Obrigado. Gostou das pinturas? — Aproximei-me dela e passei a
mão por sua cintura.
— São lindas. Quem é o artista?
— A artista. Os quadros são da minha mãe.
— Jura? Uau! Ela pintava muito bem. — Analisou as telas de novo e
depois voltou sua atenção para mim, encarando-me com o que acreditei ser
uma mistura de tristeza e pena.
— Não me olhe assim. — Toquei-lhe o rosto, colocando uma mecha
do cabelo loiro e liso atrás da sua orelha. — É por isso que não gosto de
contar sobre o meu passado, pois mais cedo ou mais tarde as pessoas
acabam me tratando com compaixão, piedade e odeio me sentir exposto e
vulnerável. — Meu tom de voz saiu mais sofrido do que eu gostaria.
— Me perdoe, não foi minha intenção — pediu baixinho, sem jeito.
— Vamos abandonar o passado ao menos por hoje. Tivemos uma
tarde tão gostosa e agora que estamos a sós, quero desfrutar da sua
companhia. Você está se tornando meu vício, sabia? — Puxei-a para mim,
acabando com os poucos centímetros que nos separavam, quase colando
nossos lábios.
Flávia ofegou e me fitou com lascívia.
— Estou louco para te beijar e te ter em meus braços, desde a hora em
que te vi de biquíni, à tarde.
— Ah, Raoni, você me enlouquece! Me beije logo, vai. — Sorriu,
maliciosa e colei minha boca à sua com certo desespero.
Nossas mãos afoitas exploraram o corpo um do outro, acariciando,
atiçando.
Quando abri o zíper de seu vestido, o interfone tocou.
— Cacete, justo agora? — reclamei, afastando-me dela. — Deve ser
nossa comida, vou atender e já volto.
Flávia assentiu, com divertimento, e fui até o aparelho. O porteiro
informou que era o rapaz do serviço de delivery. Autorizei sua subida e fui
aguardá-lo à porta.
Após pegar a encomenda, deixei-a sobre a mesa de jantar.
— Está com muita fome? — perguntei ao me reaproximar da mãe do
meu filho.
— Mais de você do que de comida. — A resposta provocante fez meu
pau pulsar.
— Porra, Flávia, você me tira o juízo. — Enlacei-a de novo pela
cintura com uma mão e passei a outra por sua nuca.
Encaramo-nos com uma intensidade absurda, antes de voltarmos a
nos beijar com a mesma volúpia de antes.
Sem desgrudar seus lábios dos meus, desabotoou minha camisa e me
ajudou a retirá-la. Percorreu meu peitoral com as mãos delicadas e ousadas,
depois as costas, arranhando minha pele, provocando-me arrepios bons.
Esfreguei meu quadril no dela, para que pudesse sentir minha ereção
que quase arrebentava a calça.
— Me ajude a tirar o vestido. — Indicou o zíper.
Sem demora, livrei-a da roupa e me afastei um pouco para observá-la,
linda só de lingerie.
— Você é gostosa demais!
— Tenho muitas imperfeições, mas quando me olha assim, com tanto
desejo, eu me sinto linda, sabia?
— Você é linda. — Dei ênfase ao verbo. — E gostosa. — Aproximei-
me de novo e a envolvi em meus braços. — E me deixa louco de tesão —
sussurrei ao seu ouvido. — Vamos para o quarto?
— Falando assim, me convenceria a ir com você para qualquer lugar.
— Cacete, Flávia! Minha mente pervertida já fantasiou com umas mil
situações.
— Tarado! — Mordiscou o meu queixo.
— Venha! — Apertei sua bunda empinada e depois entrelacei nossos
dedos, guiando-a em direção às escadas.
Quando entramos no meu quarto, ela retirou minha calça e a cueca e
despiu-se da calcinha e sutiã. Encarando-me com devassidão, começou a
me masturbar.
— Ah... que mãozinha gostosa! — grunhi com o seu toque. — Afaste
as pernas — ordenei e lambi seu pescoço.
Gemendo, ela me obedeceu.
Coloquei meus dedos em sua boca e ela os chupou. Compreendendo
qual era minha intenção, deixou-os bem molhados.
— Safada... — Mantive meus olhos grudados aos dela e levei a mão
para sua intimidade.
— Ahhh... que delícia — ronronou quando comecei a masturbá-la.
Deixei o polegar sobre o clitóris e a penetrei com o indicador e o dedo
médio. Flávia rebolou, inclinando o quadril em minha direção. Comecei a
fazer movimentos de entrada e saída, cada vez mais rápidos.
Ela também acelerou o que fazia comigo.
Ambos gemíamos, curtindo o prazer proporcionado pelo outro.
— Vamos pra cama, eu quero seu pau dentro de mim.
— E quem é o tarado agora? — impliquei, mordiscando seu ombro.
— Cale a boca e me coma! — Puxou-me e deitou no colchão.
Busquei um preservativo na mesinha de cabeceira, vesti-o e a penetrei
com vigor, fazendo-a dar um gritinho.
— Te machuquei? — A ideia me deixou apavorado.
— De jeito algum. Só me pegou de surpresa. Está uma delícia, fique
tranquilo.
Anuí e comecei a fodê-la, entrando e saindo devagar no início,
passeando as mãos por seu corpo: seios, barriga, coxas, clitóris, atiçando-a
cada segundo mais. Aos poucos fui aumentando a velocidade e a força das
investidas.
Gemíamos, suávamos e ofegávamos, ensandecidos de prazer.
Algum tempo depois ela mudou de posição, ficando de quatro,
arrebitando a bunda para mim. Penetrei-a de novo, com um pouco mais de
cuidado que da primeira vez, mas logo comecei a estocar com
determinação.
Quando contraiu as paredes internas, chamando por meu nome, ao
atingir o clímax, levou-me junto com ela.
Desabei ao seu lado na cama e fiquei a observando, fascinado. A face
afogueada, o sorriso mole e a feição satisfeita a deixavam ainda mais bela.
Não tinha a menor ideia do que era aquilo que estava se passando
dentro de mim, muito menos conosco, mas simplesmente não queria que
acabasse.
Depois de nos recuperarmos, tomamos banho juntos e descemos para
jantar.

Nas semanas que se seguiram, estabelecemos uma espécie de rotina.


De segunda a sexta-feira, eu e Flávia almoçávamos juntos quase todos os
dias. Às vezes sozinhos; em outras, com Tales ou até mesmo com Jonas e
Aloísio, que logo souberam de toda a história envolvendo a paternidade de
Davi. Não demorou para eles perceberem o clima entre nós e perguntarem
se estávamos namorando. Negamos. Contudo, continuávamos nos pegando
sempre que tínhamos oportunidade. O sexo com Flávia, que desde o
princípio foi incrível, estava ainda melhor.
Duas vezes por semana eu buscava Davi na escola e passava com ele
em sua sorveteria preferida. Depois o levava para casa e o ajudava com a
tarefa.
Eles retornaram à mansão da vovó nos fins de semana que se
seguiram e continuei a ensinar natação para meu pequeno, que aprendia
rápido, deixando-me todo babão.
Quando, enfim, o teste de DNA ficou pronto, não foi surpresa para
ninguém o exame ter confirmado que éramos pai e filho. Tales me ajudou
com o reconhecimento legal da paternidade. Incluí meu nome nos
documentos de Davi e vovó o colocou em seu testamento. Também
combinei com Flávia uma generosa pensão alimentícia. Estava disposto a
fazer o que fosse preciso para dar a ele segurança, conforto e, acima de
tudo, amor.
O receio inicial de ser um péssimo pai, já não existia. Davi promoveu
uma transformação em minha vida. Aquele garotinho lindo e incrível me
fez compreender que eu nada tinha a ver com Cássio, que nunca me tornaria
o monstro que ele foi. As recordações ruins infelizmente jamais se
apagariam, mas aos poucos eu estava preenchendo minha mente com novas
lembranças, de momentos repletos de afeto e alegria.
Flávia

Após o reconhecimento legal da paternidade, Raoni que já estava


muito ligado a ele, além de oferecer uma generosa pensão alimentícia,
tornou-se um pai ainda mais presente. Ficava encantada de ver a interação
dos dois e a felicidade do nosso filho.
Quanto a nós, continuávamos aproveitando toda e qualquer
oportunidade para transarmos, o que era sempre ótimo, mas andava me
preocupando, pois ele nunca tocava nas palavras namoro ou
relacionamento. Eu tentava não fantasiar demais com um futuro juntos, não
me envolver sentimentalmente para não acabar machucada ou interferindo
na relação pai e filho, mas estava a cada dia mais difícil separar desejo de
emoção.
Eu e Laura trocamos telefones e começamos a nos falar com
frequência. Em todas as vezes sentia o peito apertado de saudades dela e
dos meus pais. Certo dia contei sobre Raoni, sobre ele ter reconhecido a
paternidade do Davi e o que andava acontecendo entre nós. Ela disse que
estava torcendo para que acabássemos juntos, como uma família feliz.
— Por falar em família, irmãzinha, na semana passada contei pra
mamãe que temos conversado e ela até chorou ao telefone de remorso por
não ter enfrentado o papai e feito de tudo pra manter contato com você.
— Foi muito difícil ser abandonada daquele jeito, mas fiz minhas
escolhas, não posso culpá-la pelo que aconteceu.
— Ela quer te ver.
Fiquei em silêncio por alguns instantes, absorvendo a informação,
com o coração disparado. Passei anos esperando por aquele momento, mas
já tinha perdido as esperanças.
— Flávia? Está aí? — Laura questionou, preocupada.
— Desculpe. Estou.
— E o que me diz? Quer se encontrar com a mamãe?
— Quero, sim, irmã. Muito.
— Ah, que maravilha! Vamos dar um jeito para vocês se verem,
então.
Ao ouvir aquilo, compreendi a dura realidade e meu queixo tremeu de
vontade de chorar.
— Imagino que meu pai não poderá ficar sabendo... — O rancor era
nítido em minha voz.
— Infelizmente não, irmã. Mamãe tem receio do que ele possa fazer.
— Tudo bem. — Respirei fundo, tentando afastar as lembranças de
quando fui expulsa de casa. — Ela pode vir ao meu apartamento, ou se
preferir, podemos nos encontrar em qualquer outro lugar.
— Vou falar com ela e te aviso. Estou muito empolgada para esse
reencontro de vocês. Se der certo, vou vê-las também. E você poderia vir
me visitar algum dia! Você e meu sobrinho serão bem-vindos a qualquer
hora.
— Prometo que iremos. Depois a gente combina. Agora vou desligar,
pois ainda preciso escrever um pouco, tenho um romance pra terminar.
— Boa escrita, irmã. Adorei falar com você!
Despedimo-nos dizendo que nos amávamos.
Quando encerrei a chamada, fechei os olhos e apertei o telefone
contra o peito, respirando fundo, ansiosa para rever mamãe. Depois de me
acalmar, consegui escrever mais um capítulo do meu novo livro, que estava
ficando lindo e muito quente. Inspirei todas as cenas de sexo nos meus
momentos luxuriosos com Raoni.
No dia seguinte ele buscou Davi na escola e quando chegaram
ofereceu para ajudá-lo a fazer a tarefa de casa.
— Estou cansado, pai, amanhã de manhã a tia do integral faz comigo,
pode deixar. Mas que tal ficar um pouco pra me ajudar a tomar banho?
Podemos jogar com as cartinhas de Pokémon depois.
— Está bem, pode ir para o banheiro que já vou lá. Antes
encomendarei alguma coisa pra comermos.
— Oba! Estou com fome! — Nosso pequeno saiu saltitante em
direção ao corredor.
— O que acha que eu peço pra gente? — Raoni me questionou,
pegando o celular no bolso da calça.
Mesmo depois de um dia inteiro de trabalho, ele continuava lindo,
cheiroso e elegante em seu terno de caimento perfeito e certamente muito
caro.
— Que tal filé à parmegiana? Davi adora e me deu vontade de comer.
— Certo. Também gosto bastante. Camila está em casa?
— Está, sim, no quarto.
— Pedirei pra nós quatro, então.
Aquiesci e ele abriu o aplicativo para fazer a encomenda.
— Estou pensando em fazer um jantar lá em casa, na cobertura, no
sábado. Durante esta semana deixei dona Cícera, minha governanta,
encarregada de me ajudar a decorar um dos quartos para Davi. Eu comprei
os móveis, brinquedos, livros e deixei o resto por conta dela. Ficou lindo e
estou doido pra fazer essa surpresa pro nosso pequeno.
— Um quarto pra ele na sua casa? — Olhei-o séria, não sabendo
muito bem lidar com aquilo. O que Raoni pretendia? Pedir a guarda do
filho? Engoli em seco, apavorada com aquela possibilidade. — Por quê?
— Como assim por quê? — Ele franziu o cenho, confuso.
— Moramos na mesma cidade, não faz sentido...
— Papai, anda logo, está demorando! — Davi gritou do banheiro.
— Vou lá ajudá-lo, depois a gente conversa direito, está bem?
Assenti e ele saiu.
Atordoada, comecei a andar de um lado para outro. Quanto mais eu
pensava, menos conseguia encontrar outra justificativa para a atitude do
Raoni, que não fosse a de ele estar querendo morar com o filho.
Ah, mas se ele pensa que vai tirá-lo de mim, está muito enganado!
— Ei, o que foi? Que cara é essa? — Camila perguntou ao aparecer
na sala, algum tempo depois.
— Raoni montou um quarto para Davi na cobertura dele.
— E o que é que tem? Não acha normal?
— Normal, Mila? — questionei entredentes, irritada, tentando falar
baixo. — Moramos na mesma cidade, pra que isso? Ele não vai tirar meu
filho de mim, não mesmo!
— Calma, Flavinha. Já conversou com ele a respeito?
— Comecei a questioná-lo, mas Davi o chamou.
— Pelo pouco que conheço Raoni, não acredito que tentaria fazer
uma coisa dessas, não se inquiete à toa — falou com mansidão e carinho,
tentando me acalmar. — Talvez a intenção dele seja levar vocês dois pra lá,
hum? — Movimentou as sobrancelhas de um jeito engraçado e trombou o
ombro no meu, tentando me fazer rir.
— Gostamos de ficar juntos, o sexo é sempre incrível, temos um
filho, mas ele já deixou bem claro que não namora e nunca vai se casar.
Além do mais, falou que montou um quarto para o Davi, não mencionou
nada a meu respeito. Ah, mas se ele acha... — A fúria me dominou outra
vez.
— Controle-se, amiga! Está fazendo tempestade em copo d’água.
Conversem primeiro antes de ficar tirando conclusões precipitadas.
Meneei a cabeça, aturdida.
— Estou com fome. Vamos preparar algo para jantarmos? — ela
mudou de assunto.
— Raoni pediu comida pra nós quatro, já deve estar chegando.
— Está vendo, ele se preocupa com vocês. Estar aqui cuidando do
filho e pedindo comida pra todo mundo, até pra mim que sou a tia postiça,
já diz tudo. Ele é um cara do bem, Flavinha. Não te tomaria a guarda do
Davi.
Fechei os olhos e respirei fundo, desejando que ela estivesse certa.
Logo o interfone tocou, fazendo-me abrir as pálpebras.
— Deixa que eu atendo. — Camila foi em direção ao aparelho. —
Nosso jantar chegou! — informou após recolocá-lo no suporte pregado na
parede e se dirigiu para a porta.
Recebeu o entregador e eu a ajudei a colocar a mesa.
Quando Davi e Raoni apareceram na sala, eu já tinha me acalmado
um pouco, mas ainda o encarei ressabiada.
— Está tudo bem? — Acariciou meu ombro.
— Sim. Vamos sentar para comer.
Ele assentiu e todos nos acomodamos. Servi o prato de Davi e depois
o meu. Camila e Raoni também se serviram.
— Hmmm, que gostoso! — o pequeno comentou após a primeira
garfada.
— Está gostoso mesmo, meu amor — concordei com ele.
Enquanto jantamos, Davi contou como foi seu dia na escola. Raoni se
mostrou interessado, fazendo perguntas, às quais nosso filho respondeu com
entusiasmo. Camila falou algo sobre o tempo e eu fiquei meio aérea, sem
conseguir tirar da cabeça a preocupação com o que Raoni contou.
— Tem certeza que você está bem? — ele perguntou em algum
momento.
— Aham. Mas quero terminar aquela nossa conversa antes de você ir
embora, está bem?
— Claro. — Fitou-me por um longo instante, como se me analisasse,
depois voltou a atenção para Davi.
Quando terminamos a refeição, os dois foram para o quarto do nosso
filho, dizendo que iam brincar mais um pouco com as cartinhas de
Pokémon. Deixei Camila na sala, vendo TV e fui para o meu, escrever.
Uma hora depois Raoni bateu à minha porta e a entreabriu.
— Posso entrar? — questionou cauteloso. — Davi ficou sonolento, eu
o ajudei a escovar os dentes e o coloquei para dormir.
— Obrigada. Entre.
Ele passou e fechou a porta atrás de si.
— Por que montou um quarto pra Davi no seu apartamento? —
Levantei e indaguei sem rodeios, quando ele se aproximou.
— Está brava comigo por isso? — Estreitou as pálpebras e me
encarou sério, confuso.
— Por quê? Ainda não me respondeu. — Cruzei os braços, irritada, e
ergui o queixo.
— Porque pensei que ele ficaria feliz em saber que tem um quarto na
casa do pai, que poderia dormir lá na cobertura comigo de vez em quando.
— De vez em quando? — ecoei sua fala, sentindo a raiva crescer
dentro de mim. — E com que frequência seria isso?
— Por que está tão irritada, afinal? Cacete, Flávia, sou o pai dele, não
tenho o direito de querer que fique alguns dias comigo?
— Ah, Raoni, se está pensando... — Respirei fundo, prestes a
explodir. — Eu criei Davi sozinha esses anos todos e, acredite, não foi nada
fácil. Fiquei feliz de reencontrar você, que ele tenha finalmente conhecido o
pai, mas não vou deixar que o tire de mim. Nunca. Entendeu?
— Eu não faria isso e a essa altura do campeonato esperava que já me
conhecesse o suficiente para saber. — Seu tom mordaz e o olhar magoado
deixaram claro que ele também não estava gostando nada daquela conversa.
— Bem, já está tarde e você de cabeça quente. É melhor eu ir embora,
depois nos falamos. Boa noite, Flávia. — Encarou-me em silêncio por um
instante, depois virou as costas e saiu, deixando-me desolada.
Será que eu te conheço mesmo, Raoni? Deitei na cama, encolhida,
perturbada com aquela história toda. Ele podia ser o pai e ter muito
dinheiro, mas eu era a mãe, a guarda do nosso filho era minha, não
permitiria que ele a tirasse de mim.
Raoni

Saí da casa da Flávia irritado com nossa discussão, sem conseguir


compreender bem que merda foi aquela. O que estava pensando ao me
acusar daquele jeito? Que tipo de homem achava que eu era? Só queria ter
mais tempo com meu filho, não intencionava tomar a guarda dele para mim.
Era a primeira vez que eu ficava há tanto tempo com uma mesma
mulher e estava adorando nosso lance, começando até a pensar que namorar
não seria tão complicado. Que talvez pudéssemos ter um relacionamento
sério.
Se eu conseguisse vencer meu receio de uma vida a dois, quem sabe
algum dia viveríamos os três sob o mesmo teto, eu, ela e nosso filho? Mas,
não. Mal começamos e ela já estava estragando tudo, arrumando motivos
bestas para discutir. Não entraria em uma relação para ficar brigando. Sabia
muito bem aonde aquilo poderia acabar e não desgraçaria a vida do meu
filho, como Cássio fez com a minha.
— Que merda! — soquei o volante, enfurecido e liguei o som,
tentando espairecer.
Na rádio tocava Minefields. A música me fez lembrar da primeira vez
que Flávia esteve em minha casa, dos nossos momentos deliciosos juntos.
Estava mais envolvido por ela do que gostaria e aquilo me apavorou,
principalmente depois do que aconteceu. Irritado, desliguei o som e segui
em silêncio até a mansão da vovó.
Quando cheguei, já era tarde e ela já tinha ido dormir. Fui para meu
quarto e tomei um banho demorado. Enquanto a água morna caía sobre meu
corpo, remoí os últimos acontecimentos.
Eu deveria ter ido para meu apartamento, socar aquele saco de areia
agora seria ótimo para me desestressar.
Apoiei uma mão no azulejo frio, abaixei a cabeça e respirei fundo,
tentando esvaziar a mente. No entanto quanto mais eu me esforçava, mais
as imagens de Flávia surgiam, atormentando-me. Ela nua, linda, com a face
afogueada de prazer. Seu sorriso malicioso me provocando.
— Cacete, garota! O que está fazendo comigo? — resmunguei
baixinho, excitado e levei a mão ao meu pau.
Comecei a me masturbar pensando nela, em como era gostoso fodê-
la. Alucinado, aumentei a velocidade dos movimentos de vaivém até gozar.
Um pouco mais calmo, terminei meu banho, enxuguei-me, escovei os
dentes e me atirei na cama, nu, enfiando-me debaixo do edredom.
Preciso conversar com ela e esclarecer as coisas. Ainda pensei antes
de pegar no sono.

Assim que acordei no dia seguinte, fiz a higiene matinal, vesti-me e


desci para tomar café da manhã com minha avó, mas não a encontrei na
sala.
— Bom dia, dona Mariana! Vovó ainda não levantou?
— Não, senhor Raoni. Ela ainda não desceu.
— Estranho, a uma hora dessas já costuma está de pé. Vou ao quarto
dela para verificar se está tudo bem.
— Certo, eu estava pensando em fazer isso.
— Pode deixar que vou. — Sorri para ela, gentil, e subi as escadas
novamente.
Bati de leve na porta e a entreabri.
— Raoni? — Vovó esfregou os olhos. — Que horas são?
— Oito. Está tudo bem com a senhora? Não costuma ficar na cama
até esse horário. — Abri as cortinas e me sentei ao seu lado.
— Achei que fosse madrugada, tenho a impressão de não ter dormido
horas suficientes. Ainda estou cansada — falou com um pouco de
dificuldade, o que me deixou em alerta.
Preocupado, analisei-a melhor. Vovó estava pálida, um pouco
ofegante e notei outra mancha roxa, daquela vez em sua perna.
— Venha, vou ajudar a senhora. Vamos tomar o café e depois te
levarei até um hospital.
— Não tem necessidade, meu filho. — Apoiou-se em mim para sentar
e depois levantar da cama. — É só a idade cobrando seu preço.
— Não acho. Tem alguma coisa errada e nunca me perdoarei se algo
ruim lhe acontecer e não for socorrido a tempo por negligência minha.
— Você é o melhor neto que uma avó poderia ter, sabia?
— Eu te amo, dona Vilma, e me preocupo com seu bem estar e sua
saúde.
— Também te amo, querido. Diga à Mariana para vir aqui, por favor?
— Claro. — Levei-a até o banheiro e pedi que não trancasse a porta.
Para não a deixar sozinha, peguei o celular e liguei para a governanta.
Logo dona Mariana apareceu no quarto.
— Vou descer para deixá-las mais à vontade. Qualquer coisa me
chame, por favor. Vovó foi ao banheiro, fique atenta, ela não está bem.
Após tomarmos o desjejum a levarei ao pronto socorro.
— Certo. Tenho a achado um pouco abatida nos últimos dias. Melhor
passar por uma avaliação médica mesmo.
Concordei com um aceno de cabeça e saí. Desci as escadas,
preocupado, e aguardei na sala. Poucos minutos depois as duas desceram,
vovó amparada por dona Mariana.
— Já podemos ir? — perguntei quando ela terminou de comer.
— Ainda acho que é um exagero, mas se é pra te deixar tranquilo,
vamos, sim, meu amor — falou, um pouco ofegante.
Sorri, tentando disfarçar meu medo e a guiei até o carro.

Quando chegamos ao hospital, não demorou para que vovó fosse


chamada para o atendimento.
— Bem, dona Vilma, vou pedir alguns exames e a deixarei em
observação até que fiquem prontos, está bem? — O jovem médico olhou
dela para mim.
— Alguma suspeita, doutor? — questionei, apoiando-a para descer da
maca.
— Vamos aguardar os resultados, depois conversaremos melhor. —
Seu ar sério me deixou ainda mais preocupado.
Engoli em seco, assenti e saímos do consultório. Aguardamos onde
fomos orientados e alguns minutos depois uma enfermeira a chamou.
Vovó foi instalada em uma maca, coletaram seu sangue e colocaram
um soro para correr devagar em sua veia.
— Está confortável? — Ajeitei o travesseiro debaixo da sua cabeça e
a cobri com o lençol.
— Dentro do possível, né? — Ela fez uma careta de desgosto. —
Preferiria estar na minha cama.
— Os resultados não devem demorar a ficarem prontos, estando tudo
bem, logo iremos pra casa. — Beijei-lhe a testa. — Vou avisar Jonas que
não irei à editora hoje.
Ela aquiesceu e me afastei para fazer a ligação.
— Pronto, agora sou todo seu, dona Vilma!
— Que honra ter um rapaz tão lindo à minha disposição. Ah, se não
fosse meu neto... — brincou, fazendo-me sorrir.
Cerca de duas horas depois o mesmo médico que a atendeu, apareceu
para reavaliá-la.
— Seus exames ficaram prontos, dona Vilma. — Ele estava ainda
mais sério do que quando deixamos o consultório, o que me alertou, aquilo
não era um bom sinal.
— E então, doutor, o que minha avó tem? — questionei, angustiado.
— Infelizmente as notícias não são boas. As alterações no
hemograma e o quadro clínico levam a suspeita de leucemia. Precisaremos
fazer mais um exame para confirmar o diagnóstico, chamado mielograma.
A equipe responsável já virá colher o material. Pode ser um pouco
desconfortável, mesmo com a anestesia, pois é necessário fazer uma punção
no osso, geralmente no esterno, esse aqui do tórax. — Ele indicou o lugar.
— Leucemia? — eu e vovó questionamos ao mesmo tempo, atônitos?
— Sinto muito. Sei que ninguém quer receber um diagnóstico assim.
— Ele a olhou com pesar. — Confirmada a doença a senhora será
encaminhada para começar o tratamento.
— Precisarei ficar internada?
— Sim. O exame pode levar alguns dias para ficar pronto, mas a
deixarei internada até lá.
Vovó marejou os olhos e anuiu.
Assim que o médico se despediu e saiu, ela começou a chorar.
— Não chore, vozinha, vai dar tudo certo. Prometo que faremos o que
for preciso para que a senhora fique curada. — Tentei consolá-la, mas eu
mesmo estava apavorado.
— Ah, meu filho, sabia que meu tempo aqui estava terminando. Já
sou velha demais, não vou resistir a um tratamento tão agressivo.
— Não diga isso. — Lutando contra as lágrimas, aproximei da maca e
segurei sua mão. — Ainda vai viver muitos anos.
— Quero que me prometa uma coisa.
— O que quiser. — Fitei-a com doçura, tentando disfarçar minha
angústia.
— Prometa que vai abrir o seu coração para o amor, igual abriu para o
seu filho. Dê uma chance a Flávia. Vocês são lindos juntos, só um cego não
veria o quanto se gostam.
— Ah, vovó, as coisas não são tão simples assim. Ontem mesmo
discutimos à toa e não quero entrar em um relacionamento que possa
terminar como o dos meus pais.
— São situações distintas, filho. Cássio era alcóolatra, controlador,
violento, muito diferente de você.
— Eu luto diariamente para manter o monstro que habita em mim
adormecido, para não deixar a fúria me dominar. A senhora deve lembrar
bem como fui um adolescente encrenqueiro, agressivo.
— Não, você não é assim. Todo mundo sente raiva, querido, mas nem
por isso é um monstro. Na adolescência, todas as vezes que se meteu em
uma briga, foi para defender alguém. Você é um homem bom, tem um
coração de ouro, jamais duvide disso.
Meneei a cabeça e respirei fundo. Minha preocupação naquele
momento era vovó, depois pensaria em mim.
Algum tempo depois ela foi levada para o quarto e um médico e uma
enfermeira apareceram para a coleta da medula.
— Doeu? — perguntei olhando para seu peito, quando os
profissionais deixaram o quarto.
— Um pouquinho. Mais um desconforto pela pressão que fizeram, do
que dor de fato. Me ajude a sentar, por favor, não aguento mais ficar
deitada.
— Só um instante. — Peguei o controle da cama e elevei a cabeceira.
Estava ajeitando vovó para que ficasse confortável, quando a copeira
entrou com o almoço.
— Ainda é muito cedo, estou sem fome — ela reclamou quando me
viu destampar a embalagem de isopor.
— O cheiro está delicioso e a senhora precisa comer, dona Vilma. —
Arrastei a mesinha hospitalar para a colocar na frente dela.
— Só falta querer dar na minha boca — resmungou, contrariada.
— Se for preciso, dou sim. — Pisquei para ela, que revirou os olhos,
fazendo-me sorrir.
— Ligue para Mariana, filho, e peça que arrume uma mala para mim,
com coisas que eu possa precisar — falou após a primeira garfada. — Até
que a comida está boa.
— Pode deixar, farei isso agora. — Peguei o celular no bolso e fiz a
ligação. — Ela disse que irá providenciar e daqui a pouco trará para a
senhora.
Vovó assentiu e continuou comendo. Após almoçar, dormiu. Sentei
em uma poltrona e a fiquei observando, com um aperto no peito. Era difícil
aceitar que aquilo estivesse acontecendo e me doía imaginar tudo que ela
teria de enfrentar dali para frente. Vovó e Davi eram as pessoas mais
importantes da minha vida, seria capaz de qualquer coisa para vê-los bem.
Desolado e querendo conversar, liguei para Flávia e contei o que
estava acontecendo.
— Meu Deus, Raoni, que coisa triste, eu sinto muito. Como você
está?
— Arrasado. Eu não posso perdê-la, Flávia. Vovó é meu alicerce. Não
sei o que será da minha vida sem ela — falei baixinho, segurando para não
chorar.
— Calma, confie em Deus, ela vai ficar bem. O que posso fazer pra
ajudar? Quer que eu vá para aí?
— Obrigado por oferecer, mas precisam de você na editora.
— Jonas já sabe?
— Ainda não. Só avisei a ele que não iria trabalhar porque estava no
hospital com vovó. Quando nos falamos o exame não tinha ficado pronto.
Pode informá-lo, por favor?
— Claro, pode deixar.
— Vou desligar agora, vovó está dormindo e não quero que acorde e
escute minha conversa, que perceba minha aflição. Estou tentando ser forte
na frente dela.
— Está bem. À noite te ligo para saber notícias. Conte comigo para o
que precisar.
— Obrigado.
Nós nos despedimos e quando encerrei a chamada, desejei que Flávia
estivesse ali comigo.
Flávia

Fiquei triste e preocupada ao saber da doença de dona Vilma. Ela já


estava idosa e se o exame confirmasse que o que tinha era mesmo leucemia,
imaginava que o tratamento não seria nada simples.
Assim que Raoni desligou, conforme me pediu, contei para o senhor
Jonas.
— Meu Deus, que coisa horrível! — Ele arregalou os olhos e me
encarou assustado. — Dona Vilma é uma pessoa muito boa, querida e
parecia tão forte na última vez que a vi. Coitada, não merece passar por
uma situação dessas.
— Eu a conheço há pouco tempo, mas concordo com tudo que disse.
— E como Raoni está?
— Arrasado. Ele é muito apegado a avó, né? Acho lindo o carinho e o
amor que eles têm um pelo outro.
— Sim. É uma relação muito bonita mesmo. Depois vou ligar pra ele
e me colocar à disposição para o que precisarem.
— Faça isso. Também ligarei pra ele quando chegar em casa. Ah,
mudando de assunto, terminei de avaliar os originais que me pediu. Só
salvei um.
— Certo. Me mande por favor as suas considerações. A equipe de
revisores está precisando novamente de ajuda, vou te encaminhar por e-mail
um livro que me pediram pra que você revise, ok?
— Claro. Vou voltar para a minha mesa e já abro lá.
Pedi licença da sua sala e me retirei.
Com o pensamento em Raoni, fiquei meio aérea o restante da tarde,
foi difícil me concentrar no trabalho. Ainda estava brava com ele por conta
da nossa discussão e continuava achando que precisávamos conversar
melhor sobre aquele assunto, no entanto, com a doença da avó, a prioridade
era a saúde dela.

Ao sair da editora, fui direto para a escolinha buscar Davi.


— Está tudo bem, mamãe? Parece triste. — Ele me analisou depois
de me dar um abraço de urso. Achei fofa a sua preocupação.
— Sua bisa está doente, meu amor.
— Foi o papai que te contou? — Caminhamos até o carro e o ajudei a
entrar.
— Sim. Ele está com ela no hospital.
— Acha que ela vai morrer? — Encarou-me com aflição.
— Espero que não, mas vai precisar fazer um longo tratamento,
querido, que pode deixá-la bem fraca.
— Coitada da bisa, gosto tanto dela! Não quero que ela morra, nem
sofra. Vou orar para o Papai do Céu protegê-la.
— Vamos rezar, sim, filho. As orações são muito importantes.
Naquele dia, ao contrário da tagarelice de sempre, Davi seguiu o
trajeto todo calado, o que me deixou com remorso por ter contado o que
estava acontecendo com dona Vilma. Talvez eu devesse ter esperado mais.
Ao chegarmos em casa, ele tomou banho e depois jantamos um
macarrão com frango, muito gostoso, que Camila fez para nós três.
Antes de dormir, oramos juntos a Deus, pedindo pela saúde da sua
bisavó. Fiquei em seu quarto até que pegasse no sono.
Após tomar meu banho, Mila perguntou o que estava me
preocupando, se ainda era o fato que me levou a discutir com Raoni. Neguei
e contei para ela o que estava acontecendo.
— Nossa, amiga, coitada! Ela já é bem idosa, né?
— Está com oitenta anos e isso com certeza complica ainda mais a
situação, afinal de contas, pelo que sei, o tratamento da leucemia é feito
com quimioterapia e até transplante de medula. Tenho receio de que ela não
aguente.
— Verdade, acho que fazem quimio mesmo. — Se quiser ir até o
hospital, pode ir tranquila que ficarei aqui com o nosso pequeno.
— Está bem, amiga, obrigada. Vou ligar para o Raoni e qualquer
coisa eu te falo.
Ela aquiesceu e eu fui para o quarto. Fechei a porta e fiz a ligação.
— Oi... — atendeu com a voz abatida.
— Oi. Como estão as coisas por aí? Como a sua avó está?
— Ela dormiu a tarde toda. Dona Mariana chegou e está dando banho
nela agora.
— Precisa de algo? Quer que eu vá ficar com vocês?
— Não, obrigado. Só uma pessoa pode passar a noite, então só vou
aguardar ela jantar e depois irei pra casa descansar um pouco.
— Certo. Posso fazer uma visita pra ela amanhã de manhã, antes de ir
para o trabalho?
— Claro. Acho que vovó vai gostar de te ver. Vou te passar o
endereço daqui por mensagem e o número do quarto dela.
— Está bem. Se precisar de qualquer coisa que eu possa ajudar, fale
comigo, ok?
— Ok, obrigado.
Nós nos despedimos e desliguei.
Naquela noite tentei escrever, no entanto por conta da angústia não
consegui me concentrar, então acabei desistindo e fui para a cama. Fiquei
revirando de um lado para o outro, pensando em Raoni, em tudo o que
estava por vir. Demorei para pegar no sono.

Na manhã seguinte, após deixar Davi e Camila na escola, fui para o


hospital.
Assim que entrei no quarto, senti um aperto no peito ao ver Raoni.
Ele estava abatido, com olheiras profundas e a barba por fazer, parecia não
ter dormido. Cumprimentei-o com um abraço apertado.
Dona Vilma estava com as pálpebras fechadas, até pensei que dormia,
mas quando me aproximei de sua cama, ela abriu os olhos e sorriu para
mim.
— Bom dia. Como a senhora está?
— Melhor agora. Fico feliz que tenha vindo me visitar.
— Davi mandou um beijo e pediu que eu contasse que ontem oramos
para que a senhora fique boa logo.
— Que lindo! Diga a ele que agradeço muito e que já estou com
saudades. Querida, quero te fazer um pedido — falou baixinho, como se
não desejasse que o neto ouvisse. Assenti, permitindo que continuasse. —
Não sei o que vai acontecer comigo, espero ficar curada, claro, mas também
tenho consciência de que já estou mais pra lá do que pra cá.
— Não diga isso. O exame nem ficou pronto ainda e mesmo que a
leucemia seja confirmada, tenho certeza de que a senhora ficará bem.
— De qualquer forma, quero te pedir para ter um pouco de paciência
com Raoni. Ele é um bom rapaz e gosta muito de você. Por mais que às
vezes tenha dificuldade em demonstrar, não duvide, nem se afaste.
— Também gosto muito dele e pode ficar tranquila que não vou me
afastar. Afinal, temos um filho juntos.
— Meu sonho é ver vocês três sendo uma família feliz.
— Quem sabe um dia? — sussurrei, erguendo as sobrancelhas.
Ela aquiesceu, sorrindo, e segurou minha mão.
— Já tomou café da manhã? — questionou baixinho e confirmei com
a cabeça. — Pois diga que não, está bem?
Franzi o cenho, confusa.
— O que vocês duas tanto cochicham? — Raoni se aproximou de
nós.
— Flávia estava me contando aqui sobre Davi. A propósito, a coitada
nem tomou o desjejum, só pra poder vir me visitar. — Ela olhou dele para
mim e a encarei perplexa. — Então, meu filho, leve-a até a lanchonete do
hospital, para que possa comer alguma coisa. E trate de se alimentar
também. De doente já basta eu.
A governanta que estava sentada do outro lado da cama de dona
Vilma, bem perto de nós, e ouvira toda a conversa, disfarçou a vontade de
rir. Quando nossos olhares se cruzaram, neguei com a cabeça, com vontade
de rir também e ela deu de ombros, como se dissesse que a patroa era
daquele jeito mesmo.
— Poxa, Flávia, não imaginei que estivesse de jejum. — Raoni me
analisou, preocupado. — Eu ainda não tomei café da manhã. Vovó tem
razão, vamos até a lanchonete comer alguma coisa.
— Vou acabar me atrasando para entrar na editora... — falei sem
jeito.
— Eu ainda sou a dona daquele lugar, fique tranquila. Mariana,
querida — virou-se para a governanta —, por favor, avise a Jonas que
Flávia vai chegar mais tarde hoje.
A funcionária assentiu e pegou o celular que estava sobre uma
mesinha ao canto.
— Obrigada. De lá já irei embora. Depois retorno para visitá-la.
Despedi-me dela e de dona Mariana, depois eu e Raoni deixamos o
quarto.

— Que dia o mielograma fica pronto? — perguntei enquanto


caminhávamos lado a lado pelo corredor de paredes verde-água.
— Depois de amanhã. Estou muito ansioso e preocupado. Nem
acredito que isso esteja acontecendo, parece um pesadelo.
— Ela vai ficar bem. Confie em Deus.
— Não consigo me imaginar sem a minha avó. Ela vivia dizendo que
seu tempo aqui estava acabando, mas não estou preparado para perdê-la. Já
perdi demais nesta vida e não quero ficar sozinho.
— Eu e Davi estaremos sempre com você. Tenha a certeza disso. —
Entrelacei nossos dedos, esquecendo de nossa discussão e deixando meus
receios de lado.
— Obrigado. Vou precisar muito de vocês. — Parou de andar e me
fitou com tanto sofrimento, que pude sentir a sua dor também.
Dona Vilma tinha razão, ele era um homem bom e gostava de mim,
eu acreditava nisso, só não sabia até que ponto ia seu sentimento.
Estávamos construindo apenas uma forte amizade, com benefícios, ou será
que ele pensava em algum dia me assumir como sua mulher?
Encaramo-nos por um longo instante, depois voltamos a caminhar.
Raoni

Naquele momento tão difícil, era bom saber que poderia contar com
Flávia. Mesmo após termos discutido, ela estava ali, por mim. A mãe do
meu filho vinha se tornando uma pessoa a cada dia mais especial em minha
vida.
Precisávamos conversar melhor sobre Davi e sobre nós, mas com
tantas coisas acontecendo, teria de ficar para um outro momento.
Enquanto tomamos o café da manhã na lanchonete do hospital, fiquei
a observando. Ela era linda, encantadora e atraente. Encarar seus olhos
azuis era como admirar o mar e ser tragado pelas ondas.

Depois que Flávia foi embora, voltei para o quarto de vovó e passei o
dia todo no hospital. Antes do almoço o médico apareceu para examiná-la.
— Alguma novidade, doutor? — perguntei apreensivo.
— Ainda não. Verifiquei no site do laboratório e anteciparam a
previsão de entrega, o exame deve sair amanhã, daí esclareceremos o
diagnóstico e poderemos decidir a conduta. O onco hematologista da equipe
já está ciente do caso.
— Certo.
— E como a senhora está, dona Vilma? — Virou-se para vovó. —
Estou te achando com a carinha melhor hoje.
— A fraqueza continua e já estou ansiosa para saber logo o que tenho
e para poder ir para casa.
— Vou te examinar, ok?
Ela assentiu e ele se aproximou da cama.
Assim que terminou a avaliação, o médico se despediu, informando
que voltaria no dia seguinte e qualquer coisa que precisássemos era só
chamar a enfermagem.
De novo vovó preferiu que dona Mariana passasse a noite com ela.

Ao sair do hospital, fui para o prédio onde morava. Depois de fazer


uma hora de musculação, subi para a cobertura e soquei meu saco de areia,
extravasando toda a minha dor e agonia.
Já estava exausto e suado quando meu telefone tocou. Retirei as luvas
e atendi ofegante. Era Jonas querendo saber notícias e oferecendo seus
préstimos para o que precisasse. Assim que encerramos a chamada, Tales
me ligou. Ele também já estava sabendo e, como Jonas, colocou-se à minha
disposição.
Depois de falar com eles fiz uma omelete, comi e fui tomar banho.
Já na cama, tentando encontrar algo na TV que prendesse a minha
atenção e me ajudasse a espairecer um pouco, recebi uma mensagem de
Flávia.

— Como você está? Como a sua avó passou o dia?


— Ela passou bem. Estou angustiado, com medo, o resultado do exame
sairá amanhã.
— Me avise assim que souber e conte comigo para o que precisar.
— Obrigado, Flávia. Queria que tudo não tivesse passado de um mal-
entendido. Que as alterações no exame de sangue da vovó tenham outra
causa menos grave, que não seja leucemia.
— Vamos torcer por isso. Hoje eu e Davi oramos de novo pedindo pela
saúde dela.
— Estou com saudades dele. Será que pode nos colocar para falar de
videochamada amanhã, antes de ele ir para a escola?
— Claro. Farei isso.
— Obrigado por tudo.
— Não precisa agradecer. Boa noite. Qualquer coisa me chame.
— Pode deixar. Boa noite pra você também.

Coloquei o celular sobre a mesinha de cabeceira, desliguei a TV e


tentei dormir.

Na manhã seguinte, assim que levantei, Flávia mandou uma


mensagem perguntando se eu estava acordado e poderia falar com Davi.
Respondi na mesma hora, ansioso para ver meu filho e em seguida fiz a
videochamada.
— Oi, querido! Como você está? — perguntei ao ver seu rostinho
lindo.
— Oi, papai. Estou com saudades.
— Eu também. Muita.
— Eu e mamãe estamos rezando todos os dias para a bisa sarar logo.
— Flávia me contou. — Sorri, emocionado.
— Ela vai ficar boa, né?
— Vai, sim. Farei de tudo para que isso aconteça.
— Que dia vai poder me buscar na escola ou vir me ver?
— Ainda não sei, querido, está tudo meio complicado esses dias.
Espero que logo.
— Está bem. Mamãe está chamando, preciso desligar.
— Enquanto eu não puder te ver pessoalmente, vamos nos falando
pelo telefone, ok?
— Ok... — sua carinha tristinha partiu meu coração.
— Boa aula.
— Obrigado. Eu te amo. — Foi a primeira vez que ele disse aquilo.
Ouvir suas palavras quase me desmontou.
— Eu também te amo, filho, e estou morrendo de saudades.
— Agora que te encontrei, não quero te perder — falou manhoso.
— Não vai me perder. Prometo nunca mais me afastar de você. Vou
dar um jeito de nos encontrarmos logo, está bem?
Ele assentiu, sorrindo satisfeito. Despedimo-nos e encerrei a
chamada, pensativo.
Assim como vovó, Davi era minha prioridade. Não queria que meu
filho se sentisse abandonado, daria um jeito de vê-lo em breve.

Quando desci as escadas, dona Cícera já tinha chegado.


— Vi a porta do seu quarto fechada, patrão, e imaginei que tivesse
dormido aqui. Então preparei seu desjejum.
— Obrigado, querida.
— Que carinha abatida é essa?
— Vovó está doente, internada num hospital. Daqui irei pra lá.
— Nossa, senhor Raoni, sinto muito. O que ela tem?
— O médico acha que é leucemia. O exame de confirmação ficará
pronto hoje.
— Meu Deus, que tristeza! Lamento demais que dona Vilma esteja
passando por isso. Vou rezar por ela.
Aquiesci, esboçando um sorriso de agradecimento, enquanto ela me
servia o café.

Depois do desjejum fui direto para o hospital. Quando cheguei, a


ansiedade fez minha pulsação acelerar e deixou minha cabeça zonza. Tinha
a impressão de que passaria mal a qualquer momento. Como vovó
precisava de mim, respirei fundo várias vezes, tentando me acalmar.
Aproximei-me da sua cama e dei um beijo no seu rosto. Assim como
eu, ela parecia ansiosa. Logo o médico adentrou o quarto, junto com um
colega que eu ainda não conhecia.
— O exame ficou pronto, doutor? — questionei após eles nos
cumprimentarem.
— Sim.
— E então? O que minha avó tem? — Segurei firme na mão dela e
nós dois os encaramos.
— O mielograma confirmou a leucemia — o médico que a estava
acompanhado respondeu, sério e pesaroso.
— Ah, meu Deus! Então isto está mesmo acontecendo? — a voz de
vovó saiu desolada e seus olhos marejaram.
— A senhora vai se tratar e ficará bem. Ouviu? — Fitei-a, passando
uma convicção que na verdade eu não tinha.
— Infelizmente as notícias são piores do que supúnhamos — ele
continuou, chamando nossa atenção, alarmando-me.
O que queria dizer com aquilo?
— Como assim? — Franzi o cenho, ainda mais preocupado do que já
estava.
— Eu sou o Glauco, da equipe de oncologia especializada em
doenças do sangue, aqui do hospital. — O outro doutor se apresentou. —
Durante o exame de mielograma, foram realizados testes
imunohistoquímicos e uma imunofenotipagem e eles mostraram que a
senhora tem um tipo raro e agressivo de leucemia, dona Vilma, chamada
Leucemia Bifenotípica.
— O que isso quer dizer? Qual será o tratamento?
— O tratamento é mais difícil, geralmente é híbrido, com
poliquimioterapia usando drogas para as leucemias linfocíticas e mieloides
e precisa ser mais intenso e agressivo.
— Não vou suportar passar por isso. — Vovó começou a chorar
baixinho após ouvir a informação devastadora.
— Existem tratamentos melhores e menos agressivos no exterior? —
indaguei, aturdido. — Eu a levo para onde for preciso e dinheiro não é
problema.
— Tem um tratamento experimental com terapia genética sendo
realizado na Filadélfia, nos Estados Unidos, na Universidade da
Pensilvânia. Fica caro, mas o estudo desse grande e renomado centro de
pesquisas têm apresentado resultados satisfatórios e promissores com vários
tipos de leucemia, incluindo a Bifenotípica. Se tiverem mesmo condições e
quiserem, posso entrar em contato e tentar uma vaga. Um grande amigo
meu está na equipe que coordena o projeto.
— Por favor faça isso, doutor. Se conseguir, nós iremos.
— Mas meu filho, você tem a sua vida aqui, a editora, não pode
abandonar tudo para me acompanhar. Eu vou com Mariana e você fica. —
Vovó desfez nosso contato para enxugar o rosto com as mãos e falou
decidida.
— Jamais deixaria de te acompanhar.
— Quanto tempo eu ficaria lá, doutor Glauco? — ela perguntou para
o médico.
— O tratamento é bem diferente do convencional, sendo aplicado
uma única vez e os primeiros dias a seguir são os de maior cautela, em que
precisará ficar internada, em observação. Mas depois, para que possam
coletar dados para o estudo, precisará ser seguida de perto por cerca de seis
meses.
— Certo. Entre em contato com seu amigo e tente a vaga pra mim.
Quero fazer o tratamento.
Ele assentiu, os dois pediram licença e saíram.
— Raoni, meu amor, você acabou de conhecer seu filho, não vai se
afastar dele por seis meses para me acompanhar. — Ela me encarou com
doçura. — Estou velha, mas sei falar inglês e conseguirei me virar lá com o
apoio da Mariana, não é, querida? — Olhou para a governanta, que
assentiu.
— Eu vou com ela, senhor Raoni.
— Não ficaria sossegado aqui sabendo que estarão só as duas lá. Eu
vou, está decidido. Conversarei com Flávia. Posso levar Davi comigo. Será
legal para ele ter a experiência de morar fora.
— Não acho que ela concordaria com isso... — Vovó fez uma careta
de desaprovação.
— Flávia tem que concordar. Será bom para o nosso filho e gostaria
que ela fosse também. Posso matriculá-lo em uma excelente escola. As
crianças aprendem rápido, ele provavelmente voltará falando inglês com
fluência. Vou conversar com ela, não se preocupe. Daremos um jeito e
iremos todos com vocês.
— Está bem, querido, faça como achar melhor. Não custa nada tentar.
Já estou velha e tinha me conformado com a proximidade da morte, no
entanto agora que conheci meu bisneto, gostaria de conviver com ele por
mais tempo. Como o médico disse que o tratamento aqui é muito agressivo,
receio não sobreviver a ele. Então quero participar desse estudo nos Estados
Unidos.
— A senhora vai e ficará curada. Ainda viverá muitos anos, dona
Vilma! — Afaguei seu cabelo e ela me deu um sorriso cansado, que não
escondeu a tristeza nem o medo.

Era meio-dia quando o doutor Glauco retornou ao quarto, avisando


que tinha conseguido a vaga para vovó no tal estudo americano.
— Que ótimo! Quando precisaremos estar lá?
— No mais tardar até o início da semana que vem. Se puderem ir
antes, melhor.
— Certo, vamos providenciar o que for necessário.
— Precisarão de uma UTI móvel para fazer o transporte aéreo, para
segurança da dona Vilma, ok? — ele informou em seguida.
— Ok. Entrarei em contato com a operadora de saúde para ver essa
questão, mas se não cobrirem o transporte internacional, nós pagaremos.
— Assim que estiverem com tudo organizado, por favor me
informem para que eu deixe os papéis da transferência prontos.
— Claro. Vou começar agilizar as coisas ainda hoje.
Ele assentiu, despediu-se e saiu.
— Vovó, vou para a editora agora, pois preciso avisar que ficarei
afastado por esse tempo e resolver qualquer pendência antes de viajarmos.
— Está bem, querido.
— Vai dar tudo certo. — Beijei sua testa, despedi-me dela e de dona
Mariana e saí.

Durante o trajeto, só conseguia pensar que faria até o impossível para


ver vovó bem outra vez.
Assim que cheguei à História & Livros, pedi à secretária para chamar
Tales, Jonas e Aloísio à minha sala para uma reunião de emergência.
Poucos minutos depois já estávamos organizando tudo para que
durante minha ausência a editora continuasse funcionando normalmente.
Planejamos inclusive o lançamento do livro da Flávia.
— Já falou com ela? — Jonas questionou, após anotar algo em sua
agenda.
— Ainda não. Farei isso assim que terminarmos aqui.
— E sua avó, como está?
— Chorou ao saber que o tipo de leucemia que tem é raro e agressivo,
mas está tentando se manter confiante quanto ao tratamento experimental
nos Estados Unidos.
— Apesar da idade, dona Vilma é uma mulher forte. Vai dar tudo
certo. E enquanto estiverem lá, fique tranquilo que cuidaremos de tudo por
aqui.
— Por favor, peço que vocês me mantenham informado. Mandem e-
mails diariamente, assim que possível os lerei. E podemos marcar
videoconferências uma vez por semana.
Os três concordaram. Terminamos nossa reunião e eles me deixaram a
sós.
Em seguida liguei na operadora de saúde para verificar a questão do
transporte aéreo internacional. Fui informado que o plano da vovó tinha
aquela cobertura, só precisaríamos avisar pelo menos vinte e quatro horas
antes da viagem e termos a papelada da transferência médica.
Com aquelas pendências resolvidas, só faltava falar com Flávia.
Respirei fundo antes de chamá-la à minha sala, pois se brigou porque
montei um quarto para o Davi em meu apartamento, imaginava que não
seria fácil convencê-la a me deixar levá-lo para passar seis meses comigo
nos Estados Unidos, ou ir conosco.
Flávia

Quando Raoni me chamou à sua sala e me contou que o exame da avó


tinha confirmado a Leucemia, que era um tipo raro e que em breve ele iria
com ela para os Estados Unidos, onde passariam cerca de seis meses, fiquei
meio atordoada com a informação.
Com pena do meu filho, que mal tinha conhecido o pai e já se
afastaria dele, também preocupada com o impacto que aquilo teria para
Raoni e eu e até para o lançamento do meu livro. Contudo eu conseguia
compreender sua decisão e se estivesse em seu lugar faria a mesma coisa,
por isso o apoiei.
— Vai dar tudo certo por lá e logo, logo, estarão de volta, com dona
Vilma curada. — Aproximei-me e o abracei apertado.
— Tem mais uma coisa que queria conversar com você... — Ele me
afastou um pouco para que nos olhássemos.
— Diga. É algo que eu possa ajudar?
— Quero levar o Davi comigo.
— C-como? — De tão perplexa, até gaguejei.
— Flávia, acabei de conhecer meu filho e não quero ficar longe dele
por seis meses... — falou com receio, analisando-me.
— Entendo que não será fácil para vocês, pois se apegaram muito
rapidamente, mas o Davi tem a vida dele aqui, a escola, os amigos, eu. Isso
não tem o menor cabimento, Raoni! — Ri sem humor, nervosa e
preocupada.
— Quanto à escola, agora que ele está no primeiro ano do Ensino
Fundamental I. Posso matriculá-lo lá. Será ótimo para ele ter essa vivência
de morar no exterior, de uma imersão na língua inglesa. Crianças aprendem
com facilidade e se adaptam rápido, nosso pequeno com certeza fará
amigos por lá e deverá voltar fluente no inglês.
— Você não pode estar falando sério? — Arregalei os olhos, em
pânico.
— Nunca falei tão sério em toda a minha vida. — Seu semblante
fechou e ele me encarou com determinação e austeridade.
Respirei fundo para controlar a vontade de gritar e de esmurrá-lo.
Quem ele achava que era para querer me afastar do Davi daquele jeito?
Estava pensando só em si.
— Se quiser, poderia...
— Você não vai tirar o meu filho de mim! — esbravejei,
interrompendo-o, apavorada e furiosa.
— Perdi grande parte da infância dele, não o ouvi falar as primeiras
palavras, nem o vi começar a andar. Não estava presente quando se
machucou pela primeira vez, nem estava ao seu lado em tantas outras
ocasiões que só de pensar já fico louco. Eu não sabia que ele existia, por
isso não fazia parte da sua vida. Mas agora é diferente. Não quero perder
mais nada, nem ficar sem vê-lo por seis meses.
— Eu tenho a guarda dele, não pode levá-lo sem a minha autorização.
— Ergui o queixo, desafiando-o.
— Imaginei que não fosse fácil convencê-la, mas não vou desistir. Eu
não tenho a guarda, mas posso brigar por ela na justiça. Sou o pai, tenho o
mesmo direito de criá-lo que você.
— Seu... seu... cretino! — xinguei entredentes e bufei, descontrolada,
sentindo o rosto pegando fogo, de tanta raiva. — Não pode fazer isso!
— Quer apostar? — Ele me enfrentou, com os olhos faiscando de
fúria, as veias do pescoço ingurgitadas e os punhos cerrados. Parecia prestes
a explodir, o que me deixou com medo.
— Vou voltar para o meu trabalho. Com licença — falei, virei as
costas e saí.

O pavor que aquela discussão me causou me deixou ofegante. Minha


cabeça estava zonza e a pulsação acelerada. Raoni estava muito enganado
se achava que tiraria a guarda do meu filho de mim. Se fosse necessário, eu
fugiria com ele.
É isso! Vou fugir com Davi. O pensamento insano pareceu acender
uma luz na minha mente.
Raoni disse que ele e a avó precisavam estar nos Estados Unidos em
breve, se eu sumisse com nosso filho por uns dias, ele não poderia levá-lo.
Determinada, fui até o meu setor de trabalho, peguei a bolsa e saí da
editora o mais depressa que consegui.

Já dentro do carro liguei para minha irmã, expliquei a situação e


perguntei se podíamos ficar em sua casa por uns dias.
Ela tentou me alertar que aquilo era loucura, que o certo seria eu
esfriar a cabeça e conversar melhor com Raoni, mas não correria o risco de
ele conseguir uma ordem judicial para levar Davi para os Estados Unidos.
Quando chorei ao telefone, ela concordou em nos receber.
Fui direto para casa e fiz nossas malas. Fiquei aliviada por Camila
não estar no apartamento, pois tinha certeza de que ela também tentaria me
demover da ideia. Deixei um bilhete avisando que eu e Davi precisamos
fazer uma viagem de emergência e que em breve eu entraria em contato
para dar mais detalhes.
Era melhor ela não saber do nosso paradeiro, para não acabar
revelando nada a Raoni, caso ele aparecesse lá e a pressionasse.
Coloquei as malas no carro e fui buscar Davi na escola. Precisei
inventar uma desculpa para que o liberassem mais cedo.
— Podemos tomar sorvete? — ele questionou quando afivelei seu
cinto de segurança.
— Hoje não, querido.
— Ah, que chato... — resmungou e eu ocupei o banco do motorista.
— Chato nada. Vamos fazer uma viagem! — Virei para trás e
arregalei os olhos, fingindo entusiasmo.
— Jura?
— Uhum.
— E para onde vamos? — Seus olhinhos azuis brilharam de
empolgação.
— Por enquanto é surpresa. Logo, logo, você saberá!
— Oba, adoro surpresas! — bateu palmas, demonstrando toda a sua
animação.
Virei para frente, prendi meu cinto, enquanto fazia uma oração a Deus
pedindo que nos protegesse, dei a partida no carro e saí.
Davi era meu bem mais precioso, minha joia rara, o grande amor da
minha vida. Lutei contra tudo e contra todos para tê-lo, enfrentei muitos
desafios para criá-lo sozinha e não deixaria ninguém o tirar de mim, nem
mesmo seu pai. Se Raoni queria guerra, tinha encontrado uma adversária à
altura, pois eu sempre estava pronta para lutar.
Raoni

Quando Flávia deixou minha sala, eu estava a ponto de explodir.


Odiava brigas e principalmente aquela sensação de descontrole que a fúria
me causava. Perdi grande parte da infância do meu filho e não estava
disposto a perder mais nada, queria tê-lo perto de mim. Mas isso não
significava que eu o tiraria da mãe.
Ao dizer para ela que se fosse preciso eu brigaria pela guarda dele na
justiça, exagerei por conta da raiva que senti naquele momento. Na verdade,
minha intenção era levar os dois comigo, porém Flávia sequer me deixou
falar direito.
— Cacete de mulher arredia! — resmunguei, enfiando as mãos no
cabelo, bagunçando os fios.
Respirei fundo, tentando me acalmar e decidi ir atrás dela para
conversarmos melhor, pois suspeitava que se a chamasse de novo à minha
sala ela inventaria qualquer desculpa para não ir.
Determinado, fui até o setor de avaliação de originais.
— Sabem me dizer onde a Flávia está? — perguntei para os outros
dois funcionários.
— Acho que ela foi embora, senhor Raoni — um deles me respondeu.
— Passou aqui, desligou o computador, pegou a bolsa e saiu sem falar nada
com a gente.
— Embora? — Conferi as horas no relógio de pulso, estranhando
aquela informação, pois o turno dela ainda não tinha terminado.
— Imagino que sim.
— Certo. — Meneei a cabeça, pensativo. — De qualquer forma,
obrigado.
Ele assentiu e eu saí.
Aonde Flávia teria ido? Será que aconteceu alguma coisa com Davi?
Preocupado, peguei o celular no bolso da calça e tentei ligar para ela.
Chamou até cair na caixa de mensagens.
De repente outro pensamento me ocorreu, deixando-me em alerta.
Ela teria coragem de fugir com nosso filho para atrapalhar meus
planos de levá-lo para os Estados Unidos?
Com a pulsação acelerada, diante o desespero que senti com aquela
possibilidade, tentei ligar para ela de novo, mas outra vez chamou até cair
na caixa postal. Resolvi deixar um recado de voz:
— Flávia, precisamos conversar. Por favor, me retorne o quanto antes.
Ficamos os dois de cabeça quente e dissemos coisas que não devíamos.
Em seguida enviei também uma mensagem de texto com os mesmos
dizeres. Ela a recebeu, mas não visualizou.
O que está acontecendo, meu Deus?
Com medo de que ela fizesse uma loucura da qual acabaria se
arrependendo depois, decidi tentar localizá-la. Avisei para minha secretária
que estava indo embora e ao deixar a editora, dirigi o mais depressa
possível, respeitando os limites máximos das vias, em direção ao Rio
Pequeno.

Ao chegar ao prédio em que ela morava, ainda tentei ligar mais uma
vez, mas Flávia não me atendeu. Chequei o WhatsApp, mas ela ainda não
tinha visualizado minha mensagem.
Pedi para o porteiro interfonar em seu apartamento, mas ele me disse
que não estavam atendendo, que achava que não tinha ninguém em casa.
Agradeci e voltei para meu carro.
Talvez não seja nada disso que estou pensando e daqui a pouco ela
vai me retornar. Tentei me convencer e fui para a mansão, fazer as malas.
Cerca de uma hora depois voltei ao hospital e foi a vez de dona
Mariana ir até à mansão cuidar de sua bagagem e da de vovó.
— Tem mais alguma coisa te preocupando, filho, além do meu
tratamento? — Vovó me analisou com atenção. Ela me conhecia melhor que
ninguém.
— Briguei com a Flávia quando fui pedir para levar o Davi para os
Estados Unidos e agora não estou conseguindo falar com ela. Estou com
medo de que tenha feito uma bobagem.
— Que tipo de bobagem? — Estreitou as pálpebras.
— Sei lá. Pode ser só loucura da minha cabeça, mas estou com medo
de que ela tenha fugido com nosso filho.
— Ela não faria uma coisa dessas sem motivo. O que você disse a ela,
Raoni? — Dona Vilma não conseguiu disfarçar o tom acusatório.
— Talvez eu tenha dito que se ela não me deixasse levar Davi, eu
brigaria pela guarda dele na justiça... — Fiz careta, dando-me conta de que
era responsável pelo que estava acontecendo.
— Você o quê? — Vovó arregalou os olhos, perplexa.
— Não falei seriamente, foi da boca pra fora, porque estava com
raiva.
— Raoni, querido, coloque-se no lugar dela. Qualquer boa mãe ficaria
apavorada com a ideia de ter um filho tirado de seu convívio e Flávia
passou por uns maus bocados para ter e criar Davi sozinha, não me
espantaria se ela tivesse mesmo fugido com ele.
— Que merda eu fui fazer, vó? — Esfreguei o rosto, atordoado. —
Ela não me atende, nem viu a mensagem que mandei.
— Converse com Jonas e peça para ele tentar falar com ela. Quem
sabe ela o atenda?
— Boa ideia, vozinha. Farei isso agora.
Liguei para Jonas, expliquei a situação e pedi para ele tentar contactá-
la. Ele me prometeu que não desistira até ter um retorno, uma notícia sobre
seu paradeiro.
— Pronto, falei com ele, agora é aguardar. Ela não pode ter feito uma
loucura dessas... — Respirei fundo e exalei pesado. — E como a senhora
está?
— Com medo, mas ao mesmo tempo esperançosa. Não queria
atrapalhar sua vida, mas será muito bom ter você comigo lá nos Estados
Unidos, durante o tratamento.
— Nem sei como achou que eu permitiria que fosse apenas com dona
Mariana. Que tipo de neto eu seria se tivesse coragem de fazer uma coisa
dessas?
— Você é o melhor neto do mundo, meu amor. Se sua mãe fosse viva,
estaria orgulhosa em ver o homem que se tornou. Bom, determinado,
cuidadoso comigo, carinhoso.
— A senhora é que só enxerga minhas partes boas.
— Gostaria que se visse como te vejo. — Sorriu-me com doçura e eu
sorri também.

Nos dias seguintes, eu, Jonas e Tales continuamos tentando contato


com Flávia, em vão. Estive de novo em seu apartamento e conversei com
Camila. Ela, assim como eu, também parecia preocupada com o sumiço da
amiga. Mostrou um bilhete em que Flávia dizia que precisou fazer uma
viagem de emergência, sem dar mais nenhum detalhe. Camila jurou que não
fazia ideia de para onde ela poderia ter ido.
Com o tempo se esgotando para que nos apresentássemos no hospital
americano, mesmo de coração partido por abandonar meu filho, com raiva
da Flávia por ser tão cabeça dura e de mim mesmo por ter falado besteiras,
viajei com vovó. Deixei Tales e Jonas incumbidos de localizá-la. Meu
amigo me disse para ficar tranquilo, que daria um jeito de fazê-la aparecer.
Eu tinha assumido a paternidade de Davi e ela me devia explicações
de onde ele estava. Além disso, Flávia tinha um contrato de publicação com
a editora e um emprego que imaginava que ela não gostaria de perder. Não
seria tão louca de colocar tantas coisas em risco. Ou seria?
Flávia

Ao decidir fugir com meu filho, não pensei muito nas consequências.
Movida pelo medo de perdê-lo, simplesmente agi.
Quando chegamos a Osasco e parei em frente ao endereço que Laura
me passou, conferi o celular e vi que tinham chamadas não atendidas de
Raoni, recado dele na caixa postal e mensagens de texto. Ignorei tudo, sem
ler ou ouvir nada e desci do carro com Davi, pegando nossa bagagem no
porta-malas.
— Quem mora aqui, mamãe? — Observou o muro alto da residência
e depois me encarou, curioso.
— Sua tia. — Arregalei os olhos.
— A tia Mila? — Estreitou as pálpebras, parecendo não compreender
a informação.
— Não, meu amor. A tia Laura, irmã da mamãe. Você ainda não a
conhece.
— Eu nem sabia que você tinha uma irmã... Isso é verdade mesmo?
— Sim. Desculpa nunca ter te falado sobre ela. Passamos muitos anos
separadas, sem termos contato uma com a outra.
— Como aconteceu com o papai? — Ele, muito esperto, logo fez uma
correlação com as histórias.
— Mais ou menos. Ela me disse que está ansiosa para conhecê-lo —
desconversei. — Vamos avisar que chegamos?
— Vamos! — Mal falou e saiu em disparada em direção ao portão.
Como não alcançou o interfone, precisou me aguardar. — Anda logo, mãe!
— Apressou-me, empolgado.
Assim que interfonei, Laura atendeu e pouco depois apareceu para
nos receber.
— Que bom ter vocês aqui! — comentou com um sorriso enorme e os
olhos marejados.
Ela estava diferente, ainda era uma menina na última vez que nos
vimos, transformou-se em uma bela mulher e a gravidez a deixou
iluminada.
— Que saudades senti de você, irmã! — Aproximei-me para a
abraçar e sem conseguir conter a emoção, chorei como uma garotinha.
— Eu também de você, muita. — Beijou meu rosto e se afastou para
me observar melhor. — Adorei seu corte de cabelo! — Fungou e enxugou o
rosto com as mãos. — E esse garotinho lindo, é meu sobrinho? —
questionou, voltando sua atenção para Davi.
— É mesmo minha tia? Irmã da mamãe? — Ele ainda parecia
incrédulo.
— Sim, meu bem. Sou a sua tia Laura. É um prazer conhecer você,
Davi. — Ela se inclinou para beijar a testa dele.
— Vocês se parecem. — Ele olhou dela para mim e voltou a encará-
la. — Estou muito feliz. Primeiro encontrei o papai, depois descobri que
tinha uma bisavó e agora fico sabendo que tenho uma tia, isso é irado,
demais!
— Vamos entrar. Preparei um lanche pra vocês, imagino que estejam
com fome. — Laura afagou a cabecinha dele.
— Eu estou mesmo, tia Laura. Minha barriga está até roncando.
Nós duas rimos do jeitinho fofo e exagerado dele.
— Tem um bebê aí dentro? — Ele apontou para a barriga da minha
irmã, a gravidez já estava bem evidente.
— Tem, sim, querido. Daqui uns meses seu priminho vai nascer.
— Uau, que máximo!
— Venham! — ela chamou, sorridente e a acompanhamos.
A casa de Laura era uma construção antiga, que claramente havia
passado por uma boa reforma. Era espaçosa e as paredes em um tom
amarelo bem clarinho davam um ar aconchegante.
— Arrumei o quarto de visitas pra vocês, é uma suíte. — Ela nos
levou até lá. — Deixem suas coisas aí e lavem as mãos para irmos lanchar.
Concordamos e fizemos o que ela sugeriu, depois a acompanhamos
até a cozinha ampla.
Estávamos terminando de comer quando Geovane, o marido da minha
irmã, chegou. Laura fez as apresentações e o rapaz, que era jovem e bonito,
tratou-nos com simpatia. Quando ele pediu licença, dizendo que iria tomar
banho, resolvi fazer o mesmo. Já estava tarde e Davi começava a dar sinais
de cansaço.
Após o banho, coloquei meu pequeno para dormir e saí do quarto à
procura da minha irmã.
— Davi dormiu? — ela perguntou quando apareci na sala.
— Sim. Estava exausto.
— Fico imaginando como será minha rotina depois que Lucas nascer.
— Com certeza sua vida irá virar de ponta-cabeça, mas as coisas vão
se ajeitando com o tempo.
— Você foi uma guerreira por ter conseguido criar Davi sozinha.
— Camila me ajudou muito, nem sei o que teria sido da gente sem o
apoio dela. Passei por muitas dificuldades, não vou deixar que Raoni, que
mal entrou na vida do Davi, tire-o de mim.
— Estou preocupada com essa situação toda, irmã. Pelo que já me
disse, além de ter reconhecido a paternidade do filho, ele é rico e poderoso.
Você ter fugido pode se tornar um grande problema, caso ele resolva
acionar a justiça.
— Ele tentou me ligar e me mandou mensagens.
— Responda-o, Flávia, pelo menos para dar alguma satisfação.
— Ainda nem li o que ele me escreveu...
— Pois leia agora — falou séria. Até parecia que era ela a irmã mais
velha.
— Está bem. — Olhei para o celular que está em minha mão, respirei
fundo e abri o WhatsApp.
Havia três mensagens de Raoni enviadas em horários diferentes. Em
todas ele dizia a mesma coisa, que precisávamos conversar melhor, que
estávamos de cabeça quente quando brigamos.
— Não vai respondê-lo? — Laura questionou diante a minha inércia.
— Por enquanto não. Como me disse que viajaria em breve, vou
aguardar ele partir para os Estados Unidos, assim me sentirei mais segura.
— Antes de dormir, reflita melhor sobre o que houve e faça uma
oração a Deus pedindo discernimento para tomar decisões certas. Te amo
demais e acho que já sofreu muito nesta vida, não quero que se envolva em
problemas por conta de atitudes precipitadas.
— Prometo pensar direitinho. Agora vou me deitar também. Tudo o
que aconteceu me deixou esgotada. Muito obrigada por ter nos recebido. É
muito bom ter você por perto outra vez.
— Nunca mais quero me afastar de você. Conte comigo para o que
precisar.
Abracei-a e fiz um carinho em sua barriga. Depois desejamos boa-
noite uma para outra e fui para o quarto de visitas.

Na manhã seguinte Laura nos levou ao parque Chico Mendes. Foi


bom respirar ar puro em meio à natureza. Depois de andarmos um pouco,
nós duas sentamos em um banco perto do parquinho infantil, onde Davi se
divertia.
— Já decidiu o que fazer? — ela me perguntou, com as mãos
apoiadas na barriga, virando de lado para me olhar.
— Ainda não...
— Falei com a mamãe ontem à noite e contei que você está aqui. Ela
disse que se ainda for ficar por alguns dias, virá te ver.
— Vou adorar! Morro de saudades dela. Tem certeza de que eu e Davi
não estamos incomodando você e Geovane?
— Claro que não. Podem ficar o tempo que precisarem. Só me
prometa que irá entrar em contato com Raoni.
— Prometo.
Eu sabia que Laura tinha razão, eu não podia desaparecer daquele
jeito. Mas estava com tanto medo! Além de Raoni, Camila também me
mandou várias mensagens, preocupada. Respondi a ela dizendo que
estávamos bem e que em breve eu daria mais notícias.

Dois dias depois recebi um e-mail de Jonas. Meu chefe, que tinha
tentado me ligar várias vezes desde que sumi da editora, mostrou-se
preocupado, perguntou se estava tudo bem e se precisávamos de alguma
coisa. Ainda disse que soube da discussão que tive com Raoni e que se
aquela era a razão da minha fuga, que eu retornasse logo ou ao menos desse
notícias. Contou que ele viajaria na manhã seguinte para os Estados Unidos
com a avó e estava arrasado com o que aconteceu e mais ainda pelo fato de
que passaria seis meses sem ver o filho.
Fiquei tentada a responder, mas como faltava pouco para Raoni viajar,
achei mais seguro deixar para depois.
Na tarde do outro dia recebi um e-mail de Tales dizendo que minha
atitude estava passando dos limites e que se eu não retornasse logo, além de
perder o emprego e o contrato de publicação do meu livro, eu seria
acionada na justiça por ter fugido com Davi sem dar satisfações para o pai.
Com medo das consequências dos meus atos, respondi dizendo que
estava em Osasco, na casa da minha irmã, e que na segunda-feira estaria de
volta à editora. Mandei também uma mensagem para Raoni. Como ela não
foi entregue, supus que ele ainda estivesse no voo.

No sábado acordei com o som de uma voz familiar e querida que eu


não ouvia há muitos anos.
Davi ainda dormia e eu não queria acordá-lo, mas estava ansiosa
demais para rever minha mãe. Então levantei tentando não fazer barulho,
peguei uma roupa na mala e fui até o banheiro. Quando deixei a suíte de
hóspedes, meu coração estava tão disparado que achei que passaria mal.
Respirei fundo tentando me acalmar e fui até a sala.
— Flávia, minha filha, como estou feliz por vê-la! — mamãe falou
com a voz embargada e os olhos marejados e estreitou nossa distância,
envolvendo-me em seus braços.
— Ah, mãezinha, nem acredito que está aqui. Estava morrendo de
saudades! — Não consegui conter as lágrimas.
— Eu também de você, meu amor! — Depois de um abraço apertado,
ela se afastou um pouco para me olhar. — Você está bem?
— Vou ficar. — Sorri em meio ao choro.
— Filha... — A voz grave me alarmou.
Soltei-me de mamãe para encarar meu pai que acabara de entrar na
sala.
— Quando sua irmã contou que estava aqui e a Amélia disse que
queria vir vê-la, me dei conta de que já se passaram anos demais desde que
foi embora, que fui muito duro com você naquela época. Eu sinto muito,
filha, de verdade. Não sei se algum dia vai conseguir me perdoar, mas...
— Sente muito? — Encarei-o com o queixo trêmulo, perplexa e
enfurecida. — Eu só tinha dezoito anos, estava grávida e o senhor teve a
coragem de me colocar para fora de casa. Consegue imaginar o que passei?
— Ri sem humor, exaltada. — Como se não bastasse, fez de tudo para que
eu perdesse o contato com a mamãe e a Laura. Que tipo de pai é capaz de
uma coisa dessas, senhor Ernesto?
— Eu sei que errei, filha, muito. Nada que eu dizer será capaz de
reparar o estrago que causei, então só me resta implorar pelo seu perdão.
— Ah, por favor, não tenho a menor condição de lidar com isso
agora. Então se tem um mínimo de consideração por mim, me deixe em
paz. Volte pra São Paulo. Não deveria ter vindo.
Meu pai me olhou por um longo instante com remorso e tristeza, que
não me comoveram, depois avisou para mamãe que iria dar uma volta e
pediu que ela ligasse para ele quando estivesse pronta para ir embora.
Assim que ele saiu, mamãe me abraçou e disse que esperava que eu e
ele ainda nos entendêssemos. Depois quis saber tudo sobre a minha vida e
quando Davi acordou e apareceu na sala, fez a maior festa com ele. Meu
pequeno ficou eufórico por conhecer a avó.
Ao nos despedirmos, trocamos telefones e prometemos manter
contato uma com a outra dali por diante.
Tinha tanta coisa acontecendo que eu estava em uma espécie de
montanha-russa de emoções. Não via a hora de tudo se acalmar e a vida
voltar para os eixos.
Raoni

Fiquei chateado por não levar Davi comigo na viagem e mais ainda
por não ter conseguido me despedir dele, nem sequer saber onde estava.
Flávia tinha passado dos limites ao desaparecer com nosso filho daquele
jeito.
— Não conseguiram localizá-los? — vovó questionou, após ter sido
acomodada no avião que faria o transporte aeromédico. Com um cateter de
oxigênio no nariz e um soro correndo devagar na sua veia, ela ainda estava
monitorada por aparelhos que mediam seus batimentos cardíacos,
oxigenação e pressão arterial, além de acompanhada por um médico e dois
enfermeiros.
— Infelizmente não.
— Sinto muito, querido.
— Não se preocupe com isso, vozinha. Ela não vai poder ficar
desaparecida para sempre e nosso foco agora é a recuperação da sua saúde.
— Estou esperançosa. — Esboçou um sorriso.
— Eu também. Vai dar tudo certo e logo estaremos de volta.
Quando o avião decolou, dona Mariana que estava caladinha, fechou
os olhos e agarrou os braços da poltrona.
— Ela está morrendo de medo — vovó cochichou, observando para
onde eu olhava. — Disse que nunca tinha andado em um avião pequeno e
que não gosta nem de pensar em quanta gente famosa morreu em desastres
aéreos em jatinhos particulares.
— Quando piloto e copiloto são experientes e as aeronaves passam
pelas devidas manutenções, as pequenas são até mais seguras — o jovem
médico, que ouvia nossa conversa, comentou com divertimento. — Dona
Vilma, estaremos aqui ao seu lado o tempo todo, vigilantes — mudou de
assunto, falando com um ar mais sério. — Qualquer coisa diferente que
sentir, por favor nos avise.
— Está bem. Posso tirar um cochilo?
— Pode sim, claro. Durma tranquila. — Ele sorriu, simpático.
Vovó fechou os olhos e aproveitei para fazer uma oração silenciosa a
Deus, pedindo que cuidasse dela e permitisse que ficasse curada. Um pouco
depois a ouvi ressonar.

A viagem foi tranquila. Ao chegarmos à Filadélfia, na Pensilvânia,


uma ambulância aguardava vovó, que foi transferida do transporte aéreo
para o terrestre. O médico e os enfermeiros que vieram conosco do Brasil a
acompanharam até o hospital, onde ela foi recepcionada por uma nova
equipe.
Quando ela foi acomodada no quarto, um oncologista americano
explicou como seria feito o tratamento e contou sobre os resultados que
vinham conseguindo. Fiquei muito animado e vovó também. Pelo que o
doutor Davis disse, desde 2017 vários dos pacientes que já tinham sido
submetidos ao tratamento com a terapia genética não só melhoraram em um
curto espaço de tempo, ficaram curados.
Os esclarecimentos trouxeram um alívio e renovaram as minhas
esperanças.
Por conta de toda a agitação da viagem e da nossa chegada ao
hospital, nem tive tempo de pegar no celular. Só à noite, depois que vovó
dormiu e fui para o apart hotel que aluguei para gente, consegui colocar o
aparelho para carregar e checar as mensagens. Ao ver que Flávia tinha
entrado em contato comigo, um misto de sentimentos me dominou:
surpresa, raiva, alívio. Curioso para saber o que ela escreveu, foi a primeira
mensagem que abri.

Oi, Raoni. Preciso me desculpar por não ter te atendido, nem te


respondido antes. Sei que o que fiz não foi certo, mas espero que consiga se
colocar no meu lugar e compreender meus temores. Fiquei apavorada
quando ameaçou brigar na justiça pela guarda do Davi. Estamos em
Osasco, na casa da minha irmã. Ele está bem e já perguntou várias vezes
por você. Voltaremos para São Paulo amanhã. Fizeram boa viagem? Como
dona Vilma está?

Li e reli a mensagem várias vezes. Por mais que desejasse estar perto
do meu filho e continuasse achando errado Flávia ter fugido com ele, eu
conseguia compreendê-la. Eu o tinha conhecido há pouco tempo e já era
capaz de qualquer coisa para protegê-lo.
Antes de respondê-la, li as mensagens de Tales e Jonas. Os dois me
disseram que haviam conseguido falar com Flávia e que ela estaria de volta
à editora na segunda-feira.
Fiquei encarando o celular por alguns instantes, pensando no que
escrever. Estava cansado de brigas e a última coisa que queria era que ela
me interpretasse mal.
Respirei fundo e comecei a digitar.
Oi, Flávia! A viagem foi tranquila. Vovó está bem, dentro do
possível. Ficou internada no hospital onde fará o tratamento. As
explicações do médico nos deixaram bastante animados. Estou confiante
de que ela ficará curada. Quanto a nossa discussão e ao fato de ter fugido
com Davi, eu mentiria se dissesse que não senti raiva de você, mas te
entendo. Talvez no seu lugar tivesse feito o mesmo. Mas quero que saiba
que eu jamais faria qualquer coisa para te prejudicar. Gosto de você,
talvez mais do que deveria. Só queria ter a chance de ficar mais perto do
nosso filho, de passar esse tempo aqui com ele. Você nem me deixou falar
direito aquele dia, mas não queria trazer só o Davi, meu plano era que
vocês dois viessem conosco. Precisamos conversar melhor, quando puder,
me ligue.

Enviei a mensagem e tirei a roupa, preparando-me para tomar banho,


mas antes que chegasse ao banheiro, meu telefone começou a tocar.
Aproximei-me de novo do aparelho e vi o nome de Flávia no visor. Atendi
sem demora.
— Oi...
— O que escreveu é verdade? — questionou, sem nem responder ao
meu cumprimento.
— Cada palavra. — Sentei na cama e esfreguei o rosto, exausto.
— Eu sinto muito por ter agido de forma tão intempestiva, por favor
me perdoe.
— Sei que não nos conhecemos direito, porém peço que confie em
mim. Ficamos irritados naquele dia e falamos coisas que não deveríamos.
Não vou tirar Davi de você, está bem? Eu os quero na minha vida, os dois.
Ainda não sei lidar direito com o que está acontecendo entre nós, mas gosto
mesmo de você.
— Eu também de você. Nunca senti nada parecido por ninguém. Não
queria que nosso envolvimento atrapalhasse a sua relação com Davi, por
isso me esforcei para não misturar sentimentos com prazer, no entanto não
consigo te tirar da cabeça.
— Você também não sai da minha... — Recostei-me nos travesseiros
e me acomodei melhor sobre o colchão. — Vai me deixar falar com Davi
enquanto eu estiver aqui?
— Claro. Sempre que quiser. É só combinarmos direitinho. — Sua
voz mansa acalmou tudo dentro de mim.
— Ele já dormiu?
— Já. Os dias têm sido agitados por aqui. Hoje minha mãe e meu pai
apareceram de surpresa.
— E como foi?
— Adorei rever mamãe, mas acabei brigando com meu pai. Laura,
minha irmã, disse que fui dura demais com ele.
— Não acha que ele se arrependeu do que fez?
— Até acho que sim. Ele me pediu perdão, mas foi difícil encará-lo e
não recordar do dia que me mandou ir embora e de tudo que passei depois.
— Posso imaginar como se sentiu... Dê tempo ao tempo. Quem sabe
uma hora ainda se entendam, não é mesmo?
— Quem sabe! Vou desligar agora e dormir também. Amanhã
voltaremos para São Paulo. Se tiver um tempinho livre aí no fim do dia, me
avise que combinamos uma videochamada para que possa falar com Davi.
— Vou adorar isso. Boa noite.
— Boa noite pra você também e bom descanso. Diga para dona Vilma
que mandei um abraço.
— Eu falo sim.
Encerramos a chamada e fui para o banheiro. Enquanto a água morna
caía sobre meu corpo, recordei da boca gostosa da Flávia percorrendo
minha pele, o que me deixou excitado. Apoiei uma mão nos azulejos frios e
desci a outra para a minha ereção, iniciando movimentos de vaivém.
Acelerei o que fazia imaginando que ela estivesse me chupando. A cada
segundo mais excitado, eu ofegava, deixando escapar gemidos que mais
pareciam rosnados. Daria tudo para tê-la ali comigo e poder me enterrar
bem fundo nela.
— Ah, Flávia! O que você faz comigo, cacete? — resmunguei
alucinado e logo alcancei o clímax, espalhando meu gozo nos dedos afoitos.
Relaxado, terminei meu banho e depois de me secar, atirei-me na
cama e dormi como uma pedra.

No dia seguinte consegui conversar com Davi por videochamada. Ao


vê-lo, a saudade apertou meu peito. Ele me contou sobre os dias que passou
na casa da tia, que ela estava com um bebê na barriga, que os levou para
passearem em um parque que tinha um lago com patinhos e falou ainda que
conheceu a avó. Ao encerrar o relato entusiasmado, perguntou como estava
a bisa e quando nos veríamos. Eu disse que ela estava bem e que desejava
que em breve pudéssemos nos encontrar, que organizaria com a mãe dele
para que nos visitassem.
Na segunda-feira, conforme prometido, Flávia retornou ao trabalho.
Vovó passou por exames para que pudesse receber o tratamento e uma
semana após a aplicação da terapia genética, como estava reagindo bem,
recebeu alta do hospital e passou a ir lá apenas nos horários agendados para
os procedimentos e exames.
Jonas e Tales me mantiveram informados sobre o andamento de tudo
na editora, inclusive sobre a produção do livro da Flávia. Eu e ela nos
falávamos todas as noites, depois de eu conversar por videochamada com
Davi e ela o colocar para dormir.
— Vocês podiam vir pra cá nas férias dele, passar o final de ano com
a gente — comentei, certo dia, ansioso para que ela concordasse. — Posso
pedir ao Tales que providencie os passaportes e as passagens. O que acha?
— Seria ótimo, com certeza Davi adoraria. Desde que comentou
qualquer coisa com ele a respeito de os visitarmos, nosso pequeno não para
de falar nisso. Mas como eu faria com meu trabalho?
— Posso pedir ao Jonas que te coloque de home office.
— Perfeito, então. Vamos organizar tudo direitinho.
— Estou morrendo de saudades, não vejo a hora de revê-los. Aliás, a
senhorita anda povoando a minha mente. Acho que não me masturbei tanto
nem quando era adolescente.
— Então tem pensado muito em mim? — a voz dela soou sensual.
— Ah, Flávia, fico excitado só de te ouvir falar desse jeito, sabia?
— Eu também tenho fantasiado com a gente e aproveitado a
inspiração para escrever.
— O que você está usando? — questionei rouco de desejo.
— Um pijaminha sem graça, mas se quiser, posso tirá-lo — ela
provocou, fazendo meu pau latejar.
— Vou desligar e fazer uma videochamada. Tranque a porta, tire a
roupa e posicione o telefone de um modo que eu possa te ver bem, ok?
— Vamos fazer sexo virtual? — Soou empolgada.
— Vamos. Só um instante que já te chamo aí.
Ela concordou e eu desliguei. Arranquei a calça de moletom que
vestia e coloquei o celular no suporte que comprei para fazer reuniões com
Tales e Jonas. Posicionei-o de frente para a cama, cliquei na opção da
videochamada e me deitei sobre o colchão.
— Oi... — ela cumprimentou ao atender e logo se afastou, deitando
na cama, nua e linda, de frente para mim.
— Cacete! Que saudades estava de te ver assim. — Enquanto a
admirava, envolvi meu membro e comecei a me masturbar sem pressa.
Flavia umedeceu os lábios com a língua e tocou os seios.
— Perfeita! Aperte-os e imagine que são minhas mãos a acariciá-la.
— Ah, Raoni, que saudade de transar com você. — Ela fez o que
pedi. Apertou os seios com as duas mãos, suspendendo-os e os juntando e
em seguida puxou os biquinhos, que já estavam duros.
— Afaste as pernas e deixe eu te ver melhor.
Sem parar de estimular os seios, mais uma vez ela me obedeceu.
Dobrou as pernas e afastou os joelhos, inclinando um pouco o quadril para
cima.
— Cacete! Que vontade de estar aí, de chupá-la e depois fodê-la até
gemer descontrolada.
— Queria que estivesse aqui agora — falou manhosa, escorregou uma
das mãos para sua intimidade e começou a massageá-la.
Vidrado na cena que se desenrolava à minha frente, acelerei os
movimentos de vaivém.
— Imagine que estou te chupando, te dando prazer.
Ela assentiu, levou os dedos à boca, molhou-os e voltou a se tocar.
— Coloque um travesseiro debaixo do seu quadril e chegue um pouco
para frente, para que eu possa te ver melhor.
— Está bom assim? — questionou, ofegante pela excitação, após se
ajeitar e voltar a se masturbar.
— Visão do paraíso! — De tão alucinado, quase lambi a tela.
Flávia deu alguns tapinhas no clitóris e depois introduziu dois dedos
na vagina. Enquanto ela se masturbava, descontrolada, eu fazia o mesmo.
— Maravilhosa! — rosnei, sentindo o clímax se aproximar.
— Quero você dentro de mim — balbuciou, meio torpe e fechou as
pálpebras, entregando-se ao orgasmo, no mesmo momento em que eu me
rendi também. — Nada se compara a ter você de verdade, mas isso foi
muito bom! — comentou, com a voz arrastada e um sorriso bobo no rosto.
— Foi mesmo. — Relaxado, eu sorri também.
Depois daquele dia, ainda fizemos sexo virtual outras vezes, mas
louco para reencontrá-la e para poder passar uns dias com Davi,
providenciei tudo o que precisavam para nos visitarem.
Vovó continuava respondendo bem ao tratamento, o que era um
grande alívio e me enchia de esperanças de que ficaria curada. A vida tinha
virado de ponta-cabeça, mas aos poucos começava a acreditar que em breve
tudo se ajeitaria.
Flávia

— Que carinha levada é essa? — Camila me observou curiosa,


quando apareci na cozinha para beber água.
— Acabei de fazer sexo virtual com Raoni — cochichei, arregalando
os olhos.
— Que safadinhos! — Ela começou a rir e eu gargalhei também. — E
como foi? Conte logo os detalhes sórdidos.
— Foi bem interessante. Mas nada se compara a estar com ele de
verdade. Estou com saudades. Não só do sexo maravilhoso, mas das visitas
rotineiras aqui em casa, de ver a interação dele com nosso filho, de sairmos
os três para passearmos.
— Então vocês se entenderam de vez? Acabou aquele seu medo de
ele querer pedir a guarda do Davi?
— Temos conversado muito. Mesmo que a distância, estamos nos
conhecendo melhor a cada dia. Expormos nossos sentimentos, medos e
receios tem nos conectado de uma forma profunda. Hoje eu o enxergo de
uma outra maneira, confio mais nele e sei que nunca faria nada para me
prejudicar, muito menos ao nosso filho. Raoni é um cara maravilhoso!
— Está apaixonada... — Ela me encarou com doçura.
— Perdidamente, amiga! Ah, ele nos chamou para irmos visitá-los
nas férias do Davi, disse para passarmos o fim de ano lá.
— Que máximo! Você aceitou, né?
— Aceitei. Estou louca para encontrá-lo pessoalmente, Davi está
morrendo de saudade do pai e tenho certeza de que será uma viagem
inesquecível para ele. Agora me conte de você! Falou de novo com o
carinha que conheceu no final de semana?
— Ele me ligou hoje e me convidou para jantarmos amanhã. Estou
empolgada!
— Que coisa boa, Mila! Ficarei torcendo por você. Agora vou voltar
para o quarto, aproveitar a inspiração que Raoni me deu para escrever uma
cena bem quente para os meus personagens.
— Vai lá e arrasa! Ansiosa para ler mais essa história. Vai me deixar
ser sua leitora beta de novo?
— Claro! Sua opinião e suas observações são muito valiosas pra mim.
Estou quase terminando. Assim que finalizar, te mando o arquivo.
— Oba! E seu romance pela Histórias & Livros, será publicado
quando?
— Ainda não definiram a data, mas já estão trabalhando a revisão do
texto e encomendaram a capa. Estou louca para ver! Jonas disse que me
mostrarão uma prévia na semana que vem.
— Que ótimo! Promete que me mostra?
— Prometo!
Desejamos boa-noite uma para a outra e fui para me quarto escrever.

Na semana seguinte, conforme prometido, Jonas me mostrou a prévia


da capa do meu livro. Achei linda e Camila quase surtou, dizendo que
estava um arraso.
O tempo passou rápido e eu e Raoni acertamos os detalhes para
minha viagem e do Davi aos Estados Unidos. Tales me ajudou com o que
foi preciso para tirar os passaportes, vistos e comprar as passagens, que
Raoni fez questão de pagar.
Quando o dia, enfim, chegou, não sabia dizer quem estava mais
ansioso, eu ou nosso filho. Camila nos levou ao aeroporto no meu carro e se
despediu de nós com abraços apertados e desejos de boa viagem.
O voo foi à noite. Depois de jantarmos dentro da aeronave, Davi
assistiu a um pouco de desenho e logo dormiu. Tomei uma taça de vinho e
peguei no sono também. Despertamos com o piloto avisando que em breve
pousaríamos no Aeroporto Internacional da Filadélfia.
— Uau, mamãe, muito irado ver a cidade daqui de cima! — Davi
comentou, eufórico, olhando pela janela. — Está tudo tão pequenininho lá
embaixo que até parece de brinquedo.
— Deixa eu ver também. — Aproximei-me dele para olhar a vista. —
Legal mesmo, hein? — Aquela também era a minha primeira vez viajando
de avião.
Assim que desembarcamos, pegamos nossas bagagens e nos
dirigimos para a saída, para aguardarmos onde Raoni havia orientado.
— O papai vem nos buscar?
— Vem sim, querido. Aliás, olha ele ali. Lá na frente. — Apontei a
direção, sentindo a pulsação acelerar.
Raoni tinha acabado de nos ver e o sorriso enorme que deu agitou
tudo dentro de mim.
— Papai! — Davi desprendeu-se da minha mão e correu na direção
dele, feito louco.
Puxando as duas malas grandes, apressei o passo o máximo que
consegui, na tentativa de alcançá-lo.
— Oi, meu amor! Como você está? Como foram de viagem? Parece
que até cresceu nesse tempo que passamos longe. — Raoni o pegou nos
braços, suspendendo-o do chão, bem alto, fazendo-o dar um gritinho.
Depois o abraçou apertado e beijou seu rostinho iluminado pelo
contentamento.
— A viagem foi bem legal. Estava com muitas saudades de você.
— Eu também de você, querido. — Devolveu Davi ao chão,
segurando em sua mãozinha e olhou para mim.
— Oi, Flávia! Como vai? — Ele se aproximou de mim e me beijou o
rosto. O toque suave de seus lábios em minha pele foi o suficiente para me
aquecer inteira.
— Estou bem e você? — Sorri, nervosa com nosso reencontro.
Pensando em como ficariam as coisas entre a gente.
— Melhor agora! Deixe-me te ajudar com essa bagagem.
Ele pegou uma das malas da minha mão e quando seus dedos
resvalaram nos meus, foi como se uma onda de eletricidade estivesse me
percorrendo. Raoni também pareceu ter sentido algo, pois me encarou com
intensidade, umedeceu os lábios com a língua e engoliu em seco. Vê-lo
daquele jeito quase me deixou sem ar.
— Quem aí está animado para conhecer a Filadélfia? — perguntou
depois de alguns instantes, aliviando a tensão sexual quase palpável entre
nós.
— Eu, eu! — Davi deu um gritinho empolgado, erguendo o braço. —
Então vamos para o apartamento ver a bisa. Dona Mariana preparou um
café da manhã especial para recebermos vocês. Depois de descansarem um
pouco, podemos sair para passear.
— Oba! — Davi comemorou, saltitante, fazendo-nos sorrir.
— Estou muito feliz que tenham vindo — Raoni comentou enquanto
caminhávamos.
— Eu também. Obrigada pelas passagens, não precisava...
— Imagina. Fiz de coração.
— Que frio! — Davi se encolheu todo ao deixarmos a parte coberta
do aeroporto.
— Está mesmo! — Fiz careta.
— Hoje está fazendo 41 graus Fahrenheit. Na nossa escala de
temperatura, seria 5ºC, mas a previsão é de que deve esfriar nos próximos
dias, chegando ao equivalente a -3ºC.
— Santo Deus! Vamos congelar. As blusas que trouxemos não serão
suficientes para nos aquecer. — Arregalei os olhos, preocupada.
— Fiquem tranquilos, levarei vocês para fazermos compras após o
café. Realmente nossas roupas não são adequadas para temperaturas tão
baixas. Eu, vovó e dona Mariana tivemos que comprar casacos, blusas,
calças e meias térmicas aqui.
— Vai nevar, papai?
— Creio que sim. Pelo que olhei da previsão do tempo, deve nevar na
semana que vem.
— Que máximo! Vamos ver neve de verdade, mamãe! — Davi não
conseguia conter seu entusiasmo.
Assim que entramos no carro, Raoni ligou o aquecedor e durante o
trajeto até o apart hotel em que estavam vivendo, contou-nos sobre o que
tinha planejado para fazermos no tempo em que estivéssemos por lá.
— Sério que vamos patinar no gelo? — Davi questionou,
enlouquecido.
— Seríssimo! Faremos muitas coisas legais. Espero que gostem.
— Tenho certeza que vou adorar! — o pequeno comentou, agitado e
eu e Raoni nos entreolhamos com satisfação.

Quando chegamos ao apartamento, dona Vilma nos aguardava


sentada na sala, ao lado da sua governanta. Fiquei impressionada com o
tamanho do lugar, era enorme.
— Que bom que vieram! — Ela levantou, amparada por dona
Mariana, para nos cumprimentar.
— Bisa, que saudade! — Davi correu em sua direção e abraçou sua
cintura.
— Também estava com saudades de você, querido. Fizeram boa
viagem? — ela perguntou após dar um beijo na testa dele.
— Fizemos sim! Estou muito empolgado de estar aqui. Papai disse
que vai nos levar a um monte de lugares. Até para fazermos compras,
porque está frio demais.
— Está frio mesmo lá fora, ainda bem que temos aquecedor aqui.
— Como a senhora está? — Aproximei-me para cumprimentá-la,
assim que Raoni levou Davi até o banheiro.
— Estou bem. O tratamento tem sido mais tranquilo do que imaginei.
A terapia genética é bem diferente do tratamento convencional com
quimioterapia. Não provoca queda de cabelo, nem mal-estar e vômitos.
Apesar de poder apresentar alguns efeitos colaterais graves após a
aplicação, graças a Deus, não tive nenhum.
— Que coisa boa, dona Vilma! Ainda precisará ficar aqui por muito
tempo?
— Quando a gente aceita participar do estudo, precisa se
comprometer a ficar aqui na Filadélfia por seis meses, para que possam
fazer exames e acompanhar a resposta do organismo. Tudo correndo dentro
do esperado, estarei liberada para voltar ao Brasil, tendo que retornar aqui
uma vez ao ano durante cinco anos.
— Então o tratamento mesmo já foi administrado?
— Sim. Na verdade, ele é aplicado uma única vez. Eles retiraram meu
sangue e modificaram geneticamente minhas células de defesa,
programando-as para destruir as células cancerígenas. Só preciso ficar aqui
por precaução e por estar inserida em um estudo.
— Que interessante!
— Sim. E os pesquisadores só fazem esse acompanhamento de perto
para anotar os resultados dos exames. Explicaram que o perigo maior já
passou, que seria logo nos primeiros dias e semanas após eu receber as
células modificadas, pois poderia haver uma resposta exagerada do meu
organismo, o que quando acontece, pode levar a sérios problemas.
— Fico muito feliz que tudo esteja correndo bem. — Sorrimos uma
para a outra. — Onde posso usar um banheiro? — perguntei e dona Vilma
pediu que a governanta me guiasse até um lavabo.
Quando retornei para a sala, todos já estavam sentados à mesa. Juntei-
me a eles e desfrutei do delicioso café da manhã.
— Querem descansar um pouco antes de sairmos para fazer compras?
— Raoni questionou após terminarmos de comer.
— Não vou conseguir dormir agora, mãe, não estou com sono —
Davi se pronunciou.
— Também não estou com sono. Até que consegui dormir bem
durante o voo. Por mim, podemos ir agora.
— Ótimo. Então vamos lá comprar roupas quentinhas pra vocês não
congelarem por aqui! — ele respondeu em tom animado e levantou.
Levantamos também, despedimo-nos de dona Vilma e dona Mariana
e saímos.

Foi divertido fazer compras com Raoni e Davi. Eu e nosso pequeno já


saímos da loja usando casacos novos e quentinhos, também gorros e luvas.
— Agora que estão preparados para o inverno da Pensilvânia, que tal
irmos patinar no gelo? — Raoni sugeriu, animado.
— Eu quero! Podemos ir agora, mamãe? — Davi me encarou com os
olhinhos azuis reluzindo sua alegria.
— Podemos, sim. — Jamais negaria um pedido daqueles, mesmo que
estivesse um pouco receosa com a tal patinação no gelo.
Raoni nos levou até a Winterfest no Blue Cross RiverRink.
— Que lugar lindo! Parece até que estamos em um cenário de filme.
— Olhei ao redor, encantada. — Que rio é aquele? — Apontei ao longe,
onde havia uma ponte bonita.
— É o Rio Delaware.
— Aqui funciona de novembro a março. Na semana passada estava
pesquisando na internet lugares legais para levar vocês e encontrei este. Eu
ainda não o conhecia, mas gostei do que vi nas fotos e ao vivo é ainda mais
mágico.
— É como um parque de diversões, só que muito melhor! — Davi
observava tudo, embasbacado.
— Vamos até a pista de patinação? — Raoni convidou e
concordamos.
Os três seguimos até o local, onde alugamos patins.
— Eu não sei patinar nem em patins normais, o que dirá com essas
lâminas no gelo. — Olhei para os objetos, preocupada.
— Não precisa ter medo, mamãe. Não pode ser tão difícil assim, veja
as pessoas na pista. — Davi apontou à nossa frente, tranquilo.
— Já patinei no gelo antes, não aqui, em Nova York, em uma viagem
que fiz com a vovó. E também em outra que fizemos a Gramado. Nosso
pequeno tem razão, não é tão difícil. Rapidinho pegarão o jeito. Vou ajudá-
los.
Assenti, receosa.
Calçamos os patins e entramos na pista. Sem medo algum, Davi se
aventurou de mãos dadas com o pai, enquanto eu fiquei agarrada à cerca.
Os dois deslizaram com naturalidade. Davi se desequilibrou por um
instante, mas Raoni não o deixou cair e não demorou para que o pequeno
desgrudasse da sua mão e patinasse sozinho.
— Venha, agora é a sua vez. — Raoni me estendeu o braço.
— Acho melhor eu ficar por aqui mesmo. Mal estou conseguindo me
manter de pé sobre essas coisas. — Indiquei os patins com a cabeça e ele
riu.
— Deixe de ser medrosa! Você vai se divertir, garanto. Venha!
Insistiu e acabei cedendo. Mesmo de mãos dadas a ele, ao dar os
primeiros passos levei um tombo que deixou minha bunda dolorida e
gelada. Raoni não riu e me ajudou a ficar de pé de novo.
— Calma. Vamos mais devagar dessa vez — falou tão carinhoso que
tive vontade de me enroscar em seu pescoço e beijá-lo.
Assenti, deixando o medo e a vergonha de lado e tentei seguir suas
instruções. Depois de várias tentativas e mais alguns tombos, com o seu
apoio, comecei a conseguir patinar.
— Parabéns, você conseguiu! — Ele me enlaçou pela cintura e deu
um selinho em meus lábios.
Foi um beijo suave, quase inocente, que durou apenas um segundo,
mas o suficiente para aguçar meus instintos e me deixar acesa.
Eu ainda estava sem reação quando Davi se juntou a nós e segurou
minha outra mão. Patinamos os três, unidos e felizes. Apesar da baixa
temperatura, senti o peito quentinho de felicidade.
Quando nosso tempo encerrou, deixamos a pista e passeamos pelo
local.
— Vocês já devem estar com fome, né? Vovó acabou de mandar
mensagem dizendo que o almoço ficou pronto — informou após conferir o
celular. — Vamos embora?
— Podemos voltar outro dia? — Davi questionou, antes que eu
tivesse tempo de responder qualquer coisa.
— Claro. Podemos sim, filho — Raoni concordou e colocou nosso
pequeno sentado em seu ombro.
Enquanto seguimos até o estacionamento, fiquei os observando. Era
muito lindo ver o carinho, o amor e a conexão que havia entre eles. Feliz
por estar ali proporcionando aquele momento para nosso filho, o que
certamente ficaria guardado em sua memória para sempre, senti-me leve e
desejei que nos tornássemos uma família de verdade algum dia.
Raoni

No caminho de volta para o apart hotel, Davi não parava de falar


como gostou do nosso passeio e de patinar no gelo. Pelo espelho retrovisor
eu o observava fascinado. Estava muito feliz por ter meu filho e Flávia ali
comigo.
Ao chegarmos, lavamos as mãos e sentamos todos à mesa para
almoçarmos. Enquanto Davi contava com empolgação a sua experiência
para a bisavó e dona Mariana, eu admirava Flávia, que estava à minha
frente. O sorriso de satisfação por ver a euforia do nosso pequeno a deixou
ainda mais bonita.
Estiquei o braço para alcançar a sua mão e quando nossos dedos se
tocaram, ela me olhou com carinho.
— Obrigado por terem vindo — agradeci verdadeiramente contente e
emocionado por tê-los ali conosco.
— Eu é que tenho a agradecer. — Encaramo-nos por um longo
instante e naquele momento desejei que eles não fossem embora após o
Réveillon, que pudessem ficar comigo não só por mais alguns dias, ou
meses, mas para sempre.
— Bisa, eu vi o papai beijando a mamãe na boca, enquanto
patinávamos. E agora estão de mãos dadas e se olhando com cara de
apaixonados. Acha que eles estão namorando? — Ouvi Davi cochichar com
vovó.
Flávia deve ter ouvido também, pois desfez nosso contato,
desconcertada.
— Não sei, mas desejo que sim, querido. Eles são lindos juntos, não
são? — dona Vilma respondeu ao bisneto e os dois voltaram a atenção para
nós, com semblantes esperançosos.
O rosto de Flávia avermelhou pelo constrangimento e quando eu sorri
da situação, ela sorriu também, balançando a cabeça em negativa.
— O almoço está delicioso, dona Mariana! — elogiei, numa tentativa
de tirar o foco de mim e Flávia, para deixá-la mais confortável.
— Está mesmo! Essa lasanha ficou divina — a mãe do meu filho
concordou.
Em seguida Davi se manifestou também, dizendo que tinha adorado a
comida e que queria repetir.
Quando terminamos a refeição, nosso pequeno começou a bocejar.
— Que tal uma ducha quente e depois um cochilo, hum? — propus a
ele que, já bem sonolento, assentiu.
Deixamos as mulheres conversando e levantamos. Com saudades
daqueles nossos momentos, dei banho nele, escovei seus dentes e o
coloquei para dormir.
— Ele apagou — comentei ao voltar para a sala e encontrar as três
sentadas no sofá.
— Também vou tomar uma chuveirada e dormir um pouco, agora o
sono bateu. — Flávia pediu licença e levantou.
Dona Mariana também se levantou e disse que iria lavar a louça.
— Feliz? — vovó questionou quando sentei ao seu lado.
— Muito. — Encaramo-nos com cumplicidade e ela pousou a mão
sobre a minha.
— E o beijo que Davi viu? Quer me contar sobre isso?
— Foi só um selinho inocente...
— Vocês estão namorando? — insistiu, com os olhos brilhando de
curiosidade.
— Não. Quero dizer... na verdade nunca conversamos a respeito.
— Está estampado na cara de vocês o quanto se gostam. Por que não
ficam juntos?
— A senhora sabe bem o porquê. — Engoli em seco ao ser tomado
por recordações da minha infância.
— Raoni, meu amor, esqueça o passado. Já é hora de se libertar
desses temores que te acorrentam e te impedem de viver a sua vida como
merece. Tenho certeza de que Verônica não iria querer te ver assim com
tanto receio de se apaixonar e se envolver. A vida é um sopro, filho.
— Queria que eles ficassem aqui com a gente, que não fossem
embora no início de janeiro.
— Então faça o convite. Acha que Flávia não aceitaria?
— Não sei...
— A única forma de descobrir é perguntando. Vocês dois precisam de
um tempo a sós. Chame-a para jantar hoje à noite. Eu e Mariana podemos
cuidar do Davi.
— Tem certeza?
— Absoluta.
— Está bem, farei isso. Obrigado, vovó! — Envolvi-a em meus
braços e beijei sua testa.

Quando Flávia e Davi acordaram, saí com eles para darmos uma volta
pela cidade. Passamos de fora de pontos turísticos como o Liberty Bell, o
famoso sino que era usado para chamar os políticos para reuniões e os
cidadãos para ouvirem as notícias a serem lidas. De frente a ele mostrei
onde ficava o Independence Hall, um prédio do século XVIII importante
para a história norte-americana, onde foram escritas a Declaração da
Independência e a Constituição dos Estados Unidos.
Ainda passamos de fora do City Hall, o edifício da prefeitura da
Filadélfia, considerado o maior e um dos mais bonitos prédios municipais
dos Estados Unidos.
Depois os levei até o Reading Terminal Market, um dos maiores e
mais antigos mercados públicos dos Estados Unidos. Com cerca de cem
restaurantes e lojas onde os produtos locais tinham destaque, mas também
eram vendidos os mais variados tipos de comida de todas as partes do
mundo.
Pedimos três sanduíches Philly Cheese Stake, o mais famoso da
Filadélfia, e como estava frio, ainda tomamos chocolate quente depois.
— Papai, essa cidade é muito legal! — Davi comentou, com a
boquinha toda suja de chocolate. — Adorei os prédios, parecem até
castelos.
— É mesmo, meu amor. E ainda tem muita coisa bacana para vocês
conhecerem! Muitas construções parecem castelos porque a Filadélfia é
uma cidade antiga. Foi a primeira capital dos Estados Unidos.
— Acho que faltei a essa aula de história. Eu não sabia disso. —
Flávia arregalou os olhos de forma divertida.
— Confesso que eu também não me recordava, me contaram quando
chegamos aqui. — Pisquei para ela, que sorriu com doçura. — Amanhã vou
levar vocês ao zoológico.
— Que máximo! Será que é tão legal quanto o de São Paulo? — Davi
era a empolgação em pessoa.
— Acho que sim, filho! Ainda não estive lá, mas dei uma olhada pela
internet e achei bem bacana. É o mais antigo dos Estados Unidos e no site
dizia que tem mais de dois mil animais, sendo trezentas e quarenta espécies
diferentes, como leões, tigres, crocodilos, ursos, macacos, flamingos, deixe
eu lembrar quais mais... Ah, onças, girafas, hipopótamos, rinocerontes,
leopardos, e outros que já não recordo.
— Uau, que irado! Vou adorar ir até lá. Com certeza.
Seu jeitinho entusiasmado era a coisa mais fofa do mundo.
— Vamos embora? — perguntei para os dois.
— Vamos sim. A bisa disse que quer assistir a um filme comigo hoje,
na TV, e que dona Mariana fará uma pipoca bem gostosa pra gente — Davi
respondeu, surpreendendo-me.
— Que horas vocês combinaram isso? — perguntei, franzindo o
cenho.
— Quando acordei e você e mamãe estavam conversando. A bisa
disse que vocês sairão para jantar e nós vamos nos divertir em casa.
— Ah é? — Flávia olhou do filho para mim, confusa.
— Bem, sendo assim, vou aproveitar para fazer o convite para sua
mãe, então. — Ajeitei o gorro dele e fiz um carinho em seu rosto, iluminado
de felicidade.
— Chama logo, aposto que ela vai aceitar — Davi cochichou daquele
seu jeito nada discreto, fazendo-nos sorrir.
— Quer sair pra jantar comigo, senhorita Castilho?
— Será uma honra, senhor Campelo!
Davi nos olhou com satisfação, depois nós três levantamos e fomos
embora.

Ao chegarmos ao apart hotel, vovó confirmou os planos para a sessão


cinema com Davi e desejou que aproveitássemos a noite.
Tomei banho e enquanto aguardava Flávia terminar de se arrumar,
liguei para alguns restaurantes de hotéis sofisticados tentando uma reserva.
Minha intenção era que depois de comermos pudéssemos aproveitar uma
suíte luxuosa com tudo a que tínhamos direito e ela merecia.
— Estou pronta, desculpe a demora. — Ao aparecer na sala,
maravilhosa nas suas botas de salto fino e cano alto e usando um sobretudo
preto ajustado ao corpo, deixou-me sem fôlego.
— Está ainda mais linda — elogiei ansioso pelo que a noite prometia.
— Vamos?
Ela assentiu, despedimos de Davi, dona Mariana e vovó e deixamos o
apartamento de mãos dadas. Seu toque e o perfume floral ao mesmo tempo
delicado, ousado e marcante, como ela, aguçaram-me os sentidos, atiçando
minha imaginação. Estava louco para tê-la nua em meus braços.
— O dia foi perfeito. Obrigada por nos receber tão bem e pensar em
cada detalhe para nos agradar. — Ela virou de frente para mim ao entrarmos
no elevador e me encarou com intensidade. Parecia tão mexida quanto eu.
— Espero que termine ainda melhor. — Toquei seu rosto e ela
ofegou, umedecendo os lábios com a língua, deixando-os entreabertos, em
um verdadeiro convite à perdição.
— Que saudade dessa boca — rosnei, desorientado e a beijei.
Flávia correspondeu com o mesmo ímpeto e se as portas de aço não
tivessem aberto, provavelmente cometeríamos uma loucura, pois estava a
ponto de arrancar sua roupa ali mesmo.
— Você é gostosa demais! — sussurrei em seu ouvido, ao deixarmos
o elevador e ela me fitou com luxúria.
Caminhamos de mãos dadas até o carro e quando entramos nele,
voltamos a nos agarrar com desespero. Eu já estava de pau duro quando ela
sentou sobre mim e rebolou.
— Cacete, Flávia, você me enlouquece. Vamos sair logo daqui antes
que o segurança apareça.
Ela assentiu, resfolegante, e voltou a ocupar o banco do passageiro,
ajeitando-se.
Colocamos os cintos de segurança, dei a partida e deixamos a
garagem do prédio.
Quando parei em frente ao luxuoso hotel, Flávia olhou a faixada,
embasbacada.
— Que lindo! Comentou ainda observando a construção.
— Que bom que gostou. — Descemos e entreguei a chave para o
manobrista.
Adentramos o imponente salão de mãos dadas.
— Reservei uma suíte pra gente. Prefere jantar no restaurante, ou
podemos subir e pedirmos a comida no quarto?
— No quarto, com certeza. Estou louca pra ficar a sós com você —
falou baixinho, maliciosa.
— Confesso que torci para que a sua resposta fosse essa. — Passei a
mão por sua cintura e a guiei até a recepção do hotel.
Fizemos o check-in e fomos para a suíte.
— Uau! — Ao entrarmos, Flávia olhou ao redor, boquiaberta.
Uma cama enorme com lençóis brancos e enfeitada com pétalas de
rosas vermelhas nos aguardava. Ao lado dela, sobre a mesinha de cabeceira,
um balde de gelo com uma garrafa de champanhe e uma caixa de bombons;
e em um canto, de frente a janela de vidro que ia do chão ao teto, havia uma
banheira de ferro fundido.
— A noite é toda nossa. — Aproximei-me e a beijei. Apesar da ânsia
de possui-la, fui devagar daquela vez.
Quando desamarrei o sobretudo e vi que por baixo dele ela usava
apenas um conjunto de lingerie de renda na mesma cor, fiquei surpreso e
contente com sua ousadia.
— Perfeita! — Afastei-me para observá-la melhor.
— Desejei que pudéssemos aproveitar a noite, então vim preparada.
— Adorei! — Estreitei outra vez nossa distância e toquei seu colo.
Desci os dedos entre os seios e continuei um caminho para baixo até
alcançar sua barriga. Percorri as laterais, depois ao redor do umbigo em
uma carícia leve, satisfeito por ver a pele arrepiar e sua respiração se tornar
errática.
Flávia me desejava tanto quanto eu a ela.
Voltamos a nos beijar com paixão, mas sem pressa. Ela tirou meu
casaco e eu o seu sobretudo. Desabotoou minha camisa e me livrou dela,
em seguida abriu a calça, colocando a mão por dentro da cueca, para
massagear meu pau que já estava duro e latejante.
— Delícia — gemi entredentes e retirei seu sutiã.
Apertei os seios, juntando-os, lambendo o vale entre eles. Depois
chupei um de cada vez, mordiscando os mamilos enrijecidos, fazendo-a
gemer também.
Abaixei-me à sua frente e puxei para cima e para os lados o delicado
tecido da calcinha, fazendo-o roçar sobre seu clitóris. Ela gemeu de novo e
tombou a cabeça para trás, apoiando as mãos em mim.
Afastei a lingerie e chupei sua intimidade, com vigor.
— Que delícia! — balbuciou meio torpe e agarrou meu cabelo.
Ergui uma de suas pernas, colocando-a sobre meu ombro e continuei
a saborear seu sexo quente, macio e depilado.
— Gostosa — grunhi ao penetrá-la com dois dedos e sentir como já
estava molhada.
— Gostoso é você. — Forçou seu quadril contra a minha cara e
rebolou.
Quando ela alcançou o clímax e se desmanchou em minha boca,
ergui-me e a peguei no colo, levando-a para a cama. Retirei a calcinha que
estava ensopada e me livrei também da calça e da minha cueca.
Flávia se ajeitou na cama para me observar, completamente nu e de
pau ereto.
— Você parece um deus grego. Quero que se toque pra mim, como
fazíamos nas videochamadas.
— Adoro esse seu lado safado, sabia? — Obediente, fiz o que pediu.
Masturbei-me com o olhar conectado ao dela, que parecia
hipnotizada.
— Perfeito demais! Venha aqui, quero te chupar também. — Flávia
engatinhou sobre o colchão até chegar na beirada.
Aproximei-me e ela segurou meu membro, que pulsou em seus dedos,
então lambeu a glande, espalhando o pré-gozo. Passou a língua por todo o
comprimento, indo e voltando e quando abocanhou o quanto conseguiu,
deixou-me deslizar bem fundo em sua garganta e em seguida começou a me
chupar com gana.
— Cacete, que delícia! — rosnei, desorientado, segurando seu cabelo
em um rabo de cavalo.
Estava muito excitado e não queria acabar com a diversão
precocemente, então não permiti que ela continuasse por muito tempo.
Puxei-a para cima e a beijei com devassidão. Depois afastei-me para
pegar um preservativo no bolso interno do casaco caído no chão. Coloquei a
proteção e me ajeitei sobre ela na cama.
Desci lambendo seu queixo, o pescoço, colo, seios, barriga, até
alcançar sua intimidade outra vez. Chupei-a até que começasse a se
contorcer, em seguida esfreguei meu pau em seu clitóris e dei algumas
batidinhas com ele. Flávia delirava, balbuciando palavras desconexas.
Quando a penetrei, devagar, conquistando centímetro a centímetro, ela
gemeu alto e agarrou minha bunda, puxando-me para si.
Começamos a nos movimentar em um ritmo cadenciado, eu por cima,
ela rebolando embaixo de mim, como dava, nossos corpos em uma
prazerosa sintonia. Comecei a entrar e sair um pouco mais rápido. Enquanto
a possuía sem pressa, mantive uma mão apoiada no colchão e com a outra
livre, alternava entre estimular os seios, que balançavam como nosso
movimento, e o clitóris intumescido. Ficamos naquela posição por um
tempo, depois mudamos e ela sentou sobre mim, cavalgando-me como uma
amazona indomada.
Quando seu corpo todo retesou e ela alcançou o clímax, acelerei os
movimentos, em busca de me libertar também, mas Flávia me surpreendeu
ao dizer “ainda não.”
Desacelerei e a encarei curioso. Ambos estávamos suados e
ofegantes. Com a face afogueada pelo prazer e os fios loiros bagunçados,
ela estava ainda mais linda.
— Quero ficar de quatro e experimentar uma coisa que ainda não
fiz... — Seu olhar luxurioso atiçou minha imaginação.
— Sexo anal? — perguntei empolgado. Fazia tempos que estava
louco por aquilo.
— Isso. Quero tentar. — Continuamos a nos movimentar lentamente,
mantendo o nível da excitação elevado.
— Porra, Flávia! Será um prazer te dar prazer assim. — Beijei-a com
sofreguidão, depois saí de seu interior e a ajudei a ficar de quatro.
Quando ela arrebitou a bunda gostosa para mim, afastei as nádegas e
lambi entre elas.
— Vamos devagar. Se sentir dor e quiser parar, me avise, ok? —
Deslizei as mãos por suas costas, em seguida a lambi do traseiro até a nuca.
— Combinado — gemeu com minha carícia.
Primeiro molhei o dedo médio com saliva e o introduzi devagar. Ela
se contraiu toda, apertando-me com força.
— Calma, tente relaxar. — Posicionado atrás dela, mantive o dedo
onde estava e com a outra mão comecei a massagear seu clitóris.
Flávia aos poucos foi relaxando. Quando parou de apertar meu dedo,
aceitando-o, começou a rebolar.
— Isso, curta a sensação, não tenha receio. — Comecei a movimentar
o dedo devagar, para frente e para trás, sem retirá-lo completamente em
nenhum momento e sem parar de estimular seu clitóris.
Quando já estava conseguindo deslizar com facilidade, coloquei mais
um. Ela me apertou de novo, mas logo relaxou. Ao perceber que já estava
pronta, retirei os dedos e a penetrei com cuidado.
Flávia gemeu alto, descontrolada e rebolou ainda mais para me
receber, permitindo que eu me encaixasse por completo naquele paraíso
apertadinho.
— Está tudo bem? — perguntei preocupado, não queria que ela
sentisse dor.
— Está uma delícia. Nunca pensei que fosse tão bom assim — gemeu
manhosa.
Comecei a estocar devagar, cauteloso. Aos poucos fui aumentando o
ritmo das investidas. Nós dois gemíamos alto, suávamos e ofegávamos,
perdidos na luxúria. Quando ela enfim gozou, eu me libertei também.
— Cacete, que delícia! — balbuciei entorpecido, ao desabar ao seu
lado na cama e puxá-la para meu peito.
— Foi perfeito! Obrigada por ter sido tão paciente e cuidadoso.
Assenti, sorrindo, e acariciei seu rosto, em seguida a beijei com
carinho.
— Eu queria que você e Davi ficassem aqui com a gente, até vovó
poder retornar ao Brasil — falei quando nossos lábios se afastaram. — O
tratamento em si já foi feito e faltam só mais três meses para ela cumprir o
prazo do estudo. — Não gostaria que fossem embora, Flávia. Não quero
mais ficar longe de vocês.
— Davi está amando aqui, perto de você e da bisavó, conhecendo
lugares diferentes...
— E você? — questionei sem deixar que ela concluísse a fala, ansioso
para saber como estava se sentindo em relação a nós. Era evidente que nos
dávamos bem na cama, mas estava tão envolvida quanto eu?
— Eu... — Contornou os traços do meu rosto e depois me encarou
com os olhos marejados. — Não desejava complicar as coisas, tentei
separar prazer de sentimentos mais profundos, pois não queria atrapalhar
sua história com nosso filho. — Engoliu em seco, fitando-me com a mesma
agonia com que eu a olhava. — Além disso, você deixou bem claro o seu
trauma com relacionamentos, mas... — Sorriu, nervosa. — Não dá mais pra
mentir pra mim mesma, nem estou conseguindo disfarçar pra ninguém o
que sinto. Estou apaixonada por você, Raoni.
Ao ouvir suas palavras senti um alívio e uma felicidade tão imensos,
que a puxei para mais junto de mim e a abracei apertado.
— Que bom escutar isso, porque eu também estou apaixonado por
você, Flávia. — Sussurrei em seu ouvido. — Tenho um medo danado de
acabar te machucando de alguma forma, mas não quero mais ficar longe de
você. Fique aqui nos Estados Unidos. Vem morar comigo?
— Precisaremos resolver muitas coisas, vermos como ficará meu
trabalho, procurarmos uma escola para Davi, no entanto, por mais que ache
que nada será tão simples, não quero voltar para o Brasil sem você. Eu fico,
Raoni. — Afastou-se um pouquinho para me olhar. — Eu e Davi vamos
morar com você.
— Prometo cuidar de tudo, querida. Vamos fazer isso dar certo.
Sorrimos com uma cumplicidade gostosa que acalmou tudo dentro de
mim e me fez esquecer os receios. Estava disposto a abandonar o passado e
me permitir ser feliz em um relacionamento amoroso. Faria de tudo para ser
o homem que Flávia merecia, assim como vinha me esforçando para ser um
bom pai para o Davi.
Flávia

Depois do sexo maravilhoso e do pedido de Raoni para que Davi e eu


ficássemos nos Estados Unidos com ele e dona Vilma até que ela pudesse
retornar ao Brasil, pedimos o jantar e enquanto o aguardamos, tomamos um
delicioso banho de banheira, admirando a vista da cidade iluminada.
Ele me aconchegou em seu peito e ficamos fazendo planos para os
meses que passaríamos na Filadélfia. Raoni disse que falaria com Jonas
para me enviar os arquivos dos livros que eu deveria analisar ou revisar,
para que trabalhasse de home office naquele período e contou que tinha
dado uma olhada nas escolas infantis, quando planejou que viajássemos
com eles.
Naquele momento fiquei envergonhada de ter brigado com ele e
fugido, mas Raoni disse que não queria se lamentar por mais nada que
tivesse ficado para trás, que daquele momento em diante só pensaria no
presente e no futuro.
Tivemos uma noite maravilhosa e quando voltamos para o
apartamento e deitei para dormir, pensei que se tudo aquilo fosse apenas um
sonho bom, eu não queria acordar.
Na manhã seguinte fomos ao zoológico, Davi estava distraído
observando os ursos, quando Raoni se aproximou e me roubou um beijo.
— Eu vi vocês se beijando. Estão namorando? — Nosso filho virou
para trás e nos encarou de sobrancelhas erguidas e com uma satisfação
explícita em seu rostinho lindo.
— Estamos, meu amor. — Raoni passou a mão por minha cintura e
me puxou para mais perto de si, acelerando meus batimentos cardíacos.
— Que máximo! Torci tanto para isso acontecer. — Ele vibrou,
batendo palminhas.
— Temos mais uma coisa pra te contar — Raoni continuou, olhando
dele para mim. — Quer falar? — ele me perguntou e eu assenti.
— Seu pai nos chamou para ficarmos aqui nos Estados Unidos com
ele e dona Vilma, até que ela possa voltar para o Brasil e eu concordei.
— Jura?
Nós dois assentimos e ele começou a saltitar na nossa frente.
— Isso é muito, muito irado! Vamos morar juntos, igual uma família?
— Sim, querido. Vocês são minha família e os quero junto de mim —
Raoni o pegou no colo e beijou sua testa.
— Que demais! — Davi gritou com os bracinhos erguidos e eu
precisei me conter para não chorar, de tanta emoção.

Naquele mesmo dia Raoni entrou em contato com Jonas e Tales,


informando sobre nossa decisão e eu liguei para Camila para contar a
novidade. Minha amiga ficou muito feliz e disse que tinha certeza de que
nos entenderíamos e acabaríamos juntos.
Nos dias seguintes passeamos bastante e curtimos muitos momentos
em casa, assistindo a filmes e brincando com jogos de tabuleiro que Raoni
comprou em uma de nossas idas ao shopping.
Eu, Raoni e Davi ajudamos dona Mariana e dona Vilma a preparar
nossa Ceia de Natal e nos divertimos muito. Quando deu meia-noite, ainda
eram dez horas no Brasil. Liguei para Laura para desejar um feliz Natal,
também para mamãe. Quando desliguei, notei que Davi já estava no colo de
Raoni, bastante sonolento.
— Hora de ir para a cama, rapazinho! — Beijei seu rostinho e fiz um
carinho em sua cabeça.
— Lembrou de avisar o Papai Noel onde estamos? — perguntou
preocupado.
— Fique tranquilo, filho, avisei sim.
Ele assentiu e fechou as pálpebras, entregando-se ao sono. Raoni
olhou para mim e sorriu encantado. Então levamos nosso pequeno para a
cama. Com ele dormindo, troquei sua roupa pelo pijama e escovei seus
dentes.
— Fico impressionado em te ver fazer isso — Raoni sussurrou, ao
deixarmos o quarto.
— Não é tão difícil quanto parece. — Aproximei-me e dei um selinho
em seus lábios.
— Tem alguma coisa te preocupando — ele constatou, acariciando
meu rosto.
— Vendo nossa família reunida hoje à noite, recordei como
costumavam ser os Natais na casa dos meus pais e me deu saudades.
— Falou com eles?
— Só com a Laura e a mamãe...
— Por que não liga para o seu pai? Por tudo o que já me contou,
tenho certeza de que ainda o ama e que gostaria que se entendessem. Talvez
esteja na hora de o perdoar. — Ele beijou minha testa e me abraçou.
— Obrigada por ser esse cara maravilhoso. — Afaguei suas costas. —
Vou fazer isso agora. — Desprendi-me dele e fomos até a sala.
Peguei meu celular, deixei Raoni conversando com a avó e dona
Mariana e fui para o quarto dele, onde eu estava dormindo desde que
contamos para Davi sobre nosso namoro.
Com as mãos trêmulas, fiz a ligação.
— Alô — a familiar voz grave atendeu, fazendo-me hesitar por um
instante. — Alô? — ele repetiu diante meu silêncio.
Respirei fundo antes de responder.
— Papai, sou eu, Flávia...
— Filha... — A surpresa e a emoção ficaram nítidas quando seu tom
vacilou.
— Falei com a mamãe agora há pouco... Só queria desejar um feliz
Natal.
— Ah, Flávia, como é bom falar com você. Feliz Natal, filha! Sua
mãe contou que está nos Estados Unidos, que se entendeu com o pai do
meu neto.
— Sim, estamos juntos, felizes.
— Me perdoe por tudo o que te fiz passar. Demorei a entender, mas
Deus me mostrou como fui errado e injusto. Ainda bem que Ele te protegeu
quando virei as costas no momento que você mais precisava, eu sinto
muito, se pudesse fazer o tempo voltar...
— Vamos esquecer o que passou, pai. Aprendi com um homem
maravilhoso que por mais que nosso passado tenha nos machucado, é
possível superar o que aconteceu e seguir em frente. Afinal de contas, o que
importa é o presente e o futuro.
— Ah, meu amor... — Ele começou a chorar do outro lado da linha e
eu chorei também. — Venha nos ver quando voltar ao Brasil.
— Irei sim. A gente combina depois. Fiquem com Deus.
— Vocês também fiquem com Ele.
Despedimo-nos e assim que desliguei, senti-me aliviada e compreendi
o verdadeiro sentido do perdão. Eu estava tirando não só o peso da culpa
das costas do meu pai, mas o do rancor, das minhas. Respirei fundo,
enxuguei o rosto e voltei para a sala, onde tocava baixinho Perfect, do Ed
Sheeram e os três conversavam felizes.
— Como foi? — Raoni levantou e caminhou ao meu encontro, logo
que me viu.
— Foi muito bom. Obrigada por me incentivar a falar com ele, estava
mesmo precisando disso. Estou mais leve agora.
Ele assentiu e me envolveu em seus braços de forma carinhosa e
reconfortante.
“...we're so in love
Fighting against all odds
I know we'll be alright this time
Darling, just hold my hand
Be my girl, I'll be your man
I see my future in your eyes”

(...estamos tão apaixonados


Lutando contra todas as probabilidades
Eu sei que ficaremos bem desta vez
Querida, apenas segure minha mão
Seja minha garota, eu serei seu homem
Eu vejo meu futuro em seus olhos)

Nossa cumplicidade, seu abraço, a relação bonita que estávamos


construindo e aquela música romântica me fizeram suspirar.
— Eu te amo — sussurrei ao seu ouvido, sem a menor dúvida de que
o que sentia por ele era amor.
— Eu também te amo — respondeu no mesmo tom baixinho e se
afastou um pouco para me olhar. — Obrigado por ter entrado na minha vida
e mudado o rumo da minha história, mesmo que a princípio tenha virado
tudo de ponta-cabeça.
Sorri, emocionada, compreendendo a profundidade daquela conversa.
— Eu vejo meu futuro em seus olhos — repetiu em português uma
frase da canção, fazendo-me sorrir emocionada. — Você me deu um filho
incrível e me fez entender que apesar de Cássio ter sido um monstro, não
sou como ele. Não tive uma figura paterna como exemplo, mas tenho me
esforçado para ser um bom pai.
— Você tem sido maravilhoso. É um homem incrível!
— Vocês me transformaram nesse cara. — Acariciou minha face. —
Vi minha mãe ser acorrentada pelo amor a ponto de perder a vida, mas
aprendi contigo que o amor também liberta. É o que sinto por vovó, Davi e
você, que tem me curado dos meus medos. Eu te amo, Flávia, como jamais
achei que seria possível. Quero dividir minha vida com você, compartilhar
meus sonhos.
— Ah, Raoni, que lindo! — Enlacei seu pescoço e o beijei,
apaixonada.
— Quer casar comigo? — perguntou quando nossos lábios se
afastaram.
— Mal começamos a namorar, vão achar que estamos loucos... —
Arregalei os olhos, assustada com o pedido, mas querendo dizer sim.
— Até agora nada entre nós dois aconteceu de forma convencional e
se quer saber, não ligo a mínima para a opinião alheia, apenas para a sua
nesse momento. Não tenho uma aliança, aqui — ele se ajoelhou à minha
frente —, mas vou repetir o pedido. Aceita se casar comigo, Flávia
Castilho?
— Ah, meu Deus que coisa linda! — Ouvi dona Vilma dizendo
emocionada e só então me lembrei da presença dela e de dona Mariana.
Sorrindo, entre lágrimas, olhei dele para elas e dona Vilma me
estimulou a dizer sim, assentindo com a cabeça.
— Quer me matar do coração, mulher? — Raoni insistiu, ainda
ajoelhado.
— Não!
— Não? — Os três questionaram perplexos.
— Não! — Ri de nervoso. — Não quero te matar do coração. E sim.
Aceito me casar com você!
— Graças a Deus! — Mais uma vez os três disseram em coro e nós
quatro gargalhamos.
— Agora vem cá! — Puxei Raoni para cima e o beijei com devoção,
sem me importar com a plateia.
Depois daquela cena linda e romântica, felizes e apaixonados,
colocamos os presentes de todos ao pé da árvore de Natal que havíamos
montado na sala. Davi ficaria enlouquecido quando visse a coleção de
Pokémons que iria ganhar.
Naquela noite, depois que todos dormiram e também fomos deitar,
fizemos amor com tanta intensidade e ternura, que quando alcançamos o
clímax juntos, senti como se minha alma estivesse se fundindo a dele.
Nossas vidas não tinham sido nada fáceis até ali, mas tive a certeza de
que um futuro lindo nos aguardava.
Raoni

Dizem que quando estamos felizes o tempo voa. Assim, os meses


seguintes passaram rápido.
Vovó continuou comparecendo semanalmente ao hospital para
reavaliações e exames. Segundo os médicos, não havia mais sinais da
doença em seu organismo e em breve ela poderia voltar para o Brasil, onde
continuaria em acompanhamento semestral pelo onco hematologista que a
encaminhou à Filadélfia.
O tratamento e nossa estadia nos Estados Unidos nos custaram uma
verdadeira fortuna, mas valeu cada centavo, pois a saúde dela estava
restabelecida.
Davi se adaptou bem à escola americana e um mês depois do início
das aulas, já se arriscava a falar inglês, inclusive gostava de praticar com a
gente, o que eu achava fofo demais.
Continuei com as reuniões com Tales e Jonas por videoconferência e
os dois me mantiveram atualizado sobre o que estava acontecendo na
editora. Adiamos o lançamento do livro da Flávia e deixamos tudo
preparado para que quando acontecesse fosse um verdadeiro sucesso.
Ao voltarmos para o Brasil, marcamos o casamento para o mês
seguinte, mas Flávia e Davi já foram morar comigo na cobertura. Apesar de
ser nossa residência oficial, passávamos grande parte do nosso tempo livre
na mansão da vovó, que sugeriu que usássemos o jardim para fazermos a
festa do casamento. Eu e minha amada noiva adoramos a ideia e
concordamos sem hesitar.
Nunca imaginei que teria um filho e me descobri pai de um garotinho
extraordinário, inteligente, lindo e amoroso. Jamais sonhei que um dia me
apaixonaria e muito menos que me casaria, mas Flávia surgiu para derrubar
minhas barreiras e me mostrar que eu merecia ter uma família feliz.
Apesar de todas as dores e traumas do passado, consegui seguir em
frente. É impossível apagar marcas profundas, mas compreendi que
podemos escolher como encará-las.
Minhas cicatrizes emocionais continuavam existindo, mas já não me
aterrorizavam, nem me prendiam. Elas me ensinaram duas grandes lições.
A primeira: eu não era como meu pai nem nunca seria; e a segunda, o amor
de verdade é um sentimento bom. Que nos faz querer o bem do outro e
desperta nossa melhor versão. Muito diferente do que foi o relacionamento
dos meus pais. Aquilo era doença, obsessão, qualquer coisa menos amor.
O monstro que sempre imaginei haver dentro de mim, se algum dia de
fato existiu, morreu afogado pelos sentimentos bons. Feliz com a vida que
estava levando, conseguia vislumbrar um futuro ainda mais maravilhoso
pela frente.

Flávia

Ao voltarmos para o Brasil, visitei Laura, que tinha dado à luz há


pouco mais de um mês, e convidei ela e Geovane, para serem meus
padrinhos de casamento. Fiquei feliz por terem aceitado, pois sabia das
dificuldades de viajar com um recém-nascido. Lucas era a coisinha mais
linda desse mundo e minha irmã estava lindando bem com a maternidade.
Também chamamos para padrinhos a Camila, junto com o Tales.
Minha amiga ficou empolgada com o convite e quando contei que já me
mudaria para o apartamento do Raoni, ela se prontificou a me ajudar a
embalar minhas coisas e as do Davi.
Já instalada no novo endereço, deixei Davi com Raoni e decidi ir
visitar meus pais. Meu velho ficou emocionado ao me ver e mais uma vez
pediu perdão. Eu disse que o havia perdoado quando conversamos no Natal
e que aquilo eram águas passadas. Contei para ele e mamãe que estava
noiva e pedi que papai celebrasse o casamento. Ele aceitou de pronto e
disse que seria uma honra.
Quando me convidou para assistir ao culto naquela noite, hesitei por
um instante, mas ele e mamãe acabaram me convencendo. Liguei para
Raoni, para avisar que chegaria mais tarde e os acompanhei até à igreja.
Durante o sermão, papai falou sobre perdão e pediu que eu ficasse de
pé. Ao notar tantos pares de olhos sobre mim, senti-me desconcertada. Ele
prosseguiu, dizendo que todos ali conheciam nossa história, sabiam do que
aconteceu e de como agiu errado comigo, por isso estava me fazendo um
pedido público de desculpas, mesmo eu já tendo dito a ele que o perdoara.
— Que nosso exemplo sirva de lição para todos — proferiu ao se
aproximar de mim e me estendeu a mão. — Que saibamos ser mais
tolerantes uns com os outros, com quem mais amamos e mesmo com
aqueles que nem conhecemos. Que não julguemos antes de escutar e que
nunca deixemos de perdoar. Me perdoe, filha! — Ele me envolveu em seus
braços e a comunidade nos aplaudiu de pé.
Quando o culto terminou, despedi-me de meus pais, que ficaram
conversando com alguns fiéis, e ao sair da igreja, fiquei surpresa por ver
Betânia.
— Quanto tempo, Bê! Como você está linda! — Observei-a por um
instante, antes de puxá-la para um abraço. — Não sabia que estava de volta
a São Paulo. Por que não me procurou?
— Na verdade ainda continuo morando no Rio, vim visitar minha
família e por mais louco que possa parecer, senti vontade de vir à igreja do
seu pai hoje, mesmo não sendo a que os meus frequentam. Acho que foi
Deus querendo que nos encontrássemos.
— Não duvido! — Sorrimos, emocionadas.
— Nossas vidas tomaram rumos diferentes, mas nunca te esqueci.
Volta e meia te incluía em minhas orações, desejando que estivesse bem.
Você foi minha melhor amiga, Flavinha. Sinto muito por ter me afastado.
Como você está? E Davi?
— Ele está lindo. É um garotinho inteligente e amoroso, que me
enche de orgulho e alegra minha vida. Ah, você não vai acreditar, mas
encontrei Romeu.
— O pai do Davi? Como?
— Comecei a trabalhar em uma editora, a Histórias & Livros e
quando fui conhecer o CEO, desmaiei na frente dele ao ver que era Romeu.
— Jura? Que loucura!
— Pois é! Quando imaginaria uma coisa dessas?
— Contou a ele sobre o filho?
— Demorei, mas contei. Depois começamos a namorar e ele me
pediu em casamento. Estamos morando os três juntos.
— Nossa, que lindo! Parece até coisa de livro. Precisa escrever essa
história, hein?
— Quem sabe um dia! Adorei te ver, mas preciso ir, Bê. Me ligue
qualquer hora, vou adorar falar com você.
— Prometo ligar. Ah, e se me convidar para o casamento, eu venho,
viu? — Ele me deu um beijo no rosto.
— Faço questão da sua presença. — Despedimo-nos e fui embora,
feliz com o reencontro e mais aquela segunda chance que a vida estava me
dando.

Eu e Raoni nos casamos um mês depois de retornarmos ao Brasil, em


uma cerimônia para poucas pessoas no jardim da mansão de dona Vilma.
Davi foi o nosso pajem, entrou carregando uma almofada com as
alianças. Estava lindo, vestido com um smoking semelhante ao do pai.
Em nossos votos prometemos amar e cuidar do outro e de nossa
família, todos os dias de nossas vidas. Após a linda celebração conduzida
por papai, fomos para a pista de dança. Ao invés da tradicional valsa,
escolhemos a música Perfect, do Ed Sheeram, a mesma canção que tocava
no Natal na hora que Raoni me pediu em casamento.

“I found a love for me


Darling, just dive right in and follow my lead”
(Eu encontrei um amor para mim
Querida, entre de cabeça e me siga)

— Obrigado por me fazer acreditar no amor — Raoni falou com os


olhos conectados aos meus.
— Obrigada por não ter fugido, achando que eu era uma louca
quando disse que tinha um filho seu.
Ele sorriu do meu comentário e beijou de leve meus lábios.
Dançamos, sob a atenção dos nossos convidados, enquanto a linda
canção, uma verdadeira declaração de amor, tocava.
— Como diz a letra, eu encontrei uma mulher mais forte do que
qualquer pessoa que conheço. É com você, Flávia, que quero compartilhar
meus sonhos, minha vida, meu lar. Espero que carregue não só meus
segredos, mas meus filhos. Falando nisso, acho que está na hora de darmos
um irmãozinho, ou irmãzinha para Davi, hum? — Arqueou as sobrancelhas,
divertido.
— Quer ter mais um?
— Com você eu teria até dez! — Rodopiou-me ao som da melodia.
— Não diga uma coisa dessas nem de brincadeira. — Olhei para ele
fingindo espanto. — Mas acho que podemos providenciar mais um, ou
uma.
— Será um prazer trabalhar para isso. — Umedeceu os lábios,
sedutor.
— Tarado!
— Safada gostosa!
— Não esqueça que estão nos observando.
— A música está abafando nossas vozes. Posso até confessar aqui e
agora que estou louco para me enfiar debaixo da saia do seu vestido e te
chupar. — Apertou-me contra si, deixando meu corpo todo em alerta.
— Por favor, não faça isso. Não sou muito boa em dissimular o que
estou sentindo.
— Desculpe, esposa, não consegui resistir, mas prometo me
comportar até que estejamos a sós e eu possa arrancar sua roupa e te foder
como sei que gosta.
— Raoni! — adverti, rindo de nervoso, sentindo a face afoguear.
— Fica linda ruborizada. Mais ainda quando está nua e ofegante —
ele continuou as provocações e para o calar eu o beijei.
Todos aplaudiram nossa demonstração explícita de afeto e quando a
segunda música começou a tocar, Minefields, da Fouzia com participação
do John Legend, os outros casais se juntaram a nós na pista de dança.
Mamãe e papai, Jonas e Aloísio, Laura e Geovane, Betânia e o marido,
Tales e Camila, que pareciam bem entrosados e se eu não estivesse muito
enganada, interessados um pelo outro e até dona Vilma, que estava ótima,
se arriscou na companhia do bisneto.
A noite seguiu animada e quando eu e Raoni enfim ficamos a sós, ele
cumpriu o prometido e me levou aos céus.
Quatro meses depois aconteceu o lançamento do meu romance pela
Histórias & Livros. A noite de autógrafos foi um verdadeiro sucesso. A fila
enorme de fãs enlouquecidas, encabeçada por Camila, deixou-me surpresa e
feliz. Fiz questão de tirar foto com todo mundo e antes do horário previsto
para o encerramento, o responsável pela livraria informou que já tinham
vendido os trezentos exemplares levados.
Raoni prometeu que entregaria mais na segunda-feira seguinte e de lá
fomos jantar com nossos amigos e familiares. Camila, que desde o
casamento vinha se encontrando com Tales, apareceu no restaurante de
mãos dadas com ele, que não pôde ir ao evento do lançamento. Os dois
contaram que resolveram assumir o namoro. Fiquei feliz por eles, que
ficavam lindos juntos e tinham tudo a ver um com o outro.
Depois daquele dia saí em turnê de lançamento do livro pelo Brasil
afora. Em todas as cidades em que estive, fui recepcionada pelos fãs com
muito carinho. Ao longo de seis meses, meu romance vendeu mais de cem
mil cópias, foi traduzido para o inglês pela editora americana parceira da
Histórias & Livros e recebi uma proposta de adaptação audiovisual por uma
das maiores plataformas de streaming do mundo.
No dia em que o filme estreou, descobri que estava grávida. Antes de
Rebeca nascer, ainda publiquei um outro romance pela Histórias & Livros,
uma ficção inspirada na minha vida e na do Raoni. Não pude viajar em
turnê de lançamento, pois já estava no finalzinho da gestação, mesmo assim
o livro foi mais um best seller da editora e outra vez recebi uma proposta
irrecusável para que ele virasse filme. Eu estava vivendo o meu felizes para
sempre!
A vida nem sempre é fácil, às vezes somos colocados a provas de
fogo ao longo dela, expostos a sofrimentos inimagináveis, mas ao final,
compreendemos que nos tornamos mais fortes e que merecemos uma
segunda chance de sermos felizes.
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próxima leitura Nos laços do amor, confira os três primeiros capítulos, ao
final. E se ainda não leu as histórias dos irmãos Nóbile, leia também: Sem
coração: A virgem e o CEO viúvo e Redenção: Um bebê para o
milionário playboy. Deixarei as sinopses para que confira.

Beijos,
Renata.
Sempre e em primeiro lugar, agradeço a Deus o dom da escrita e por
me permitir realizar meus sonhos.
Ao meu marido pelo apoio, incentivo, compreensão e por ter me dado
uma família linda.
Aos meus leitores queridos do meu grupo do WhatsApp, vocês são
demais! Obrigada por se empolgarem tanto quanto eu com minhas
histórias! Espero tê-los sempre perto de mim.
E a todos os meus leitores, os que me leem há muito tempo e os que
estão chegando agora, vocês fazem tudo isso ter sentido!
Agradeço às minhas queridas amigas escritoras pelo companheirismo
nessa jornada, por escutarem meus desabafos, por me apoiarem, celebrarem
comigo minhas conquistas e sempre me ensinarem algo, em especial a Edna
Nunes, Beatriz Cortes, Cris Barbosa, Nathany Teixeira e Christhine King.
Um muito obrigada aos meus parceiros de blogs e Instagrams, o
apoio de vocês é fundamental!
Ainda agradeço a Vanessa Pavan, Vavah, minha assessora literária por
todo o suporte que me dá e por não me deixar desanimar diante às
dificuldades e a Mari Vieira, pela revisão desse texto e pela empolgação
com a história.
Não poderia deixar de agradecer ao meu agente Felipe Colbert, por
cuidar tão bem da minha carreira. É uma honra fazer parte do seu time de
autores agenciados!
Pisciana, dramática e chocólatra assumida. Renata dos Reis Corrêa
nasceu em 04 de março de 1981, em Guimarânia, interior de Minas Gerais,
e há mais de vinte anos mora em Uberlândia com o marido e os dois filhos,
um casal de gêmeos.
É médica oftalmologista por formação, leitora voraz e uma
apaixonada pela escrita. Começou a escrever ainda adolescente, mas só em
2014 entrou de vez para o mundo literário, ao criar seu primeiro romance,
história que começou como parte de um tratamento para síndrome de
Burnout que teve na época. Romântica incorrigível, procura sempre passar
uma mensagem de esperança com seus textos, destacando o poder da figura
feminina. Já publicou 28 títulos, dentre livros digitais e impressos, que vão
desde o drama, passando pelo romance romântico, até a literatura erótica.
Só na Amazon suas histórias somam milhões de leituras.
Fanpage no Facebook: Renata R. Corrêa
https://www.facebook.com/escritoraRenataRCorrea/
Instagram: Renata R. Corrêa (@renata_rcorrea)
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Grupo: Leitores da Renata R. Corrêa
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Site: https://www.autorarenatarcorrea.com/
Contra todas as probabilidades – romance
As coisas não são bem assim – romance
Amores e desamores – contos
Crônicas reunidas – crônicas
De repente, tudo muda – romance
Impossível não te amar – romance
Um Natal inesquecível – conto
Um rock star em meu destino – conto
Nicolas Petrari – romance
Aquiles Petrari – novela
Mais que um olhar – romance
Poder e sedução – conto
Max – novela
Sorte ou azar? – romance
Proibido amor – novela
Safado amor – novela
Em direção ao CEO – romance
Box Irresistíveis paixões (Proibido amor, Safado amor e Bandido
amor) – novelas
Tentação de viúvo – romance
Tudo pra mim – romance
O bebê do meu melhor amigo – romance
Cansei de ser a mulher-maravilha – romance
Meu vizinho quer casar – romance
Querido inimigo – romance
Sem coração: A virgem e o CEO viúvo – romance
Redenção – Um bebê para o milionário playboy – romance
Nos laços do amor – romance
O filho que o CEO não conhecia – romance

Encontre-os na página da autora na Amazon:


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Sinopse de Sem coração: A virgem e o CEO viúvo

A realidade pode ser cruel e destruir sonhos, mas, enquanto houver


vida, sempre será possível reconstruí-los.
Leonardo Nóbile, um jovem advogado milionário, um dos CEOs da
operadora de saúde da família, ficou viúvo aos vinte e sete anos, após um
trágico acidente de carro. Por mais que tenha sido uma fatalidade, o rapaz
nunca conseguiu se livrar da culpa e há cinco anos vivia enclausurado,
achando que não merecia ser feliz de novo. No entanto, quando a nova
diarista aparece em sua casa, aos poucos, a garota ingênua e de olhos
assustados começa a romper suas barreiras.
Elaine é uma moça humilde que precisou abandonar os próprios
sonhos para cuidar da mãe com câncer, assumindo as responsabilidades da
casa sozinha, inclusive os serviços de faxina, que era a única fonte de renda
das duas. Ao se ver numa situação financeira difícil, aceita uma oferta da
vizinha para limpar uma cobertura onde é governanta. Mal sabia ela que se
encantaria pelo novo patrão e que muitas outras surpresas do destino
estavam por vir.
Com o tempo, Elaine e Leo ficam atraídos um pelo outro, mas quando
o desejo fala mais alto, ele confessa que não pode oferecer a ela mais do
que sexo. Doida para perder a virgindade, Nane não se importa, a princípio,
e embarca numa amizade colorida com Leo.
Nem tudo sai como planejado e os dois acabam se envolvendo
sentimentalmente. Será que o viúvo recluso, que se dizia um homem sem
coração, conseguirá se permitir amar outra vez?
Embarque nessa deliciosa e envolvente história sobre segundas
chances.
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Sinopse de Redenção: Um bebê para o milionário playboy

Marcelo Nóbile é um jovem médico, milionário, herdeiro e um dos


CEOs da operadora de saúde da sua família, a Vida Nóbile. Solteiro
convicto, ele se fechou para o amor, após acompanhar de perto o sofrimento
do irmão mais velho, que perdeu a esposa em um trágico acidente. Passou
então a levar uma vida de playboy com o lema de pegar sem se apegar.
Érika Dias é uma jovem enfermeira batalhadora. Sonhava em viver
um grande amor e acabou em um relacionamento tóxico. Quando, enfim,
conseguiu se libertar, perdeu a fé nos homens e no amor, ficando
determinada, a partir de então, a apenas curtir sem se envolver outra vez.
Os dois se conhecem porque ela é a melhor amiga da noiva do irmão
dele, inclusive se beijaram no jantar de noivado.
Quando Marcelo a salva de uma situação embaraçosa com o ex, os
dois se entregam novamente ao desejo e embarcam em uma amizade
colorida. Só não imaginavam que o relacionamento casual resultaria em
uma gravidez que jamais teriam planejado.
Com um bebê a caminho e a proximidade crescente, os dois
conseguirão se manter imunes ao amor? Como lidarão com tantas
mudanças e com sentimentos e situações inesperados?
Descubra, lendo esse romance quente, envolvente e emocionante.

Atenção: este é um spin-off de Sem coração – A virgem e o CEO


viúvo. Apesar de ser uma história de um outro casal, contém spoilers da
anterior. Pode ser lida separadamente, mas, para um melhor entendimento,
recomendo que leia a primeira antes.

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Sinopse de Nos laços do amor

Francisco, mais conhecido como Chicão, é um jovem obstinado que


se tornou um famoso peão de rodeios. Prestes a encerrar a carreira, ele
almeja se consagrar conquistando uma importante vitória em um grande
campeonato e, assim, voltar para a sua terra natal, montar uma hípica,
cuidar da família e quem sabe viver um grande amor.

Ele e Cristal foram melhores amigos na infância e adolescência.


Apesar de terem passado dez anos sem se verem, nunca se esqueceram.
Quando o rapaz retorna à fazenda onde cresceram, devido a um
problema familiar, eles se reencontram. Não demora para que a antiga
amizade se transforme em uma avassaladora paixão e os dois embarquem
em um tórrido e proibido romance, repleto de oposições e desafios.

Conseguirão ficar juntos? Chicão conquistará tudo o que um dia


sonhou?

Embarque nessa linda, quente e emocionante história de amor,


amizade e superação.

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Nos laços do amor

Chicão

Aguardei a porteira abrir. Apesar do barulho, conseguia ouvir as


batidas do meu coração retumbando dentro do peito. Perdi as contas de
quantas vezes montei em um touro e participei de rodeios, mas a ansiedade
era sempre a mesma, como se fosse a primeira vez. Naquele momento, o
suor escorria pela testa e minha respiração ofegava. Ao ouvir o anúncio do
meu nome, apertei a corda na mão enluvada e me preparei.
A porteira abriu. O touro escapou. Forte e enfurecido, saltava
corcoveando, levantando poeira, enquanto me agarrava a ele. Força e
equilíbrio eram essenciais, por isso aliava pilates, montaria, musculação,
natação e hidroginástica em meus treinos, nas oito horas diárias de
dedicação total ao esporte, o que vinha me rendendo bons frutos em dez
anos de trabalho árduo. O animal era meu adversário, mas merecia respeito
e cuidado.
Para tentar aumentar a pontuação, bati as esporas sem pontas nos
flancos do boi. O futuro com o qual sonhava dependia do meu esforço. Na
arena, pensava em minha família, cada vitória me deixava mais próximo de
poder retornar às origens, de garantir uma velhice sossegada para eles, que
tanto mereciam.
Oito segundos. Esse era o tempo que precisava permanecer montado.
Mesmo que pouco, parecia durar uma eternidade quando estava ali. Por um
momento, desequilibrei, no entanto logo me recuperei.
Consegui me manter até o final como aconteceu outras vezes, e com
um bom desempenho. Ao ver minha nota, fiquei satisfeito e esperançoso.
Apesar de algumas pessoas criticarem as competições, por julgarem
violentas e com possíveis maus tratos aos animais, essa não era a realidade
daquelas que eu participava. Os tropeiros que criavam bois para rodeios só
podiam permitir a participação daqueles com mais de quatro anos de idade
e boa saúde. Garantiam alimentação de qualidade, treinos e descanso para
eles, além de acompanhamento contínuo com um veterinário. Um touro só
entrava na arena em uma noite por uma única vez e tinha o dia seguinte de
descanso. Durante a competição também existiam regras a respeito dos
materiais permitidos, com o intuito de não machucar os bichos, como
cordas de lã ou feltro e esporas sem pontas.
Os bois de competição faziam natação, cooper e outras atividades de
fortalecimento e relaxamento. Assim como nós peões, eles também eram
atletas de alto nível. Competiam por no máximo cinco anos e então
deveriam ser aposentados, retornando para a fazenda onde foram criados,
continuando a receber cuidados, mas sem treinos.
Eu amava a vida no campo. Nasci e fui criado em uma propriedade
rural no interior de Minas Gerais. Filho do capataz, desde cedo ajudava meu
pai. Aos dezoito anos deixei o lugar, em busca de melhorar de vida. Mesmo
que desejasse ganhar dinheiro, não teria me tornado um peão de rodeio se
soubesse que os touros eram maltratados. Desde que parti da Fazenda
Esperança, onde meus pais ainda viviam, a vida mudou muito. Felizmente,
meus planos deram certo.
Em dez anos de uma carreira de sucesso, contabilizava muitas
vitórias, prêmios e dinheiro acumulado. Participei de competições nacionais
enquanto ainda morava com seu Jair e Dona Jandira. O casal de idosos,
amigo dos meus avós paternos, que me acolheu logo que cheguei a
Piracicaba, a primeira cidade onde morei quando decidi me tornar peão de
rodeio.
Dois anos depois, comecei a viajar para participar de torneios
internacionais. Não demorou para que me estabelecesse nos Estados
Unidos, onde aprendi muito, além de ter ganhado uma boa grana. Mesmo
não tendo sido o primeiro colocado em nenhuma competição lá, cheguei a
algumas finais. Ainda morava fora quando recebi, com genuína tristeza, a
notícia do falecimento daquele casal que me recebeu em sua casa com tanto
carinho quando mais precisei.
Após uma longa temporada no exterior, retornei ao Brasil e comprei
um bom apartamento em Barretos, interior de São Paulo. Contudo, sonhava
em um dia ter dinheiro suficiente para adquirir uma terra próxima da
fazenda Esperança, zona rural de Quimera-MG, voltar a ficar perto dos
meus pais, ter um pouco de sossego outra vez.
Não dava para ser peão a vida inteira. Eu não teria a juventude ao
meu favor por muito mais tempo. E a profissão, além de desgastante, das
viagens frequentes e da solidão, era muito arriscada. Sabia bem que um
acidente grave poderia ser fatal. Ao longo daqueles anos, preparei-me para
a hora de parar. Precisava garantir uma aposentadoria, por assim dizer.
Naquela noite, final do campeonato de Americana, para minha
felicidade saí mais uma vez vencedor, acrescentando R$50 mil à poupança
que vinha fazendo.
— Ei, cowboy! — Uma voz feminina sexy me chamou a atenção
enquanto eu caminhava.
Parei e me virei, dando de cara com uma loira exuberante, que exibia
os fartos seios siliconados no decote ousado da sua blusa.
— Pois não? — Tentei ser gentil, apesar de cansado e da habitual
falta de paciência que adquiri ao longo dos anos.
— Só queria te dar os parabéns. Você foi incrível!
— Assistiu a minha apresentação? — Analisei a jovem mais uma vez,
de cima a baixo, sem conseguir evitar pensamentos indecentes, já que ela
era gostosa pra caramba.
— Uhum. — Sorriu e se empinou um pouco mais. — Te vi saindo
sozinho e pensei que talvez quisesse companhia para o fim da noite. — Deu
um passo em minha direção e encostou em meu peito, bem na abertura da
camisa. Seu olhar de predadora e o toque malicioso despertaram meus
instintos mais primitivos. Meus olhos pousaram em seus seios,
involuntariamente.
— Adoraria companhia, bonita! — Estendi a mão para ela, que não
hesitou, mesmo que eu nem ao menos tivesse perguntado seu nome.
Passaria a noite em um hotel em Americana e só retornaria a Barretos
no dia seguinte. Competir era sempre estressante, tanto física, quanto
emocionalmente. Precisava de alívio e nada como uma boa noite de sexo
para isso.
Ajudei a garota a subir na caminhonete. Aproveitando que eu estava
atrás dela, inclinou-se mais que o necessário, arrebitando a bunda quase na
minha cara. A visão foi animadora.
— Gosta de sertanejo? — perguntei ao ocupar o banco do motorista.
— Gosto. — A moça colocou a mão na minha coxa e apertou de leve.
As mulheres andavam bem ousadas e às vezes ainda me assustava
com aquilo.
Liguei o som do carro, tocava Luan Santana.
— Qual o seu nome? — resolvi perguntar, ao dar a partida.
— Jennifer.
Deixei um sorriso torto escapulir ao ouvir, pois logo lembrei do hit
que fez sucesso uns anos atrás. Será que ela também sabia fazer “umas
paradas” diferentes na cama?
— Que cara é essa, cowboy? — Virou o rosto para me observar. —
Não vai me dizer que lembrou daquela música. — Arqueou uma
sobrancelha e, sedutora, umedeceu os lábios com a língua.
Meu corpo ficou em alerta.
— Confesso que foi impossível evitar o pensamento. Será que vai
conseguir me surpreender entre quatro paredes, Jennifer? — Ousei
provocar.
— Pode apostar. — Subiu a mão que estava em minha coxa até meu
sexo. Gemi com o toque.
— Ê, mulher! Sou acostumado a domar boi bravo.
— Então quero ver dar conta de mim.
Sustentamos nossos olhares por um instante, meu corpo já todo aceso
desejava ansiosamente pelo que ela poderia me oferecer.

Mal chegamos ao hotel e nos atracamos como dois selvagens.


Dispensando qualquer delicadeza, livrei-me da roupa dela e da minha.
— Gostosa! — Afastei-me um pouco para observá-la nua.
— Você é que é um tesão e, como eu suspeitava, muito bem dotado.
— Ela se aproximou e ajoelhou à minha frente. Ergueu o rosto e me olhou
com lascívia.
Umedecendo os lábios, envolveu meu membro ereto e latejante com
as mãos, iniciando movimentos de vaivém e depois o abocanhou,
chupando-me com experiência, arrancando-me gemidos descontrolados.
Sem deixar que ela fosse até o final, puxei-a para cima e a guiei até a
cama. Foi minha vez de saborear sua intimidade. Quando a penetrei com
dois dedos, sem parar o que fazia com a língua, pude sentir o quanto estava
quente e molhada. Naquele momento a danada contraiu os músculos de
uma forma que só me fez desejar enterrar meu pau ali.
Alucinado, afastei-me dela, sob seus protestos, para pegar um
preservativo na mochila. Após colocar a proteção, enterrei-me forte e
fundo, em uma estocada vigorosa, naquele paraíso que tinha a temperatura
do inferno.
Comecei a estocar cada vez mais rápido, agarrando com uma das
mãos os seios siliconados, atormentando os mamilos enrijecidos.
Gemíamos sem nos importarmos se quem estava no quarto ao lado nos
ouviria.
Logo ela mudou nossa posição, montando sobre mim, cavalgando
como uma verdadeira amazona.
O sexo foi quente, a mulher era mais insaciável do que eu poderia
supor, tive dificuldade em amansar a fera. Quando ela gozou pela segunda
vez, libertei-me também e desabei exausto na cama, adormecendo em
seguida.

Acordei com o barulho do chuveiro. Conferi as horas no celular,


passava das oito da manhã. Precisava levantar e me preparar para partir.
Contudo meus planos foram por água abaixo quando a beldade loira surgiu
nua e molhada na porta do banheiro, convidando-me para acompanhá-la.
Sem conseguir resistir à tentação, rendi-me. O retorno para casa
poderia aguardar mais um pouco. Depois de um sexo safado debaixo de
uma ducha morna, voltamos para o quarto.
— Estou com fome. Vamos tomar café da manhã juntos? —
perguntou ao se vestir.
— Claro — concordei sem erguer os olhos, procurando, dentro da
minha mochila, o que usar.
Apesar de adorar minhas camisas xadrez, optei por uma camiseta,
vesti uma calça jeans limpa e calcei a mesma bota da noite anterior.
Descemos para o restaurante do hotel e depois de nos servirmos,
sentamos à uma mesa em um canto.
— Vai embora hoje? — ela quis saber enquanto mexia o adoçante no
suco.
— Vou, assim que terminarmos aqui.
— Que pena! — Fez beicinho. — Adorei nossa noite e gostaria de
repetir a dose. Me ligue quando vier por aqui, ok? Quer anotar meu
telefone?
Mesmo sabendo que eu não ligaria, assenti, peguei o celular e digitei
os números que ela falou. Minha rotina era uma loucura, praticamente
impossível manter um relacionamento à distância e, no mais, a noite tinha
sido boa e ponto. Não senti nada além de prazer ao lado de Jennifer e um
relacionamento não poderia ser só sexo.
Assim que terminamos nosso desjejum, retornei até o quarto para
organizar minhas coisas, ela me acompanhou.
— Trouxe só essa mochila? — questionou de olhos arregalados,
parecendo incrédula.
— Aqui tem tudo de que eu preciso — resmunguei, sem paciência.
Vamos? Te deixo em casa. — Uma carona era o mínimo que eu poderia
oferecer.
Ela assentiu e enlaçou o braço ao meu, caminhando comigo daquele
jeito até o estacionamento.
Quando parei a caminhonete em frente ao endereço que ela me
informou, Jennifer me deu um beijo na boca, demorado e excitante, que
retribuí de bom grado.
— Me ligue, cowboy! Quem sabe a gente consiga dar um jeito de se
encontrar de novo?
Ajeitei o chapéu na cabeça, num aceno, e saí, pensativo. Desejava
algum dia me apaixonar e ter tempo para um relacionamento.

Cheguei a Barretos exausto. Depois de um banho, atirei-me na cama,


onde fiquei o resto do dia. Entre um cochilo e outro, assisti a qualquer coisa
na TV. Só saí dali para me alimentar e ir ao banheiro.
No dia seguinte, voltei para minha rotina de treinos. Acordei às sete
da manhã, comi uma omelete, tomei um copo de suco de uva integral e saí
para me exercitar.
Logo que comecei a ganhar algum dinheiro, contratei um personal
trainer. Janderson, um cara muito bacana de quem acabei me tornando
amigo. Apesar do porte de bad boy, era um doce de pessoa. Homossexual,
sempre me fazia rir com suas histórias e tentativas frustradas de encontrar
um companheiro.
Quando ele propôs que eu fizesse pilates, achei a ideia quase absurda,
mas mesmo resistente, acabei cedendo. Nem imaginava como aqueles
exercícios de alongamento e equilíbrio mudariam meu desempenho.
Após o pilates, na mesma academia, fiz musculação. O objetivo não
era ficar muito “marombado”, mas forte o bastante para me tornar mais
competitivo e diminuir os riscos de lesões.
Na parte da manhã ainda tive natação e hidroginástica. Parei na hora
do almoço. Como de costume, comi sozinho em um self-service próximo ao
meu apartamento, para onde fui depois, dormir um pouco.
Minha vida era mais solitária do que eu gostaria, sentia falta de ter
com quem conversar, como quando era adolescente e dividia as angústias e
sonhos com Cristal, a filha do patrão do meu pai. Apesar de cinco anos
mais nova que eu, ela foi minha melhor amiga. Como estaria? Será que
ainda lembrava de mim?
Já na cama, peguei o celular e o programei para despertar uma hora
depois, pois na parte da tarde tinha treino de montaria em uma fazenda a
trinta quilômetros da cidade.

— Boa tarde, Chicão! — O responsável por receber os peões me


cumprimentou, assim que cheguei. — Preparado?
— Sempre, seu Zé!
— Hoje você começa no touro mecânico, depois vai treinar um pouco
nos cavalos.
— Beleza!
Segui para o local que conhecia bem e me preparei. A máquina era
boa para fortalecer a postura, a musculatura das pernas e treinar o
equilíbrio.
Fiquei meia hora ali e segui para a arena. Gostava de treinar nos
cavalos, uma das minhas grandes paixões. Tinha saudade de Alazão, um
Manga-larga machador branco, manso, que já estava bem velhinho, mas
sempre me acompanhava em um passeio quando eu retornava à fazenda, foi
nele que ensinei Cristal a montar.
— Chicão, vai disputar o torneio de Barretos este ano? — seu Zé
perguntou logo que encerrei minha preparação naquela tarde.
— Vou sim, além de ser aqui na cidade, é uma das maiores
premiações que temos no Brasil. Ano passado não consegui chegar à final,
mas este ano estou me dedicando mais aos treinos.
— Você é muito bom, garoto. Tem chances.
— Que Deus te ouça, seu Zé!
Meu objetivo era vencer o campeonato de Barretos naquele ano e um
dia chegar à final de um campeonato internacional, pois assim teria
condições financeiras de encerrar a carreira.
A saúde do meu pai já não era mais a mesma, o que me preocupava
cada dia mais. Precisava dar o meu melhor nos treinos e competições, sentia
que minha hora de parar e retornar para casa estava chegando.
Cristal

Mal conseguia acreditar que estava mesmo segurando meu diploma


nas mãos. Os cinco anos da faculdade de Veterinária passaram mais rápido
do que poderia imaginar. Lembrava de quando cheguei a Belo Horizonte, da
primeira vez que estive no campus da UFMG, da ansiedade, do medo, da
saudade de casa.
Ao longo daqueles anos, além de estudar e aprender muitas coisas, fiz
amizades que desejava levar para a vida toda. Kaline, com quem passei a
dividir o apartamento algum tempo depois, era uma dessas pessoas. Negra
de olhos verdes, ela era linda, por dentro e por fora. Fisicamente, parecia
muito a cantora Rihanna. Assim como eu, ela pretendia ir embora, para
cuidar da fazenda da família. Apesar da tristeza da despedida, estava feliz.
Lá em casa a alegria foi em dobro: eu me formei em julho e Ravi,
meu irmão caçula, que tinha passado para Agronomia no início do ano,
também na UFMG, via SISU, entraria em agosto na Universidade. Como
nosso pai comprara o apartamento em que eu morava, meu irmão o
ocuparia em breve.
— Tem certeza de que não está esquecendo nada? — perguntei para
Kaline.
— Tenho sim, amiga. Vem cá, me dá um abraço. — Puxou-me para
si. — Sentirei muito a sua falta.
— Eu também. — A voz saiu embargada pela emoção. — Não quero
perder o contato com você, viu? Vamos continuar nos falando sempre que
possível e quando tiver uma folguinha, apareça para me visitar.
— Pode deixar. Você também sempre será bem-vinda, apareça
quando puder.
Assim que o abraço terminou, ficamos sorrindo uma para a outra com
olhos rasos d’água.
— Foram anos incríveis, né? — Suspirei, saudosa.
— Foram sim. Por falar nisso, se despediu de Jeferson?
— Sim, ele esteve aqui mais cedo, quando você saiu para resolver
suas coisas.
— E como foi?
— Triste, mas mais fácil do que imaginei... sei lá. Sempre nos demos
bem, contudo ele não era o grande amor da minha vida, entende? — Franzi
o nariz.
Ela assentiu.
Comecei a namorar Jeferson, nosso colega de turma, no segundo
semestre. Foi com ele que perdi a virgindade. Ao longo dos anos,
terminamos, tive outros relacionamentos que não duraram, reatamos, mas
nunca senti por ele aquela paixão avassaladora, ou a vontade de construir
um futuro juntos. Ainda esperava encontrar um amor assim.
— E você e o Paulo? — perguntei pelo namorado dela.
— Estava com ele antes de vir para cá. Decidimos tentar levar o
namoro à distância.
— Vocês formam um lindo casal, vou torcer para que encontrem uma
maneira de ficarem juntos.
— Obrigada, amiga. Te amo, sabia?
— Eu também te amo! — Dei outro abraço nela.
— Já vou. Paulo vem me buscar para me levar à rodoviária.
— Está bem. Boa viagem, querida, sucesso nessa nova fase da sua
vida!
Acompanhei minha amiga até a porta e depois que a tranquei, retornei
para a sala, com o intuito de terminar de fechar algumas caixas. Ao
organizar o conteúdo da última, um velho álbum de fotografias escorregou
por entre dois livros, chamando-me a atenção. Nem lembrava mais dele.
Foi impossível não sorrir ao o abrir. A primeira foto mostrava Chicão
e eu, meu único amigo de infância, brincando no riacho. A saudade daquela
época apertou meu peito.
Quando Francisco foi embora da fazenda, ao mesmo tempo que fiquei
feliz por ele, pois desejava sinceramente que conseguisse conquistar seus
objetivos, também senti algo novo que não conseguia explicar, uma
sensação de perda. Nunca tinha me afastado de alguém que gostasse tanto.
Nos primeiros dias depois da sua ida, pegava-me andando a cavalo a
esmo, recordando nossas conversas, seu sorriso lindo, que o fazia estreitar
os olhos. Aos dezoito anos, era um rapaz muito bonito, moreno-claro, com
a pele bronzeada pelo sol, cabelos e olhos castanho-claro, corpo magro,
esculpido pela lida diária, ao ajudar seu Tonho, braço direito do meu pai.
Nossa diferença de idade era a mesma que existia entre Ravi e eu.
Não conseguia compreender como eu e Chicão sempre demos tão certo, já
que aos treze anos de Ravi, minha idade quando meu amigo partiu, eu e
meu irmão vivíamos brigando, não tínhamos afinidades.
Sem ter com quem conversar e me divertir, dediquei-me aos estudos.
Amava o campo, os animais, principalmente os cavalos, e estava decidida a
me tornar veterinária. Dedicada, passei no primeiro vestibular que prestei
na UFMG, no entanto para entrar no segundo semestre, mas de qualquer
forma foi uma grande vitória.
Nas minhas férias, quando voltava para casa, sempre tinha esperanças
de reencontrar Chicão, mas isso nunca aconteceu.
Eu tinha notícias dele pela sua mãe, dona Helena. E depois que
começou a ficar famoso, sempre que um rodeio que participava era
transmitido pela TV, eu assistia. Torcia por ele, mas como disse um dia,
ainda garota, continuava achando a profissão arriscada demais.
Que saudades!
Terminei de arrumar tudo e fiquei aguardando meu pai, que viria me
buscar de carro.
Não demorou para que ele chegasse.
— Preparada para voltar, filhota? — perguntou, logo que entrou.
— Oi, pai! — Pulei nos seus braços. — Estou preparada, sim,
animada para poder cuidar dos animais da fazenda. Cadê a mamãe?
— Ela não pôde vir. Tonho não estava passando bem, achou melhor
ficar por lá, para ajudar Helena, caso precisasse.
— O que foi com ele? — questionei, preocupada.
— Parece que o coração está inchado, estão achando que pode até
precisar de marcapasso.
— Nossa, pai, coitado. — Fiquei apreensiva com a notícia. — Ravi
também não veio?
— Não, ficou resolvendo umas coisas pra mim. Mas em breve virá
trazer a mudança. Estou muito orgulhoso de vocês! Vou ter dois doutores
em casa.
— Ai, que exagero! — Revirei os olhos e ele sorriu.
— Isso é tudo que quer levar? — Apontou o que estava à nossa
frente.
— Sim, são essas três caixas e as duas malas.
— Antes de colocar as coisas no carro, quero ir ao banheiro e gostaria
de tomar um cafezinho, por acaso tem aí?
— Tem sim. Vai lá que rapidinho preparo para o senhor.
Ele anuiu, satisfeito, e saiu pelo corredor, enquanto fui até a cozinha.
Quando meu pai se afastou, recordei da época que morava na fazenda,
das brincadeiras, da amizade com Chicão. Suspirei saudosa, contente por
estar retornando.
— Que carinha de sapeca é essa? — A voz grave me despertou do
transe.
— Nada não, estava só relembrando dos tempos de criança.
Coloquei uma cápsula extraforte na cafeteira e a liguei, sentindo o
aroma gostoso invadir o ambiente em segundos, enquanto o líquido quente
caía na xícara.
— Prontinho! — Entreguei a bebida ao meu pai.
— Hmmm... Preciso confessar que o café que essa máquina faz chega
a ser tão saboroso quanto o torrado e coado lá na fazenda.
— Amo o que produzimos, mas me rendi à praticidade da máquina
expressa.
— Quem sabe um dia tenhamos nossas próprias cápsulas
comercializadas?
— Com certeza nosso café fará o maior sucesso entre esse público.
Sorrimos, cúmplices.
Ele terminou a bebida e começamos a carregar as coisas para o carro.
Quando saímos, o dia estava ensolarado. Fiquei olhando Belo
Horizonte pela janela, os prédios altos, o trânsito movimentado, as pessoas
apressadas nas calçadas... Sentiria falta da vida na cidade grande, no entanto
já não via a hora de estar de volta ao campo, lá era meu lugar.
Liguei o som baixinho, Almir Sater, com sua voz doce e melodiosa
em “Tocando em frente”, aqueceu meu coração.
Cantei junto:
“Todo mundo ama um dia
Todo mundo chora
Um dia a gente chega
E no outro vai embora
Cada um de nós compõe a sua história
Cada ser em si
Carrega o dom de ser capaz
E ser feliz”
Estava feliz por voltar para casa.
Chicão

Quando cheguei em casa, depois do dia puxado de treinos, liguei para


minha mãe.
— Oi, dona Helena! — cumprimentei com voz alegre, cheio de
saudades, assim que ela atendeu.
— Oi, filho! Que bom que ligou. Estava pensando em você. Parabéns,
pela vitória no sábado, assisti toda orgulhosa pela TV.
— Obrigado, mãe! O pai também viu?
— Infelizmente não, meu amor. — Suspirou, alarmando-me. —
Chicão, não queríamos te preocupar, por isso não dissemos nada antes, mas
Tonho não tem passado bem.
— Pelo amor de Deus, o que está acontecendo? — questionei, aflito.
— É o coração de novo... Cê tem algum compromisso por esses dias,
filho? Se puder vir pra fazenda...
— Vou sim. — Nem deixei que ela terminasse. Eu tinha treinos,
porém minha família era mais importante. — Amanhã estarei aí. Fiquem
com Deus.
Despedimo-nos e desliguei, preocupado. Culpava-me por ter sido um
filho ausente. Passava quase um ano inteiro sem ver meus pais. Retornei à
fazenda em apenas três oportunidades, nas outras eles que foram ao meu
encontro. Saber que meu velho não estava bem, martirizava-me.
Apesar da simplicidade daquela vida humilde, eu era feliz. Pensar
nisso aliviou um pouco minha angústia. Recordei das brincadeiras de
criança com Cristal. Mesmo sem nos vermos há muitos anos, pois nas
poucas vezes que retornei à fazenda ela estava de férias viajando, sempre a
considerei como uma irmã, já que não tive uma. Depois de mim, dona
Helena, minha mãe, não conseguiu engravidar mais.
Eu e Cristal costumávamos aprontar bastante, deixando nossos pais
preocupados, principalmente quando desaparecíamos pela propriedade em
busca de aventura e diversão.
Ao completar sete anos, a pequena me pediu que a ensinasse a
cavalgar. Para evitar que seu Dionísio e dona Norma, os pais dela,
descobrissem, pois poderiam não gostar, aproveitávamos o horário depois
do almoço, quando eles costumavam se recolher na sede para descansar.
Muito esperta e determinada, não demorou para que aprendesse.
Apesar de nosso cuidado em não sermos vistos, certo dia fomos
pegos. Levei uma bronca danada e fiquei de castigo, mesmo assim não me
arrependi. Ver o sorriso de satisfação de Cristal ao galopar Alazão, fez tudo
valer a pena.
— Que saudades! — murmurei sozinho.

Sujo e suado, retirei as botas e roupas, ainda na sala, e fui até a


lavanderia, onde joguei tudo em um canto. Depois cuidaria daquilo.
Tomei um banho morno relaxante. Depois me sequei e ainda enrolado
na toalha, comecei a arrumar a mala. Só parei o que estava fazendo quando
o estômago reclamou de fome.
Vesti uma bermuda de pijama e fui até a cozinha. Fiz um sanduíche,
que comi assistindo à TV, sem prestar atenção a nada. Não conseguia parar
de pensar em meu pai. Ele já estava idoso, não era a primeira vez que o
coração fraquejava devido a doença de Chagas. O cardiologista que o
acompanhava, certa vez alertou que talvez precisasse de marcapasso e
diminuir o ritmo do trabalho.
Eu ainda não tinha juntado dinheiro suficiente para garantir a minha
aposentadoria e a dele e comprar a terra que sempre sonhei, isso me
preocupava.
Depois de uma noite maldormida, retornei para minhas origens.
Passei cerca de três horas de viagem de carro, ao som das duplas Jorge e
Mateus, Henrique e Juliano e Zé Neto e Cristiano, tentando espantar as
aflições.
Quando, enfim, parei em frente à porteira da Fazenda Esperança, meu
coração sobressaltou no peito. Temia pelo que me esperava e ainda mais
pelas decisões que sabia que teria de tomar.

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