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TEORIA DO CONHECIMENTO

Elementos e conceitos básicos

LUÍS ESTEVINHA
2022.2
RESUMO

1. Simbologia, marcas e fórmulas

2. Explicações, elucidações, análises e definições

3. Normatividade vs descrição

4. Circularidades explicativas: viciosas vs virtuosas

5. Experimentos mentais: um instrumento de pesquisa em TC


RESUMO

6. Proposições, representação e significado

7. Fatos como fazedores de verdade

8. Crenças como atitudes proposicionais

9. Sobre a noção operacional de Verdade

10. Teoria do conhecimento vs teoria da justificação


RESUMO

11. Justificação epistémica vs justificação não-epistémica

12. O a priori viz-a-viz o a posteriori


1. Simbologia, marcas e fórmulas

Um símbolo do nosso léxico em TC indica:

• Fatos (usualmente ”f”)

• Conhecimento (usualmente ”Co” ou “K”

• Proposições (usualmente ”P” ou ”p”)

• Crenças (usualmente ”C” ou ”B”)

• Agentes cognitivos (usualmente ”S”)


1. Simbologia, marcas e fórmulas

Uma fórmula do nosso léxico é uma abreviação de uma frase relevante em


TC, por exemplo:

• S sabe que p

• S acredita que p

• S ignora que p

• S tem evidência para acreditar que p

• S tem razões para sustentar que p


1. Simbologia, marcas e fórmulas

Ainda mais abreviado, podem surgir nas leituras:

Skp ou SCop

SCp

SIp

SEp

SRp
2. Explicações, elucidações, análises e definições

As explicações filosóficas (EPs) são tentativas de clarificação de um


determinado problema filosófico:

Eps em TC chegam-nos normalmente em duas modalidades:

1. Elucidações filosóficas

2. Análises filosóficas
2. Explicações, elucidações, análises e definições

As explicações filosóficas (EPs) são tentativas de clarificação de um


determinado problema filosófico:

EPs em TC chegam-nos normalmente em duas modalidades:

Na modalidade de Elucidações filosóficas

Na modalidade de Análises filosóficas


2. Explicações, elucidações, análises e definições

Análises conceituais são elucidações

tornar mais explícito o que se encontra implícito

desvelar o que está escondido ou oculto

Por exemplo: explicitar e desvelar a melhor estrutura da justificação


de crenças que visam possuir um estatuto epistêmico maximamente
positivo. Para muitos epistemólogos, essa estrutura de justificação é
do tipo externista e confiabilista (veremos depois o que isto significa)
2. Explicações, elucidações, análises e definições

Análises filosóficas são tentativas de encontrar definições


filosóficas

Análises podem ser:

(i) Conceituais
(ii) Linguísticas
(iii) Lógico-simbólicas
2. Explicações, elucidações, análises e definições
Análises conceituais (as que mais nos interessam em TC)

Um conceito-chave (e.g., o conceito de conhecimento) é


decomposto e reduzido a outros conceitos

A ideia é explicar e/ou definir aquele conceito (o analisandum)


usando outros conceitos (o analisans),

Por exemplo, talvez, opinião, verdadeira sustentada racionalmente


2. Explicações, elucidações, análises e definições

Idealmente, os conceitos no analisans devem ser:

(a) mais primitivos do que aquele no analisandum


(b) mais explicativos do que o conceito no analisndum
(c) não devem ser viciosamente circulares com esse
conceito
(d) devem ser ‘equivalentes’ a ele
(e) devem ser mais informativos do que ele
2. Explicações, elucidações, análises e definições

Análises linguísticas (também nos interessam em TC)

Um termo-chave ou uma expressão-chave (e.g., termo


“conhecimento” ou a expressão ”S sabe que p”) é decomposto e
reduzido a outros termos ou expressões

A ideia é explicar e/ou definir aqueles termos ou expressões usando


outros termos e expressões mais claros e explicativos
2. Explicações, elucidações, análises e definições

Análises Lógico-simbólicas

Uma colocação epistemológica é decomposta e/ou reduzida


reduzido símbolos e relações lógicas, sintetizando e explicando

Por exemplo, o famoso Princípio do Fecho para o Conhecimento:

(Skp & (Skp → Skq)) → Skq


2. Explicações, elucidações, análises e definições

Definições são compostas por

definiendum – o que há a definir (e.g., maçã)

definiens – o que define (e.g., fruto da macieira, etc.)


2. Explicações, elucidações, análises e definições

Definições são consideradas

Reais (e.g., o ouro é o elemento com o número atómico 79)

Nominais (e.g., um solteiro é uma pessoa não-casada)


2. Explicações, elucidações, análises e definições

Definições nominais

Lexicais ou de dicionário (significado por significado –


equivalentes a reais?)

Estipulativas (introdução de um novo conceito ou significado – e.g.,


o significado de ”Paradigma” na filosofia de Thomas Kuhn)

De precisão (circunscreve-se uam conceito ou ideia de forma mais


precisa – e.g., as definições de Felicidade em Aristóteles e J.S. Mill)
2. Explicações, elucidações, análises e definições

Definições explícitas

São definições colocando condições necessárias e suficientes

X se e somente se R, Y, Z
DEFINIENDUM OPERADOR DE NECESSIDADE E DEFINIENS
SUFICIÊNCIA
2. Explicações, elucidações, análises e definições

Por exemplo (talvez uma definição verdadeira):

Alguém S é um ser-humano (definiendum/analisandum)...

se, e somente se (operador de necessidade e suficiência)...

S é um bípede sem penas com sentido de moralidade e capacidade


para desenvolver ou apreciar arte (definiens, analisans).
2. Explicações, elucidações, análises e definições
Definições explícitas

Analíticas (os conceitos no analisandum e no analisans são o


mesmo em termos de significado, e.g., um solteiro é um não-
casado)

Essencialistas (as condições nec/suf são aplicáveis a


todos os mundos possiveis, quer dizer, são metafisicamente
necessárias, e.g., a água é H 2 O)

Extensionais (e.g., uma criatura com rins é uma criatura com


coração)
2. Explicações, elucidações, análises e definições

Definições implícitas

Por ostensão – (e.g., Esta cor é o vermelho)

Contextuais – só válidas em determinado contexto


frásico completo
3. Normatividade vs descrição

Colocações em TC podem ser descritivas ou normativas

Normativas – sempre que uma prescrição ou valorização é


concebida
(e.g., não há conhecimento sem o agente cognitivo ser
epistemicamente responsável)

Descritivas – sempre que existe a exposição de um (alegado) facto

(e.g., o conhecimento é uma atividade mental)


4. Circularidades explicativas: viciosas vs virtuosas

Colocações em TC podem ser virtuosas ou viciosas

Virtuosas – sempre que o colocado em jeito de explicação não


depende daquilo que há explicar (ou, dependendo, depende de
também algo substancial em acrescimento)

Viciosas – sempre que o colocado em jeito de explicação depende


apenas daquilo que há explicar.
5. Experimentos mentais: um instrumento de pesquisa em TC

Experimentos mentais são situações hipotéticas – exemplos ou


contraexemplos

Logicamente possíveis

Que servem principalmente para mostrar casos relevantes para a TC


(e outras áreas da filosofia)...

...a propósito de conceitos, argumentos, problemas, colocações


teóricas ou objeções filosóficas
5. Experimentos mentais: um instrumento de pesquisa em TC

O experimento Matrix do cérebro na cuba a favor do ceticismo


radical, por exemplo
5. Experimentos mentais: um instrumento de pesquisa em TC

O experimento dos falsos celeiros, contra o confiabilismo epistémico


e a epistemologia das virtudes (do qual trataremos adiante)
5. Experimentos mentais: um instrumento de pesquisa em TC

O exemplo do advogado vidente (com bola de cristal)


6. Proposições, representação e significado

Proposições são unidades de sentido

Portadoras de valor de verdade (verdadeiro/falso)

Que podem descrever o mundo(descritivas)

Que podem ou não prescrever normas ao mundo (normativas)

Transmissíveis e permissíveis de informação


6. Proposições, representação e significado

Representações são imagens alegadamente mentais

Alegados modos de apreender a realidade ‘externa’

Alegadamente públicas e privadas

Alegadamente constituintes de proposições

Alegadamente informação
6. Proposições, representação e significado

Significados, em sentido corrente, são conteúdos mentais

De termos, expressões ou proposições

Prima facie, são representações mentais e públicas...

Partilháveis por uma comunidade de seres inteligentes e


conscientes (controverso)
7. Fatos como fazedores de verdade

Fatos – São estados de coisas

Estados de coisas definem-se como relações que se verificam entre


particulares e propriedades

Por exemplo, a Terra é um planeta (esférico) na via láctea é um estado


de coisas atual (é atualizado)

Por exemplo, a Terra ser plana não é um estado de coisas atual (é não-
atualizado)
7. Fatos como fazedores de verdade

Fazedores de verdade (truthmakers) – são fatos

Estados de coisas que verificam uma determinada frase ou afirmação

Por exemplo, a frase ou afirmação ”Sócrates bebeu a cicuta” é


verdadeira porque ocorreu um estado de coisas, ⎇ , que foi Sócrates
ter bebido a cicuta

Assim, diz-se que este estado de coisas ⎇ é um fazedor de verdade


8. Crenças como atitudes proposicionais

Do ponto de vista da epistemologia, crenças são atitudes


proposicionais

Atitudes proposicionais são estados – mentais e/ou psicológicos


direcionados a uma proposição

As atitudes proposicionais podem ser várias: aceitação, rejeição,


suspenção
8. Crenças como atitudes proposicionais

Considere-se a frase (proposição) O Homem esteve na Lua

É possível ter várias atitudes proposicionais

Duvidar da sua verdade

Acreditar na sua verdade

Desejar que seja verdadeira

Saber que é verdadeira


8. Crenças como atitudes proposicionais

Canonicamente...

”Duvidar”
”Acreditar
”Desejar”
”Saber”

... são formas verbais, expressões, que denotam atitudes mentais,


psicológicas, sociológicas etc. relativamente a um determinado
conteúdo proposicional
8. Crenças como atitudes proposicionais

Atitudes proposicionais (no sentido de intenções para com uma


representação) podem ser ou não ser fativas.

Por exemplo, desejar que o Homem tivesse estado na lua não implica
que isso seja verdade (ou uma falsidade)

O mesmo sucede para as atitudes de acreditar ou opinar que o


Homem tenha estado na lua...

Pois a verdade ou a falsidade – objetivas – da frase “O Homem esteve


na Lua não dependem daquilo que desejamos ou acreditamos –
depende, sim, dos fazedores de verdade – truth-makers – os fatos.
8. Crenças como atitudes proposicionais

Já a atitude de saber/conhecer que ”O Homem esteve na Lua” parece


implicar o fato-ocorrência descrito por essa frase

Pois é impossível saber o que não é, o que não existe, o que não
ocorre, quer dizer, falsidades (lição milenar de Platão e Aristóteles
contra a sofística)

Diz-se então que o uso dos verbos Saber e Conhecer é um uso fativo

Segundo este cânone, saber que p implica que p


8. Crenças como atitudes proposicionais

Crenças são atitudes proposicionais prima facie não-factivas

Mesmo que as proposições/frases alvo da atitude proposicional de


crença sejam independentemente verdadeiras...

... acreditar simpliciter que p não implica a verdade de p

e.g., acreditar que alguém é meu amigo ou que ganharei a lotaria não
implica que isso seja o caso
8. Crenças como atitudes proposicionais

Mas a atitude de crença ainda mantém uma qualquer relação com a


verdade, pois, diz-se, a crença pode ser verdadeira ou falsa

Em função de acertar ou não no que é o caso

Já a atitude de desejar, por exemplo, é completamente irrelacionada


com os estados de coisas

O desejo que a Lua seja feita de chocolate branco em nada está


relacionado: o desejo não pode ser verdadeiro ou falso, só existente
ou não existente
9. Sobre a noção operacional de Verdade

Sobre as noções elementares de verdade e falsidade:

São plausivelmente propriedade de proposições, frases e asserções

Não são, respetivamente, os fatos ou a sua ausência, mas dependem


deles para ser propriedades das entidades descritas

Não têm grau (não há mais ou menos verdade ou falsidade)


9. Sobre a noção operacional de Verdade

Teorias da verdade:

 Teoria da Verdade como Correspondência

 Teoria Coerentista da Verdade

 Teoria Deflacionista da Verdade

 Teorias perspectivísticas, relativistas, contextualistas,


contrucionistas, estruturalistas ou holistas da verdade

 Teorias Céticas da Verdade


9. Sobre a noção operacional de Verdade

Todas possuem problemas...

Seja lá qual for a nossa escolha (excetuando as teorias céticas da


verdade)...

Quando falamos de conheicmento temos de usar uma noção


operacional da Verdade

Pois a Verdade (seja lá como for concebida) parece constituir-se como


uma condição sine qua non, i.e., necessária, para o conhecimento
9. Sobre a noção operacional de Verdade

Considerem-se as seguintes afirmações (caso colocado por Aristóteles):

(1) Amanhã haverá uma batalha naval


(2) Amanhã não haverá uma batalha naval

Objectivamente, 1 e 2 não poderão ser ambas verdadeiras ou ambas


falsas

Pois, independentemente da narrrativa que se escolha, amanhã


uma terá de ser fatualmente verdadeira e a outra falsa
10. Teoria do conhecimento vs Teoria da justificação

A TEORIA DO CONHECIMENTO (proposicional: o mais


abrangente) é a teoria acerca de atitudes proposicionais fativas e
devidamente apoiadas/sustentadas/justificadas/garantidas que sejam
ou possam ser consideradas conhecimento

Por exemplo, para que a minha crença que o homem esteve na lua seja
realmente conhecimento e não apenas uma mera crença ou opinião
10. Teoria do conhecimento vs teoria da justificação

A TEORIA DA JUSTIFICAÇAO é a teoria acerca de como atitudes


proposicionais são ou devem ser...

...apoiadas/sustentadas/justificadas/garantidas

Por exemplo, para que a minha crença que o homem esteve na lua
possua um estatuto epistêmico maximamente positivo
11. Justificação epistémica vs justificação não-epistémica

Canonicamente, a justificação chamada epistêmica aumenta a


probabilidade de a proposição alvo da atitude ser verdadeira

Justificação epistêmica é a que mais desejamos na nossa prática e


vidas...

porque é ela que aumenta a proximidade das nossas crenças aos


estados de coisas, i.e., à verdade

Por exemplo, a justificação que possuímos para as nossas crenças


acerca do formato esférico da Terra é claramente epistêmica
11. Justificação epistémica vs justificação não-epistémica

Canonicamente, a justificação chamada não-epistêmica não


aumenta a probabilidade de a proposição alvo da atitude ser
verdadeira

Justificação não-epistêmica é inócua relativamente ao estado de


coisas

Por exemplo, a justificação que alguém possui para acreditar que


não está doente só porque aceita, sem razões cientificas para isso,
mas por grande confiança nos poderes benévolos dos deuses do
Olimpo e sua misericórdia, que não está doente
12. a priori e o a posteriori

Alegadamente, uma proposição a priori não depende da experiência


para ser conhecida

e.g., Nenhum quadrado é redondo

Alegadamente, uma proposição a posteriori depende da experiência


para ser conhecida

e.g., O gato Sócrates é mortal


4. BIBLIOGRAFIA DA DISCIPLINA
• Bibliografia Básica:
• DESCARTES, René.; CASTILHO, Fausto. Meditações sobre filosofia primeira. São Paulo: CEMODECON, 1999.
• FUMERTON, Richard. Epistemologia. Petrópolis: Editora Vozes, 2014.
• GETTIER, E. “É a crença verdadeira justificada conhecimento?” in Analysis, 23.6 (1963): 121-123
https://criticanarede.com/epi_gettier.html (domínio público).
• GOLDMAN, A., What is justified beleif? In critica
• HUME, David. Investigação sobre o entendimento humano. São Paulo: Editora Escala, [199-?]. (Coleção Grandes Obras do
Pensamento Universal
• MOSER, Paul; MULDER, Dwayne.; TROUT, J. A teoria do conhecimento, uma introdução temática. 2. ed. São Paulo: WMF
Martins Fontes, 2011.
• O’BRIEN, Daniel. Introdução à Teoria do Conhecimento. Lisboa: Gradiva, 2013., 25).
• OLIVA, Alberto. Teoria do Conhecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor Ltda, 2011.
• Bibliografia Complementar:
• BRANQUINHO, João; GOMES, Nelson; MURCHO, Desidério. Enciclopédia de termos lógico-filosóficos. São Paulo: Martins
Fontes, 2006.
• MATURANA, Humberto.; VARELA, Francisco. A árvore de conhecimento, as bases biológicas da compreensão humana. São
Paulo: Palas Athena, 2011 (9ª edição).

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