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APONTAMENTOS DE RESPONSABILIDADE CIVIL

1. Conceito; 2. Decomposição do
vínculo jurídico. 3. Distinção entre
dever jurídico originário e dever
jurídico sucessivo. 4. Resumo
explicativo da matéria tratada:
espécies e elementos da
responsabilidade civil.

1 Conceito

O Direito tem o propósito de viabilizar a coexistência na liberdade de cada um e de


todos no interesse do bem comum, movido pelos valores da ordem e da justiça, que devem
ser estabelecidos na solidariedade.1 Procura, ainda, o consenso sobre o certo e o errado, o
justo e o injusto, o que deve valer e o que não deve valer, garantindo a segurança nas
relações entre os homens, ao mesmo tempo, permite a cada homem encontrar-se e definir-
se dentro do seu contexto social. Quanto maior o seu grau de eticidade, maior a adesão e
obediência cívica. Bem por isso, a noção de Direito vincula-se à noção de composição dos
conflitos de interesses, tendo por escopo o atendimento desses valores essenciais de ordem
e justiça. A regra jurídica, portanto, além de funcionar como regra de conduta, também
funciona como dissipadora de conflitos, valendo como paradigma para o comportamento
futuro.
O modo de composição patrimonial dos conflitos de maneira a reparar o dano a
favor de quem o sofre pela representação pecuniária equivalente ilustra, ao longo do tempo,
a trajetória da responsabilidade civil, pois ela se assenta no elementar princípio ético de que
o dano causado pelo descumprimento de um dever jurídico deve ser reparado.
A regra é primum non nocet (em primeiro lugar não fazer o dano); feito o dano,
porque ofende o dever legal sintetizado no adágio alterum non laedere (não lesar outrem),
cumpre a obrigação de indenizar. É uma das facetas mais almejada da concreção do Direito,
a busca interminável e sempre renovável do justo e do equânime. É a tendência humana,
cara ao jusnaturalismo, sintetizada na arcaica e simplificada regra sustentáculo da vida
honesta, desde a Jura Praecepta do Direito Romano: honeste vivere, neminem laedere,

1
Estes são os objetivos fundamentais expostos no art. 3º da Constituição Federal.
suum cuinque tribuere (viver honestamente, não lesar a ninguém, dar a cada um o que é
seu).
Neste contexto mostra-se atual o conceito de René Savatier: “Responsabilidade civil
é a obrigação que incumbe uma pessoa de reparar o prejuízo causado a outra, pelo fato
próprio, ou pelo fato de pessoa e coisas que dela dependam.”2
Detalhando Savatier:
a) Dever jurídico que obriga uma pessoa, devedor, a reparar o dano causado a outra pessoa,
credor;
b) Em razão de ato próprio: confundem-se na mesma pessoa quem causa o dano e quem
terá a obrigação de repará-lo;
c) Pode o dano ter sido causado por uma pessoa, e a obrigação de indenizar recair sobre
outra pessoa, no caso o seu responsável;
d) Pode ainda o dano ter sido causado por animais ou coisas inanimadas, e a indenização
ficar por conta de quem tem a sua guarda ou propriedade.
Consiste, destarte, na obrigação do agente causador de um ato lesivo indenizar a
vítima, ajustando-se perfeitamente ao conceito genérico de obrigação, que é o direito do
credor de exigir uma certa prestação do devedor. Portanto, o instituto da responsabilidade
civil é parte integrante do Direito das Obrigações. É a tutela genérica das obrigações de dar,
fazer ou não fazer e, por esse motivo, aplica-se a ela o princípio obrigacional de quem deve
atender a indenização é o devedor, e o seu patrimônio responde pelo débito como
providencia o Código Civil no artigo 391, Título IV, do Inadimplemento das Obrigações,
Capítulo I, das Disposições Gerais, e o artigo 942, Título IX, Da Responsabilidade Civil,
Capitulo I, Da Obrigação de Indenizar.
Senão nota-se:
a) É fonte de obrigação: do dano nasce a obrigação de indenizá-lo;
b) É uma obrigação de dar pecuniária: essa indenização é o equivalente do dano em moeda
corrente;
c) É a tutela genérica das obrigações de dar, fazer ou não fazer: se impossível restabelecer o
stato quo ante pela tutela específica, resolve-se pela tutela genérica das perdas e danos.

2
2 Decompondo o vínculo jurídico

A estrutura da obrigação apresenta três elementos: o subjetivo, o objetivo e o


espiritual ou vínculo jurídico.
O elemento subjetivo é o pessoal, que reúne no pólo passivo o devedor, aquele que é
obrigado de cumprir a prestação, e no pólo ativo o credor, aquele que tem o direito de
receber a prestação.
O elemento objetivo é o componente material, cujo objeto imediato é uma prestação
de dar, fazer ou não fazer, e o objeto mediato é desvendado na resposta à seguinte pergunta:
dar, fazer ou não fazer o quê?
O elemento espiritual é o vínculo jurídico, o liame que liga os pólos passivo e ativo
de uma obrigação, possibilitando a este exigir daquele o objeto da prestação. Revela a
jurisdicidade da relação jurídica obrigacional. Desdobra-se em dois momentos, o dever
jurídico originário e o dever jurídico sucessivo.

3 Distinção entre dever jurídico originário e dever jurídico sucessivo

Não a gosto dos processualistas que resumem os dois momentos em único, o


Código Civil, no artigo 389, distingue obrigação e responsabilidade: não cumprida a
obrigação (dever jurídico originário), o devedor responde por perdas e danos (dever
jurídico sucessivo). Se por conta do contrato o devedor não pode revelar determinado
segredo profissional, e o revela, é responsabilizado. O inadimplemento da obrigação de não
fazer, é fonte de nova obrigação de dar na modalidade pecuniária, pois a indenização será
em dinheiro. São duas obrigações distintas, mesmo quanto à modalidade.
A obrigação originária de não fazer nasce pela vontade das partes, enquanto a
obrigação sucessiva de dar pecuniária, ao contrário, independe da vontade das partes, é uma
resposta da ordem jurídica ante o inadimplemento de um contrato.
A distinção entre dever jurídico originário e dever jurídico sucessivo é construção
do Direito alemão, por intermédio de Alois Brinz, o primeiro a separar esses dois
momentos na relação jurídica obrigacional. Para ele o débito, que chama de Schuld, é o
pagamento espontâneo pela realização da prestação, que depende com exclusividade de
uma ação ou omissão do devedor. Já a responsabilidade, que chama de Haftung, é o direito
do credor de investir contra o patrimônio do devedor e obter a devida indenização pelos
prejuízos experimentados ante o não cumprimento da obrigação originária. É o pagamento
forçado com o socorro do Poder Judiciário.
Demais disso, os autores alemães demonstram a existência de obrigação sem
responsabilidade. É o caso das dívidas de jogo e das obrigações prescritas. A obrigação é
imperfeita ou natural, isto é, desprovida do momento sucessivo da responsabilidade. Há
devedor e credor, prestação e vínculo jurídico, este, porém, apenas no seu primeiro
momento: o débito que é o pagamento espontâneo. Se pagar é pagamento com direito de
retenção. Falece, não obstante, do momento sucessivo da responsabilidade, ou seja, o
credor não pode, via Poder Judiciário, forçar o pagamento a fim de receber seu crédito.
Não apenas. No caso da fiança, há a responsabilidade, mas não o débito. O fiador
não é devedor, é um garante do devedor. Se este não paga a prestação, só então surge a
responsabilidade do fiador. Logo, o fiador tem apenas a responsabilidade e não o débito.
Destarte, a relação jurídica obrigacional apresenta dois momentos bem distintos: se
o devedor não pagar a prestação espontaneamente, surge, em razão desse inadimplemento,
a responsabilidade, quando o credor promove ação sobre os bens do devedor. Aqui se
encontra a responsabilidade civil contratual, que será vista oportunamente.

2 Resumo explicativo da matéria tratada

A responsabilidade civil, portanto, é o dever jurídico derivado diretamente da lei


(extracontratual) ou da inexecução de uma obrigação adrede celebrada (contratual), que
obriga uma pessoa, devedor, a reparar o dano patrimonial ou moral causado a outra, credor,
em razão de ato próprio (direta), de ato de pessoa por quem responde, fato animal ou de
coisa inanimada de sua propriedade ou sob a sua guarda (indireta), seja por culpa
(subjetiva), por simples imposição legal, ou pela exploração de atividade perigosa
(objetiva).
Dessa forma, pertinente a classificação de Maria Helena Diniz, consoante segue
abaixo.
a) Quanto ao fato gerador:
Responsabilidade civil contratual deriva do inadimplemento de um negócio jurídico
bilateral ou unilateral.
Responsabilidade civil extracontratual decorre da violação de um dever jurídico geral
exposto na lei.
b) Quanto ao fundamento:
Responsabilidade civil subjetiva implica na conduta lesiva culposa ou dolosa.
Responsabilidade civil objetiva a conduta prescinde de culpa ou dolo, ou porque
prevista em lei, ou na justificativa da teoria do risco.
c) Quanto ao agente:
Responsabilidade civil direta oriunda de ato próprio, a pessoa que produz o dano é a
responsável pela indenização.
Responsabilidade civil indireta o causador do dano é um terceiro vinculado ao
responsável pela indenização, ou o dano é causado por animal ou coisa inanimada sob
sua guarda.
Por outro lado, a responsabilidade civil apresenta os seus elementos:
A conduta que é sempre uma
ação ou omissão humana.
O dano a interesses ou direitos alheios, seja patrimonial ou moral.
O nexo de causa e efeito é a relação entre a conduta, como causa, e o dano, como efeito.

Espécies de Responsabilidade Civil I


Responsabilidade civil quanto ao fato 1.
gerador: 1responsabilidade civil
contratual. 2. responsabilidade civil
extracontratual

1 Responsabilidade civil contratual

Dois casos. Primeiro, celebrado o compromisso de compra e venda, o promitente


vendedor deixa de entregar o bem ao promitente comprador, sem motivo jurídico a
justificar a sua conduta.
O artigo 389 preceitua: “Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas
e danos (...)” Há o inadimplemento da obrigação, acordo prévio estabelecido pela vontade
das partes. A obrigação originária (de dar coisa certa), porquanto não cumprida, é fonte de
nova obrigação, implicando ao devedor indenizar o prejuízo sofrido pelo credor (de dar
pecuniária).
Surge, então, a responsabilidade civil contratual na violação de uma obrigação
celebrada entre as partes; há o não cumprimento de um contrato. De efeito, as obrigações
devem ser cumpridas no tempo, lugar e forma convencionados. O seu cumprimento é a
regra, no caso de inadimplemento, relativo ou absoluto, assiste à parte lesada o
ressarcimento pelas perdas e danos.
Via de conseqüência, para que ocorra a responsabilidade civil contratual é
indispensável que preexista um contrato válido entre devedor e credor; válido porque o
contrato não produzirá efeitos jurídicos se eivado de nulidade contemporânea à sua
formação. Pelo princípio da obrigatoriedade as partes vinculam-se ao contexto do contrato
de forma irresistível. A vontade é livre até que se obriga, uma vez obrigada gera efeitos
jurídicos: a conduta passa a ser pautada pela obrigação contratada, por isso se diz que o
contrato é lei entre as partes.

Compromisso de compra e venda – Impossibilidade de transcrição


do título no registro imobiliário – Cessão do mesmo lote a outra
pessoa – Direito a indenização por perdas e danos – Valor da
indenização. Se o contrato tornou-se inexeqüível por culpa da
promitente vendedora, tem esta de responder pela reparação dos
prejuízos do promissário comprador, cujo montante será o valor
atual do imóvel negociado, a ser apurado em liquidação, mais os
consectários comuns da sucumbência e da mora (TJMJ, ap. 62.028,
da Comarca de Belo Horizonte, j. 04.08.83, rel. Des. Humberto
Theodoro, in THEODORO JUNIOR, Humberto, Responsabilidade
civil: doutrina e jurisprudência, 3 ed. Rio de Janeiro: Aide Ed.,
1993, p. 337).

Pode ainda essa espécie de responsabilidade civil derivar do descumprimento de um


negócio jurídico unilateral, aquele que há manifestação de vontade de uma parte em uma
única direção, colimando um só objetivo, verbia gratia, o testamento, a renúncia, o título ao
portador, a promessa de recompensa (arts.854 a 860).
Curioso painel fixado em pontos estratégicos da cidade trazia o seguinte anúncio:
“volta Peteleco”, e oferecia recompensa para quem encontrasse o cão errante. A declaração
de vontade obriga o declarante, desde o instante em que se torna pública, visto que ela se
destina à pessoa indeterminada. A determinação dá-se no momento em que se preencherem
as condições de exigibilidade da prestação, no caso o encontro e restituição do animal.
Alguém que encontrasse o cão e o restituísse tornaria credor da recompensa. Se não paga,
teria o direito de reclamá-la, perante o Poder Judiciário.
Não diferente a promessa de recompensa mediante sorteio, como por vezes faz o
comércio varejista nas suas propagandas de vendas promocionais.

Indenização. Responsabilidade civil. Inadimplemento de premiação


obtida em sorteio. Hipótese de promessa de recompensa, vinculado
o promitente. Verba devida. Recurso provido. A oferta de prêmios
mediante sorteio configura promessa de recompensa, a qual,
efetuada publicamente, vincula o promitente (TJSP – 2ª Câm. de
Férias – rel. Des. Walter Moraes, j. 20.08.93, in JTJ Lex 150/83).

Considerando que esta espécie diz respeito ao contrato e ao negócio jurídico


unilateral, José Jairo Gomes prefere chamá-la de responsabilidade civil negocial. A
tradição, todavia, prefere a denominação responsabilidade civil contratual, passando a
espécie a nomear o gênero.3
São seus elementos:
a) a conduta que descumpre um negócio jurídico bilateral ou unilateral (ato ilícito
contratual);
b) o dano daí decorrente;
c) o nexo de causa e efeito entre um e outro.

1.1 Jurisprudência

Tratando-se de contrato de locação de cofre, o banco depositário é


responsável pelos danos materiais decorrentes de assalto, devendo
as coisas ser restituídas ao stato quo ante, sendo considerada nula a
3
GOMES, José Jairo. Direito civil: introdução e parte geral. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 496: “Diz-se
negocial a responsabilidade quando encontra-se ligada a negócio jurídico firmado pelas partes. A
responsabilidade negocial abrange, pois, a responsabilidade contratual e a relativa a negócio jurídico
unilateral. Note-se, porém, que essa modalidade é tradicionalmente denominada responsabilidade contratual.
A espécie, aí, passou a nomear o gênero”.
cláusula de não indenizar, em obediência às regras do Código de
Defesa do Consumidor – Súm. 297 do STJ – Dano moral não
demonstrado – Juros moratórios da citação, por tratar-se de
obrigação contratual – Art. 1.536, § 2º, do CC/1916 – Sucumbência
recíproca mantida – Recursos improvidos (1º TACivSP, 12ª Câm.,
j. 1º.06.2004, rel. Juiz Paulo Eduardo Razuk, RT 832/239).4

O credor que, no abuso de seu direito, protesta duplicata já paga,


responde civilmente pelos danos morais e materiais decorrentes de
sua atitude. O dano moral é presumido, razão pela qual a ocorrência
do fato, sem que tenha havido culpa concorrente da vítima, faz
surgir o dever de indenizar que, todavia, deve ser arbitrado de
forma moderada, segundo o princípio do sistema aberto e de acordo
com o prudente arbítrio do juiz (1º TACivSP, 7ª Câm., j.
29.10.2002, rel. Juiz Ariovaldo Santini Teodoro, RT 813/268).5

O advogado somente será civilmente responsável pelos danos


causados a seus clientes ou a terceiros, se decorrentes de erro grave,
inescusável, ou de ato ou omissão com culpa, em sentido largo
(STF, Tribunal Pleno, j. 06.11.2002, RDA 234/360).6

A incorreção de tratamento odontológico, realizada por profissional


imperito, enseja a indenização por dano material. Dessa forma, os
valores despendidos no serviço inadequado devem ser
reembolsados, bem como o novo tratamento protético que foi
realizado por outro dentista especializado (TJSP, 5ª Câm. Dir.
Privado, j. 05.06.2003, rel. Des. Rodrigues de Carvalho, RT
818/199).

2 Responsabilidade civil extracontratual

Segundo caso, um bar passa a promover música eletrônica, e o som estridente


escapa do local, perturbando os moradores vicinais com decibéis acima da regulamentação
permitida. Comete um ato ilícito, descrito no artigo 186: “Aquele que, por ação ou omissão

4
Cláusula de não indenizar nos contratos de depósito contraria a essência do contrato, cf. CC (ver RT 670/73,
616/31) e não é admitida no CDC, arts. 24 e 25. Súm. 297, STJ: O Código de Defesa do Consumidor é
aplicável às instituições financeiras.
5
O acórdão refere-se a credor, logo há contrato celebrado entre as partes.
6
Sobre responsabilidade civil do advogado consultar: RT 787/143, 772/362, 749/267, Repertório IOB de
Jurisprudência 3/12.892, Boletim da AASP 613, 14 a 20.10.2002, RJTJSP 68/45, 125/176, JTJ-Lex 172/9.
voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que
exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
De efeito, o artigo 1.277 dispõe: “O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o
direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos
que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha.” Há o inadimplemento
de um dever jurídico legal, ou seja, da vontade do Estado exposta na lei. Violado este dever
legal, nasce a obrigação de indenizar o prejuízo.

Direito de vizinhança – Poluição sonora – Dano moral –


Indenização – Verba devida em razão do desassossego e
desconforto causados pelas turbações acústicas. Emenda Oficial: o
desassossego e o desconforto causados pelas turbações acústicas
são capazes de gerar prejuízos ensejadores de danos morais (2º
TACivSP, 11ª Câm., Ap. 836061-0/7, rel. Juiz Egidio Giacoia, j.
em 23.08.2004, RT 830/259).

A responsabilidade civil extracontratual deriva da ofensa à norma jurídica, abstrata e


geral, regulamentadora da vida das pessoas em sociedade. Também chamada de aquiliana,
uma vez que remonta à Lex Aquilia de Damno, cerca de 250 a. C., proposta pelo tribuno
Aquilio.
São seus elementos:
a) a conduta que descumpre um dever legal (ato ilícito extracontratual);
b) o dano daí decorrente;
c) o nexo de causa e efeito entre uma e outra.
Vale observar, nas duas modalidades sempre existe um dever jurídico precedente, o
que as distingue é a natureza desse dever jurídico violado. Na contratual o dever jurídico
decorre da vontade das partes, o contrato, ou a vontade unilateral, promessa de recompensa.
Na extracontratual, da vontade do Estado, a lei. Portanto, em uma ou na outra a conduta
qualifica-se pelo ato ilícito.
A declaração de vontade é fonte de direito, assim a vontade declarada pelas partes
ou pela lei vincula à sua observância. No contrato existe um dever jurídico positivo do
contratante, dever de cumprir o contrato, e o seu inadimplemento impõe a responsabilidade.
Na responsabilidade civil aquilina o dever jurídico negativo é de não prejudicar (neminen
laedere), provada a ofensa à norma e o dano a outrem evidencia a responsabilidade.7
Esta é a teoria dualista eleita pelo Código Civil, embasada na dicotomia que separa
as duas espécies de responsabilidade civil. Os adeptos da teoria monista ou unitária não
aceitam esta distinção; para eles as duas espécies conduzem para os mesmos efeitos
jurídicos, e requerem os mesmos pressupostos a começar pela conduta lesiva timbrada pelo
ato ilícito, contratual ou legal.

2 Jurisprudência

Ação ordinária indenizatória. Estacionamento rotativo de carro em


logradouro público. Subtração de veículos. Hipótese contrária a
Súm. 130 do STJ. No caso do sistema de vaga certa, o pagamento
só confere ao usuário a utilização do local da via pública, de uso
comum do povo, destacado com o fim de ordenar o espaço público,
garantindo a necessária rotatividade nos grandes centros urbanos.
Na espécie, não há contrato de depósito, de guarda do bem sob
prometida vigilância e proteção. A regulamentação do poder de
polícia nos logradouros públicos, em estacionamento aberto, não
pode acarretar ao ente público a ampliação de sua responsabilidade
para responder pela guarda e depósito do bem (TJRJ, 12ª Câm. j.
14.06.2005, rel. Des. Gamaliel Quinto de Souza, RT 841/333).8

É personalíssimo o direito à imagem e à intimidade. Se, com intuito


de angariar maior audiência, conhecido programa dominical de
televisão utiliza a imagem de consagrado galã de novelas,
contratado de emissora concorrente, fazendo alarde de um leilão de
roupa íntima que teria sido usada pelo ator em tradicional peça
teatral “Paixão de Cristo”, realizada no estado da Paraíba durante a
“Semana Santa”, sem obter previamente a indispensável
7
Dias, José Aguiar. Cláusula de não-indenizar: chamada cláusula de irresponsabilidade, 4 ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1980, p. 34: “O fato de não existir contrato entre a vítima e o responsável não estabelece,
como aquele ponto de vista faz crer, que a responsabilidade extracontratual se configure na ausência de
obrigação anterior, porque, além da obrigação contratual, existe, quando não se queira descer a
especificações, a obrigação de não violar a norma jurídica e, afinal, a obrigação ampla de não lesar, neminem
laedere.”
8
A hipótese aparta-se dos estacionamentos ofertados por casas comerciais, supermercados, shopping center,
que por usufruírem benefícios, têm responsabilidade civil pelo furto ou avaria nos veículos. “Os shopping
centers que oferecem estacionamentos gratuitos a seus clientes não se isentam de responsabilidade por furto
de veículos colocados sob sua guarda, pois é certo que a retribuição pelos serviços está devidamente incluída
no preço do custo das mercadorias. O relacionamento existente entre o cliente usuários do estacionamento e a
administração do shopping não se caracteriza como contrato de depósito típico, mas como prestação de
serviço que podem ser definidos como de segurança” (TJSP, 7ª Câm., j. 02.11.88, rel. Des. Sousa Lima, RT
639/60). De igual teor: RJTJSP 137/388, 135/150. Furto de veículo em estacionamento de supermercado,
obrigação deste de indenizar: RT 832/228.
autorização para essa exposição pública, respondem
concorrentemente o apresentador do programa e a emissora pelo
efeito lesivo daí decorrente. O fato de ser dito que o produto obtido
seria destinado a instituição de caridade, não descaracteriza a ofensa
ao direito do autor. Sendo um profissional de atividade artística,
consagrado na mídia, sua imagem não pode ser utilizada, sem a sua
anuência, como atração para aumentar a perfomance de empresa
com a qual não mantém vínculo contratual (TJRJ, 9ª Câm., j.
04.05.2004, rel. Des. Laerson Mauro, RT 836/301).9

Dano Moral – Indenização – Morte de detento que se encontrava


sob a guarda da Administração Pública – Negligência do Estado em
zelar pela integridade do presidiário caracterizada – Hipótese em
que a verba indenizatória deve ser fixada em termos razoáveis,
sendo descabido seu pagamento via precatório em virtude da
pequena monta. Ementa Oficial: Havendo morte de presidiário que
se encontra sob a guarda da Administração Pública, a
responsabilidade em indenizar a família da vítima é do Estado,
sendo essa objetiva. A indenização a título de dano moral deve ser
fixada em termos razoáveis, sendo impossível que a reparação
venha a constituir-se em enriquecimento indevido, nem em valor
ínfimo. Incabível o pagamento da obrigação por precatório quando
o seu valor for de pequena monta. (TJRO, Câm. Especial, j.
18.02.2004, rel. Des. Rowilson Teixeira, RT 832/351).

Responsabilidade civil.Danos morais e materiais. Inundação em


subsolo de hotel. Bueiros e galerias pluviais entupidos.
Responsabilidade civil subjetiva. Demonstração do dano e do nexo
causal. Omissão das autoridades do Município. Inexistência de
excludentes de responsabilidade. Recurso necessário conhecido e
desprovido (TJRN, 3ª Câm. Civ., j. 12.06.2006, rel. Des. João
Rebouças, RT 852/350).10

9
O direito à imagem, como exceção aos direitos da personalidade, pode ser cedido para exploração
econômica, mas sempre com o consentimento da pessoa. A CF, no art. 5º, X, garante a inviolabilidade do
direito à imagem. Poética, nem por isso menos jurídica, a passagem de Álvaro Antônio: “Minha imagem
pertence a todo mundo, tanto ao sol quanto ao regato, mas eu não quero que a profanem, porque ela
representa um homem e é presente de Deus”, in João Carlos Bianco. A obra fotográfica, o direito à imagem,
à vida privada e à intimidade, Revista Justitia, órgão do Ministério Público do Estado de São Paulo, vol. 189-
192, p. 206.
10
Diferentemente quando fortes chuvas, imprevisíveis e inevitáveis, atingem a cidade: “Evidenciada a força
maior em razão de situação excepcional de fortes chuvas que assolaram a cidade, afasta-se a responsabilidade
civil do Município em reparar os danos causados a munícipe por enchentes se inexistem provas de que a
Administração municipal tenha agido com culpa, tanto no que ser refere a eventuais entulhos que dificultaram
a vazão de águas do rio ou entupiam bocas de lobo, quanto à aprovação do loteamento em que foi construída a
casa atingida pela inundação” (RT 843/240). Atenção: a responsabilidade civil do Estado – União, Estados
Membros, Municípios e suas autarquias etc. – é objetiva, CF, art. 37, § 6º, CC, art. 43. As exceções é quando
da prestação de serviços, como neste caso. Ver na doutrina: CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de
responsabilidade civil, 7 ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 218 e seguintes.
O veículo automotor, cada vez mais sofisticado e veloz, quando
entregue nas mãos de motoristas menos preparados, em face da
embriaguez, passa a constituir uma arma perigosa, impondo grande
risco às pessoas que se encontram nas vias públicas. Ora, se não
querem o resultado lesivo, assumem pelo menos o risco de produzi-
lo (TJSP, 5ª Câm. Criminal, j. 15.12.94, rel. Des. Silva Pinto, in Rui
Stoco. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e
jurisprudência, 7 ed. São Paulo: RT, 2007, p. 1.420).11

Espécies de Responsabilidade Civil II


Responsabilidade civil quanto ao fundamento:
subjetiva e objetiva

1 Responsabilidade civil subjetiva

Outros dois casos. Um motorista transita por via tributária, não respeita o sinal de
trânsito de parada obrigatória, invade a pista preferencial e ocasiona acidente com dano
material.
Trata-se da responsabilidade civil subjetiva (ademais extracontratual), que conforta
a sua justificativa na culpa lato sensu, isto é, tanto a culpa strito sensu nas manifestações da
negligência, imprudência e imperícia, como no dolo.
No exemplo, o motorista labora com culpa ao contravir o sinal regulamentar de
trânsito, embora o seu entendimento ético-jurídico fosse no sentido de portar-se com a
prudência recomendada, parando o veículo ante a advertência de normatização do tráfego, e
neste sentido devesse ser a sua determinação volitiva, pois assim a circunstância exigia.
Entretanto age com imprudência, e o efeito jurídico é contrário à sua vontade, deve
ressarcir as perdas e danos então decorrentes.
Responsabilidade civil – Acidente de trânsito – Inobservância da
placa de “Pare”, avançando por cruzamento de via preferencial –
Indenizatória procedente, quer também quanto à desvalorização do
veículo, admitida a incidência da correção monetária (1º TACivSP,

11
Nélson Hungria assinala, ainda antes da metade do século passado, que o automóvel se transformara “num
verdadeiro flagelo, a matar mais que a própria peste branca ou a peste céltica”, e Castro Veiga faz a seguinte
imagem: “surgiu um tipo novo de doença a que se deu o nome de cronopatia, tão maléfica e nociva quanto a
peste que se convencionou chamar de “AIDS”. Fora do contrato de transporte, o acidente de trânsito é
responsabilidade civil extracontratual e subjetiva.
8ª Câm., j. 21.10.1980, rel. Juiz Negreiros Penteado, JTACSP
70/75).12

Nota-se, essa espécie de responsabilidade civil inspira-se na idéia de culpa. Seja a


culpa estrito senso manifestada pela negligência, imprudência ou imperícia, que se opõe ao
dolo, seja a culpa lato senso, que inclui o dolo. Na primeira, o agente causador do dano
quer a conduta, mas não quer o dano; no caso de dolo, quer tanto a conduta como o dano.
A previsão legal esteia-se na cabeça do artigo 927: “Aquele que, por ato ilícito (arts.
186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”
São seus elementos:
a) uma conduta culposa (culpa lato senso);
b) o dano daí decorrente;
c) nexo de causa e efeito entre um e outro.

Indenização – Dano moral – Envio de mensagem eletrônica –


Calúnia. A violação da honra, em virtude de envio de mensagem
eletrônica, imputando falsamente a prática de fato definido como
crime, enseja dano moral (TAMG, 2ª Câm. Civ., rel. Juiz Roberto
Borges de Oliveira, publ. DJMG 03.03.2004, in RJ 317/139).

Indenização – Dano moral – Cheque pós-datado – Apresentação


antecipada – Devolução – Inscrição de nome – Cadastro de
emitentes de cheques sem fundos (...). Sendo o cheque emitido para
pagamento em data posterior, sua apresentação antecipada, dando
ensejo a sua devolução por insuficiência de fundos e inscrição do
emitente no cadastro de emitentes de cheques sem fundos, implica o
dever de reparação por danos morais (...) (TAMG, 2ª Câm. Civ.
Rel. Juiz Alberto Aluízio Pacheco de Andrade, publ. DAMG
04.03.2004, in RJ 317/139).

A responsabilidade civil no transporte puramente gratuito é


aquiliana e não contratual, respondendo o transportador pelos danos
que causar ao carona em razão de culpa grave na condução do
veículo. Inteligência dos arts. 186 e 927 do CC. (TJMA, 3ª Câm.
Civ., j. 20.10.2005, rel. Desa. Cleonice Silva Freire, RT 845/327).13
12
Atualmente com o avanço da mecânica que proporciona a substituição de peças, sem deixar vestígio da
colisão, não mais se admite a desvalorização do veículo. Exceto nos casos em que a evidência da colisão fica
marcante no veículo, pela impossibilidade de sua recuperação total.
13
A responsabilidade civil nos transportes onerosos de pessoas e mercadorias é contratual e objetiva, como se
verá logo em seguida. Além do transporte gratuito ou de cortesia e o oneroso, existente uma terceira
categoria, o transporte aparentemente gratuito ou interessado, ad exemplum, o que o patrão oferece ao
empregado na ida e volta do trabalho, do corretor que leva cliente ao imóvel que está a venda etc. Como regra
Responsabilidade civil – danos a prédio vizinho – Indenização
pleiteada pelo locatário – Possibilidade – Titular de fundo de
comércio. Tem legitimidade para cobrar o reembolso do que gastou
na reforma do imóvel danificado por culpa do vizinho o locatário
que, havendo ali instalado seu estabelecimento comercial, o
incorporou a essa universidade de bens que é seu fundo de
comércio (1º TACivSP, 2ª Câm., j. 24.03.83, rel. Juiz Rangel
Dinamarco, RT 580/162).

Civil e processual civil. Acidente rodoviário. Veículo de transporte


pesado que invade pista em sentido contrário vindo a causar
sinistro. Dano moral e material. Cabimento. Boletim de ocorrência.
Presunção juris tantum. Ausência. I – Demonstrada a culpa do
motorista que, ao invadir a pista de rolamento em sentido contrário,
causou grave acidente de trânsito, impõe-se o dever de indenizar. II
– O boletim de ocorrência não goza de presunção juris tantum dos
fatos articulados, vez que o policial registra o fato de acordo com o
que lhe é narrado, não fazendo por isso prova absoluta. III –
Recurso não provido (TJMA, 2ª Câm. Civ., j. 17.10.2006, rel. Des.
Antônio Guerreiro Júnior, RT 858/328).

2 Responsabilidade civil objetiva

O segundo caso pode ser reproduzido no contrato de transporte. Alguém adquire


uma passagem de uma cidade para outra com determinada empresa. Celebra, pois, uma
obrigação de fazer, cujo conteúdo é de resultado. Se não cumprida, a empresa
transportadora responde pelos prejuízos sofridos pelo passageiro sem indagação do
elemento subjetivo da culpa.
É a responsabilidade civil objetiva prescinde da atitude culposa ou dolosa do agente
causador do dano, basta a relação de causa e efeito entre o dano experimentado pela vítima
e o ato do agente. Estabelecida esta causalidade surge, de pronto, a obrigação de indenizar.
Por isso, é também denominada responsabilidade civil sem culpa.

Responsabilidade civil – Indenização – Transporte rodoviário de


passageiros – Extravio de bagagem – Passageira que não indicou o
que levava em sua mala – Irrelevância – Transportador que assume
geral, no acidente de transito a responsabilidade é extracontratual e subjetiva. A exceção é o contrato de
transporte (CC, art. 734).
responsabilidade de resultado atinente à chegada ao destino
contratado não só do passageiro, mas também de seus pertences –
Verba devida. Ementa da Redação: Tratando-se de extravio de
bagagem em transporte ferroviário, é devida indenização à
passageira, ainda que não indicado o que levava em sua mala, uma
vez que em contrato de transporte, assume o transportador a
responsabilidade de resultado atinente à chegada não só do
passageiro, mas também dos seus pertences ao destino contratado
(1º TACivSP, 2ª Câm., j. 10.11.2004, rel. Juiz Borelli Thomaz, RT
835/250).

A responsabilidade civil objetiva, no caso em testilha, é prevista na lei. Dispõe o


artigo 734 do Código Civil: “O transportador responde pelos danos causados às pessoas
transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula
excludente de responsabilidade.”
A exclusão da culpa traz maior abrangência à responsabilidade civil, protegendo de
forma mais ampla as vítimas inocentes de danos. No Código Civil de Bevilaqua o centro da
responsabilidade civil era a culpa, com raras exceções à teoria objetiva, quando diretamente
prevista em lei, assim entendendo, por exemplo, o próprio contrato de transporte e o fato
animal,14 entre outros poucos.
A novidade reside, destarte, na previsão genérica da cláusula geral da
responsabilidade sem culpa com fundamento na idéia do risco criado, e mitigado, ou do
risco integral em casos especialíssimos.
O risco criado foi equacionado com lucidez por Caio Mário da Silva Pereira:

(...) o conceito de risco que melhor se adapta às condições de vida


social é o que se fixa no fato de que, se alguém põe em
funcionamento uma qualquer atividade, responde pelos eventos
danosos que esta atividade gera para os indivíduos,
independentemente de determinar se em cada caso, isoladamente, o
dano é devido à imprudência, à negligência, a um erro de conduta, e
assim se configura a teoria do risco criado.15

Por conseguinte, a obrigação de reparar o dano surge da atividade normalmente


exercida pelo agente, atividade esta que cria um risco a interesses ou direitos de outrem.
14
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil – direito das obrigações, 2ª parte, 13 ed. São
Paulo: Savaiva, 1976-78, p. 401. PEREIRA, Caio Mário da Silva . Responsabilidade civil, 2 ed. Rio de
Janeiro: Forense, 991, p. 121. RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil – responsabilidade civil, 18 ed. São Paulo:
Saraiva, 2000, vol. 4, p. 140 e 141.
15
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil, 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 288.
Não se cogita nesta teoria se o agente tira proveito ou vantagem da atividade que exerce,
(ubi emolumentum, ibi onus), mas que a atividade seja, em si mesma, potencialmente
geradora de risco a terceiros.16
Estabelecido o nexo de causalidade entre a conduta e o dano, sem cogitar do
elemento subjetivo da culpa a qualificar a conduta, está aperfeiçoada a
responsabilidade objetiva. Não se investiga a imputabilidade e nem se investiga a
antijuridicidade do fato danoso, considera-se, sim, se ocorreu o evento e se dele
emanou o dano.
A sua previsão legal deriva do parágrafo único, do artigo 927: “Haverá obrigação de
reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a
atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco
para os direitos de outrem.” São duas situações bem distintas:
a) quando a objetividade é prevista diretamente em lei, a exemplo dos artigos 936 a 940, as
relações de consumo, o dano ambiental e nuclear, a responsabilidade do Estado e das
pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos etc.;
b) quando por sua própria natureza, a atividade desenvolvida coloca em risco os membros
da sociedade.
Nesta última situação repousa a novidade contida em cláusula geral17, pois o
legislador não listou os casos em que a responsabilidade civil objetiva deve ser aplicada,
deixando a cargo do hermeneuta, de acordo com dois parâmetros impostos pela lei:
a) a causa do dano é uma atividade, entendida aquela normalmente desenvolvida;
b) essa atividade tem potencial de por em risco direitos alheios.

Responsabilidade civil – Administradora de cartão de crédito –


Anotação de nome em cadastros restritivos de forma indevida –
Dano moral – Alegação de fato de terceiro incomprovada e ausente
qualquer culpa do autor – Dever de indenizar da empresa ditado
16
A teoria do risco proveito é que consagra a regra ubi emolumentum, ibis onus, baseada na idéia de quem tira
proveito ou vantagem de uma atividade, se causa dano a outrem, tem a obrigação de repará-lo.
17
Cláusulas gerais e os conceitos legais indeterminados apresentam conceitos cujos vocábulos empregados
pelo legislador têm densidade semântica intencionalmente vagas e abertas, permitindo ao juiz preenchê-las
com valores a serem encontrados no julgamento de cada caso concreto. Dá mobilidade ao sistema do CC,
deixando-o vivo e atualizado. Abrange todo um domínio de casos. Distinguem-se, as cláusulas gerais e os
conceitos legais indeterminados, porque neste a norma já prevê a conseqüência, i. é, a solução a ser dada pelo
juiz é aquela adrede prevista na norma. As cláusulas gerais, não. A norma não prevê a conseqüência, dando ao
juiz a oportunidade de criar solução (vide Nery, Nelson e Rosa, CC anotado e legislação extravagante, 2 ed.
São Paulo: RT, 2003, p. 141 e seguintes).
pela doutrina do risco profissional – Dano moral que independe da
demonstração de prejuízo econômico – Montante da indenização
mantido porque razoável e justificado – Recurso da ré e adesivo do
autor improvidos.

Destaca-se do corpo do acórdão:

Com a propriedade de sempre, Caio Mário da Silva Pereira


esclarece: “Resume, então, a doutrina do risco, desvestida das
restrições de ordem técnica, nesta forma: ‘todo prejuízo deve ser
atribuído ao seu autor e reparado por quem o causou’. O problema
será, portanto, de causalidade. ‘Todo fato do homem obriga aquele
que causou um prejuízo a outrem a repará-lo’ (Georges Ripert, La
Règle Morale, n. 115). Fica, assim, assentado que o dever de
reparação funda-se num fato. Ao invés de a responsabilidade
assentar numa relação causal entre a culpa e o dano, simplifica-se
nesta outra, entre o fato e o dano (entre le fait et le dommage). Os
autores modernos, como Jean Carbonnier, explicam: a
responsabilidade objetiva ‘não importa em nenhum julgamento de
valor sobre os atos do responsável. Basta que o dano se relacione
materialmente com esses atos, porque todo aquele que exerce uma
atividade deve-lhe assumir os riscos’ (Jean Carbonnier. Droit civil.
Obligations, vol. IV, n. 86, p. 292). Fica, pois, assentada no ‘risco
criado’. Marty et Raynaud (Droit civil, t. II, vol. I) colocam a
questão em termos de causalidade material: ‘responsável é aquele
que materialmente causou o dano.” (1º TACivSP, 6ª Câm., rel. Juiz
Marciano da Fonseca, j. em 17.02.2004, in RT 826/234 e 235).

Neste caso, a objetividade não é determinada pela lei, como no caso do transporte,
do fato animal ou da coisa inanimada, mas sobressai na própria natureza da atividade
normalmente desenvolvida que implica certo risco a interesses ou direitos alheios. Ou
porque a atividade apresenta grau de perigo, em si mesma, como material radioativo,
explosivo, arma de fogo; ou pelo emprego de método de alto potencial lesivo, assim o
controle de recursos hídricos e a manipulação de energia nuclear. Não é necessário que a
atividade de risco se organize de forma empresarial, nem que tenha revertido em proveito
de qualquer espécie ao agente do dano, reforça-se.18
Extrai-se que os elementos da responsabilidade civil objetiva são:
a) a conduta;
18
SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos filtros da reparação
à diluição dos danos. São Paulo: Atlas, 2007, p 25.
b) o dano daí decorrente;
c) o nexo de causa e efeito entre um e outro.
Há de se considerar também, que a doutrina do risco apresenta uma faceta
extremada, é a teoria do risco integral. Justifica-se o dever de indenizar mesmo em certos
casos em que não é possível estabelecer o nexo de causalidade. Ou seja, a obrigação de
indenizar faz-se presente apenas em face do dano, afastando todos os casos de
irresponsabilidade, mesmo na incidência da culpa exclusiva da vítima, e do caso fortuito ou
força maior, aqui incluindo o fato de terceiro. Posição extremada que a ordem jurídica
reservou tão-só para casos excepcionais, como no dano ao meio-ambiente que será visto
oportunamente.
Considera-se ainda, que essas duas modalidades de responsabilidade civil –
subjetiva e a objetiva – convivem harmoniosamente, sem que uma afaste a outra. Não se
trata, pois, de declínio da primeira, mas surgimento de outro mecanismo para atender as
novas demandas sociais.
Se a meta ideal é sempre reintegrar no estado anterior o patrimônio alterado pelo
evento danoso, somente se atinge a sã justiça reparadora se a responsabilidade subjetiva for
complementada pela responsabilidade objetiva, porque só assim todos os casos de dano
poderão ser indenizados. Não há como contestar, a culpa subjetiva é noção útil e dela não
se pode prescindir, como também não há como contestar, que ela se revela, a pouco e
pouco, insusceptível de abarcar toda a construção da responsabilidade civil. Em outros
termos, a responsabilidade objetiva não veio para substituir, mas para completar a
responsabilidade subjetiva.

Jurisprudência

Queda de árvore sobre veículo – Responsabilidade civil do


Município – Teoria do risco administrativo – Dever de indenizar
reconhecido – Cabe à Municipalidade zelar pela manutenção das
árvores existentes em área pública, evitando a sua queda. Em
ocorrendo acidente deste tipo, o dever de indenizar dependerá
apenas da prova do nexo de causalidade entre ao evento e o dano
causado à parte. Recurso de ofício e apelo da ré improvidos (TJSP,
27ª Câm., j. 07.12.2006, rel. Des. Luiz Antônio Alves Torrano, RT
860/276).
Responsabilidade civil – Acidente de veículo – Colisão com animal
em estrada privatizada – Procedimento sumário – Validade –
Legitimação passiva da empresa que administra a rodovia e recebe
pedágio – Responsabilidade do dono do animal que não afasta a
possibilidade do usuário de exigir a indenização da empresa,
cabendo a ela o direito de regresso – Proteção à vítima e risco da
atividade – Omissão da vigilância que é exercida (...) (1º TACivSP,
1ª Câm., j. 1º.12.2003, rel. Juiz Antônio Ribeiro, RT 824/244).19

A casa de shows deve zelar pela segurança do público que recebe,


sendo objetiva a sua responsabilidade, nos termos do Código de
Defesa do Consumidor, se o consumidor é agredido injustamente
por segurança contratado, ainda que não seja funcionário do
estabelecimento comercial. A terceirização do serviço de segurança
não exime a casa de shows de indenizar danos sofridos pelo seu
cliente, cabendo, lado outro, direito de regresso contra a empresa
contratada (TJMG, 10ª Câm., j. 09.05.2006, rel. Des. Pereira da
Silva, RT 855/370).

Responsabilidade civil – Indenização por dano patrimonial –


Abrupta sobrecarga de energia elétrica, seguida de interrupção do
forneciamento de energia – Queima de aparelhos elétricos – Defeito
na prestação do serviço – Responsabilidade objetiva da
concessionária do serviço público – Obrigação de indenizar
caracterizada – Recurso não provido (1º TACivSP, 1ª Câm., j.
20.09.2004, rel. Juiz Reinaldo Miluzzi, RT 836/201).20

Caracteriza a responsabilidade civil objetiva do banco por dano


moral o fato de ter ocorrido roubo de talonários quando estes
estavam em poder do estabelecimento bancário, ocasionando
prejuízo moral a seus clientes que tiveram desequilíbrio em suas
contas correntes com a devolução indevida de cheques, bem como
com os constrangimentos e ameaças dos portadores de títulos.
Ademais, incabível é falar em caso fortuito ou força maior para
afastar a responsabilidade, uma vez que se trata de atividade de
risco, mormente ser ficou evidenciada a ausência da necessária
segurança no transporte de malote (1º TACivSP, 1ª Câm., j.
07.06.2004, rel. Juiz Antônio Ribeiro, RT 830/245).

Espécie de Responsabilidade Civil II

19
O art. 936 ao prever como causas de irresponsabilidade a culpa da vítima ou a força maior, hipóteses de
interrupção do nexo causal, estabelece o dano animal como responsabilidade civil objetiva.
20
O acórdão no seu corpo refere-se ao artigo 14 do CDC, não no artigo 37, § 6º, da CF, que, s.m.j., é mais
específico para a espécie, pois fala da responsabilidade objetiva do Estado e das pessoas jurídicas prestadoras
de serviço público, como o caso da distribuição de energia elétrica.
Responsabilidade civil quanto ao agente:
direta e indireta

1 Responsabilidade civil direta

Na responsabilidade civil direta, ou por ato próprio, confundem-se na mesma pessoa


a conduta lesiva e a obrigação de indenizar. É dizer, o ato danoso é atribuído a quem o
pratica, ou simplesmente o agente responde por ato próprio. É a regra geral.
Se uma pessoa dirige de forma imprudente, atropela e lesiona outrem, responde por
esse ilícito extracontratual (responsabilidade extracontratual, subjetiva e direta). Ou se uma
pessoa contrata, e se torna inadimplente, também responde por esse ilícito contratual
(responsabilidade contratual, subjetiva e direta).

Indenização. Rompimento de noivado. Danos morais e materiais.


Casamento já agendado, com aquisição de móveis, utensílios,
expedição de convites e outros preparativos. Ruptura sem motivo
justificado. Dever de indenizar o noivo. Cabe indenização por dano
moral e material, pelo rompimento de noivado e desfazimento da
cerimônia de casamento já programada, sem qualquer motivo justo
(TJSP, 6ª Câm., j. 03.02.2000, rel. Des. Testa Marchi, in Scoto, Rui.
Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência, 7 ed.
São Paulo: RT, 2007, p. 902).

A promessa de casamento é compromisso preliminar, a sua ruptura desmotivada


surte como efeito jurídico a obrigação de indenizar, tratando-se de responsabilidade civil
direta, pois no caso do acórdão citado, a conduta da noiva foi a causa do ato lesivo, é ela
responsável pela indenização ao noivo, vítima no episódio.21

2 Responsabilidade civil indireta

21
Confira outro julgado RT 567/174, no mesmo sentido: RT 741/255, 779/377. Em sentido contrário: Stoco,
Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência, 7 ed. São Paulo: RT, 2006, p. 902,
referindo-se às JTJ-Lex 180/113, 215/93. Prevalece a tese de que o rompimento em si não gera
responsabilidade, somente gera responsabilidade quando ocorrem danos, devidamente comprovados, como o
caso de compra de móveis e outros utensílios larários, a expedição de convites, a contratação para realização
da festa e outras despesas do gênero. Ver neste sentido: Boletim da AASP 2.284/610, de 07 a 13.10.2002. O
namoro não é compromisso sério para ensejar dano.
Há situações, todavia, em que o agente do dano não responde pela indenização. É a
responsabilidade civil indireta, que Serpa Lopes chama de complexa e modernamente de
transindividual. Esta espécie de responsabilidade promana de ato de terceiro, ou do fato
animal, ou da coisa inanimada.
Pode acontecer que o agente do dano seja uma pessoa e a obrigação de indenizar
recaia sobre quem é o seu responsável por tê-la em sua guarda ou companhia, ou quem
desfrute de seu trabalho, ou ainda pelo fato da coisa inanimada etc., tudo conforme a letra
do artigo 932.
O exercício do poder familiar é um poder-dever, pois ao mesmo tempo em que os
filhos são submetidos à autoridade dos pais, cabe a estes zelar e administrar os bens dos
filhos, e ainda protegê-los e educá-los como preceitua o artigo 1.634, inc. I, do Código
Civil. Ou seja, é encargo dos pais a condução da criação e da educação dos filhos não só no
sustento, como na sua formação, orientando-os nas regras da moral e dos bons costumes e,
assim, proporcionando-lhes condições favoráveis para a formação do caráter, da
personalidade e do desenvolvimento intelectual, conforme as condições familiares. É muito
dessa formação familiar que se forja o cidadão honesto e útil para a convivência social, com
liberdade e dignidade. Pode-se afirmar com absoluta exatidão, que o poder familiar é
munus publico, uma vez que ao Estado cabe fixar normas para o seu exercício e é de seu
interesse o seu bom desempenho. 22
Bem posta, conseqüentemente, a regra inserida no artigo 932, I, responsabilizando
os pais pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia.

São responsáveis os pais pela reparação dos danos causados pelos


filhos menores sob sua guarda, por lhes caber precipuamente os
deveres de disciplina e vigilância, de acordo com a sua idade
(TJSP, 3ª Câm., rel. Des. j. em 14.11.66, RT 389/223).

O empregador é responsável pelos atos lesivos decorrentes da conduta culposa de


seus empregados. Duas teorias procuram explicar essa responsabilidade. Carvalho Santos
condiciona a responsabilização na prova da culpa in eligendo e in vigilando do patrão. É a

22
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume VI: direito de família. São Paulo: Saraiva,
2005, p. 363, produz o seguinte textos citando Washington de Barros Monteiro e Sílvio Rodrigues: “Incumbe
aos pais velar não só pelo sustento dos filhos, como pela sua formação, a fim de torná-los úteis a si, à família
e à sociedade. O encargo envolve, pois, além do zelo material, para que o filho fisicamente sobreviva,
também o moral, para que, por meio da educação, forme seu espírito e seu caráter.”
má escolha do empregado ou a falta de vigilância quando no desempenho do contrato de
trabalho.23 Melhor a teoria da substituição, segundo a qual o empregador, ao recorrer aos
serviços do empregado, está prolongando a sua própria atividade, de tal modo que a culpa
do empregado recai, objetivamente, sobre o empregador. Portanto, o empregado é um
longa manus do empregador, faz o que competia a este fazer, por sua conta e risco. 24 Não
outra a ratio júris do inciso II, do artigo em comento: o empregador é responsável por seus
empregados no exercício do trabalho que lhe competir durante a jornada de trabalho, por
óbvio.

Aquele que se faz substituir no exercício das múltiplas funções da


empresa responde pelos atos dos que exercem a substituição
precisamente porque seu pessoal se considera extensão da pessoa
ou órgão principal. Assim, a responsabilidade do patrão pelos atos
do preposto só pode ser elidida quando o fato danoso por este
praticado não guardar relação alguma com sua condição de
empregado (1º TACivSP, 2ª Câm., rel. Juiz Barreto de Moura, j.
09.05.90, RT 667/107).

O comitente ou preponente é responsável pelos atos do preposto, pois entre ambos


existe uma situação de subordinação e de dependência, embora mais atenuada que no
contrato de trabalho. O fundamento é o mesmo do patrão.

A jurisprudência tem reconhecido que o médico que integra o


quadro clínico de um hospital e a pessoa física ou jurídica que
mantém o estabelecimento de saúde são respectivamente preposto e
preponente, independentemente de vínculo empregatício (TJSP, 8ª
Câm., rel. Des. Aldo Magalhães, j. 22.05.96, RT 731/243). Ver
RJTJSP 120/178).

O dono ou guardião do animal responde pelo dano que este der ensejo, artigo 936.
Essa responsabilidade, que é objetiva, encontra os seus primórdios no Livro do Êxodo (22-

23
SANTOS, João Manuel de Carvalho. Código civil brasileiro interpretado, principalmente do ponto de vista
prático, 12 ed. Rio Janeiro: Freitas Bastos, 199º, vol. XX, p. 227.
24
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil, 7 ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 182: “O
empregado é apenas o instrumento, uma longa manus do patrão, alguém que o substitui no exercício das
múltiplas funções empresariais, por lhe ser impossível desincumbir-se pessoalmente delas. Ora, o ato do
substituto, no exercício de suas funções, é o ato do próprio substituído, porque pratica no desempenho da
tarefa que a ele interessa e aproveita – pelo que a culpa do preposto é como conseqüência da culpa do
comitente. Além disso, o patrão ou preponente assume a posição de garante da indenização perante o terceiro
lesado, dado que o preposto, em regra, não tem os meios necessários para indenizar.”
5): “se um homem (...) deixar seus animais pastarem no campo de outro, compensará o
dano com o melhor de seu campo e de sua vinha”. Não cabe olvidar, que se presume a
própria responsabilidade, não a culpa, de sorte que a presunção de culpa é uma fase
transitória da responsabilidade subjetiva para a objetiva. É dizer, a presunção de culpa
compõe a responsabilidade subjetiva, e a presunção de responsabilidade, a objetiva, tanto é
assim que o dono ou guardião do animal somente se livra de responsabilidade se comprovar
a culpa da vítima ou a força maior, segundo a dicção do citado artigo 936.

Responsabilidade civil – Lavoura – Danos – Invasão de gado –


Indenização – Ação procedente – Inteligência do art. 1.527 do CC
[atual art. 936]. Numa ação de indenização o ofendido tem que
provar apenas que sofreu dano, que esse dano foi devido a um
animal e que este pertence ao réu. Para obter a sua procedência não
carece o autor de mostrar que o dono do animal se houve com culpa
“in custodiendo”; contenta-se a lei com o dano objetivo. Nestas
condições e porque os animais que causaram dano ao autor
pertenciam ao réu, cabe a este a culpa, que, na hipótese, se presume
(TJPR, 3ª Câm., rel. Des. Henrique Dorfmund, j. 8.11.77, RT
523/239).25

O proprietário ou possuidor de uma coisa inanimada responde pelo dano derivado


de seu uso ou utilização, artigos 937 e 938. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e
dispor da coisa, daí deriva o seu dever de cuidado para com essa mesma coisa de sua
propriedade (CC, art. 1.228), a fim de que o uso e gozo não impliquem em prejuízo alheio.
Como no caso animal (que também é coisa para o direito) impende prestigiar a solução que
já vinha sob a égide do Código revogado, a responsabilidade civil sem culpa, com
fundamento no dever de segurança afeto ao dono.

Responsabilidade civil pelo fato da coisa – Letreiro de propaganda


instalado na fachada de prédio – Queda sobre transeunte – Dever de
indenizar do ocupante do prédio. A lei aponta o ocupante do prédio
como responsável pelo dano proveniente de coisas que dele caírem
ou forem lançadas em lugar indevido. Por se tratar de
responsabilidade objetiva, descabe qualquer discussão em torno da
culpa e sues efeitos, bastando a prova do fato e o dano dele
decorrente (TJRJ, 2ª Câm., rel. Des. Sergio Cavalieri, in Programa
de responsabilidade civil, 7 ed., 2007, p. 217).

25
S.m.j., o acórdão peca ao afirmar que a culpa presume-se. Se a responsabilidade é objetiva, o que se
presume é a própria responsabilidade, que na espécie prescinde a análise subjetiva da conduta.
3 Jurisprudência

Indenização pelo direito comum. Direito assegurado a nascituro, em


razão de óbito do genitor em acidente de trabalho por culpa da
empregadora – Ao nascituro se asseguram direitos relativos à
personalidade desde o momento da concepção, desde que venha a
nascer com vida nos termos do art. 4º do CC [atual art. 2º]. Assiste-
lhe, pois, direito a indenização por danos materiais e morais em
decorrência da perda do genitor, vitimado em acidente do trabalho
por culpa da empregadora (2º TACivSP, 10ª Câm., j. 29.10.97, rel.
Juiz Adail Moreira)26

É devida indenização por hospital, por danos material e moral, com


base nos arts. 14 da Lei 8.078/90 e 932, III, do CC/2002, em razão
de ato de imperícia de seu funcionário que aplicou medicação
intramuscular na região glútea de paciente, atingindo-lhe o nervo
ciático e causando-lhe incapacidade permanente, com atrofia do
membro inferior esquerdo (TJSP, 3ª Câm. Dir. Privado, j.
08.11.2005, rel. Des. Donegá Morandini, RT 846/269).

De retorno à objetividade
Responsabilidade civil objetiva
pura e impura

Como visto, a responsabilidade civil objetiva prescinde da conduta culposa. Nesta


modalidade pode acontecer que o dano decorra de ato lícito. Duas leis servem de exemplos.
A Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio
Ambiente, regulamentada pelo Decreto 99.274, de 6 de junho de 1990, prevê no artigo 14,
§ 1º: “Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado,
independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao
meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade.” E conclui: “O Ministério Público
da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e
criminal, por danos causados ao meio ambiente.”27

26
Rui Scoto esclarece: “O art. 2º do CC dispõe que “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento
com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”. Esses direitos são gerais, seja
com relação à personalidade, à sucessão ou à reparação por dano material ou moral.” Tratado de
responsabilidade civil: dotrina e jurisprudência, 7 ed. São Paulo: RT, 2007, p. 920.
27
Ver arts. 1º, I, da Lei 6.938, de 24.07.85, da Lei 7.347, que disciplina a ação civil pública.
Dessa forma, se uma fábrica, com alvará de funcionamento autorizando o exercício
de sua atividade, poluir o meio ambiente, mesmo na prática de ato lícito responde
judicialmente.
A Lei 6.453, de 17 de outubro de 1977, que dispõe sobre a responsabilidade civil
por danos nucleares, estabelece no artigo 4º: “Será exclusiva do operador da instalação
nuclear, nos termos desta Lei, independentemente da existência de culpa, a
responsabilidade civil pela reparação de dano nuclear causado por acidente nuclear”, nos
casos previstos nos incisos que seguem.
Portanto, se por qualquer motivo imprevisível, como o fato da natureza, ocorrer
vazamento de uma usina nuclear, independentemente de culpa, responderá pelos danos
causados. É certo que a usina está acobertada pelo ato lícito, que nada lhe favorece.
Trata-se em ambos os casos de responsabilidade civil objetiva, que Álvaro Villaça
Azevedo coloca nestes termos: “A pura [responsabilidade civil objetiva] implica
ressarcimento, ainda que inexista culpa de qualquer dos envolvidos no evento danoso.
Nesse caso, indeniza-se por ato lícito ou por mero fato jurídico, porque a lei assim o
determina.”
Ainda na lição do citado mestre das Arcadas, a responsabilidade civil impura “tem,
sempre, como substrato, a culpa de terceiro, que está vinculado à atividade do
indenizador.”28
É dizer, há subjetividade no antecedente e objetividade no conseqüente. Toma-se o
artigo 932 do Código Civil. No antecedente há um ato culposo, por exemplo, do empregado
para que no conseqüente o empregador responda pela indenização na forma objetiva, isto é,
perquire-se a culpa do empregado, provada essa culpa, o empregador responde nos termos
da responsabilidade civil objetiva, não podendo argüir em defesa a sua não culpa.
O artigo 933 estabelece a responsabilidade civil objetiva para as pessoas indicadas
nos incisos I a IV, do artigo 932, e o artigo 934 o direito de regresso, salvo se o causador do
dano for descendente do incapaz.

28
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Responsabilidade civil. Revista Jurídica, ano 55, nº 353, março de 2007, p. 20.

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