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A Química da Cerveja
MANUEL PEREIRA GALVÃO*

Sumariamente, a cerveja pode


ser definida Como uma bebida alcoó-
lica, produzida quando o mosto, urn
extracto aquoso de malte e Itípulos,
metabolisado fermentativamente ;sikits
IMPE'RMÍ.)
por leveduras. Esta poderia ser uma - '

definição de cerveja retirada de


qualquer dicionário. Parece um pro-
cesso simples, não é? Na realidade a
produção de cerveja envolve hoje
em dia um entendimento profundo
da química e bioquímica das matéri-
as primas, da levedura e de todas as
variáveis de um complexo mas fasci-
nante processo. Só assim é possível
proporcionar aos consumidores uma
tão grande diversidade de cervejas
com diferentes aromas e gostos
como a que existe por todo
mundo onde esta bebida é consumi- A IMPORTÂNCIA co, quando existem em teores supe-
da. A ciência e tecnologia cervejeiras DAS MATÉRIAS PRIMAS riores ao recomendado. No entanto,
cobrem um leque vasto de discipli- os iões ferric° e ferroso estão envoi-
nas como a microbiologia, a bioquí- A vidos na formação de compostos que
mica, a genética, a fisiologia micro- conferem cor à cerveja e alguns sais
biana e a química. É dificil identifi- A água é o principal componen- de ferro têm uma influência positiva
car todos os constituintes responsá- te da cerveja (aproximadamente na espuma, embora lhe possam por
veis pelo gosto e aroma, ou seja 93%). É ela o suporte das combina- vezes conferir uma cor acastanhada.
pelas características organolépticas ções mais ou menos harmoniosas de A água pode também influenci-
da cerveja. Ao longo dos anos têm todos os compostos químicos presen- ar indirectamente as caracteristicas
sido caracterizadas várias vias de tes nesta bebida. As características fí- da cerveja. O pH tem extrema im-
síntese química e bioquímica que sico-químicas da água influenciam portancia na modulação da activida-
levam â formação da maioria dos propriedades da cerveja como o de de certos enzimas presentes no
compostos capazes de estimular os aroma, o gosto, a limpidez, a cor e a malte, e no grau de extracção de vá-
receptores nervosos que se encon- espuma. Foi a qualidade da água uti- rios compostos presentes no malte e
tram nas cavidades bucal e nasal dos lizada na produção de cerveja que no lúpulo, durante a primeira etapa
humanos e provocar as sensações tornou famosas algumas cidades ou do processo produtivo, a produção
que normalmente ternos quando be- locais como Pilsen, Burton-on-Trent, do mosto.
bemos uma cerveja. Cerca de 800 Dortmund, Munique, e Viena. A
compostos diferentes são actual- água utilizada na produção de cerve- O MALTE
mente conhecidos na cerveja, sendo ja deve fornecer apenas alguns mi-
o seu contributo para as característi- nerais úteis para o processo e deve
cas globais da bebida variável. ser desprovida de matéria orgânica e
O cervejeiro procura com os co- contaminação microbiológica. A pre-
nhecimentos actualmente disponí- sença de alguns iões na água é rele-
veis condicionar ou estimular a pro- vante para as características da cer-
dução desses compostos com o ob- veja produzida. O sulfato, SO42-, por
jectivo de produzir uma bebida com exemplo contribui para um gosto
características próprias, que agrade seco e amargo, enquanto que o ião
aos consumidores, com urna quali- cloreto, Cl-, acima de determinado
dade regular e que se mantenha nível confere um gosto adocicado e
inalterada ao longo do tempo. Isso mais encorpado. O excesso de sulfa-
conseguido por uma criteriosa esco- tos pode também influenciar a quan-
lha das matérias primas (água, malte tidade de compostos voláteis sulfura-
e lúpulo), das estirpes de leveduras dos produzidos durante a fermenta-
utilizadas e pela parametrização e ção, como o H25 e o SO2.
controlo das inúmeras variáveis do Alguns Vies derivados do ferro,
processo produtivo. conferem ã cerveja um gosto metáli-

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da durante a fabricação do mosto.


P-amilase a-amilase No entanto, a porção solubilizada
constitui também uma potencial
fonte de compostos organoleptica-
mente activos. Alguns destes corn-
postos podem posteriormente dar
origem a produtos responsáveis pela
degradação do sabor e aroma da cer-
Molécula de amilose - resíduos de glucose ligados por ligações a-1,4
veja ao longo do tempo. Nesta frac-
ção, são importantes na velocidade
da fermentação e no equilíbrio entre
O malte, cevada maltada é a trações superiores a 30-40 ppb pode os compostos aromáticos das famílias
principal fonte de substâncias quimi- conferir-lhe um aroma bastante de- dos álcoois e dos ésteres, os ácidos
cas com actividade sensorial (gustati- sagradável. gordos de cadeia longa (palmítico,
va ou olfactiva), encontradas na cer- As proteínas presentes no malte esteárico, oleic() e linoleico).
veja, seja por via directa seja através têm extrema importancia, pela fonte
das transformações que ocorrem du- de compostos azotados que constitu- O LÚPULO
rante a produção do mosto e a fer- em, essencial ã boa performance fer-
mentação. No malte encontram-se mentativa das leveduras e também Desde os primórdios da produ-
uma multitude de compostos que in- pelo aporte enzimático fundamental ção de cerveja que se utilizam espe-
cluem ácidos gordos voláteis, fura- na fase de produção do mosto. Os ciarias e plantas aromáticas para in-
nos, aldeídos, cetonas, fem5is, proteí- polipéptidos são um dos principais troduzir aromas especiais nesta bebi-
nas, glícidos, compostos sulfurosos, constituintes da espuma da cerveja, da. Destas plantas, apenas o lúpulo
melanoidinas, polipéptidos e polife- ao serem adsorvidos à superfície das (Humulus lupulos L.) é utilizado hoje
náis. Alguns destes compostos desa- bolhas de CO2 que se libertam no em dia, numa escala comercial.
parecerão enquanto outros irão so- copo. Os aminoácidos participam na O lúpulo é uma planta da fami-
frer modificações durante o processo formação de compostos responsáveis lia das Cannabinaceae. Apenas as
cervejeiro. Essas modificações podem pela cor da cerveja- as melanoidinas- plantas femininas do Lúpulo produ-
ser químicas, como por exemplo a , que se formam pela reacção dos zem as inflorescências, designadas
oxidação ou a degradação térmica; primeiros corn açúcares, pela acção por cones, utilizados na industria
ou bioquímicas, pela actuação da le- do calor. Estas reacções receberam o cervejeira. É a partir destes cones
vedura. nome do químico que primeiro iden- que é extraída a fracção resinosa
A fracção glicídica é a predomi- tificou as melanoidinas- Maillard. onde se encontram os compostos
nante na constituição do malte. Du- A fracção lípidica do malte que irão conferir o gosto amargo ã
rante a produção de mosto, as molé- (cerca de 3% da sua matéria seca) cerveja, os ácidos a. Este grupo de
culas de amido presentes no malte não é, na sua maior parte, solubiliza- compostos sofre uma isomerização
são hidrolizadas enzimáticamente e
transformadas em polissacarídeos,
trissacarídeos, dissacarídeos e oses.
Os primeiros sobrevivem até ao pro-
duto final, sendo os principais res-
ponsáveis pela viscosidade e densida-
de da cerveja, propriedades que se
relacionam com o "corpo" da bebida.
Os restantes glicidos, de menor grau
de polimerização são metabolisados
pela levedura durante a fermentação
em complexas vias de catabolismo e
de anabolism°.
Um exemplo importante de
transformação química de um com-
posto presente no malte é a forma-
ção do dimetilsulfureto (DMS) pela
degradação térmica do aminoácido
S-metilmetionina (SMM). O DMS
um composto sulfurado que se esti-
ver presente na cerveja em concen-

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durante a fase final da produção do A LEVEDURA etanol e CO2, que constituem as


mosto, a ebulição, que os converte bases de todo o espectro de aromas e
nos iso-a-ácidos, que são muito mais Só pela acção da levedura se sabores da cerveja.
amargos que os correspondentes áci- pode transformar o mosto (extracto Os glúcidos assimiláveis pela le-
dos a. aquoso do malte e do lúpulo) em vedura são convertidos em glucose
cerveja. A alteração fundamental que é metabolisada pela via glicolítica
que este microorganismo desenca- a piruvato que, por sua vez é converti-
Ácidos a (humulonas) deia é a metabolização dos tri, di e do em etanol e CO2, tendo como pro-
monossacarídeos e a excreção de duto intermediário o acetaldeído.
R = -CH2CH(CH3)2 - humulona
- CH(CH3)2 - cohumulona
- CHCH3CH2 CH3 - adhumolona

lso-a-ácidos (isohumulonas)

A natureza aromática dos lú-


pulos é devida aos óleos essenciais
que constituem cerca de 0,5 a 1,5
% do peso dos cones. Já foram
identificados mais de 200 compos-
tos químicos com aroma, perten- Absorção dos Glúcidos
centes às famílias dos compostos
sulfurosos, dos terpenos, dos éste-
maltose
res, dos éteres, dos álcoois, das cc- maltotriose
tonas e dos ácidos.
permcasc permeasc
maltose malto nose
Gama Influência no
Composto de concentrações aroma e gosto

no Lúpulo (% p/p) da cerveja
glucose
mirceno 0,2 - 0,6
pinenos 0,1 - 0,3
aromático
cariofileno 0,003 - 0,005 sabor
a terpenos
tarnasceno 0,05 - 0,08
humuleno 0,07 - 0,1

ésteres galactose + glucose glucose + frutose


oxigenados 0,08 - 0,15 aroma floral

lípidos 2-4

taninos 3-5 sabor


adstringente melibiose sacarose

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Metabolismo dos Glúcidos Bioquímica da Formação de Álcoois Superiores


Produção de Etanol e CO2
AMINOÁCIDOS METABOLISMO DOS
GLLCIDOS
glucose --n D-gliceraldeído- transaminases

3-fosfato
CETOÁCIDOS
2 ADP I 2 We
carboxilase
I I CO2
2 ATP 2 NADH2 ALDEÍDOS
Pint% ato NADH2
alcool destudrogenase I
NAD

ÁLCOOIS
SUPERIORES

Acetaldeído + C O2
2 NADH2

Álcoois Superiores Derivados de Aminoácidos


2 NAD-

Aminoácido Álcool superior Álcool Concentração Limiar de


Etanol na cerveja percepção
Valina Isobutanol
Treonina Propanol n-propanol 4 - 60 mg/I 800 mg/I
Isoleucina 2- Meld -1 -butanol isobutanol 4 - 57 mg/I 200 mg/I
Leucina 3-Meti I- 1 -butanol 3-metil-1 -butanol 25 - 133 mg/I 70 mg/I
Sendo um organismo vivo, a le- Fenilalanina Fen i letano I 2-feniletanol 5 - 102 mg/I 125 mg/I
vedura apresenta uma complexa e
intrincada rede de vias metabólicas
responsáveis pela degradação de al- produto intermédio desse metabolis- o etanol. Daí que o éster presente
guns compostos químicos e pela sín- mo - os cetoácidos. A estirpe de leve- em maior quantidade seja o acetato
tese de outros. Estirpes de levedura dura escolhida para a fermentação de etilo que apresenta um aroma a
diferentes produzem quantidades di- determinante para os níveis finais de solvente ou verniz. Outro éster corn
ferentes dos vários compostos, quan- álcoois superiores na cerveja. bastante influência no aroma da
do fermentam um mosto com carac- cerveja é o acetato de isoamilo, que
terísticas idênticas. se forma pela esterificação do 3-me-
Os compostos produzidos pela Ésteres - A maioria dos ésteres tilbutanol e do acetil-CoA. Este
levedura pertencem na sua maioria a encontrados na cerveja resulta do éster possui um característico aroma
um dos seguintes grupos químicos: metabolismo da levedura. As reac- a banana, detectado quando os seus
ções de esterificação não enzimáti- níveis ultrapassam o limiar de per-
cas são em geral, insignificantes. cepção olfactivo. Embora muitos
Álcoois - Para além do etanol Estes compostos são, conjuntamen- factores, entre os quais as variáveis
existe um grande número de outros te com os álcoois superiores, res- do processo fermentativo, afectem a
álcoois na cerveja. Estes álcoois, vul- ponsáveis pelo "bouquet" de algu- síntese de ésteres, é provavelmente
garmente designados por álcoois su- mas cervejas. Os esteres são sinteti- a estirpe de levedura a principal res-
periores constituem uma parte im- zados a partir de um álcool e de um ponsável pela formação destes com-
portante dos produtos formados du- ácido orgânico da família dos acil- postos.
rante a fermentação. São compostos CoA (compostos transportadores de
extremamente aromáticos e têm um grupos acuo, produtos intermédios
papel importante nas características do metabolismo dos ácidos gordos). Éster Concentração Limiar de
organolépticas da cerveja. A sua for- A síntese dos ésteres é catalisada na cerveja percepção
mação está relacionada com o meta- pelos enzimas da família das acetil- Acetato de etilo 8 - 48 mg/I 33 mg/I
bolismo dos sacarídeos presentes no álcool transferases (AAT). O acil- Hexanoato de etilo 0,1 - 1,5 mg/I 0,23 mg/I
mosto e com o metabolismo dos CoA mais comum é o acetil-CoA e o acetato de isoamilo 0,8 - 6,6 mg/I 1,6 mg/I
aminoácidos, em particular com um alcool mais abundante na cerveja é acetato de isobutilo 0,03 - 0,25 mg/I 1,6 mg/I

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Bioquímica da Formação dos Ésteres Compostos com grupos car-


bonito - A importância destes com-
postos reside no seu elevado potenci-
al aromático e na influência que têm
MOSTO CERVEJA na estabilidade organoléptica da cer-
veja ao longo do seu tempo de vida.
Quantidades excessivas de compos-
FONTE DE ESTERES tos carbonilados são características
CARBONO de cervejas "velhas" e oxidadas. O
efeito da presença de aldeídos na
cerveja pode traduzir-se por um
COMPOSTOS
aroma a "palha / erva" como se veri-
AZOTADOS AL cools
fica para o propanal, o 2-metil buta-
nal e o pentanal ou por um gosto a
CÉLULA DE LEVEDURA "papel / cartão" como o conferido
pelo 2-transnonenal e pelo furfural.
O acetaldeído é o aldeído pre-
sente em maior quantidade na cer-
veja. Este composto forma-se duran-
Compostos sulfurosos -O Embora os compostos voláteis te a fermentação, e é um produto in-
enxofre é um elemento extrema- de enxofre possam já existir nos Iú- termédio na via de síntese do etanol
mente importante na produção de pulos e nos maltes, é durante a fer- a partir dos sacarídeos do mosto. O
cerveja pelos compostos que pode mentação que a grande maioria se acetaldeído formado pode ser reduzi-
formar e que contribuem significati- forma. Em condições normais de fer- do a etanol ou oxidado a ácido acéti-
vamente para as características or- mentação, o CO2 formado que se li- co. Parte do acetaldeído excretado
ganolépticas da bebida. Normal- berta é suficiente para os arrastar pela levedura pode também ser, no
mente os compostos sulfurosos não para fora da cerveja, a medida que final da fermentação, reabsorvido e
são desejáveis, embora alguns tipos eles se vão formando. reduzido enzimaticamente a etanol.
de cerveja sejam caracterizados por Quando presente em níveis superio-
"vestígios" em alguns destes com- res ao limiar de percepção olfactiva,
postos. Dentro deste grupo desta- Formação o acetaldeído pode conferir à cerveja
cam-se o sulfureto de hidrogénio, o do Dimetilsulfureto — DMS um aroma intenso a maçã.
dimetilsulfureto, o dióxido de enxo-
fre e os tióis. Embora quantidades Limiar Os compostos 2,3-butanodiona
vestigiárias destes compostos sejam de percepçào (comumente designado por diaceti-
aceitáveis ou até desejáveis em al- Dióxiclo de enxotre 15 - 30 pg/I lo) e a 2,3-pentanodiona introduzem
guns tipos de cerveja, quando pre- Sulfureto de hidrogénio 1 - 5 pg/I na cerveja um aroma e um gosto
sentes em excesso, eles podem Dimetilsulfureto 20 - 40 pg/I descritos muitas vezes como idênti-
transmitir-lhe aromas desagradá- 3-Metil-2-buteno-l-tiol 4 - 35 ng/I cos ao da manteiga de amendoím, do
veis. Metanotiol 0,2 - 0,5 pg/I caramelo ou do mel. Nos últimos
anos tem havido um grande interes-
se relativamente aos factores que in-
fluenciam a concentração de diaceti-
Formação do Dimetilsulfureto — DMS lo na cerveja bem como as técnicas
analíticas para a sua determinação.
CALOR Estes dois compostos são vulgarmen-

I
Metionina Metional te designados por dicetonas vicinais
por apresentarem dois grupos carbo-
(Aminoácido)
nilo adjacentes.
CALOR
O diacetilo bem como a 2,3-
pentanodiona são produzidos em
REACÇÃO DE EQUILIBRIO grande quantidade nas fases iniciais
s—s SH
da fermentação a partir de produtos
11 3C1 \ CH3 4 H3C intermédios do metabolismo dos
aminoácidos, respectivamente o a-
Dimetilsulfureto Metanotiol acelactato e o a-acetohidroxibutira-

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Bioquímica da formação do Diacetilo na Cerveja ção. Produzem-se mais compostos


sulfurosos e mais compostos precur-
sores de reacções oxidativas que ace-
MOSTO \ CERVEJA leram o processo de envelhecimento
da cerveja.
cc-ACETOLACTATO
FERMENTAÇÃO
PIRUVATO

DIACETILO Foi já referido que as principais


reacção química
cc-ACETOLACTATO expontânea
características organolépticas da cer-
ACETOÍNA veja derivam do metabolismo da le-
vedura durante o processo fermenta-
VALINA
2,3-BUTANODIOL DIACETILO tivo. Consequentemente, a composi-
ção do mosto e os parâmetros do
processo que afectam o desempenho
fermentativo da levedura afectam
também a qualidade da cerveja.
CÉLULA DE LEVEDURA
Estes factores estão interrelacionados
e torna-se dificil caracterizar a influ-
ência que cada um deles exerce iso-
to, excretados pela levedura. A redu- temperatura e pH óptimos de actua- ladamente no perfil sensorial (orga-
ção destes compostos às dicetonas ção. O controlo destes dois parâme- noléptico) do produto final.
respectivas é um processo não enzi- tros é por isso crucial durante o pro- A Estirpe levuriana contribui
mático que ocorre no exterior das cesso. de forma significativa para o carácter
células. As dicetonas são então reab- Após a extracção e hidrólise, as mais ou menos aromático da cerveja.
sorvidas pela levedura e reduzidas cascas dos grãos de malte são separa- Cada estirpe comporta-se de forma
enzimaticamente a compostos das do mosto, por uma filtração. Na diferente para um dado conjunto de
menos activos do ponto de vista or- fase final da brassagem, o mosto é le- condições de fermentação. O técnico
ganoléptico. vado à ebulição para inactivar todos cervejeiro tem que ter em considera-
os enzimas e precipitar algumas pro- ção o perffl aromático produzido por
teínas de elevada massa molecular cada estirpe (compostos sulfurosos,
Influência das Dicetonas que poderiam precipitar posterior- ésteres, álcoois, etc.), quando faz a
Vicinais no Aroma da Cerveja mente na cerveja turvando-a. selecção da levedura a utilizar na
também durante a ebulição produção de cerveja.
Limiar
que são extraídos e isomerizados os Variações na quantidade de cé-
de percepção
ácidos alfa do lúpulo. Também este lulas de levedura presente no inicio
Diacetilo 0,15 - 0,20 mg/I processo é muito dependente do pH, da fermentação, taxa de inoculação,

2,3-pentanodiona 1,0 mg/I temperatura e tempo. traduzem-se em diferentes padrões
Após a ebulição, o mosto é clari- de crescimento, com influência di-
ficado num processo onde são remo- recta no aroma da cerveja alterando
AS VARIÁVEIS DO PROCESSO vidos todos os colóides precipitados, as proporções relativas de compostos
constituidos essencialmente por pro- voláteis. Um crescimento controlado
BRASSAGEM teínas e alguns lípidos. A quantidade em cada fermentação é urna das
(PRODUÇÃO DO MOSTO) de sólidos suspensos no mosto principais preocupações do cervejei-
("trub"), que passa para a fermenta- ro, pois só assim se consegue garan-
É durante a fase inicial do pro- ção tem efeitos determinantes no tir uma regularidade nas característi-
cesso de brassagem que são extraídos aroma da cerveja produzida. Ao pro- cas do produto.
do malte os sacarídeos, as proteínas e mover a multiplicação celular, o A temperatura influencia
muitos outros compostos presentes "trub" altera os padrões da fermenta- quantitativamente cada reacção bio-
no malte. Tanto os sacarídeos como
as proteínas são então hidrolizados
enzimaticamente, de uma forma Enzima Substrato pH Optimo Temperatura
controlada, tornando-os assimiláveis a - Am i lase Amido 5,5 - 6,0 55 - 65
pela levedura. São vários os enzimas - Arni lase Amido 4,0 - 6,0 45 - 55 "C
responsáveis por estas reacções hi- Proteases Proteínas 4,0 - 5,0 <50 "C
drolíticas (amilases, proteases, pepti-
Peptidases Peptidos 4,2 - 5,0 <55 "C
dases, etc.), cada um dos quais corn

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química do metabolismo da levedu- A maturação é normalmente le- lifenóis que precipitam e turvam a
ra. Temperaturas mais altas acentu- vada a cabo após a remoção da cerveja. Também a cor da cerveja
am a velocidade de fermentação, a maior parte da levedura no final da aumenta com o tempo em conse-
produção de álcoois e promovem a fermentação, corn o arrefecimento quência de reacções de oxidação
conversão extracelular dos precurso- da cerveja até temperaturas próxi- dos taninos. A cor do vidro das gar-
res das dicetonas vicinais. mas dos 0°C e a permanência a essa rafas protege a bebida dos efeitos da
O oxigénio dissolvido e o teor temperatura durante um período luz que, em determinados compri-
em ácidos gordos saturados e insa- mais ou menos longo. Durante esta mentos de onda, desencadeia tam-
turados no mosto no inicio da fer- fase, as células de levedura que per- bém algumas reacções que levam
mentação influencia a actividade manecem em contacto com a cerveja degradação da bebida. Por forma a
metabólica das células da levedura, reabsorvem as dicetonas vicinais e aumentar a estabilidade da bebida,
uma vez que o oxigénio é essencial convertem-nas enzimaticamente em o cervejeiro tem como principal
para a formação de compostos que compostos que não apresentam acti- preocupação, durante o acondicio-
participam na formação de novas vidade organoléptica. A continua li- namento, manter os níveis de oxi-
células. O controlo da quantidade bertação de CO2 durante a matura- génio dissolvido tão baixos quanto
de oxigénio dissolvido é importante ção, embora menos acentuada con- possível. Consegue-se assim que a
para o crescimento uniforme da le- tribui também para eliminar o exces- cerveja chegue até aos consumido-
vedura e para a produção consisten- so de alguns compostos voláteis in- res corn o gosto e o aroma frescos
te de compostos organolepticamen- desejados. que a caracterizam.
te activos.
A geometria dos fermenta-
dores tem também um papel im- FILTRAÇÃO \ EMBALAGEM Apenas foram focados neste tra-
portante na fermentação, devido balho alguns dos aspectos mais im-
aos efeitos que a pressão hidrostáti- Após a maturação é necessário portantes do processo cervejeiro,
ca exerce sobre a quantidade de que a cerveja seja filtrada para que com o objectivo de explicar as bases
CO2, que permanece em solução e se obtenha no final uma bebida com químicas subjacentes às característi-
sobre as correntes de convexão que uma limpidez e um brilho cristali- cas desta bebida, clarificando as vári-
se geram durante a fermentação. A nos. Durante esta fase do processo as fases de um processo complexo e
taxa de crescimento da levedura e a são feitos alguns ajustes nos níveis fascinante em relação ao qual o co-
produção de compostos aromáticos de CO2 dissolvido (carbonatação), nhecimento está constantemente a
decrescem sob as concentrações ele- tão característico na cerveja e dese- evoluir e provavelmente um dos que
vadas de CO2 dissolvido que exis- jado pelos consumidores. envolvem hoje em dia mais investi-
tem em tanques de geometria cilin- Na última fase de produção gação.
drica vertical. As diferenças que feito o acondicionamento. Este pode
existem nas caracteristicas da fer- ser feito em latas, garrafas ou barris
mentação entre tanques verticais e e não é menos importante do que
horizontais resultam de diferenças qualquer uma das fases anteriores AGRADECIMENTOS
na agitação natural provocada pela do processo. Mesmo depois de
libertação do CO2 formado. Na prá- acondicionada, a cerveja continua a Agradeço à CENTRAL DE CER-
tica os tanques verticais não devem ser alvo de transformações químicas VEJAS,S.A. a autorização para publi-
ter uma altura superior a duas vezes que podem em casos extremos levar cação deste trabalho.
o diametro. à deterioração do aroma e gosto
bem como ao aparecimento de tur-
vação. A maioria das alterações que * Centra/de Cervejas, S.A.
MATURAÇÃO levam ao envelhecimento da cerve- Estrada de Alfarrobeira, Apartado 15
ja dentro da respectiva embalagem 2626 Vialonga
A Maturação da cerveja diz res- são devidas a processos de oxidação
peito fundamentalmente ao "fixar" química, que envolvem álcoois su-
das características organolépticas da periores e melanoidinas. Os níveis
BIBLIOGRAFIA
bebida e à sua estabilização física de oxigénio dissolvido na cerveja
(coloidal). No final da fermentação, embalada são determinantes para a C.W.Bamforth, eta)., ASBC journal, 51 (1993) 79.
existem na cerveja "jovem" muitos sua estabilidade organoléptica e físi-
Stead, The Brewer, September,1996, 389-400.
sabores e aromas que devem ser eli- ca. O oxigénio desencadeia a forma-
minados ou corrigidos. O processo de ção de compostos altamente reacti- D. E. Briggs, et. ai Mailing and Brewing Science,
vos que levam não só ao apareci- Chapman and Hall.
maturação reduz os níveis destes
compostos produzindo um aroma e mento de aldeídos como à formação W.A., Hardwick, Hanbook of Brewing, Marcel Dekker,
um sabor "mais limpos". de complexos entre proteínas e po- Inc.

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