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Teoria das Relações Internacionais

Apontamentos de: Maria Manuela Baptista


E-mail: nela.jacka@gmail.com
Data: 26/11/2007

Livro: “Teoria das Relações Internacionais” de Adriano Moreira


Caderno de Apoio “Política Internacional” de Marcos Faria Ferreira

Nota:

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Teoria das Relações Internacionais (41067)

1. O ESTUDO ACADÉMICO DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS


• Relações que organizam a vida política de cada Estado soberano e relações entre Estados
soberanos
Existe uma divisão entre o que resulta da organização interna de cada sociedade em forma de
Estado soberano e o que resulta da relações entre Estados soberanos. Assim, estes 2 campos
políticos assentam em lógicas opostas, em que cada um obedece supostamente a princípios
contraditórios e mesmo irreconciliáveis.
As relações que organizam a vida política interna de cada Estado soberano são do tipo
hierárquico e vertical em que o Estado se impõe naturalmente como autoridade superior a todos
os indivíduos e reclama o monopólio da violência legítima para defender a ordem estabelecida e
a justiça nas relações entre os indivíduos.
As relações entre Estados soberanos são do tipo anárquico e horizontal, em que não existe
qualquer autoridade superior que imponha a sua vontade aos Estados.

• Autonomia disciplinar das Relações Internacionais


Ela deriva do problema da autonomia disciplinar da Ciência Política. Enquanto que para a Ciência
Política é o estudo do poder político soberano, para as R.I. a existência de uma pluralidade de
poderes políticos soberanos funda um relacionamento específico. Esse relacionamento específico
vem do facto de cada poder político se reclamar soberano, uma vez que tem capacidade de
obrigar não reconhecendo igual dentro das suas fronteiras, nem superior fora delas. Daqui
decorre o conceito de estado de natureza, conceito este criado pelos contratualistas. Raymond
Aron, o cronista por excelência do séc. XX, nota que o fenómeno da guerra é o que mais
determina a autonomia disciplinar das R.I., porque cada uma dos seus intervenientes se reserva
o direito de recorrer à força própria para defesa dos seus interesses ou direitos.

• Debate teórico em torno da investigação empírica das Relações Internacionais: idealismo,


realismo e racionalismo
Realismo – os vários poderes políticos soberanos relacionam-se na base do conflito de interesses
permanente e da procura sem tréguas da sobrevivência e da segurança individuais. A imagem é
a de um sistema de Estados que vivem em regime de anarquia.
Racionalismo – partindo do ambiente anárquico, realça que o relacionamento entre poderes
políticos soberanos é antes de mais contratual, tipo sociedade.
Idealismo – na sua vertente cosmopolita, dirige a sua teorização para a humanidade, como fonte
e guia de responsabilidade moral, sendo os laços comunitários os mais relevantes na hora de
fornecer uma imagem da Política mundial.

• Objecto e fins do estudo das Relações Internacionais


A tentativa de autonomizar o estudo das R.I. e política internacional tornou-se mais evidente após
a 1ª Guerra Mundial. Surgiram disciplinas que passaram a lidar com domínios mais ou menos
definidos, que significavam ensaios de um novo campo autónomo de investigação e ensino:
Economia Internacional, Psicologia das R.I., História da Diplomacia, Direito internacional,
Diplomacia, etc. Também começam a aparecer autonomizados como objecto de estudo, certas
regiões do globo, tais como, África, América Latina, Próximo Oriente e América do Norte.
A própria Sociedade das Nações patrocinou, na década de 30, o desenvolvimento desses
estudos. A UNESCO actualmente, também procura desenvolver o estudo das R.I. Existem
divergências – por exemplo, para a tradição americana a sociologia está na origem da
autonomização do estudo das R.I. enquanto que para a Europa é o ponto de vista normativo e a
história que se mostram dominantes na base da evolução.
Quincy Wright / Norman Dahmer / Howard Perkins ocupam-se da descrição da organização
mundial em Estados, da avaliação da importância dos vários poderes políticos internacionais, dos
instrumentos de defesa do interesse nacional (diplomacia, propaganda, economia de guerra), das
tentativas de controlo das relações entre os Estados (balança de poderes, segurança colectiva,
organismos internacionais, organismos supranacionais), tratam de conflitos correntes
(colonialismo, satelização, guerra subversiva, refugiados), procuram identificar os tipos de acção
adoptados por cada poder político (política estrangeira da Rússia, dos EUA, da Inglaterra) e por
vezes prognosticam sobre o futuro do mundo em que vivemos.

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A razão pela qual as R.I. assumiram esta importância reside na internacionalização dos
problemas que é característica do nosso tempo.
Para além de razões científicas e académicas, há ainda as necessidades práticas que tornam
necessário e indispensável a autonomia e importância do estudo das R.I.:
Diplomacia – precisa de basear-se no estudo científico das R.I.
Arte da guerra – exige o conhecimento actualizado do levantamento das R.I. para decidir da
oportunidade de recorrer a esse meio. O bipolarismo alterou o conceito segundo o qual a guerra
era a continuação da política por outros meios e agora a política é frequentemente a conitnuação
da guerra por outros processos.
Ex: a Guerra da Coreia entre 1950 – 1953.
Public Relations – exige o estudo aturado das R.I. em áreas da vida privada (vão do desporto e
da cultura à economia da procura e da oferta globais)
Desenvolvimento económico – exige o estudo autónomo das R.I.

• Relações Internacionais e ciências auxiliares


O estudo das R.I. necessita de certos conceitos operacionais que ajudem a delimitar as fronteiras
com outros ramos do saber. A discussão prévia em torno da expressão R.I. implica alguma ideia
a respeito do que se entende por Nação. Ela é uma forma de sociedade caracterizada por um
passado comum, um desejo e viver em comum. Porém, a Nação é apenas uma das formas
possíveis de viver em comum, uma vez que no actual estado da comunidade internacional, os
grupos que podem considerar-se nações são minoritários tendo em conta a quantidade de
entidades políticas que existem no mundo. O estudo das R.I. e da P.I. apoia-se numa série de
disciplinas. O próprio desenvolvimento da disciplina tem indicado quais são as suas principais
ciências auxiliares.
Assim, nos EUA as R.I. são abordadas por sociólogos e na Europa por historiadores. As R.I.
foram aprofundadas pelos juristas (cultores do Direito Internacional). Nas duas áreas prevalece a
Economia através do modelo da economia de mercado. Outras disciplinas relevantes:
- Antropologia Cultural dada a importância do estudo dos sistemas culturais, bem como de
versões de orientações políticas fundamentais (germanismo, eslavismo, arabismo, latinidade)
- Estratégia que não é separável da Antropologia, uma vez que cada vez mais se procura
compreender a evolução política dos quadros internacionais através do recurso à ideia do
conflito também entre sistemas culturais.

2. CONCEITOS-CHAVE DA DISCIPLINA DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS


• Soberania e Anarquia
Soberania - o conceito foi teorizado no séc. XVI por Jean Bodin, reconhece que o Estado
soberano não só não reconhece poder igual ao seu dentro das suas fronteiras como não
reconhece nenhum poder superior no relacionamento com outros Estados soberanos.
Anarquia - o conceito relaciona-se com a ausência de uma autoridade superior que possa
organizar as relações entre os Estados e impor um tipo qualquer de arranjo baseado na justiça.

• Sistema de Estados, Sociedade Internacional e Comunidade Internacional


Sistema de Estados - para os realistas, as R.I. apresentam-se sob a forma de Sistema de
Estados no qual interagem tendo em linha de conta o cálculo das capacidades militares e
económicas mais do que as intenções políticas uns dos outros.
Sociedade Internacional – para os racionalistas, as R.I. apresentam-se sob a forma de uma
Sociedade Internacional, na qual os seus elementos (os Estados) vão desenvolvendo interesses
comuns dos quais inferem repor normas e instituições para enfrentar desafios comuns, chegando
eventualmente a uma concepção partilhada dos princípios éticos a observar no relacionamento
comum.
Comunidade Internacional – para os cosmopolistas ou idealistas, as R.I. assumem a forma de
uma verdadeira Comunidade Internacional, na qual a moralidade dos Estados, baseada no
interesse de cada um é substituída por uma ética universal que reconhece os direitos da
humanidade. Esta comunidade representa o caminho para uma qualquer forma de coordenação
política superior, federadora das unidades políticas nacionais e respeitadora das vontades dos
indivíduos.

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3. A COMUNIDADE INTERNACIONAL
• O significado do conceito de analogia doméstica
Comparação entre os dois factos sociais relevantes – o poder político soberano e a pluralidade de
poderes políticos soberanos. No centro da analogia doméstica está a utilização do conceito de
estado de natureza.

• O significado e o conceito de estado de natureza


O conceito de estado de natureza foi criado pelos contratualistas e consiste em explicar a
passagem da vida do homem de uma situação imaginada anterior à existência da sociedade para
a situação, em que o conhecemos, a de viver sempre e apenas em sociedade. Trata-se da
obediência a uma lei natural ou positiva, aqui entendida como um conjunto de leis a que os
homens devem obedecer pela natureza delas, ainda que não exista um poder que as imponha. A
expressão “devem obedecer” refere-se à obrigação moral.
O conceito de estado de natureza serve para problematizar as relações específicas entre Estados
soberanos cujo elemento central é a ausência de um poder comum e superior a esses poderes
soberanos. A questão fundamental é o significado e implicações desse estado de natureza.

• As tradições maquiavélica e humanista


Tradição maquiavélica – é aquela que favorece o estabelecimento de uma ordem em que são as
boas armas que impõem as boas leis e que por isso mesmo não têm que coincidir
necessariamente com princípios de justiça.
Tradição personalista ou humanista – assume o primado da justiça como único ponto de partida
para o estabelecimento consentido da ordem.

• A internacionalização dos problemas: a lei da complexidade crescente


A internacionalização dos problemas assumiu uma maior expressão após a fundação da ONU. A
Carta das Nações Unidas tem sido muitas vezes entendida como traduzindo princípios
orientadores de cariz político. Assim, ela considera que interessa à comunidade internacional
qualquer problema suficientemente internacionalizado. Para tal, os interessados abordam o
problema tantas vezes quantas for possível e pelas formas possíveis na agenda da Organização
por forma a movimentar a opinião das Organizações Internacionais e dos povos, até encontrar
maioria suficiente no sentido de fazer aprovar uma resolução.

• A problemática da evolução da sociedade internacional para comunidade internacional


De acordo com Ferdinand Tönnies, as expressões sociedade e comunidade não se podem
confundir:
Comunidade – designa um grupo social ao qual se pertence sem escolha, identificado em termos
de vida comum, interesse comum, cooperação e interacção entre os seus membros, na busca da
realização desse interesse e com sentido comum de pertença entre os membros do grupo. Ex:
família, Nação, região, município.
Sociedade – todos os elementos atrás citados se podem encontrar, excepto a entrada no grupo
que é voluntária, o objectivo tem limite temporal mais ou menos determinado, não é pressuposto
haver continuidade e duração para além das gerações. Ex: sociedades culturais, empresas
económicas, alianças para objectivos concretos.

Uma sociedade pode eventualmente transformar-se numa comunidade. O prof. Adriano Moreira
tem-se dedicado a desenvolver esta proposição. É assim que o processo político contemporâneo
é interpretado por ele como encerrando a potencialidade da transformação da sociedade
internacional em comunidade. Esta potencialidade pode ser avançada por um conjunto de
alterações políticas que ultrapassam o quadro tradicional do relacionamento entre Estados
osberanos e que pelo contrário encaminham para a consideração do género humano como uma
só comunidade mundial. É o caso da simultaneidade da informação, mundialização dos teatros
estratégicos e o desenvolvimento dos mercados transnacionais. Assim, e tendo em conta as
interdependências crescentes, o processo político global parece indicar no sentido do abandono
progressivo do modelo de sociedade internacional, ou doutro modo, parece que o

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desenvolvimento de laços contratuais entre Estados soberanos é o instrumento por excelência


para desenvolver o sentimento, as estruturas e as instituições comunitárias.
A evolução da sociedade internacional para o modelo de comunidade está subjacente no
movimento das Descobertas e na consequente extinção de um mundo de áreas separadas e
mutuamente ignoradas. Após a 2ª Guerra Mundial, os vários fenómenos de efeito globalizante
permitiram reconhecer a existência de um interesse comum da humanidade que é até
reconhecido institucionalmente pela ONU.
O grande limite reside no facto de pela experiência da vida separada e suas comunicações,
durante séculos, das várias comunidades, deu lugar à criação de sistemas culturais específicos,
cujos interesses e condutas recíprocas a que devem subordinar-se, não coincidem. A UNESCO
considerou um mundo de múltiplas vozes como principal problemas para garantir a coesão da
comunidade mundial emergente no contexto de um mundo de concepções valorativas tantas
vezes contraditórias.

4. R. I. E POLÍTICA INTERNACIONAL
• As questões de método em Relações Internacionais
São as questões ontológicas e epistemológicas. É através delas que se processa a identificação
dos fenómenos e da realidade relevantes e se avança a forma de produzir conhecimento sobre
eles:
- Método da enumeração de temas: descrição da organização mundial em Estados, conflitos
correntes, acções adoptadas por cada poder político, entre outros)
- Levantamento da realidade relevante: questão do objectivismo e do subjectivismo uma vez
que o autor sublinha que os problemas das R.I. competem com a concepção da verdade de
cada uma das sociedades, reclamando cada uma, uma objectividade que não reconhece à
outra. O dilema do objectivismo vs subjectivismo que ao acolher, observar e avaliar os factos
relevantes à investigação, não pode abster-se da sua circunstância pessoal, ou seja, não é
possível eliminar a relação pessoal do observador com os factos – rejeição da epistemologia
positivista.
- Método de Raymond Aron: persperctiva orientadora que consiste em compatibilizar o método
comparativo histórico clássico e o método estatístico, porque afinal é o objecto que determina
o método. Verifica-se uma vez mais que o objecto determina pois o método.

• A lei da complexidade crescente da vida internacional e a tendência para a planetização dos


fenómenos políticos
A nossa época é caracterizada por uma interdependência total que afecta de maneira decisiva os
tipos de relações e os conceitos a que elas estavam subordinadas até há poucos anos. O mundo
tende para a unidade e caracteriza-se pela planetização dos fenómenos políticos. Deixou de
haver regiões, povos, governos ou acontecimentos indiferentes para o resto da Humanidade. A
marcha para a unidade traz uma progressiva multiplicação quantitativa e qualitativa dos centros
internacionais de diálogo, cooperação e de decisão e das relações entre esses centros.

• Relações Internacionais vs Política Internacional


R.I.: relações entre entidades políticas, na sua maioria governando um povo que não é uma
Nação, e relações privadas sujeitas a entidades políticas diferentes, assim como as relações
entre entidades privadas e entidades políticas de que não estão dependentes.
Política internacional: não tem coincidência com a expressão R.I, uma vez que ela só
compreende o estudo da dinâmica do conjunto de relações decorrentes entre poderes políticos.

5. PERSPECTIVAS SOBRE AS R. I. E SEU DESENVOLVIMENTO


• Perspectiva anglo-saxónica: utopismo e realismo
A designação da corrente utopismo tem origem no livro de Thomas Morus “Utopia” – No Place
(em parte alguma). A expressão designa uma corrente literária que ignora os factos
desagradáveis e resistências do real, propondo um modelo de vida política sem acidentes. O que
caracteriza a perspectiva anglo-saxónica é o realismo que coloca a noção de poder (power) no
centro da vida internacional. Este poder é entendido como a capacidade de obrigar (Max Weber),
ou seja, a capacidade de sustentar a integridade dos interesses próprios contra as agressões. A

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noção de interesse é o conceito central e a relação poder-interesse é o fenómeno principal das


R.I. Um dos autores mais significativos desta orientação realista é Hans J. Morgenthau.
A experiência histórica e a certeza de que apenas se pode realizar o mal menor e nunca o bem
absoluto, orientam o realismo donde derivam alguns princípios:
- Racionalidade: razoabilidade, isto é, decisão que realiza mais provavelmente o objectivo com
o menor sacrifício de meios e interesses
- Interesse: elemento de ligação objectiva entre a razão que procura compreender e os factos
com que se defrontará a decisão. Para Morgenthau não há distinção entre interesse e poder,
o que condena à insatisfação eterna dos chamados povos deserdados da Terra (colónias) -
nacionalidades submetidas a um poder imperial.
- Interesse permanente: ou seja, duradouro. Este interesse é mutável já que o interesse
duradouro das potências europeias em construir e manter um império colonial, desaparecer
depois da 2ª Guerra Mundial. Também o poder é mutável – ele varia de composição
consoante as épocas e circusntâncias – poder económico, poder científico, pode rmilitar,
poder tecnológico, poder financeiro – entre outros.
- Moral de responsabilidade: em que o interesse nacional obriga a sacrificar a moral individual
da responsabilidade em favor da acção que realiza, defende e desenvolve aquele interesse.
- Moderação: conceito que define a cena internacional como um encontro de interesses por
vezes contraditórios
- Especificidade da política: uma teoria de perguntas autónomas consoante as disciplinas

A perspectiva realista assumiu relevo sobretudo no período da Guerra Fria

• Perspectiva marxista
De Marx, não existe propriamente uma perspectiva das R.I. mas fornece os elementos
fundamentais para uma teoria dessas relações: todas as sociedades de classes engendram a
guerra - as guerras são conflitos entre as classes dirigentes que utilizam as massas como
instrumentos, pelo que é da futura sociedade sem classes que virá a solidariedade entre os
povos, sendo a vitória final do proletariado, o facto do qual decorrerá a paz entre as nações.
Daqui resultou a posição dos estudiosos soviéticos no sentido de que a ciência ocidental é
apenas um capítulo da propaganda dos Estados capitalistas sem qualquer valor científico. Por
seu lado, o sovietismo ergueu a base da sua teoria das R.I., a doutrina leninista do imperialismo.
Para Lenine, a expansão das soberanias e interesses dos países capitalistas por todo o mundo,
era a última fase do capitalismo. O sistema estava condenado aos conflitos internos das
potências, determinados pela concorrência relativamente aos mercados, às fontes das matérias-
primas, à mão-de-obra barata. A guerra mundial seria inevitável. A construção de uma teoria das
R.I. a partir da concepção dita científica marxista, revelou-se incoerente quanto às doutrinas
desenvolvidas. Trata-se sim de um realismo marxista, que pretendeu juntar num só conceito, o
interesse nacional e o internacionalismo proletário subordinando o internacionalismo proletário ao
interesse nacional. Aquilo que assumiram como moral de responsabilidade comunista era a razão
de Estado para o Ocidente. A teoria da razão de Estado, encontra-se nos livros I e II da República
de Platão e a questão que envolve é a de saber se para defender aquilo que se chama de
interesse público, “a mentira real” é justo. É rejeitada a defesa amoral da posição suprema do
detentor do poder mas a posição é diferente quando se trata da defesa do Estado. A
clandestinidade no Estado é inspirada pela supremacia da razão de Estado.
Ex: o Relatório de Kruchtchev denunciando os crimes e erros de Estaline para manter a ditadura
sobre o partido e a deste sobre o Estado, é uma demonstração de que a razão de Estado foi a
matriz da perspectiva política do sovietismo. O que a razão de Estado acrescenta à perspectiva
realista é que esta é um ponto de vista metodológico e aquela é para além disso, um princípio de
acção.

• Perspectiva europeia
Tem esta designação porque foi na Europa que nasceram todos os problemas que se viriam a
constituir com o nome de R.I. Talvez o voluntarismo seja a matriz europeia que radica na
autonomia da vontade política, e a definição dos objectivos e dos métodos de acção, ficando a
variedade de comportamentos dependente do tipo de actividade do homem ou grupo de homens
a quem pertence o exercício do poder.
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A doutrina dos heróis a referência dos tempos históricos à mudança das lideranças ou chefias
políticas, são expressões dessa perspectiva que recorre às leis do comportamento individual ou à
dua tipologia para encontrar algum ponto de apoio para as previsões.
O voluntarismo continua a ser o princípio dos governos personalizados, não institucionalizados ou
democráticos, que são mais numerosos do que as constituições admitem.
O marxismo produziu o culto da personalidade, a ditadura de um homem (secretário-geral) sobre
o partido e do partido sobre o país.
Progressivamente o valor institucional da Nação veio marcar a perspectiva europeia, assente na
convicção da excelência do Estado nacional. A razão de Estado evidencia aquilo que parece mais
característico da perspectiva europeia, ou seja, a tentativa de compatibilizar a tradição
personalista e a tradição maquiavélica. O compromisso ou alternância entre moral de convicção e
a moral de responsabilidade, a proclamação de grandes municípios e valores absolutos e ao
mesmo tempo o uso da força como argumento supremo independente da justiça dos interesses.
A criatividade na origem do processo político internacional e a novidade sem precedentes nos
efeitos procurados ou produzidos parecem sempre admitidas na perspectiva europeia. É uma
ambivalência entre idealismo e realismo.

• Perspectiva neutralista
Surge com o fim da 2ª Guerra Mundial e o programa descolonizador da paz, sobretudo inspirado
pelos EUA. A Carta da ONU deu expressão jurídica a esta orientação, organizando a
administração dos territórios não autónomos e a responsabilidade das potências administrantes
que os deveriam encaminhar para um modelo político democrático e para a autodeterminação.

• Perspectiva internacionalista
É também plural e corresponde a mais de uma opção. O que une todas é a convicção de que a
actividade política internacional deve ser examinada relativamente a uma condição humana
universal, e não em relação com os limites ocidentais que decorrem das fronteiras geográficas,
da história ou das constituições e regimes políticos.
A concepção medieval de uma lei natural esteve associada a uma visão internacionalista da
condição humana.
Ex: República Cristão corresponde a essa atitude, tal como o conceito de povo de Deus – é o
internacionalismo das fronteiras políticas.
Os Projectistas da Paz foram adeptos da perspectiva internacionalista, procurando a salvaguarda
de um interesse real e superior ao das unidades políticas, que era a paz dos povos.
Uma lei é universal quando se dirige apenas à razão, não fazendo distinção entre seres racionais,
mas apenas entre o bem e o mal. Relativamente às R.I. tinha como objectivo a abolição das
jurisdições estaduais e a adopção de um corpo de leis aceites por todos, de aplicação vigiada por
um congresso das potências. Finalmente, a evolução do fenómeno da solidariedade e
interdependência de todos os Estados e outros agentes da cena internacional, conduziu a um
internacionalismo que se tornou progressivamente importante depois da fundação da ONU.
Trata-se de:
- considerar a paz como um bem indivisível da Humanidade que o Conselho de Segurança
deveria preservar
- definir um verdadeiro património comum da Humanidade (mar alto, Antártida, corpos celestes)

• Perspectiva da Santa Sé
Não é possível separar a história actual da intervenção da Igreja Católica em todos os domínios.
Pode-se caracterizar a perspectiva da Santa Sé a partir da total perda de poder temporal sobre os
seus estados italianos, em consequência da unificação italiana. A nova definição internacional da
Santa Sé vai basear-se não em qualquer poder político, mas sim e apenas na autoridade, isto é,
uma proeminência institucional reconhecida que permite influenciar as condutas e as decisões.
Os princípios fundamentais são:
a) primazia da pessoa humana
b) organização política transitória, instrumental e contingente
c) ideia de Humanidade, do povo inteiro sem qualquer tipo de distinções étnicas ou culturais
d) dualidade do poder político e do poder religioso (distinção entre direito público e direito
privado)
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Durante vários séculos assistiu-se à dualidade da organização política e da organização religiosa


com as suas incidências na vida interna dos Estados (autonomia da sociedade civil) e na vida
internacional (autoridade do Pontífice) inspirando conflitos sérios entre o Estado e a Igreja.

• O Fim da Guerra Fria


Durante a Guerra Fria muitos conflitos eram relegados para 2º plano em virtude do conflito central
da Guerra Fria. Após a queda do muro de Berlim, esses acontecimentos passar a estar na ordem
do dia: invasão do Koweit, Tempestade do Deserto, a extinção do apartheid na África do Sul,
crise federalista do Canadá, a tragédia da Bósnia e o massacre do Ruanda, entre outros.
Com o desmembramento da União Soviética era urgente um plano de contingência, que não
existia, para a súbita transformação da estrutura mundial. Assim a primeira importante decisão
dos EUA foi a de preencher o vazio estratégico mundial deixado pela queda da URSS, para além
da liderança da defesa ocidental.
A Cimeira da Nato, realizada em Londres, em 1990, na qual a URSS deixou de ser considerada o
inimigo, os EUA asseguraram uma liderança que lhe permitiu o acordo final entre Moscovo e
Bona e lhe deu confiança e consentimento para organizar e executar com legitimidade adquirida
no Conselho de Segurança, a intervenção contra o Iraque.
Há quem comente que destes factos surge o projecto de uma Nova Ordem mundial, traduzida
nuam Pax Americana, herdada da extinta bipolaridade. Este conceito leva à função dos EUA
como polícia mundial, favorecendo o antiamericansimo. Alguns defendem o unilateralismo (novo
termo para isolacionismo), no sentido de que “quando a Guerra Fria acabar, a América deve
voltar para casa”.
Para Adriano Moreira, deve concluir-se que, os EUA que não podem evitar serem a única
superpotência sobrevivente, recusarão o papel de polícia na futura Nova Ordem, mas não
dispensarão alianças pela interdependência mundial e por alguns objectivos que integram o seu
interesse nacional.
O fim da URSS levou a uma explosão dos nacionalismos e reivindicações de identidade,
acentuando divergências opostas ao caminho para os internacionalismos institucionalizados, para
uma nova definição moderada de Estado e de soberania. Esta tendência levou à ceiação, em
1991, de uma associação (UNPO), que representa 50 milhões de pessoas distribuídas por 26
nações sem voz internacional como são os casos dos arménios e dos curdos.
O fim do conflito bipolar coloca os mentores da Nova Ordem perante a necessidade de liquidar o
processo que adquiriu voz por entre as fendas do sistema em desagregação, e de eliminar as
guerras por interpostos países como os casos de Angola e Moçambique. Um dos principais
receios é o de que o extinto bipolarismo seja substituído pela hegemonia de uma só potência.
O caso da guerra do Iraque, em 1991, permitiu verificar que o princípio de não-ingerência nos
negócios internos dos Estados está ameaçado por vários lados, e que, por exemplo, a ajuda
humanitária não é condenada quando visa socorrer o sofrimento humano e do povo. A questão é
a de chegar a uma definição que impeça os excessos de ordem política.

• Perestroika
A conjuntura mundial foi dominada, sobretudo, no que respeita à dissolução do bipolarismo, pela
nova linha definida por Mikhail Gorbatchov, no seu livro “Perestroika”. A Perestroika, deve, em
primeiro lugar, ser analisada como uma técnica inspirada pelos interesses permanentes da
URSS, e não como o marco de uma nova fase que muitos historiadores consideram. É a
manutenção do conceito de “terceira guerra mundial em curso”, assim chamado por Richard
Nixon, e em que avulta a estratégia indirecta, a qual se salda, no seu ponto de vista, por
sucessivas perdas ocidentais que surge a mensagem de Mikhail Gorbatchov.
Uns procuram inseri-la na estratégia indirecta desmobilizadora do Ocidente. Outro entenderam-na
como fixando um ponto de reflexão, imposto pela variável do medo e suas causas, e o início da
abertura dos caminhos à revolução cultural que possibilite a readaptação dos instrumentos
políticos do mundo angustiado que o pós-guerra produziu.
O anúncio, em Washington, pelas superpotências para um acordo de desarmamento evidencia
que esta acto não podia limitar-se a um dos intervenientes. Há que procurar tentar compreender
o processo de mudança de ambos.
Ao contrário do disposto na Carta da ONU, o acordo tinha disposições secretas.

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A Perestroika veio ao encontro de aspirações profundas das sociedades ocidentais abertas,


fortaleceu a tendência para a desmobilização das democracias brandas.

• O mundialismo e o governo da globalidade


O mundialismo e a consequência da interdependência comandada pelas revoluções globais,
concretamente a da informação, ciência e tecnologia, mercado e teatros estratégicos. A maior
exigência está na capacidade de gerir esse mundialismo, na opinião de Edgar Morin.
A identidade e a vontade desempenham um papel essencial nesse processo, uma vez que se é
certo que, ainda para o mesmo autor, este mundialismo irá certamente atingir muitas entidades
políticas, tal como aconteceu no passado com velhos reinos e principados europeus que
rapidamente foram esquecidos. Em termos históricos verifica-se que não foram necessariamente
os mais pequenos que desapareceram absorvidos por entidades mais vastas, nem serão
necessariamente os maiores que irão renascer para a supremacia internacional.
A conjuntura de mudança suscita a aceleração das interdependências que conduz a uma
evidente erosão da soberania => elemento fundamental na antiga estrutura política da
comunidade internacional.
A principal causa da crise da soberania está na reestruturação dos mercados. A explosão
científica e técnica é uma causal importante no processo. Ela é, em parte, determinada pela
corrida ao armamento e fez com que o modelo dos exércitos evoluísse para o de exércitos de
laboratório.
A interdependência mundial faz transformar em fundamental a questão do desafio do forte ao
fraco. Ex: a crise desencadeada pela OPEP em 1973 foi um anúncio e um aviso. São variados e
importantes, os sinais de que a primeira inquietação da conjuntura internacional se encontra na
busca de novas fronteiras, de novos grandes espaços e que não são étnico-culturais, nem
históricas, nem linguísticas, nem fundamentalismo, mas sobretudo económicas. Ex: Mercado que
integra EUA, Canadá e México ou a UE.
A procura da Nova Ordem, cujas fronteiras internas estão por decidir, faz nascer a questão do
governo da globalidade. O governo da globalidade foi o elemento da ideologia do império. Não se
previu que o conflito bipolar terminasse com a implosão de um dos oponentes, abrindo à outra
superpotência a hipótese de responsabilidade global. O autor Teilhard de Chardin diz que não
pode evitar a previsão de que a alternativa do futuro está entre o triunfo definitivo e violento de
uma só potência e a instauração do governo da globalidade pelo consentimento. O primeiro factor
destas mudanças foi o nascimento de uma sociedade civil mundial.
As duas grandes guerras, a ameaça do holocausto e as guerras territorialmente contidas da
Coreia, do Vietname, do Afeganistão e do Golfo, ensinaram que a paz é estruturalmente
indivisível. Também a revolução científica e tecnológica, sob a forma de guerra atómica, química
ou biológica, fez com que a população mundial tomasse consciência do risco maior a que ficou
globalmente submetida. Exemplo disso é o desastre de Tchernobyl, na URSS (1986) que
representou um grave aviso à sociedade civil mundial. Esta ameaça visa um valor supremo:
- uma só Terra para um só povo
O espírito da comunidade mundial apoia-se também na revolução das comunicações que
transforma a população mundial numa só audiência com efeitos perversos inevitáveis.
A sociedade civil mundial, que já reclama um património e um domínio comum da Humanidade
com expressão jurídica (mar alto, Antártida, o espaço, a gestão das reservas de matérias-primas,
controlo de energias), é a principal causa do debate aberto e em curso sobre o papel e
funcionamento do Estado.
A formação de grandes espaços é uma forma de superar as insuficiências do Estado conhecido,
grandes espaços de ordem económica, política e de segurança.
As novas personagens políticas em desenvolvimento, não anunciam a dispensa do poder, mas
deixam supor que pretendem ser uma alternativa à solução imperial.
As actividades funcionais retiram a soberania aos Estados sem a assumirem. Nasce assim o
conceito de federalismo funcional, que é uma das formas de responder à perda de soberania e à
interdependência, com respeito pela regra do consentimento.
O maior problema para o séc. XXI é talvez, o de governo da globalidade. A ordem pela solução
imperial continua a ser um projecto cultivado por várias instâncias. A ordem pelo consentimento
que progride em adesões no final do séc. XX, anda a multiplicar as esperiências.

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Teoria das Relações Internacionais (41067)

6. TEORIA DO PODER
• A natureza do Poder Internacional
Considera-se reprovável o poder que se afasta da pré-definição jurídica e do respeito pelos
direitos do Homem, aproximando-se dos modelos clássicos do Estado degenerado, o
despotismo, a oligarquia, a demagogia ou a mais abrangente, o totalitarismo.
O conceito operacional de poder central parece ser o de Kant, sustentando que todo o ser
humano deve ser tratado como um fim em si mesmo, e nunca como um meio, sendo este o valor
fundamental que a razão obriga a respeitar.
O conceito operacional de poder é fundamental para a racionalização e teorização das R. I. Para
Max Weber, o poder é sempre a capacidade de obrigar. Para Walter Jones, o poder é a
capacidade de um agente das R.I. para usar recursos e valores materiais e imateriais de maneira
a influenciar a produção de eventos internacionais em seu proveito. Desta definição resulta que o
poder é instrumental, destinado à realização de objectivos. O poder é um valor em si próprio e
não é uma coisa mensurável em termos quantitativos; o poder é sempre uma relação.
Finlandização: relação entre Estados, equivalente à que se verifica entre URSS e Finlândia em
que este último não tinha poder para conceber e prosseguir políticas que contrariassem os
objectivos da URSS. Porém, o Principado do Mónaco tem menos poder quantitatitvo e qualitativo
que a Finlândia e nunca foi subordinado às políticas da URSS, porque a sua situação geográfica
altera os termos da relação. Já relativamente a França, este Principado não dispõe da mesma
situação.
Nem toda a relação entre poderes pode ser medida, por exemplo, em termos de armamento. Não
há coincidência entre poder e força. O poder está sempre em exercício na vida internacional. O
seu método normal e contínuo é o da persuasão que se traduz em concretizar a influência em
resultados pelo exercício da razão (que envolve a oferta contínua de vantagens => estímulo e
desvantagens => sanções). O uso da força é uma subida aos extremos do uso do poder. Sendo o
poder uma relação, a superioridade de um agente internacional sobre outro, pode não ser
uniforme, sendo que a posição é relativa numa situação poderá ser inversa noutro tipo de conflito
de interesses.
Em suma, o poder procura, em regra, o consentimento obtido pela razoabilidade e só
excepcionalmente é que se recorre à coacção que pode ser finalmente militar.

Qualificação do poder
As várias qualificações do poder podem ser conforme:
- sede em exercício
- componente utilizada
- método ou forma escolhida para o seu uso

Formas de exercício do poder


Quanto à forma do uso assenta no:
- carisma: qualidade ou dom pessoal que leva à obediência por adesão – chamada autoridade
- coacção: em que o tirano assume o poder sem legitimidade e o utiliza para fins que não
coincidem com os que a comunidade considera justos e desejáveis
- influência ou persuasão: através do tratado que é a expressão do consentimento
- controlo: intervém um tratado mas é a hierarquia que funciona. Ex: países satélites soviéticos
ou rendição incondicional – 2 Grandes Guerras).

O poder pode ser:


- económico: capacidade de controlar especialmente os meios de produção
- político: controlo dos órgãos competentes legislativos e executivos
- militar: quando consegue, pela ameaça ou uso da força, paralisar a capacidade alheia de
recorrer à força

A importância do poder e das suas formas na vida política, leva à corrente de pensamento alemã
Machtpolitik (power politics) que entende que no processo político interno e externo, não existe
outro factor envolvido além do poder. Também se chama a esta corrente a Realpolitik ou realismo
político. Ela abastrai-se completamente dos valores ou normativismo anterior e superior ao poder,
contrariamente à perspectiva realista liderada por Morgenthau que não exclui os valores do
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Teoria das Relações Internacionais (41067)

condicionamento e definição dos interesses nacionais e procedimentos adoptados pelo Estado. A


perspectiva do realismo político reconhece direitos, nomeadamente o interesse racional em
função de direitos que também reconhece a terceiros: direito à integridade nacional, à livre
navegação, à soberania. A regra é apenas a de que quem tem poder decide para realizar os seus
interesses sem autolimitação pelo reconhecimento de qualquer normativismo superior ou direitos
alheiros que daqui derivam.

Componentes do poder: naturais e sociopsicológicos


O poder não é uma coisa mas sim uma relação entre vontades que utilizam recursos à sua
disposição. Os componentes do poder dividem-se em:
- internos ou domésticos
- internacionais ou exteriores

Quanto às características dos componentes podem ser:


- naturais
posição geográfica e territorial. Ex: a extensão geográfica da URSS determinou a derrota de
Napoleão e de Hitler. A posição geográfica condiciona positiva ou negativamente o poder
nacional
recursos naturais (matérias-primas e energia)
população
- sociológicos
importância da imagem, atitudes e expectativas da população. Quando a população se
assume como devendo apoiar o “fardo do homem branco”, ou defender a sua pureza racial, o
efeito destas ideias na capacidade é comprovado.
relação população-governo. A adesão ou repulsa entre ambos tem efeito imediato sob o
poder efectivo
- sincréticos

Componentes sincréticos do poder


Poderes que se apresentam como uma ordenada combinação da capacidade humana e recursos
naturais que habilitam o Estado a agir:
- capacidade industrial: elemento definidor da própria hierarquia das potências é a variável
económica mais importante
- capacidade de liderança: mais importante variável política. Ela responsabiliza-se pelo
julgamento da relação entre os meios e os objectivos estratégicos assumidos, decidindo os
termos da acção.
Formas de uso do poder nas R.I.
- poder económico: proporcionar ou suprimir ajudas
- poder cultural: dar oportunidade a estudantes ou investigadores, em aumentar os meios de
comunicação social, actividade editorial, etc.
- força física: continua a ser um instrumento frequente. Recorre-se à força e também ao custo
da tolerância. O poder da guerra assenta em factores militares e políticos (força e custo de
tolerância).

Política de equilíbrio
Por forma a avaliar a correlação dos poderes em acção na comunidade internacional e
determinar um ponto de equilíbrio que evite o recurso à guerra, os analistas recorrem ao conceito
da balança de poderes. A política de equilíbrio tem como principais objectivos:
- garantir independência e sobrevivência dos Estados
- salvaguardar o sistema em que o Estado se inscreve
- impedir o domínio de qualquer membro do sistema

Assim, muitos teóricos definem a guerra como um instrumento destinado a defender ou restaurar
a balança de poderes. É uma política conservadora dos sistemas. O objectivo da política da
balança de poderes não é eliminar os poderes mas mantê-los em relacionamento pacífico.

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Teoria das Relações Internacionais (41067)

• A racionalização teórica
A Antiguidade Clássica
É possível que tenha sido Tucídedes o primeiro a quem se deve uma meditação teórica sobre as
R.I. a partir da sua experiência da guerra do Peloponeso entre Esparta e Atenas. O seu livro “A
guerra do Peloponeso” é o primeiro ensaio da nova disciplina.

O legado humanista: a unidade cristã do género humano


A ideia da comunidade universal é uma das contribuições fundamentais do Cristianismo para o
património cultural comum da Humanidade.
S. Tomás de Aquino vem enriquecer a doutrina de uma ordem mundial natural anterior e superior
às decisões normativas dos poderes temporais.
A evolução da comunidade internacional para o modelo do Estado nacional, a quebra da unidade
da República Cristã, nomeadamente pela Reforma, que negou a autoridade espiritual do Papa, a
implantação da doutrina política de que o rei é imperador nos eu reino, exclui a submissão geral a
uma autoridade espiritual. Porém, nunca foi eliminado o projecto de obter a paz pela
convergência numa autoridade laica, que assumisse uma autoridade geral. Os planos dos
chamados Projectistas da Paz e instituições como a Sociedade das Nações e a ONU,
correspondem a esse legado.

O legado maquiavélico
O maquiavelismo é uma teoria do poder e do relacionamento dos poderes internacionalmente
baseada na observação dos comportamentos. Quando publicou “O Príncipe” em 1527, Maquiavel
fez a primeira análise global da sociedade internacional a partir do conceito de estado de
natureza. Usou a sua própria experiência para traduzir o fenómeno da luta pela aquisição,
manutenção e exercício do poder político. Sustentou a teoria clássica da sociedade internacional
assente sobre o interesse fundamental de cada Estado, a conflituosidade do estado de natureza,
as relações de força, a relação entre diplomacia e estratégia. Era já a perspectiva realista que lhe
servia de referência.
Thomas Hobbes é o continuador de Maquiavel, na medida em que, no “Leviathan”, considera o
estado de natureza caracterizado pelo homo homini lupus (o egoísmo é o mais básico do
comportamento humano). Na vida internacional, não existe também qualquer princípio de
sociabilidade. Antes pelo contrário, é a primazia das 3 causas humanas de discórdia: competição,
desconfiança, glória. Os Estados e os homens combatem-se pelo proveito, para impor o domínio
sobre os outros. É a anarquia maquiavélica que vigora, em que cada Estado intervém até ond eo
poder de constranger permitir.

A comunidade internacional
O legado humanista inspirou os jusnaturalistas dos sécs. XV e XVII. Francisco de Vitoria é o
fundador do direito internacional moderno, preocupado com a definição das regras jurídicas, que
obrigam os Estados e as comunidades antigas e descobertas, apelando novamente ao conceito
de comunidade universal. Defende uma função instrumental do Estado, uma concepção inserida
na indivisa originária e natural da comunidade dos homens. Também o planeta é indivisível.
O séc. XX tem mostrado um interesse crescente pelo tema do governo mundial.

As utopias do fim do século e as previsões metódicas


As previsões respeitantes a uma Nova Ordem do 3º milénio fazem-nos regressar ao mundo da
utopia, isto porque dizem respeito a uma teoria desconhecida, uma vez que não dispomos de
informação suficiente sobre os factos e variáveis, para prever o controlo do seu desenvolvimento.

• A racionalização sistémica
A metodologia dos sistemas
A pluralidade de perspectivas identificáveis, resulta numa não-passividade. O método adoptado
pode centrar-se no estudo dos agentes individuais representando as organizações colectivas,
com o Estado e as multinacionais. Esta perspectiva implica a adopção prévia de uma matriz
voluntarista que seria dividida em períodos marcados pelo reinado ou chefia política. Cada época
ou o comportamento de cada entidade colectiva são caracterizadas pela personalidade e

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Teoria das Relações Internacionais (41067)

comportamento do agente. Há autores que insistem que o realismo não identifica homens mas
sim entidades abstractas (Estado ou multinacional). Esta perspectiva é dominante no jornalismo.
Este método torna-se mais complexo quando é o grupo em vez do agente que assume o
processo político interno e internacional. É necessário analisar não só o comportamento do
representante mas também o comportamento do grupo, pois eles intercondicionam-se pelo que,
recorre-se à sociologia.
Às metodologias individualista e grupal, opõe-se uma metodologia isntrumental. Esta, parte da
convicção de que a vida social exibe duas referências fundamentais – os homens (perpetuam-se
pela reprodução) e as ideias (perpetuam-se pela tradição). Ex: Universidade, Nação ou Igreja
correspondem à perspectiva institucionalista. Assim, a instituição encontrou a sua força vital na
pessoa humana e esta por sua vez, recolheu-se no seio da instituição – doutrina de Hauriou,
Prélot e Renard.
O que a metodologia sistémica traz de novo é um modelo de racionalização de todos estes
factores complexos, ajudando a captar a realidade, descrevê-la e prognosticar os
comportamentos dos agentes e do conjunto.
O conceito sistémico tem de ser aproximado do organicismo segundo o qual certas entidades
sociais, como as instituições, são suficientemente orgânicas para serem compreendidas em
função das leis que regem os organismos vivos. É um ponto de vista apoiado por concepções
políticas conservadoras.
O organicismo é, por sua vez, uma variante do holismo, ou seja, a suposição de que o Universo
obedece a uma tendência no sentido de sintetizar as unidades em totalidades organizadas. Hegel
chamou-lhe “a transição da quantidades para a qualidade”.
Todavia, a metodologia sistémica decorre directamente da cibernética, que é o estudo do controlo
interno dos sistemas em que as várias operações interactuam reciprocamente e
sistematicamente como acontece nas máquinas que possuem a chamada inteligência artificial. O
termo parece ter sido inventado por Norbert Wiener e Arthur Rosenthal em que os sistemas
podem ser mais ou menos imunes às influências externas ou ambientais, e que é possível
enunciar algumas leis de valor geral sobre o funcionamento dos sistemas:
Feedback- retorno do output do sistema como do input
Input – de natureza positiva ou negativa, exprime os apoios ou exigências recebidos. Podem ser
destrutivos porque aumentam as exigências
Output- estabilizadores do sistema porque reduzem as exigências

Na biologia, o critério foi enunciado por Bertahanffy. Nas ciências sociais, terá sido importada pro
Talcott Parsons e aplicada por David Easton e Karl Deutsch.
No que respeita às R.I., a expressão sistema, também tem mais do que um sentido para além
daquele que lhe corresponde como designação de uma metodologia de aproximação. Existem
assim:
- sistemas internacionais (Tratado de Vestfália, bipolarismo)

A análise sistémica baseia-se na distinção entre o sistema e o ambiente ou contexto. Caracteres


do sistema internacional:
- sistema global e fechado sobre si mesmo
- sistema não tem ambiente exterior implicando uma intensificação do domínio dos actores
sobre os espaços
- as R.I. desenvolveram-se em circuito fechado
- sistema é heterogéneo porque o feixe de relações contínuas e não intermitentes entre os
seus elementos liga intervenientes de pofer desigual
- mundialização do sistema tornou mais difícil e complexa a montagem de um mecanismo
regulador

Aron e Kaplan: o funcionamento dos sistemas


Para Aron apenas é possível racionalizar cada sistema concreto e assim mesmo limita-se à
análise do sistema multipolar e do sistema bipolar. Para cada sistema, procura estabelecer o
padrão da relação de forças e o carácter homogéneo ou heterogéneo do sistema. Dois grandes
tipos de relação de formas:
- bipolaridade (séc. XX bipolar e heterogéneo)
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Teoria das Relações Internacionais (41067)

- multipolaridade (séc. XVIII multipolar e homogéneo)

Kaplan procura determinar as regras essenciais para o equilíbrio de cada sistema identificado, as
regras de transformação e as estruturas de cada agente.

• O regresso ao estado de natureza


A filosofia do uso da força
Até à 1ª Guerra Mundial não existia uma proibição do uso da força nas R.I.. Os Estados incluem o
direito de fazer a guerra no seu estatuto internacional. A 1ª Guerra Mundial obrigou a meditar
sobre a necessidade de introduzir na filosofia e na teoria a perspectiva dos interesses da
Humanidade que ultrapassam os do Estado soberano. A interdependência fazia nascer
rapidamente o número de intervenientes na guerra que se tornou mundial.
Os custos da guerra facilmente demonstram a vencedores e vencidos a igualdade da condição de
desastre a que chegam. A manipulação da energia atómica foi o alarme supremo.
Porém, a violência esteve na origem dos Estados, a violência foi sempre a última instância das
relações entre os Estados.

A prevenção dos conflitos


I) A restrição jurídica-jus ad bellum
Os juristas desta conjuntura reconhecem um direito ilimitado ao Estado para recorrer à guerra.
Porém, com a mundialização dos teatros de guerra, verifica-se uma definição dos meios
preventivos e repressivos. Assim, a Conferência de Haia (1907), exigia a declaração prévia de
guerra e restringia drasticamente o direito de fazer a guerra para cobrança de dívidas.
A 2ª Guerra Mundial foi um regresso mundial ao estado de natureza que foi depois terminada
com Carta da ONU – artigo 2 Parágrafo 4). A Carta considerou legítima a guerra de legítima
defesa, a guerra da libertação nacional, a acção internacional determinada pelo Conselho de
Segurança ou pela Assembleia Geral. Esta legítima defesa tem determinado a corrida ao
armamento que caracteriza a nossa época e o aparecimento de novas formas de fazer guerra.

II) Desarmamento
O desarmamento ganhou progressivo relevo no capítulo da prevenção da guerra à medida que os
meios de a fazer ganhavam em poder de destruição e ameaçaram com a catástrofe geral. A
questão é de saber se a corrida ao armamento pode ser controlada e como.
As 3 principais razões a favor do controlo do armamento e desarmamento são:
1) diminuir a probalidade da guerra
2) diminuir a extensão da destruição em caso de guerra
3) reduzir os custos financeiros da defesa

O conceito fundamental é o de que as negociações sobre o desarmamento são negociações


sobre a forma de fazer a guerra.

O problemático restabelecimento da Ordem


O desequilíbrio e disfunção dos sistemas, cuja mais grave manifestação é a guerra, exige que o
estado de natureza seja eliminado ou contido por uma Nova Ordem. Esta ordem é desejável, uma
vez que para os povos ela consolida um futuro período de paz correspondente a um sentimento
de justiça compartilhado pelas populações e Estados interessados. Mas a regra é que, pelo facto
de haver vencedores e vencidos, a Nova Ordem seja exclusivamente o espelho da hierarquia de
poderes reflectindo a concepção dos vencedores.
Uma vez que a guerra é o regresso ao estado de natureza, a paz raramente deixa de ser a
submissão dos vencidos acordada entre as potências dominantes (a sua manutenção é confiada
a uma Ordem ditada pelos vencedores.
A forma mais corrente de terminar com o estado de guerra é o tratado de paz: depois da corrida
às armas, um acordo mútuo define as condições de estabelecimento de paz.

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Teoria das Relações Internacionais (41067)

7. INTEGRAÇÃO INTERNACIONAL E PARTICIPAÇÃO TRANSNACIONAL


• A perspectiva funcional
Nacionalismo, internacionalismo e transnacionalismo
Nacionalismo: sentimento de lealdade política ocidental, o mais elevado e característico,
correspondendo ao modelo de Estado-Nação. O valor da identidade nacional é politicamente
supremo. A consciência de que a pertença ao grupo determina direitos e lealdades incompatíveis,
tem como consequência comprovada o aparecimento de um sentimento etnocêntrico ou de uma
ideologia racista. Ex: apartheid (África do Sul), nazis na Europa.
Internacionalismo: afirmação de que a nossa época exige a definição de objectivos políticos que
excedem os limites históricos, geográficos e constitucionais dos Estados existentes. Daqui
decorre mais razoavelmente o desenvolvimento do método consensual e do modelo contratual do
Estado.
Transnacionalismo: designa as instituições e doutrinas do consenso que apoiam tais políticas
(proposta Marx – procura da unidade pela luta de classes, ou proposta de Hitler de hierarquizar
os povos) e que as prosseguem acima da vontade isolada dos EUA, como seria o caso da ONU.

Integração internacional
Processo pelo qual os agentes políticos de várias áreas nacionais procuram transferir as suas
lealdades, expectativas e actividades políticas para um centro novo e mais abrangente, cujas
instituições possuem ou pretendem jurisdição sobre os Estados nacionais preexistentes. Não é
uma organização internacional intermediária entre os Estados mas um novo processo decisório a
cargo de uma instituição superior aos Estados.

Sectores de integração
O sector económico é, por tradição, o que exige prioridades de integração, em que o modelo mais
frequente é o do mercado comum. Trata-se de desenvolver o poder económico usando 2
instrumentos principais:
- eliminação de barreiras alfandegárias entre os Estados membros, permitindo a livre circulação
de mercadorias mais a livre circulação de pessoas e capitais.
- Definição de uma política económica comum

O segundo sector é o social, já que não é possível fazer circular livremente mercadorias, capitais
e pessoas sem encarar a sua diversidade cultural e por vezes incompatível.

Sector político é o que suscita maiores dificuldades a nível do ponto de vista funcionalista e
político e federalista, pois estão em causa valores históricos do patriotismo, lealdade à Pátria, à
Nação e ao Estado e consciência das diferentes identidades nacionais e independência
soberana.
Assim, sustenta-se que a cooperação deva preceder as instituições para que a mudança social
se dê sem conflitos.

I) As tensões da integração
Integração significa não grupos diferentes submetidos à mesma jurisdição devem possuir os
mesmos direitos legais embora possam ter privilégios desiguais em função da sua especificidade
religiosa, linguística e cultural => regra do direito a ser diferente e ser tratado como igaul
(affirmative action).
No lado oposto está o integrismo que subordina tudo à preservação e desenvolvimento das
diferenças o que contraria qualquer internacionalismo ou transnacionalismo.

II) Objectivos da integração


O primeiro objectivo é o de defesa e conservação. Havendo paz, o objectivo é o aumentar o
potencial político na balança internacional de poderes. Um dos objectivos da integração é eliminar
as causas de conflito. Ex: a CECA que visou eliminar a tradicional oposição entre França e
Alemanha.

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Teoria das Relações Internacionais (41067)

III) Requisitos de viabilização


- assimilação social dos povos envolvidos
- mútuo respeito pelos sistemas culturais
- objectivos internacionais coincidentes
- bom apoio do poder político pela comunidade de cada unidade política. As ameaças externas
comuns aceleram o processo de integração. Ex: Europa durante o bipolarismo.

IV) Movimento sustentador


O processo integrador para a transnacionalização só será sustentado, se os pré-requisitos não
sofrerem alteração no processo; se os objectivos forem satisfatoriamente progredindo e se as
ameaças externas não mudarem de natureza.

• Mediação da percepção
As percepções da integração
As integrações não são por norma mundiais.

A percepção norte-americana
Depois da paz e da quebra da aliança com a URSS, a primeira percepção americana foi a da
necessidade de conter o avanço soviético e, nessa orientação, reconstruir a Europa ocidental

As percepções europeias
A revisão da co-responsabilidade mundial EUA-URSS (conferência de Malta 1989), voltou a
dar a maior actualidade pluralidade das percepções europeias sobre a Ordem Mundial e,
sobretudo, a competição estratégica. Segundo sondagens, a Europa da NATO conserva uma
percepção da conjuntura que a inclina para a manutenção de uma defesa solidária com os
EUA. O ideal da paz pelo direito parece comum aos povos ocidentais, e a articulação com os
americanos reside na contradição de os europeus não suportarem a sua proeminência e
repudiarem a tentativa de colonização cultural, copiando-lhe, no entanto, os modelos de vida;
detestarem a direcção política que os americanos assumiram mas sentido-os próximos como
povo e admirando a sociedade que em muitos aspectos copiaram.
A revisão da logística dos impérios (EUA e URSS), a que procederam os co-responsáveis
pela ordem estratégica finda, tornou mais rico o pluralismo das percepções europeias e mais
complexo o processo em curso.

A memória da percepção soviética


Desde o ensaio de Lenine que a percepção soviética teve como dado principal a Ordem
internacional como uma ameaça compensatória imperialista contra a URSS. Os EUA eram
vistos como essa ameaça imperialista mundial. A situação de détente entre os dois blocos
tornou-se uma incógnita – seria um intervalo entre tensões ou um patamar para a definição
de uma nova Ordem? A détente começa a significar compreensão e, portanto, aproximação
das percepções sobre a situação mundial e as responsabilidades respectivas de cada uma
das superpotências. A principal revisão a Leste foi a progressiva xxxxx ao papel hegemónico
dos partidos comunistas e, em consequência, a negação do carácter científico ou dogmático
do marxismo-leninismo.

A percepção terceiro-mundista
Antes da última guerra mundial, os 3 pólos (Europa, EUA, URSS) ainda partilhavam a
supremacia da comunidade internacional que depois da guerra passou a sede do governo do
mundo da Europa para os EUA, ficando a Europa numa posição dependente dos EUA. A
política da descolonização veio dar voz internacional a um conjunto de países que até então
tinham sido «mudos» porque eles por eles falava a potência colonizadora. Forjaram então
uma unidade política com expressão permanente na ONU.
A descoberta do poder funcional (através das matérias-primas, crise do petróleo de 1973),
levou a:
- posição unificada das questões económicas relativamente aos países industrializados
- transformação desta uniformidade de conduta num instrumento de pressão para desenvolver
a pretendida nova ordem económica internacional
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Teoria das Relações Internacionais (41067)

Teoria das percepções nas R.I.


a) Valores, crenças e informação
Valores: critérios de preferência que levam à desão a uma realidade ou acção, e rejeição das
que não se lhe ajustam => ideologias, concepções da sociedade, etc
Crenças: adesões à veracidade de uma descrição da realidade ou dos modelos de
comportamento independentemente de qualquer apoio em demonstração lógica ou factual.
Informação: abrange os dados sobre a realidade vindos de todos os ambientes e que podem
afectar a escala de valores e crenças, mas cujo entendimento e aceitação ou rejeição são
condicionados por aquelas.

De qualquer das formas, as referências das percepção de cada poder político tende para a
durabilidade e resistência aos ataques que os adversários desenvolvem através da estratégia
indirecta.

b) O discurso eficaz
A revolução das técnicas de informação veio acrescentar desmesuradamente a importância
das percepções e da imagem projectada por cada um dos intervenientes no processo político.
O discurso eficaz tornou-se central no mundo democrático porque este passou a ter ao seu
dispor vários instrumentos destinados a deformar a imagem da realidade e a percepção
desta, interna e externamente. Isto porque o fenómeno político evoluiu para uma participação
das massas, qualquer que seja o regime.
As crenças, ideologias e utopias são elementos fundamentais no processo de mobilização da
determinação e credibilidade dos apoios sem os quais o poder não consegue realizar os seus
objectivos. Daqui resulta especial atenção às ciências da linguagem, à lógica, à retórica e à
antropologia, entre outras. O domínio das cadeias de informação também cria um fenómeno
de dependência e de hierarquia entre os poderes.

8. ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL - ONU


• Os princípios e finalidades inscritas na Carta da ONU
A queda do Muro e o fim do regime dos Pactos Militares levou a um regresso à ONU (única fonte
legítima existente). A Carta da ONU foi assinada em Junho 1945, e procurou fazer convergir no
exto, elaborado pelos vencedores da 2ª Guerra Mundial, dois legados ocidentais:
- legado maquiavélico relativo ao poder e à hierarquia das potências
- legado humanista relativo aos valores e esperança na paz pelo direito

A manutenção da paz é o principal objectivo da ONU, daí a importância da definição de agressão.


Esta não consta, porém, da Carta; só em 1974 é que existe uma enumeração exemplificativa, que
considera agressão as seguintes acções:
a) uso da força armada sem decisão do Conselho de Segurança
b) bombardeamento
c) ataque armado contra o território ou forças armadas de outro Estado
d) bloqueio naval
e) autorização do uso do território de um Estado para que outro agrida um terceiro. Ex: autorizar
a passagem de tropas
f) envio grupos armados ou de mercenários para atacar outro Estado

Daí que o capítulo mais importante da Carta é o VII “Acção em caso de Ameaça à Paz, Ruptura
da Paz e Actos de Agressão”.
Embora o Conselho de Segurança esteja legalmente dotado de todos os poderes para intervir, os
mecanismos de formação das decisões introduzidas, paralisaram o Conselho. O principal foi a
regra de que na maioria estivesse o voto dos 5 grandes (EUA, URSS, França, Inglaterra e China).
Nasce assim o direito de veto de cada uma das grandes potências. Independentemente da haver
um conflito de interesses entre as grandes potências, nas iniciativas em que necessitariam estar
de acordo divergiram quanto a:
- comando supremo
- grau de preparação das tropas
- se cada Estado deve fornecer contingentes iguais ou consoante a capacidade de cada Estado
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Teoria das Relações Internacionais (41067)

- se as tropas podem estacionar fora do território dos Estados de origem, em tempo de paz
- o direito de passagem de tropas

Daqui resulta a inoperância do Conselho. Assim, em vez de Decisões do Conselho, a oNU faz
Recomendações da Assembleia. Contudo, a ONU tem actuado, enviando forças de paz,
observadores ou comissões de investigação. A intervenção mais conhecida é a das Forças de
Paz (capacetes azuis). O avanço da ONU relativamente à Sociedade das Nações é que,
juridicamente pode agir perante uma ameaça à paz, não precisando de esperar pela consumação
da agressão. A acçãod a oNU estende-se a muitos outros grupos, através das suas organizações
especializadas: OIT, OMS, FMI, UNESCO.
A ONU é um lugar onde todos os Estados se podem encontrar com todos. Tem desenvolvido o
direito internacional, realizado inúmeras convenções de codificação (direito marítimo, direito
diplomático, direito dos trabalhos, etc) Tem feito progredir a ideologia ocidental dos direitos dos
Homens e a sua efectivação. Assumiu e desenvolveu o programa de descolonização.

• A descolonização
A colonização implica a imposição de um poder superior, alienígena sobre um povo e seu
território com o sistema cultural diferente, geralmente de etnia diferente. A relação que se
estabelece além do domínio político pelo colonizador, implica que este leve eventualmente o
capital e a técnica e exija a terra e o trabalho dos nativos. Este processo de expansão prende-se
com o interesse do colonizador em procurar novos espaços, matérias-primas, novos mercados ou
apoios estratégicos => colonialismo de espaço vital. As relações entre colonizador e colonizado
podem assumir vários modelos:
- genocídio
- transferência de populações
- coexistência
- integração física e sincretismo
- miscigenação cultural

Para que o fenómeno da colonização não seja simples brutalidade de aquisição de espaço vital, é
necessário uma ética superior reguladora. Assim nasce a política colonial dos Papas. Portugal
invocou sempre o dever missionário. A colonização moderna, que surgiu da Conferência de
Berlim iria invocar uma justificação diferente da evangelização: o dever de civilizar. O triunfo na
competição internacional, o fardo do homem branco. O facto da Carta da ONU falar na condução
dos povos para a capacidade da independência foi entendida no sentido em que todos os povos
estavam em condições de se autodeterminarem e que toda a relação de dependência colonial
devia ser extinta. A política de descolonização, inscrita na Carta da ONU, teve a definição que foi
imposta pelos vencedores da guerra.

• As possibilidades de reforma da ONU


O objectivo é eliminar a teoria de conflitos seculares o que não quer dizer que não surjam outros
tipos de conflito.
A ONU foi a última e mais alta expressão daquela premissa. A experiência dos anos que se
seguiram à queda do Muro, mostra que são necessárias algumas inovações na Ordem
internacional, relativamente a conceito básicos, para que a paz e a segurança mundiais sejam um
resultados ao alcance da ONU renovada. Assim, é crescente a opinião relativamente à revisão do
elenco dos membros do Conselho de Segurança, uma vez que alguns caíram de estatuto
(Inglaterra e França) não sendo já as potências que eram.
Por outro lado, os vencidos da altura, Alemanha e Japão, adquiriram um peso na balança de
poderes mundial, especialmente económico e tecnológico, e que a sua entrada no Conselho, com
estatuto mais privilegiado, não pode ser recusada. A questão é a de saber sobre o estatuto
privilegiado inclui, para além da permanência, o direito de veto e se este vai ser reservado aos
titulares originários ou vai ser extinto.
Uma das causas da evolução resulta na necessidade de rever o conteúdo da soberania dos
Estados e o conceito de jurisdição interna. O direito internacional terá de evoluir no sentido de
encontrar resposta aos desafios sem precendente. Para Adriano Moreira, talvez a exigência mais
premente seja a de uma função humanitária da ONU.
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Teoria das Relações Internacionais (41067)

9. A DISSOLUÇÃO E O PASSIVO DOS BLOCOS MILITARES


• O período da guerra fria
Adriano Moreira recorre a Raymond Aron como referência sobre o tema da conjuntura
internacional na guerra fria. Assim, o período entre 1945 e 1989 é caracterizado, na perspectiva
de Aron de “guerra impossível, paz improvável”. Este período retrata a formação de 2 blocos ou
pactos militares – Aliança Atlântica (1949) e o Pacto de Varsóvia (1955) e a consequente busca
de equilíbrio à escala mundial que dominou a política internacional.
O elemento que determina que a guerra fosse impossível e a paz improvável foi que o equilíbrio
entre os 2 blocos ou pactos se baseou em primeiro lugar na posse de armas nucleares e no seu
uso como factor dissuasor do ataque do bloco rival. O armamento nuclear foi desenvolvido para
não ser usado, mas o simples conhecimento da sua existência e do seu potencial constituiu o
factor mais determinante da conjuntura internacional da guerra fria, com consequências muito
reais ao nível dos comportamentos dos vários actores internacionais. Este condicionalismo é
descrito por Adriano Moreira como de “equilíbrio de terror” pela qual a humanidade se viu
transformada em potencial alvo de um desastre nuclear, que podia ser despoletado por decisão
humana ou por mero erro técnico.
Este cenário internacional específico teve consequências ao nível do conhecimento e do tipo de
organização internacional em vigência desde 1945. A ONU tinha sido criada com o principal
objectivo de promover a segurança colectiva da sociedade internacional, procurando superar os
erros e deficiências da Sociedade das Nações.
Aliás, o prof. Adriano Moreira destaca que o confronto ideológico entre os 2 pactos ou blocos
militares teve como consequência evidente o bloqueio do procedimento de segurança colectiva
previsto na Carta da ONU. Assim, de modo a evitar a intervenção desta organização em zonas do
mundo que consideravam pertença às suas esferas de interesses, os membros permanentes do
Conselho de Segurança exerceram repetidamente o seu poder de veto. Deste facto resultou a
imposição de uma ordem dos pactos militares em detrimento da ordem da ONU.
Em resultado disto, as questões de segurança internacional não obedeceram a preocupações
colectivas mas sim à satisfação dos interesses dos 2 blocos ou pactos militares, ou mais
concretamente aos Estados directores – EUA e URSS.
O teor das relações é então descrito por Aron como “guerra impossível, paz improvável”, por
Nixon como “a terceira guerra mundial” e mais correntemente como guerra fria.
Assim, as relações entre os pactos militares e entre as 2 superpotências caracterizaram-se por:
- guerras marginais: confronto indirecto entre elas nas zonas de confluência de interesses e
poderes
- luta ideológica: protecção e promoção de regimes que travassem o avanço do bloco inimigo
- estratégia indirecta: tentativa de influenciar as opiniões públicas dos Estados inimigos quanto
à questão nuclear (estratégia soviética para os países europeus da Aliança Atlântica) e à
questão dos direitos cívicos (estratégia americana para os satélites soviéticos)

A rivalidade existe assim não só ao nível estratégico e militar mas também ao nível económico e
ideológico. Adriano Moreira refere que, em negociações externas aos quadros da ONU, EUA e
URSS desenvolveram uma política de co-responsabilidade pelos negócios mundiais, em especial
pela segurança. Porém, apesar desta política de co-responsabilidade ser promovida em nome da
segurança mundial, o que é facto é que ela não correspondeu a uma verdadeira segurança
colectiva, uma vez que ela foi um instrumento de realização de interesses específicos e não do
colectivo da sociedade internacional. Esta política evitou, de facto, o confronto directo entre as 2
superpotências mas à custa da promoção de guerras paralelas e da protecção a regimes
ditatoriais que agravaram o sofrimento generalizado das populações do terceiro mundo. O
conceito de paz internacional se bem que com benefícios atribuídos à NATO e ao Pacto da
Varsóvia mantiveram a paz durante 50 anos, o que é certo é que ela foi mantida apenas
relativamente ao confronto directo, porque no confronto indirecto usando entrepostas entidades,
ela não existe.

• O período do pós guerra fria


A chegada de Mikhail Gorbatchov ao poder em Moscovo, vai marcar uma nova era política de co-
responsabilidade das superpotências. Assim, em 1989 e 1990, EUA e URSS convergiram para a
segurança internacional, pelo interesse genuíno em promover a paz geral, para além dos cálculos
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Teoria das Relações Internacionais (41067)

estratégicos do passado. A chegada de Gorbatchov ao poder marca também o desenvolvimento


de um acordo não-negociado entre as 2 superpotências com o objectivo de reduzirem os conflitos
paralelos (marginais). A questão maior, como refere Adriano Moreira é que os EUA podem
eliminar os conflitos marginais que assumiram ou criaram.
O regresso da legitimidade da ONU está, hoje em dia em causa, devido ao reacender de conflitos
que já não sendo já promovidos pelas superpotências, desenvolvem-se e reforçam-se baseados
na motivação original. Temos assim, o agravamento dos riscos tecnológicos maiores devido à
explosão científica e técnica do pós- segunda guerra mundial que foi acompanhada de riscos
imprevisíveis e difíceis de controlar pelas autoridades competentes com a agravante desta
explosão científica técnica não ter sido acompanhada de uma evolução da ética e do direito.
A crescente mobilização da sociedade civil internacional para promover a segurança da
humanidade face a esses riscos, é realçada pelo prof. Adriano Moreira e constitui um dos sinais
da evolução para uma organização comunitária globalista da humanidade. A gravidade da
questão está no facto de, segundo a regra histórica não foram os avanços da ciência e da técnica
que suscitaram uma nova atitude da consciência mundial mas sim a sucessão de grandes
catástrofes imprevistas.

• A nova ordem internacional


A política armamentista já provou a sua incompatibilidade com uma política de desenvolvimento e
solidariedade entre sociedades ricas e pobres. A explosão científica e tecnológica e a
mundialização deste passivo e a distribuição planetária do activo e do passivo tem sido desigual,
favorecendo o aprofundamento do fosso entre países ricos e pobres e o avolumar de queixas vai
dificultando o diálogo e o relacionamento Norte-Sul do mundo.
É nesta sequência, que a busca de uma nova ordem mundial aparece em colisão com o modelo
tradicional do Estado soberano, o tal poder que não reconhece poder igual dentro das suas
fronteiras nem poder superior para além delas. A superação desta tradicional figura política é
imposta pela necessidade de recorrer novamente à utopia, à ideologia renovada, à religião que o
Estado laico ocidental afastou e o Estado soviético perseguiu. São estes 3 conceitos que
prometem um lugar de destaque na definição da futura ordem mundial. Um dos elementos da
nova ordem mundial que Adriano Moreira refere é:
- regresso do divino à vida internacional
Implica todas as áreas culturais mas detém-se principalmente na influência do cristianismo do
fim de milénio. O que acontece é que por definição, o povo de Deus não tem fronteiras
políticas, logo, daqui advém a importância do cristianismo e da religião em geral nas R.I.
Neste contexto, avulta sobretudo a influência do pontificado de João Paulo II e a sua
chamada “nova evangelização”. Os vários encontros que o papa promoveu para reflectir e
rezar em conjunto com outros líderes espirituais promoveu aquilo a que o prof. Adriano
Moreira chamou de “Nova Mensagem de Assis” e que aponta para o assumir de uma
mundialização da espiritualidade que influencie a política internacional. Assim, o Sumo
Pontífice alertou para o risco da destruição atómica, os desequilíbrios ecológicos, o fosso
cada vez maior entre países ricos e pobres, generalização da violência em vastas áreas do
globo, para a alienação e manipulação da opinião pública, entre outros fenómenos nocivos.
Porém, muitas vezes o regresso do divino à vida internacional traduz-se na violência dos
fundamentalismos religiosos.
- o utopismo e a ideologia renovadora
Decorrem dos dissidentes que durante décadas contribuiu decisivamente para a erosão dos
sistemas totalitários na Europa Central e de Leste. A grande referência é Vaclav Havel na
Checoslováquia com a obra “O Poder dos Sem-Poder”. A constituição de uma verdadeira
internacional de dissidentes dos sistemas totalitários comunistas no fim da década de setenta,
acrescentou uma dimensão crucial a esta problemática. Este fenómeno representa um certo
tipo de solidariedade transnacional. Todavia, é a resistência ao modelo económico neo-liberal
imposto pelas instituições internacionais e pelas principais potências que desencandeia a
mais significativa das teias da solidariedade transnacional. A motivação principal é a revolta
social contra a pressentida injustiça da presente ordem económica mundial.
Assim, a Nova Ordem em definição pelas superpotências do Norte do globo não pode encetar
uma verdadeira era de paz sem eliminar as injustiças do sistema económico internacional.

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Teoria das Relações Internacionais (41067)

O autor estabelece assim o tipo de relação entre os conceitos “ordem” e “justiça”. Enquanto
que a perspectiva realista considera os dois conceitos incompatíveis, Adriano Moreira enuncia
claramente que, qualquer que seja a forma que venha a assumir a nova ordem internacional,
ela só pode recolher legitimidade da realização de princípios de justiça à escala global.
Mais, o autor sugere que a ordem e a paz internacional são impensáveis sem a eliminação
das injustiças do sistema económico internacional.

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