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O QUE É 1

AUTOCOMPAIXÃO?

Autocompaixão envolve tratar a si mesmo da Você suspira e diz: “Bom, para ser bem
forma como você trataria um amigo que está honesta, isso provavelmente aconteceu porque
tendo dificuldades – mesmo que seu amigo você é velha, feia e chata, sem falar que é
tenha cometido um erro ou esteja se sentindo carente e dependente. E está pelo menos 10
inadequado ou esteja apenas enfrentando um quilos acima do peso. Eu simplesmente desis-
desafio difícil na vida. A cultura ocidental tiria agora porque de fato não há esperança
coloca grande ênfase em sermos gentis com de que você encontre alguém que vá amá-la.
nossos amigos, familiares e vizinhos que Francamente, você não merece!”.
estão passando por Você falaria assim com alguém de quem
dificuldades, mas não gosta? É claro que não. Mas, estranhamente,
Por meio da
quando se trata de nós esse é exatamente o tipo de coisa que dizemos
autocompaixão
mesmos. A autocom- a nós mesmos em tais situações – ou ainda
nos tornamos um
paixão é uma prática pior. Com autocompaixão, aprendemos a falar
aliado interno em na qual aprendemos com nós mesmos como um bom amigo. “Sinto
vez de um inimigo a ser um bom ami- muito. Você está bem? Deve estar muito cha-
interno. go para nós mesmos teada. Lembre-se de que eu estou sempre aqui
quando mais preci- e que gosto muito de você. Há alguma coisa
samos – nos tornamos um aliado interno em vez que eu possa fazer para ajudar?”
de um inimigo interno. Porém, habitualmente Embora uma maneira simples de pensar
não nos tratamos tão bem quanto tratamos sobre autocompaixão seja tratar a si mesmo
nossos amigos. como você trataria um bom amigo, a defi-
A regra de ouro diz: “Faça para os outros nição mais completa envolve três elementos
aquilo que gostaria que eles fizessem para essenciais que mobilizamos quando estamos
você”. No entanto, você não vai querer fazer sofrendo: autobondade, humanidade com-
para os outros aquilo que faz para si mesmo! partilhada e mindfulness.
Imagine que sua melhor amiga lhe telefona
depois de levar um fora do parceiro, e é assim Autobondade. Quando cometemos um erro
que se dá a conversa: ou falhamos de alguma forma, é mais pro-
“Oi”, você diz, atendendo ao telefone. vável nos recriminarmos do que colocarmos
“Como vai?” um braço acolhedor em torno de nosso pró-
“Terrível”, ela diz, aos prantos. “Sabe aquele prio ombro. Pense em todas as pessoas gene-
cara, Michael, com quem eu estava saindo? rosas e carinhosas que você conhece que se
Bem, ele é o primeiro homem por quem eu me criticam constantemente (até mesmo você).
interessei desde o meu divórcio. Ontem à noite A autobondade combate essa tendência,
ele me disse que eu estava pressionando muito permitindo que sejamos tão amorosos com
e que ele só quer amizade. Estou devastada.” nós mesmos como somos com os outros.

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Os Três Elementos da Autocompaixão

Autobondade

Humanidade
Mindfulness
compartilhada

Em vez de sermos duramente críticos de acreditar que as coisas “devem” ocorrer


quando notamos falhas pessoais, somos bem e que alguma coisa deu errado quando
apoiadores e encorajadores e visamos nos elas não ocorrem bem. É claro, é altamente
proteger dos males. Em vez de nos atacarmos provável – de fato inevitável – que cometamos
e nos repreendermos por sermos inade- erros e tenhamos dificuldades com certa
quados, oferecemos a nós mesmos cordiali- regularidade. Isso é completamente normal e
dade e aceitação incondicional. Igualmente, natural.
quando circunstâncias externas na vida são Mas não tendemos a ser racionais em
desafiadoras e parecem muito difíceis de relação a esses assuntos. Em vez disso, não
suportar, nós ativamente nos acalmamos e só sofremos como também nos sentimos iso-
nos confortamos. lados, sozinhos em nosso sofrimento. Entre-
tanto, quando nos lembramos de que a dor
Theresa estava entusiasmada: “Eu consegui! faz parte da experiência humana comparti-
Não acredito que consegui! Eu estava em uma lhada, cada momento de sofrimento é trans-
festa do escritório na semana passada e deixei formado em um momento de conexão com
escapar alguma coisa inapropriada com um os outros. A dor que eu sinto em momentos
colega. Em vez de fazer aquela coisa usual de difíceis é a mesma dor que você sente em
me criticar terrivelmente, tentei ser gentil e momentos difíceis. As circunstâncias são
compreensiva. Disse a mim mesma: ‘Oh, bem, diferentes, o grau da dor é diferente, porém
isso não é o fim do mundo. A minha intenção a experiência básica do sofrimento humano
era boa, mesmo que eu não tenha dito da é a mesma.
melhor forma’”.
Theresa continuou: “Lembrei que todos cometem
Humanidade Compartilhada. Um senso lapsos algumas vezes. Não posso esperar dizer a
de interconectividade é essencial para a coisa certa em todos os momentos. É natural que
autocompaixão. É reconhecer que todos os essas coisas aconteçam”.
humanos são uma obra em andamento com
falhas, que todos falham, cometem erros e Mindfulness. Mindfulness envolve estar cons-
experimentam dificuldades na vida. A auto- ciente das experiências momento a momento
compaixão destaca o fato inevitável de que de uma maneira clara e equilibrada. Significa
a vida envolve sofrimento para todos, sem estar aberto à realidade do momento presente,
exceção. Embora isso possa parecer óbvio, é permitindo que todos os pensamentos, emo-
muito fácil de esquecer. Caímos na armadilha ções e sensações entrem na consciência sem

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resistência ou esquiva (analisaremos mais Para sermos autocompassivos, mindful-


profundamente mindfulness no Capítulo 6). ness é, na verdade, o primeiro passo que preci-
Por que mindfulness é um componente samos dar – precisamos de presença de espí-
essencial da autocompaixão? Porque pre- rito para responder de uma nova maneira.
cisamos ser capazes de nos voltarmos ao Então, imediatamente depois do passo em
nosso sofrimento e reconhecê-lo, de “estar” falso na festa do escritório, por exemplo, em
com nossa dor por tempo suficiente para res- vez de afogar seu sofrimento em uma caixa de
ponder com amor e gentileza. Embora possa chocolates, Theresa reuniu a coragem neces-
parecer que o sofrimento é nitidamente sária para enfrentar o que aconteceu.
óbvio, muitas pessoas não reconhecem
o quanto estão sofrendo, especialmente Theresa acrescentou: “Simplesmente reconheci o
quando essa dor se origina da sua própria quanto me senti mal no momento. Eu gostaria
autocrítica. Ou, quando confrontadas com que não tivesse acontecido, mas aconteceu. O que
desafios na vida, as pessoas frequentemente foi incrível é que eu pude, na verdade, suportar
ficam tão apegadas ao modo de solução de os sentimentos de constrangimento, o rubor na
problemas que não fazem uma pausa para face, o calor subindo até a cabeça, sem ficar per-
refletir sobre o quanto aquele momento é dida em autocrítica. Eu sabia que os sentimentos
difícil. Mindfulness combate a tendência a não iam me matar e que acabariam passando.
evitar os pensamentos e emoções dolorosos, E eles passaram. Conversei comigo mesma,
permitindo que nos defrontemos com a ver- me armando de coragem, encontrei com o meu
dade da nossa experiência, mesmo que ela colega no dia seguinte para me desculpar e me
seja desagradável. Ao mesmo tempo, impe- expliquei, e tudo ficou bem”.
de-nos de sermos absorvidos pelos pensa-
mentos ou sentimentos negativos e “excessi- Outra forma de descrever os três elementos
vamente identificados” com eles, de sermos essenciais da autocompaixão é presença (min-
aprisionados e destruídos por nossas rea- dfulness) amorosa (autogentileza), conectada
ções aversivas. A ruminação estreita nosso (humanidade com-
foco e exagera nossa experiência. Eu não partilhada). Quando Cultivar um estado
só falhei, “eu sou um fracasso”. Eu não só me estamos no estado de presença
decepcionei, “minha vida é decepcionante”. mental de presença amorosa e
No entanto, quando observamos constan- amorosa conectada, conectada pode
temente nossa dor, somos capazes de reco- nossa relação com mudar nossa
nhecer nosso sofrimento sem exagerá-lo, o nós mesmos, com relação conosco
que nos permite assumir uma perspectiva os outros e com o e com o mundo à
mais inteligente e mais objetiva sobre nós mundo é transfor- nossa volta.
mesmos e nossas vidas. mada.

EXERCÍCIO
Como Eu Trato um Amigo?
• Feche os olhos e reflita por um momento sobre a questão a seguir:
–– Pense nas várias vezes em que você teve um amigo próximo que estava com algum
tipo de dificuldade – teve um infortúnio, fracassou ou se sentiu inadequado – e você
estava se sentindo muito bem consigo mesmo. Como você tipicamente responde
aos seus amigos em tais situações? O que diz? Que tom usa? Como é a sua postura?
E a comunicação não verbal?

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• Escreva o que você descobriu.











• Agora feche os olhos novamente e reflita sobre a questão a seguir:


–– Pense nas várias vezes em que você estava tendo algum tipo de dificuldade – teve
um infortúnio, fracassou ou se sentiu inadequado. Como você tipicamente responde
a si mesmo nessas situações? O que diz? Que tom usa? Como é a sua postura?
E a comunicação não verbal?
• Escreva o que você descobriu.









• Por fim, reflita sobre as diferenças entre como você trata seus amigos próximos quando
eles estão tendo dificuldades e como trata a si mesmo. Você percebe algum padrão?


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REFLEXÃO
O que lhe ocorreu enquanto estava realizando essa prática?
Quando fazem esse exercício, muitas pessoas ficam chocadas ao constatar como tra-
tam mal a si mesmas comparadas aos seus amigos. Se você é uma dessas pessoas, não
está sozinho. Dados preliminares sugerem que a vasta maioria das pessoas é mais com-
passiva com os outros do que consigo mesmas. Nossa cultura não nos encoraja a sermos
gentis com nós mesmos, portanto precisamos praticar intencionalmente a mudança da
nossa relação com nós mesmos para combatermos os hábitos de toda uma vida.

EXERCÍCIO
Relacionando-nos com Nós Mesmos com Autocompaixão
Pense em uma dificuldade que você está enfrentando atualmente na sua vida – uma que
não seja tão grave. Por exemplo, talvez tenha brigado com seu parceiro e dito alguma
coisa de que se arrependeu. Ou talvez você tenha falhado em uma tarefa no trabalho e
esteja com medo de que seu chefe o chame para uma reunião e o repreenda.
• Escreva sobre a situação.









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• Primeiro veja, por todos os lados, de que modo você pode estar perdido no enredo da
situação e qual é a saída. Isso é tudo em que consegue pensar ou está tornando um
problema maior do que o necessário? Por exemplo, você está aterrorizado com a ideia
de ser demitido, mesmo que seu erro tenha sido insignificante?









• Agora, veja se você consegue reconhecer conscientemente a dor envolvida nessa


situação sem exagerá-la ou sem ser excessivamente dramático. Escreva os sentimentos
penosos ou difíceis que possa estar tendo, tentando fazer isso com um tom relativa-
mente objetivo e equilibrado. Valide a dificuldade da situação enquanto tenta não ser
arrebatado pelo enredo do que está sentindo. Por exemplo: “Estou com muito medo
de ter problemas com meu chefe depois desse incidente. É difícil para mim sentir isso
neste momento”.









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• Em seguida, escreva de que formas você pode estar se sentindo isolado pela situação,
achando que isso não deveria ter acontecido ou que você é a única pessoa que já
passou por algo assim. Por exemplo, está pressupondo que o seu trabalho deveria ser
perfeito e que é anormal cometer erros? Que ninguém mais em seu trabalho comete
esses tipos de erros?









• Agora, tente se lembrar da humanidade compartilhada da situação – o quanto é normal


ter sentimentos como esse e o fato de que muitas pessoas provavelmente estão tendo
sentimentos semelhantes aos seus. Por exemplo: “Acho que é natural sentir medo por
ter cometido um erro no trabalho. Todos cometem erros às vezes, e tenho certeza de
que outras pessoas já estiveram em uma situação parecida com a que eu estou enfren-
tando no momento”.









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• A seguir, escreva de que formas você pode estar se julgando pelo que aconteceu.
Por exemplo, está chamando sua atenção (“estúpido, idiota”) ou está sendo duro
demais consigo mesmo (“você está sempre fazendo confusão. Será que nunca vai
aprender?”)?









• Por fim, tente escrever algumas palavras de gentileza em resposta às emoções difíceis
que você está sentindo. Escreva usando o mesmo tipo de palavras gentis e apoiadoras
que poderia empregar com um bom amigo com quem se importasse. Por exemplo:
“Lamento que esteja se sentindo apavorado agora. Tenho certeza de que tudo vai ficar
bem, e estarei por perto para apoiá-lo, não importa o que aconteça”. Ou então: “Tudo
bem cometer erros, e tudo bem sentir-se amedrontado com consequências. Eu sei que
você fez o melhor que podia”.









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REFLEXÃO
Como foi essa prática para você? Reserve um momento e tente aceitar plenamente como
está se sentindo neste momento, permitindo-se ser simplesmente como é.
Algumas pessoas se sentem aliviadas e confortadas por palavras de mindfulness, hu-
manidade compartilhada e autobondade quando estão fazendo esse exercício. Ele lhe
serviu de apoio? Você consegue desfrutar do sentimento amoroso por si mesmo dessa
maneira?
No entanto, para muitas outras pessoas, esse exercício parece constrangedor ou des-
confortável. Se isso descreve sua experiência, você poderia se permitir aprender no seu
próprio ritmo, sabendo que leva tempo desenvolver novos hábitos?

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