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Educação

O PRAZER DE APRENDER?

“Alguns anos atrás, um grupo de monges budistas estava criando


um quadro de areia em uma área pública na cidade de Filadélfia.
Todos os dias uma mulher vinha observá-los trabalhar. Então,
assim que eles terminaram o trabalho, a mulher correu até o centro
e chutou a areia. Os organizadores ficaram atônitos com tal
profanação e tomaram a mulher por louca. Os monges, no entanto,
saudaram a sua intervenção, pois ela lhes permitiria recomeçar.
Foi um pontapé do caos para iniciar outra auto-organização.”
Berverley Rubick

Andre Daniel Hayashi 1


Gilmar Bornatto 2

RESUMO

Ao notarmos o medo ou a indisposição de muitos alunos diante da aprendizagem da matemática,


procuramos identificar nas teorias de Senge, Briggs e Falcão (sobre motivação, aprendizagem e
pensamento sistêmico, respectivamente) elementos que ampliassem nossa compreensão e possibilitassem
melhorar nossa atuação sobre o processo de aprendizagem.
A teia foi tomando forma e seu centro foi a Quinta Disciplina, de Senge. Demos um destaque ao fato de
que, para que exista uma verdadeira paixão e, conseqüentemente, uma motivação como alavanca para
a aprendizagem significativa, são necessárias uma mudança de mentalidade, passando de um pensamento
fragmentado para um pensamento sistêmico, e, em especial, uma visão arrebatadora que nos torne
educadores visionários.
Palavras-chave: aprendizagem; pessoas; motivação.

1
Engenheiro elétrico pelo Cefet-PR, Mestre em Engenharia de Produção pela UFSC. Professor de Matemática do ensino
médio do Colégio Bom Jesus.
2
Licenciado em Matemática pela UFPR, Mestre em Engenharia de Produção, na área de Mídia e Conhecimento, pela UFSC.
Coordenador de Educação a Distância e Professor de Matemática do ensino médio do Colégio Bom Jesus.

Rev. PEC, Curitiba, v.2, n.1, p.25-30, jul. 2001-jul. 2002 25


INTRODUÇÃO

No decorrer de nossas carreiras profissionais como professores de matemática, temos ouvido


constantemente as seguintes frases: “Matemática sempre foi a pior matéria para mim.”, “Para que serve
este assunto, professor?”, “Isso cai na prova?” “Eu vou fazer Direito, por que devo perder tempo
estudando matemática?”.
Essas declarações nos causam certo desconforto, mas elas são verdadeiras e sinceras.
Esta sensação de impotência que muitos professores, não só os de matemática, sentem, ao se
depararem com uma realidade diferente daquela sustentada por suas crenças interiores, exige uma
decisão: ou ficamos parados, grudados em nossos tradicionais paradigmas, ou partimos para uma
mudança de mentalidade, como nos sugere SENGE (1999): “...de ver as partes para ver o todo, de
considerar as pessoas como reativas e impotentes para considerá-las como participantes ativas na
formação de sua realidade, deixando de reagir ao presente para criar o futuro”.
O objetivo maior deste artigo é gerar um desequilíbrio, possibilitando uma bifurcação, para, quem
sabe, chegar a uma efetiva tomada de decisão a favor da mudança e da criatividade e a uma posterior
auto-organização de atitudes e comprometimentos. Buscamos, para tanto, aliar as idéias de motivação
para aprendizagem, de sistemas dinâmicos complexos, da teoria do Caos e do pensamento sistêmico.

MOTIVAÇÃO

Muitos especialistas resumem toda a motivação humana em autoconservação e auto-expansão.


HERSEY e BLANCHARD (1986) definem motivação com maior precisão: “... é a vontade que uma
pessoa tem de fazer as coisas, e ela depende da intensidade dos seus motivos. Os motivos podem ser
definidos como necessidades, desejos ou impulsos oriundos do indivíduo e dirigidos para objetivos,
que podem ser conscientes ou subconscientes”.
A distribuição de forças entre os vários motivos básicos varia de pessoa a pessoa, dependendo da
maneira que cada indivíduo se relaciona com o seu meio ambiente. O motivo mais forte tende a ser
sanado em primeiro lugar, passando-se então para o próximo motivo. Por exemplo, dificilmente um
aluno conseguirá prestar atenção a uma aula, se estiver na ansiedade de resolver algum problema pessoal
pendente, se estiver com muita fome, ou se o professor não lhe der um bom motivo para prestar atenção.
O homem sente-se bem quando está em equilíbrio, seja consigo mesmo, seja nas suas relações
com o meio ambiente. O equilíbrio e a ordem trazem satisfação. O desequilíbrio e o caos, tensão.
Tomemos novamente como exemplo um estudante. Seus conhecimentos insuficientes sobre a
natureza geram uma tensão, enquanto o estudo da natureza procura restabelecer esse equilíbrio.
Todo o comportamento pode ser visto como um meio para alcançar o equilíbrio, ou seja, um
determinado objetivo.
As pessoas sem objetivos são consideradas medíocres. As outras possuem um ideal, considerando-
se um detalhe importante: o ideal humano é um limite que tendemos a alcançar, mas jamais será
atingido, pois, à medida que nos aproximamos, ele evolui, transforma-se e distancia-se.
Sobre a dinâmica dos objetivos do homem, FALCÃO (1999) esclarece que:

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O normal não é o repouso, mas a ação. Muitas vezes, é o próprio homem que, deliberadamente, rompe o equilíbrio
estabelecido para restabelecê-lo em nível que pretende mais elevado. O equilíbrio buscado é portanto um equilíbrio
dinâmico, que simultaneamente mantém e expande. A cada momento, o equilíbrio está sendo rompido ou ameaçado
de rompimento. Isto gera tensão, que significa dizer que a vida implica sempre em certo grau de tensão. A tensão
impulsiona o comportamento na direção de um objetivo, que permita o restabelecimento do equilíbrio.

Esse autor sugere o seguinte diagrama linear:

desequilíbrio tensão/impulso comportamento objetivo

Analisando as idéias de Peter M. SENGE (1999), observamos sua proposta de uma visão sistêmica,
em que o ser humano é parte de um processo de feedback, não ficando à parte dele. Isso representa uma
profunda mudança na percepção.
Baseando-se nas idéias de SENGE e de FALCÃO (1999), poderíamos então elaborar um diagrama
não linear da busca do homem pelo equilíbrio:
No diagrama, a visão representa um destino específico, uma imagem de um futuro desejado. A
diferença entre uma visão e a realidade vivida pelo indivíduo gera um desequilíbrio, que tanto é maior
quanto mais nobre for a visão do futuro.

DESEQUILÍBRIO

TENSÃO CRIATIVA
DIFERENÇA ENTRE A
REALIDADE E A VISÃO

COMPORTAMENTO
NÍVEL DESEJADO
PARA O OBJETIVO
OBJETIVO
defasagem

SENGE (1999) representa essa diferença através de um elástico, passando-nos a real idéia da
produção de uma tensão criativa.

VISÃO

REALIDADE ATUAL

Quanto mais distante estiver a visão da realidade atual, mais tencionado estará o elástico. Surge,
então, um comportamento direcionado ao objetivo, que, no caso de nossos alunos, seria a aprendizagem.

Rev. PEC, Curitiba, v.2, n.1, p.27-30, jul. 2001-jul. 2002 27


APRENDIZAGEM

No processo de aprendizagem, devemos recondicionar nossas percepções, para que sejamos


mais capazes de identificar as estruturas em ação e ver alavancagem nessas estruturas. Devemos com
isso determinar quais são os processos de reforço, os processos de equilíbrio e as defasagens.
Adaptando as teorias de Peter SENGE (1999) à educação, podemos estabelecer alguns passos
básicos para o crescimento da aprendizagem. São eles:
1. Iniciar um processo de reforço, com o uso da motivação, a fim de produzir um resultado
desejado. Isso irá criar uma espiral de sucesso.
2. Não forçar o crescimento. O aluno deve obtê-lo, conquistá-lo. Devemos eliminar os fatores
que o limitam.
3. Devemos tomar cuidado com as soluções paliativas (como dar notas aos alunos), pois muitas
vezes elas apenas resolvem os sintomas e não a causa fundamental.
4. Devemos evitar também incorrer na apologia do sucesso e dos resultados exatos, e sim
deixar que haja a fluidez do processo criativo em que a consciência de si mesmo desaparece,
o tempo some ou fica repleto e há uma absorção na atividade. Com isso, não haverá nenhuma
ou quase nenhuma preocupação com o fracasso.

O EDUCADOR VISIONÁRIO

O educador deve ter uma visão pessoal poderosa, em que o ideal é tornar a matemática atrativa,
agradável e apaixonante, não só para ele mas também para o resto da humanidade. A partir do momento
em que o aluno vivencia o estudo com amor, não se preocupando com um fim, jamais ele perguntará
o porquê de estudar determinada matéria.
Necessitamos, portanto, de atitudes positivas, que possam ser tomadas de tal forma que os
outros se sintam encorajados a compartilhar suas próprias visões, e de atitudes como humanizar a
matemática, buscar as situações de interesse dos alunos e partir do seu microcosmo para o macrocosmo.
Com isso, o educador deve estabelecer como meta: tirar o aluno de seu estado de aceitação.
Fazer com que ele se comprometa e se torne um seguidor da visão, não deixando que a visão se rebaixe
à realidade, o que comumente acontece. O comprometimento deve ser de corpo e alma. Somente
assim teremos uma alavancagem.
Ainda, um grupo verdadeiramente comprometido com uma visão comum tem uma força
avassaladora. É capaz de alcançar o que é aparentemente impossível, que no caso é: gostar de matemática,
aprender a valorizá-la e amá-la como nós. Sobre paixão, desejo e superação, SENGE (1999) nos mostra
de uma forma metafórica citando INAMORI: “Muitas vezes, digo a um pesquisador que está com
problemas de dedicação (...) que, se (ele) não tiver a determinação de ser bem-sucedido não será capaz
de superar os obstáculos (...). Quando sua paixão, seu desejo tornarem-se tão fortes a ponto de exalarem
de seu corpo como vapor, e quando ocorrer a condensação do que evaporou (...) e as gotas voltarem
sob forma de chuva, verá que seu problema estará resolvido”.

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CRIATIVIDADE

Um dos pré-requisitos para que um processo de aprendizagem tenha significado e sucesso é a


criatividade envolvida durante seu transcurso. Essa criatividade faz com que o aprendiz não veja o
fracasso como motivo de vergonha, usando-o como feedback negativo, o que proporcionaria um retrocesso
ou estagnação. Sobre isso nos fala com propriedade BRIGGS (2000):

... os criadores sabem que um pingo de tinta na tela, um escorregão do cinzel no mármore e mesmo um engano em um
experimento bem-planejado podem criar um ponto de bifurcação, um momento de verdade que se amplia e que
começa a auto-organizar o trabalho. Isso é diferente da nossa atitude habitual, que repudia os enganos como respostas
erradas, procura planejar os empreendimentos para que não haja acidentes e vê o fracasso como motivo de vergonha.

Infelizmente, nós e também nossos alunos perdemos a criatividade em função de nossas obsessões
pelo controle e pelo poder; pelo nosso medo de errar; pelo domínio repressor de nosso ego; pelo
nosso fetiche por permanecer em áreas confortáveis; pela nossa constante perseguição de um prazer
repetitivo ou meramente estimulador.
A teoria do Caos ensina que, quando muda a nossa perspectiva psicológica – através de momentos
de ampliação, realimentação positiva e de uma bifurcação –, nossos graus de liberdade se expandem e
vivenciamos o ser e a verdade. Somos, então, criativos. E é aí que o nosso verdadeiro eu se encontra.
E, quando estamos sendo criativos em nosso trabalho e na nossa vida diária, mergulhamos no
caos ocorrendo, às vezes, uma bifurcação. Então, um germe-semente constitui a flor de uma criação
aberta e fluida. Graças à sua disposição, ou até mesmo à sua rematada avidez para entrar em estado
caótico, as pessoas que se envolvem em empreendimentos criativos apresentam uma atitude em relação
aos erros, às oportunidades e aos fracassos diferente da atitude da sociedade contemporânea.
Isso pode ser aplicado ao processo de aprendizagem, pois se o aprendiz perceber esse “germe-
semente” ele estará dando um passo importante em direção a uma mudança de atitude em relação ao
verdadeiro significado da aprendizagem. Estará então sedimentada a ponte, o elo entre o prazer e a
força motriz para atingir o objetivo inicial, que era restabelecer o equilíbrio.

CONCLUSÃO

“Educação com tesão, sem isso não há solução.” Esta citação não é nova, porém está mais atual
do que nunca. Hoje, nós, educadores, lutamos contra uma concorrência desleal. São muitos os atrativos
existentes fora da escola, são muitos os agentes motivadores (exteriores à escola) com os quais nós não
temos como competir. Isso faz com que o jovem se distancie cada vez mais do objetivo pelo qual
freqüenta uma escola, fazendo com que se estabeleça um quadro nebuloso e um tanto caótico.
Mas se realmente acreditarmos, com muita criatividade, buscando motivações de lugares que sequer
ousamos imaginar, estabeleceremos um pensamento realmente sistêmico em relação à educação, cujo
objetivo maior, para nós, deve ser mudar a sociedade, pois, somente, a partir dessa consciência teremos
realmente uma visão compartilhada e nos tornaremos visionários da educação. Talvez, dessa forma,
vamos conseguir dissipar as nuvens que foram se estendendo por esse quadro que nos é apresentado.
Como fazer isso? Senge e outros abrem-nos os caminhos, mostra-nos uma esperança. Do caos,

Rev. PEC, Curitiba, v.2, n.1, p.29-30, jul. 2001-jul. 2002 29


vamos buscar um realinhamento, uma auto-organização. Da motivação de que nos fala Falcão, vamos
estabelecer metas e objetivos e, com a criatividade exaltada por Briggs, vamos nos mirar nos gênios,
que não temiam o fracasso, por isso iam além e executavam obras maravilhosas. Deixemos fluir em
nossas veias a razão de sermos professores. Certamente, é um trabalho utópico, é desgastante, porém,
com certeza é um desafio gratificante.

REFERÊNCIAS

BRIGGS, John; PEAT, David F. A sabedoria do caos: sete lições que vão mudar sua vida. Rio de Janeiro:
Campus, 2000.
FALCÃO, Gérson Marinho. Psicologia da aprendizagem. São Paulo: Ática, 1999.
HERSEY, Paul; BLANCHARD, Kenneth H. Psicologia para administradores: a teoria e as técnicas de liderança
situacional. São Paulo: EPU, 1986.
RUBICK, Berverley. Comunicação pessoal a F. David Peal. [s.n.t.].
SENGE, Peter M. A quinta disciplina: a arte e prática da organização que aprende. São Paulo: Best Seller, 1999.

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