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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO

CENTRO DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

DEPARTAMENTO DE PATOLOGIA

CURSO DE MESTRADO EM CIÊNCIA ANIMAL

ALUNOS: ALAN DA SILVA LIRA, CAROLINA SILVA COSTA

DISCIPLINA: IMUNOLOGIA BÁSICA

MECANISMOS DE EVASÃO DA HEPATITE B

São Luís-MA

2017
MECANISMOS VIRAIS DE EVASÃO DA RESPOSTA IMUNE

A ocorrência contínua de doenças virais somente é possível devido ao sucesso desses


microrganismos em produzir infecções, resistir ou escapar dos mecanismos antivirais do
hospedeiro e se disseminar para outros hospedeiros suscetíveis. Hospedeiros imunes impedem
ou limitam a progressão da infecção, o que reduz drasticamente a possibilidade de transmissão
do vírus para outros animais. Dezenas ou centenas de milhares de anos de coexistência, além da
rapidez com que os vírus se multiplicam e evoluem geneticamente, permitiram o
desenvolvimento de estratégias que lhes permitem evitar ou resistir às defesas do hospedeiro,
causando infecções produtivas, agudas ou crônicas e garantindo a sua manutenção e
perpetuação na natureza. Dentre os mecanismos utilizados pelos vírus para compatibilizar a sua
existência e perpetuação, apesar dos mecanismos imunológicos do hospedeiro, destacam-se os
seguintes: infecções latentes no sistema nervoso central, inserção do material genético do vírus
no genoma do hospedeiro, variações antigênicas, indução de tolerância e infecção de sítios
imunologicamente privilegiados.

INFECÇÕES LATENTES NO SISTEMA NERVOSO CENTRAL (SNC)

A instalação de infecções é um efetivo mecanismo de preservação no hospedeiro,


utilizado pelos vírus da família Herpesviridae. A fase de latência, que segue à infecção aguda, é
reconhecida pela presença do genoma viral em neurônios. Como consequência, a infecção
desses neurônios não é identificada pelo sistema imunológico, e essas células podem manter o
material genético viral por tempo indeterminado. Ocorre a reativação e a retomada da replicação
viral nos neurônios infectados através de diversos fatores como o estresse. Os vírions
produzidos migram pelos axônios de volta aos locais de replicação primária, podendo infectar
outros hospedeiros. O estabelecimento e reativação de infecções latentes, portanto, constituem-
se em táticas dos herpesvírus para evitar o sistema imune e garantir a sua perpetuação no
hospedeiro e na população. Infecções latentes ocorrem com os herpesvírus bovino tipos 1 e 5
(BoHV-1 e 5), herpesvírus suíno (doença de Aujeszky), herpesvírus felino tipo 1 (FHV-1),
herpesvírus equino tipos 1 e 4 (EHV-1 e 4), entre outros.

VARIAÇÕES ANTIGÊNICAS

Os vírus, principalmente os constituídos por RNA utilizam um escape de neutralização


dos anticorpos e isso é devido a modificações na sequencia de aminoácidos de determinantes
antigênicos em proteínas de superfície de vírions. Essas mudanças se ocasionam como resultado
dos erros conquistados pela enzima RNA polimerase viral durante a divisão do genoma. Como
consequência, diferentes aminoácidos são frequentemente incluídos durante a formação das
proteínas virais, mudando a sua sequência e estrutura, podendo resultar na falta de
reconhecimento pelos anticorpos criados contra os epítopos originais. Vírions com modificações
antigênicas podem, assim, escapar da resposta imune existente naquele momento no hospedeiro,
principalmente da imunidade humoral, e infectar novas células. A formação de anticorpos
específicos será obtida pela presença desses novos determinantes antigênicos. Porém, novas
variações poderão ser criadas e novamente alguns variantes podem fugir da neutralização. Essas
variações antigênicas discretas, geralmente relacionadas com a acumulação de mutações em
ponto, são denominadas de deriva antigênica e têm sido bem reconhecidas, como por exemplo,
nos vírus da influenza, embora ocorram também em outros vírus. Alterações antigênicas mais
profundas ocorrem quando os vírus da influenza trocam entre si os genes que codificam as
proteínas do envelope (HA e NA), resultando em vírus muito diferentes dos parentais. Esse
mecanismo é denominado de mudança antigênica e tem sido implicados no surgimento de vírus
de maior patogenicidade, responsáveis por epidemias de grandes proporções.

INDUÇÃO DE TOLERÂNCIA

Geralmente, o sistema imunológico possui tolerância, mas o sistema imunológico pode


se tornar tolerante também a antígenos estranhos, contra os quais deveria produzir uma resposta.
Um exemplo é o que ocorre quando fetos bovinos são infectados por cepas não-citopáticas do
vírus da diarreia viral bovina (BVDV) entre os 40 e 120 dias de gestação. Nessa fase, o sistema
imunológico do feto ainda está imaturo e não reconhece os antígenos virais como estranhos.
Com isso, não ocorre a estimulação e proliferação de linfócitos B e T e, como consequência, o
feto fica incapaz de montar uma resposta contra o vírus. Os fetos imunotolerantes nascem
persistentemente infectados (PI) pelo BVDV e excretam o vírus continuamente em secreções e
excreções. Os animais PI se constituem no ponto-chave da epidemiologia do BVDV, pois são
fontes contínuas de vírus para os outros animais. Essa condição só é possível pela tolerância do
sistema imunológico aos antígenos virais.

INTEGRAÇÃO DO MATERIAL GENÉTICO VIRAL NO GENOMA DO


HOSPEDEIRO

Os vírus da família Retroviridae tem chance de permanecer no hospedeiro durante toda


a sua vida, ainda que tenha resposta imune. O mecanismo de persistência resulta de dois
aspectos da biologia desses vírus, possuem a capacidade de incluir cópias do seu genoma nos
cromossomos das células hospedeiras e possuem a enzima denominada transcriptase reversa,
responsável pela transcrição reversa do genoma (RNA para DNA), mas que não corrige os seus
próprios erros. Com isso, a cada ciclo são produzidas populações de vírus compostas por
indivíduos com pequenas diferenças genéticas entre si. A inserção do material genético viral
garante que a infecção seja permanente, e as alterações antigênicas que resultam de cada ciclo
de replicação viral asseguram que alguns vírions produzidos possam escapar da resposta imune
para infectar novas células. Dentre as infecções por retrovírus animais, destacam-se a anemia
infecciosa equina e a imunodeficiência felina, entre outras.

INFECÇÃO DE SÍTIOS IMUNOLOGICAMENTE PRIVILEGIADOS

Sítios de privilégio são os tecidos e órgãos aos quais os componentes do sistema


imunológico não possuem entrada imediata e irrestrita. Os neurônios do SNC, por exemplo, não
expressam de forma constitutiva as moléculas do MHC-I, o que dificulta o reconhecimento da
infecção celular e a ação dos linfócitos T. Consequentemente, os vírus que infectam neurônios
são privilegiados, pois as células hospedeiras não denunciam a sua presença. Por outro lado, a
falta de expressão de moléculas do MHC-I pode ser considerada um mecanismo de proteção,
evitando a destruição de células tão importantes. São também considerados sítios de privilégio
as células da epiderme (onde ocorrem infecções pelos vírus da papilomatose), as células
germinativas das gônadas (onde pode ocorrer a infecção pelo vírus da síndrome reprodutiva e
respiratória dos suínos, PRRSV), retina, células dos túbulos renais (utilizadas pelos hantavírus e
arenavírus) e tecidos fetais (diversos vírus).

INTERFERÊNCIA COM FUNÇÕES DO SISTEMA IMUNOLÓGICO

Os estudos sobre as relações entre vírus e célula e sobre a biologia dos vírus permitiram
esclarecer vários mecanismos usados pelos vírus para alterar o sistema imunológico, o que leva
a deficiências na resposta imunológica causando a imunossupressão. Cada vírus prepara uma
estratégia exclusiva, conforme a sua biologia, Dentre os mecanismos gerais, estão a produção de
proteínas que coíbem a função das citocinas e protegem a célula infectada do IFN-I e TNF-a, a
destruição, infecção ou alteração dos linfócitos T e B, eliminação, inibição ou indução da
maturação das células dendríticas, o que altera o nível de secreção de citocinas e de expressão
de receptores nas DCs, o que resulta em perda nas suas relações com as células do sistema
imunológico, principalmente os linfócitos T e interferência com a manifestação de antígenos,
inibindo a ação das proteínas TAP- 1 e TAP-2 e inibição da formação do complexo peptídeo-
MHC-I no retículo endoplasmático (RE);

ASPECTOS IMUNOLÓGICOS DA INFECÇÃO DO VÍRUS DA HEPATITE B

Os linfócitos T (CD4+ e CD8+) realizam uma resposta eficiente, multiplicação e


eliminação específica do vírus da hepatite B na infecção aguda associados aos epítopos do vírus
da hepatite B. Quanto à restrição da resposta aguda, a maior parte dos vírions do vírus da
hepatite B são eliminados na fase de incubação sem a perda dos hepatócitos devido à ação de
citocinas antivirais TNF e IFN γ sintetizadas pela resposta inata e adaptativa por mecanismo não
citolítico mediado por células não que não sejam linfócitos T.

As primeiras respostas na infecção pelo vírus da hepatite B não são específicas, sendo
mediadas pelas células imunes que reconhecem as células infectadas e retribuem com a
produção de IFN α/β e IFN γ, que interferem na síntese viral por indução de diversas proteínas e
recrutam e ativam macrófagos e as células de Kupffer, que secretam TNF e IL-12 que ativa a
célula NK, que também são ativadas após reconhecerem que o complexo de
histocompatibilidade classe I está expresso fracamente ou não estão expressos e irão agir
eliminando as células infectadas diretamente através de lise celular ou mediada pela produção
de TNFe IFN γ. As células de Kupffer são essenciais na inibição da replicação do vírus da
hepatite B através da formação de IFN α/β, TNF, e IFN γ, além do recrutamento de linfócitos T
e células NK (BARONE; VISO, 2006).

A resposta celular contra o vírus da hepatite B é mediada por linfócitos T, que são
responsáveis pela lesão hepática tanto na fase aguda como na fase crônica da doença. A resposta
imune adaptativa ao vírus da hepatite B é detectada muitas semanas depois da inoculação e é
iniciada com um aumento da replicação viral, podendo, nesse período, serem detectados
linfócitos T específicos, tanto CD4+ como CD8+. Estudos sugerem que os hepatócitos
requerem altas doses de antígenos do vírus da hepatite B para induzir a produção de IFN γ por
linfócitos T CD8+ ativados, já que na presença de pequenas quantidades de antígenos AgHBs
ou AgHBe, os hepatócitos preferencialmente estimulam a degranulação dos linfócitos CD8+ e
há pouca expansão clonal e pouca apoptose. Linfócitos T CD4+ reconhecem os antígenos
peptídicos exógenos através de moléculas de MHC-II de células apresentadoras de antígeno
(APC). Por outro lado, são linfócitos T CD8+que reconhecem e direcionam as células novas que
exibem antígenos virais sintetizados endogenamente apresentados por moléculas de MHC-I
(BARONE; VISO, 2006; CHANG, 2010).

Quando comparados com pacientes em outras fases, os indivíduos na fase


imunotolerante apresentam maior número de células T CD8+ e menor número de células T
CD4+ devido à composição de subpopulações de linfócitos T em sangue periférico que é
diferenciada entre os diferentes estágios clínicos da hepatite B crônica. Há uma diminuição no
equilíbrio das subpopulações de linfócitos T durante a infecção crônica, que está relacionado
com um aumento da proporção de linfócitos T CD8+ e um decréscimo da proporção de
linfócitos T CD4++. Também foi demonstrado que uma insuficiência de células T estava
significantemente associada ao nível de replicação do vírus, indicando que a carga viral é um
forte fator para subpopulações de linfócitos T.

Em experimentos com chipanzés foi demonstrado o papel fundamental dos linfócitos T


CD8+ no clareamento e na patogenia da hepatite B, nos quais a perda de células T CD8+
alteraram o desenvolvimento clínico e virológico, ainda que células inflamatórias não
específicas possam fornecer danos ao fígado. Mesmo os linfócitos T CD8+ contribuindo para o
dano hepático, essas interações também resultam na elaboração de citocinas antivirais que
podem curar os hepatócitos infectados, levando a uma resolução da infecção por vírus da
hepatite B sem uma insuficiência hepática fulminante (CHANG, 2010).

Ocorre uma falha na resposta específica dos linfócitos T nos pacientes cronicamente
contaminados que adquirem vírus da hepatite B na idade adulta. A alta ativação de linfócitos T
causada por altos níveis de antígenos virais podem resultar num desgaste de células T e até
mesmo deleção clonal. A extensão dessas vias imunes inibitórias pode mudar o estado da
hepatite crônica de imunotolerante a imunoativo e estado de portador sadio à cirrose. As células
T podem ocultar células efetoras específicas para vírus da hepatite B pela persistência do vírus
da hepatite B com a associação da indução de células T regulatórias. A frequência de células T
regulatórias esteve ampliada no sangue periférico e no fígado de pacientes infectados com vírus
da hepatite B sendo que a frequência de células T regulatórias circulantes correlacionou-se com
altos títulos de carga viral. Em paciente com hepatocarcinoma celular associado ao vírus da
hepatite B, a frequência de célula T regulatória circulante também foi correlacionada com a
progressão da doença e mortalidade (BARONE; VISO, 2006; CHANG, 2010).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARONE, A. A; VISO, A. T. R. Patogenia da hepatite B e Delta. Braz. J. infect. Dis., Salvador,


v. 10, n. 1, p. 11-14, ago. 2006.

CHANG, K. M. Hepatitis B Immunology for Clinicians. Clin. Liver. Dis., Philadelphia, v. 14,
n.3, p. 409-424, Aug. 2010.

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