A transição de uma etapa de ensino para a outra sempre envolve muitos
fatores: novos colegas, mais matérias, conteúdos mais avançados, outros
professores. Assim, a mudança do ensino infantil para os anos iniciais do ensino fundamental tende a ser bastante traumática, pois, se uma etapa é focada mais na brincadeira, a outra já começa a preparar o aluno para as etapas seguintes de educação. Essa ruptura, na opinião de especialistas, não pode existir, e o trabalho entre os ensinos infantil e fundamental I deve ser mais coeso e unificado. “É um processo caótico, totalmente fragmentado. Não existe interlocução entre os professores do infantil e os do fundamental”, critica Gabriel Junqueira Filho, pedagogo e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
No período de desenvolvimento, que coincide com a passagem da educação
infantil para o ensino fundamental, a criança está justamente transitando entre o estágio pré-operatório e o estágio operacional concreto; gradualmente, as estruturas intuitivas, rígidas e irreversíveis tornam-se móveis, mais flexíveis, descentradas e reversíveis.
as crianças passam a pensar sobre os objetos a partir de mais de uma
perspectiva ou podem manter em mente uma característica de uma situação, comparando-a com outra. A criança se torna mais e mais capaz de fazer a distinção entre aparência e realidade, considerar simultaneamente vários aspectos de um problema, desenvolver uma teoria da mente e perceber o ponto de vista do outro.
As mudanças cognitivas parecem ter um substrato biológico em mudanças
observadas no sistema nervoso central. O padrão de mudanças cerebrais entre as idades de cinco e sete anos permite que os lobos frontais coordenem as atividades dos outros centros cerebrais de uma maneira qualitativamente mais complexa, facultando à criança controlar sua atenção, fazer planos explícitos e se envolver em autorreflexão5.
Esse desenvolvimento é também grandemente estimulado nas interações com
os companheiros. As interações entre as crianças oportunizam o confronto entre as hipóteses que cada uma tem construído para explicar a realidade; os confrontos em diferentes situações, por sua vez, possibilitam a descoberta dos diferentes pontos de vista e a superação do pensamento egocêntrico.
As mudanças qualitativas que se operam entre os cinco e os oito anos não
ocorrem abruptamente, mas são graduais. Assim, em uma classe de 1ª série, vamos encontrar crianças em diferentes fases dessa construção, e a fase da transição em que uma criança se encontra nesse momento vai influenciar o modo como ela interpreta os acontecimentos e as experiências vivenciadas na escola, sua apreensão das regras e normas do novo contexto, e assim por diante. Por outro lado, a convivência diária, na escola, entre crianças que se encontram em diferentes fases do processo é uma condição altamente favorável que acelera as mudanças desenvolvimentais em perspectiva.
Junqueira afirma que o maior erro está na mudança de concepção da criança
de uma etapa para outra: “A educação infantil tem uma especificidade e o fundamental tem outra. Na educação infantil, as pessoas dizem que as crianças precisam brincar porque são crianças e brincar é um jeito que a criança tem de aprender. No fundamental é tudo diferente, porque as crianças param de brincar. Criança é quem tem até 12 anos de idade, mas a escola olha para ela de maneira totalmente diferente no fundamental. É uma concepção de infância totalmente desconsiderada. A partir dos 6, 7 anos, acabou a inocência, a criança já tem responsabilidade”.