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A FILOSOFIA DA CIÊNCIA DE THOMAS KUHN: UMA NOVA

FIGURA EPISTEMOLÓGICA

Fabiana Silva Botta Demizu1 – UNESPAR


Paulo Cesar Canato Santinelo2 - UNESPAR
Sônia Maria Crivelli Mataruco 3 - UNESPAR

Grupo de Trabalho - Estudos Teóricos Epistemológicos na Política Educativa


Agência Financiadora: não contou com financiamento

Resumo

Thomas Samuel Kuhn contribuiu para o desenvolvimento do conhecimento científico


representado como um dos grandes intelectuais da história e filosofia da ciência. Reformulou
uma nova concepção de ciência contraposta aquela defendida pelo positivismo lógico,
caracterizando que a racionalidade da ciência não seria indutivista e seu objetivo era defender
a autonomia e a independência da ciência. Segundo Kuhn (1978), paradigma é um conjunto
de saberes e fazeres que garantam a realização de uma pesquisa científica por uma
comunidade. Relacionando este conceito para o campo da educação, podemos pensar que
nosso paradigma atual na educação é o ensino. A partir de seus princípios sobre “paradigma”,
“ciência normal”, “crise” e “revolução”, ocorreu uma assimetria na recepção e na avaliação da
reconstrução da ciência. O artigo apresenta uma breve análise em estudos bibliográficos e
investigações sobre a problemática da epistemologia contemporânea. Partindo da análise
sobre a obra A Estrutura das Revoluções Científicas, o trabalho promoveu uma discussão
sobre a visão histórica da ciência para compreender o fenômeno da crise do paradigma
positivista e da transição para a um novo paradigma. Foram estabelecidos paralelos sobre a
manifestação desse fenômeno com as formulações de Thomas Kuhn, Karl Popper, Paul Karl
Feyerabend e Hugh Lacey. Observou-se que os pesquisadores entendem a ciência como
atividade social e histórica, mas com teses distintas, sendo que a obra de Kuhn revela um
grande debate metodológico da historigrafia da ciência. Este trabalho visa exercer uma
influência decisória nos caminhos da filosofia da ciencia, no qual destaca conceitos sobre o
conhecimento científico e o conhecimento em geral, que receberam muitas críticas filosóficas
de diversos autores que foram abordadas no decorrer do artigo.

Palavras-chave: Conhecimento. Científico. Epistemologia. Paradigma. Kuhn.

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Graduação em Biologia e Pedagogia. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Formação Docente
Interdisciplinar da UNESPAR/Campus Paranavaí - Pr. E-mail: fabybotta@hotmail.com
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Graduação em Ciências e Química. Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Formação Docente
Interdisciplinar da UNESPAR/Campus Paranavaí - Pr. E-mail: santinelo@gmail.com
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Graduação em Tecnologia em Gestão Ambiental, Matemática e Administração. Mestranda do Programa de
Pós-Graduação em Formação Docente Interdisciplinar da UNESPAR/ Campus Paranavaí – Pr. E-mail:
soniamcm@sanepar.com.br

ISSN 2176-1396
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Introdução

Neste artigo será abordado um breve recorte na história da Ciência sob a influência
notadamente de Thomas Samuel Kuhn. Sua obra A Estrutura das Revoluções Científicas, cuja
primeira edição surgiu em 1962, é a obra mais importante e precursora para entendermos a
influência do seu pensamento sobre a análise do progresso do desenvolvimento científico. A
partir de seus princípios sobre “paradigma”, “ciência normal”, “crise” e “revolução”, ocorreu
uma assimetria na recepção e na avaliação da reconstrução da ciência.
Kuhn defendeu um modelo de desenvolvimento científico alegando que a
racionalidade era uma característica intrínseca, defensor da seguinte questão: o que significa
ser racional em ciência?
A repercussão da publicação do seu livro foi tão relevante na comunidade acadêmica
que, na publicação da segunda edição, no ano de 1970, seus argumentos foram repensados e
modificados. E para se auto defender sobre as críticas de irracionalismo, escreve no ano de
1974 um ensaio intitulado chamado Reconsiderando os paradigmas, destacando nesta obra
que as ciências evoluem através de paradigmas determinados como pressupostos das ciências.
Thomas Kuhn apresenta a Revolução Científica como um processo de transferência de
um paradigma a outro, onde ocorre, a partir de uma crise, uma nova concepção a respeito de
um determinado fenômeno. A este fato, se refere:

[...] as revoluções científicas iniciam-se com um sentimento crescente, também


seguidamente restrito a uma pequena subdivisão da comunidade científica, de que o
paradigma existente deixou de funcionar adequadamente na exploração de um
aspecto da natureza, cuja exploração fora anteriormente dirigida pelo paradigma.
Tanto no desenvolvimento político como no científico, o sentimento de
funcionamento defeituoso, que pode levar à crise, é um pré-requisito para a
revolução. (KUHN, 2006, p. 126)

Com base nos aspectos referidos, Thomas Kuhn defende um pensamento em que a
revolução da ciência é concebida como um processo não cumulativo, isto é, uma ideia será
substituída por outra, completamente.
Kuhn cogita que a ciência não está baseada em uma irracionalidade, mas sim em um
contexto diferente daquele proposto pelos demais epistemólogos, ou seja, a ciência insere-se
não num processo de busca da melhoria das teorias e seu paradigma, mas como um processo
de busca da manutenção do paradigma vigente. Demonstra como ocorre a ruptura
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epistemológica presente na ciência por meio de uma nova perspectiva acerca do


conhecimento científico e dos pesquisadores que o produzem.

Thomas Samuel Kuhn e a nova historiografia da ciência

Thomas Samuel Kuhn, nasceu na cidade de Cincinnati no dia 18 de julho de 1922 e


faleceu em Cambridge no dia 17 de junho de 1996. Considerado um grande filósofo da
ciência estadunidense, era graduado também em física. Seu trabalho incidiu sobre história e
filosofia da ciência tornando-se um marco no estudo do processo da construção de fatos
científicos.
Segundo Kuhn (1962, p. 67-69), Alexandre Koyré foi responsável pelo primeiro
estágio da “revolução historiográfica da ciência”4, que considera a História da Ciência, em
sua essência, como história das ideias. Por sua vez, o segundo estágio dessa revolução
considera a História da Ciência proveniente dos modelos de uma história social e cultural.
De acordo com Kuhn (1962, p. 69), o conhecimento de uma comunidade científica não
depende exclusivamente da aprendizagem de regras ou metodologias abstratas, mas depende
de um “conhecimento tácito” que deriva da própria prática.
Kuhn identifica de “incomensurabilidade” o desenvolvimento científico não
cumulativo que caracterizam diferentes teorías científicas. A incomensurabilidade pode
implicar a ideia de que paradigmas rivais representam mundos diferentes (KUHN, 1962, p.
190). Nesse contexto, pesquisas rivais representam modos de pensar exclusivo de suas
especificidades.
O filósofo observa e problematiza diferentes paradigmas científicos como
“incomensuráveis” relacionados ao termo “incomparáveis”. Ou seja, defende uma abordagem
sócio-construtivista das ciências, que enfatiza a compreensão do desenvolvimento científico
como fruto de negociações analíticas das teorias entre grupos.
Reformulou uma nova concepção de ciência contraposta aquela defendida pelo
positivismo lógico, concluindo que a racionalidade da ciência não seria indutivista e seu

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Kuhn fala de uma “revolução historiográfica” nos estudos da ciência, na Estrutura das Revoluções Científicas
(KUHN, 1962, p. 22) e em um artigo de 1970 chamado Alexandre Koyré and the History of Science on an
Intellectual Revolution (publicado na revista Encounter ), que ocorreu ao longo do século XX. Essa “revolução
historiográfica” permitiu a compreensão de que a ciência não se desenvolve em um progresso sucessivo de
substituição de teorias antigas por teorias presentes melhores em um movimiento de conquista da “verdade”.
Essa mudança de concepção historiográfica permitiu também compreender que a História da Ciência não é
apenas um conjunto de acúmulo de informações cronológicas e de narração de grandes descobertas feitas por
eminentes cientistas.
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objetivo era defender a autonomia e a independência da ciência.


Com este paranorama apresentado, pretende-se analisar as acusações recebidas por
Kuhn, principalmente, aquelas relacionadas à racionalidade e à objetividade5, enquanto
refere-se a opção realizada por rivais cientistas.

A Estrutura das Revoluções Científicas

Será esboçada a concepção da ciência defendida por Thomas Kuhn em sua principal
obra, A Estrutura das Revoluções Científicas, publicada em 1962. Inicialmente por ser um
volume da Encyclopedia of Unified Science, mas devido ao tamanho da obra, o volume foi
produzido em um livro. Para fins introdutórios, o autor inicia com a definição do conceito de
um paradigma, classificando basicamente em um conjunto de suposições teóricas que
direcionam a atividade científica. Ou seja, é um conjunto de saberes e fazeres, que asseguram
a realização de uma pesquisa científica por uma comunidade, no qual a ciência normal seja
concretizada e consequentemente envolva toda a pesquisa com implicação na produção do
conhecimento científico:

A pesquisa eficaz raramente começa antes que uma comunidade científica pense ter
adquirido respostas seguras para perguntas como as seguintes: quais as entidades
fundamentais que compõem o universo? Como interagem essas entidades umas com
as outras e com os sentidos? Que questões podem ser legitimamente feitas a respeito
de tais entidades e que técnicas podem ser empregadas na busca de soluções?
(KUHN, 2006, p. 23).

Estabelece-se assim, em 1962, um estilo alternativo de se descrever, explicar e praticar


ciência:

Em períodos de revolução, quando a tradição científica normal muda, a percepção


que o cientista tem de seu meio ambiente deve ser reeducada – deve aprender a ver
uma nova forma (gestalt) em algumas situações com as quais já está familiarizado.
Depois de fazê-lo, o mundo de suas pesquisas parecerá, aqui e ali, incomensurável
com o que habitava anteriormente. Esta é outra razão pela qual escolas guiadas por
paradigmas diferentes estão sempre em ligeiro desacordo. (KUHN, 2006, p. 148)

Esse trabalho viria a exercer uma influência decisória nos caminhos da filosofia da
ciência. Embora em uma linguagem clara, Kuhn destaca nesta obra, conceitos sobre o

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Os termos “racionalidade”, “irracionalidade”, “objetividade” e “subjetividade”, sempre que citados no decorrer
da obra, designam aspectos relacionados à atividade científica. Subentende-se, desse modo, “racionalidade”,
“irracionalidade”, “objetividade” e “subjetividade” científica ou na ciência.
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conhecimento científico e o conhecimento em geral, que receberam muitas críticas filosóficas


de diversos autores que serão abordadas no decorrer do artigo.

Paradigma – conceito chave da filosofia de Thomas Kuhn

Segundo Kuhn (1978), paradigma é um conjunto de saberes e fazeres que garantam a


realização de uma pesquisa científica por uma comunidade. Relacionando este conceito para o
campo da educação, podemos pensar que nosso paradigma atual na educação é o ensino. No
entanto, o autor identifica uma crise entre os mesmos quando existem rupturas, perguntas que
no momento não podem ser mais respondidas pelo paradigma de ensino.
Em relação ao pensamento de Kuhn, o progresso do conhecimento científico é seguido
por cinco etapas:
1. a pré paradigmática, na qual coexistem diversas correntes;
2.a paradigmática, na qual se chega a acordo relativamente aos pressupostos básicos da
caracterização do objeto a estudar, dos problemas a resolver e das técnicas analíticas a
utilizar;
3. a da ciência normal, na qual as regras do esquema hegemônico se mantêm;
4. a da crise, na qual surgem problemas resistentes às ferramentas conceituais e instrumentais
em uso;
5. a da revolução, na qual um paradigma mais antigo é total ou parcialmente substituído por
um novo.
Assim, é a partir destes progressos científicos que novos adeptos são criados surgindo
novas comunidades científicas, analisando instrumentos, conceitos e métodos de investigação
incluindo leis, fundamentos teóricos originados a partir de teses científicas e de princípios
metafísicos e filosóficos.

Ciência normal

A ciência normal é uma atividade de solução de problemas dirigida por paradigma, ou


seja, podemos compreender que esta ciência é produto e produtor de um paradigma.
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Quando, por essas razões ou outras similares, uma anomalia parece ser algo mais do
que um novo quebra-cabeça da ciência normal, é sinal de que se iniciou a transição
para a crise e para a ciência extraordinária. A própria anomalia passa a ser mais
comumente reconhecida como tal pelos cientistas. Um número cada vez maior de
cientistas eminentes do setor passa a dedicar-lhe uma atenção sempre maior. Se a
anomalia continua resistindo à análise (o que geralmente não acontece), muitos
cientistas podem passar a considerar sua resolução como o objeto de estudo
específico de sua disciplina. Para esses investigadores a disciplina não parecerá mais
a mesma de antes. Parte dessa aparência resulta pura e simplesmente da nova
perspectiva de enfoque adotada pelo escrutínio científico. (KUHN, 1962, p. 114)

A atividade da ciência normal é apresentada por uma metáfora como a atividade de


resolver desafios, embora Kuhn reconheça as limitações colocadas.
A partir disto, Kuhn (1962) faz a seguinte observação sobre a mudança de significado
de alguns termos e o que isso representa:

[...] os copernicanos que negaram ao Sol seu título tradicional de “planeta” não
estavam apenas aprendendo o que “planeta” significa ou o que era o Sol. Em lugar
disso, estavam mudando o significado de “planeta”, a fim de que essa expressão
continuasse sendo capaz de estabelecer distinções úteis num mundo no qual todos os
corpos celestes e não apenas o Sol estavam sendo vistos de uma maneira diversa
daquela na qual haviam sido vistos anteriormente. (KUHN, 1962, p. 164)

Diante dessas observacões, pode-se vislumbrar que é a ciência que determina as regras
ou modelos de paradigmas. No entanto, o autor defende que a mudança de paradigmas não é
um processo racional, assim esses são incomensuráveis, ou seja, incomparáveis. Reafirma
Kuhn:

Ciência normal significa a pesquisa firmemente baseada em uma ou mais


realizações científicas passadas. Essas realizações são reconhecidas durante algum
tempo por alguma comunidade científica específica como proporcionando os
fundamentos para sua prática posterior. Embora raramente na sua forma original,
hoje em dia essas realizações são relatados pelos manuais científicos elementares e
avançados. Tais livros expõem o corpo da teoria aceita, ilustram muitas (ou todas) as
suas aplicações bem sucedidas e comparam essas aplicações com observações e
experiências exemplares. (KUHN, 2006, p.29)

A partir do conceito de ciência normal, as ideias desenvolvidas geraram muitas


críticas. Dentre elas estão a de Popper (1979) que concorda com a existência proposta por
Kuhn, mas posiciona-se contraditoriamente a esse fenômeno, declarando-o vulnerável para a
ciência.

A meu ver, o cientista “normal”, tal como Kuhn o descreve, é uma pessoa da qual
devemos ter pena. (consoante as opiniões de Kuhn acerca da história da ciencia,
muitos grandes cientistas devem ter sido “normais”; entretanto, como não tenho
pena deles, não creio que as opiniões de Kuhn estejam muito certas). O cientista
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“normal”, a meu juízo, foi mal ensinado. Acredito, e muita gente acredita como eu,
que todo ensino de nível universitário (e se possível de nível inferior) devia consistir
em educar e estimular o aluno a utilizar o pensamento crítico. O cientista “normal”,
descrito por Kuhn, foi mal ensinado. Foi ensinado com espírito dogmático: é uma
vítima da doutrinação. Aprendeu uma técnica que se pode aplicar sem que seja
preciso perguntar a razão pela qual pode ser aplicada (sobretudo na mecánica
quântica). Em consequência disso, tornou-se o que pode ser chamado cientista
aplicado, em contraposição ao que eu chamaria cientista puro. (POPPER, 1979,
p.65)

Popper também se destacou no campo da epistemología. Nasceu em Viena no ano de


1902 estudou matemática, física, filosofia e psicologia, obteve seu doutorado em 1928, na
Universidade de Viena. Faleceu em Buckinghamshire, nas proximidades de Londres em 1994.
Teve grande relevância na vida acadêmica, visando uma teoria que propõe a falseabilidade
como critério de demarcação entre teorias científicas, de um lado, e teorias não científicas ou
pseudocientíficas de outro lado (além da matemática, da lógica e da metafísica). Sua filosofía
foi inserida num modelo metodológico que pode ser aplicada em procedimentos puramente
lógicos e técnicos. Na sua concepção, a lógica dedutiva desempenha um papel de grande
relevância na construção do conhecimento científico:

É comum dizer-se indutiva uma inferência, caso ela conduza de enunciados


singulares (...), tais como descrições dos resultados de observações ou experimentos,
para enunciados universais, tais como hipóteses ou teorias. Ora, está longe de ser
óbvio, de um ponto de vista lógico, haver justificativa no inferir enunciados
universais de enunciados singulares, independentemente de quão numerosos sejam
estes; com efeito, qualquer conclusão colhida desse modo sempre pode revelar-se
falsa; independentemente de quantos cisnes brancos possamos observar, isso não
justifica a conclusão de que todos os cisnes são brancos. (POPPER, 1985, p. 27-28)

Outro intelectual, Paul Karl Feyerabend, pensador austríaco (1924- 1994), doutor em
Física pela Universidade de Viena e doutor honoris causa em Letras e Humanidades, pela
Universidade de Chicago foi também, um dos críticos mais perspicazes na trajetória
epistemológica das reflexões sobre a natureza da ciência. Uma de suas obras mais conhecidas,
Contra o Método (1977), é a favor do que se refere ao termo anarquismo epistemológico e
que se traduz, em termos metodológicos, na defesa de um pluralismo metodológico logo em
seu primeiro capítulo:

Este ensaio é escrito com a convicção de que o anarquismo, embora não


constituindo, talvez, a mais atraente filosofia política, é, por certo, excelente remédio
para a epistemologia e para a filosofia da ciência. (FEYERABEND, 1989, p.19).

Ou seja, Feyerabend argumenta que as metodologias propostas pela ciência são


ineficazes por não serem bem sucedidas, enfatizando agirem de maneira “oportunista”. É
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nesse sentido que propõe seu “tudo vale” (anything goes), que, mais que uma regra, é uma
forma de afirmar que nenhuma regra é satisfatória:

Conclusão: nas ciências (e, se vamos a isso, em qualquer campo) uma investigação
interessante conduz amiúde a uma imprescindível revisão de critérios, ainda que esta
possa não ser a intenção. Ao basear nosso juízo nos critérios aceitos, o único critério
que podemos estabelecer sobre esta investigação é, por tanto, tudo vale.
(FEYERABEND, 1988, p. 41)

Feyerabend cita críticas sobre a posição contrária racionalista de Kuhn, contradizendo


o conceito de ciência normal, enfatizando que com o dominio de um único paradigma não
existe um respaldo metodológico histórico, afirmando que o desenvolvimento da ciência não
pode ser avaliado com um conjunto de critérios fixos e de regras racionais.
Kuhn debate a crítica proposta por Feyerabend, rejeitando a visão anárquica do avanço
científico proposta pelo pensador, na qual a razão parece ter submetido à irracionalidade, e
sustenta que no duelo encadeado entre um novo e um velho paradigma são utilizados
argumentos racionais e não sentenças emocionais.
No artigo Comensurabilidade, comparabilidade, comunicabilidade, de 1983, Thomas
Samuel Kuhn afirma que o termo “incomensurabilidade” é algo que ele toma emprestado da
matemática, mais precisamente da geometria euclidiana (KUHN, 2006, p. 47). Segundo o
autor, o que o levou a utilizar esse termo foram problemas encontrados na interpretação de
textos científicos, no qual cita:

Cada um de nós [Feyerabend] estava especialmente preocupado em mostrar que os


significados de termos e conceitos científicos – “força” e “massa”, por exemplo, ou
“elemento” e “composto” – com frequência mudavam de acordo com a teoria na
qual eram empregados. E cada um de nós afirmava que, quando tais mudanças
ocorriam, era impossível definir todos os termos de uma teoria no vocabulário da
outra. (KUHN, 2006, p. 48)

Kuhn em segundo momento, restringe o termo “incomensurabilidade” apenas à


linguagem.

Tanto Feyerabend quanto eu escrevemos a respeito da impossibilidade de definir


termos de uma teoria com base nos termos de uma outra. Mas ele restringiu a
incomensurabilidade à linguagem; eu falei também sobre diferenças nos “métodos,
campo de problemas e padrões de solução” (...), algo que não mais faria, exceto pelo
ponto considerável de que tais diferenças são consequências necessárias do processo
de aprendizagem da linguagem. (KUHN, 2006, p. 48)
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Segundo a citação, a maior parte das divergências em relação à sua proposta intervém
em torno da interpretação confundida sobre a questão de que, se duas teorias são
incomensuráveis elas podem ser evidenciadas em linguagens intraduzíveis.
Kuhn defende a incomensurabilidade como uma concepção central de qualquer
história da ciência, afirmando no artigo intitulado O caminho desde a estrutura, publicado em
1990, que:

Ao contrário, ela é o que é preciso, de uma perspectiva evolucionária, para devolver


a noção de avaliação cognitiva um pouco do impacto de que desesperadamente
necessita. Ou seja, ela é necessária para defender noções como verdade e
conhecimento. (KUHN, 2006, p. 116)

A incomensurabilidade remete-se à impossibilidade de praticar teorias adversárias.


Outro autor que pode ser destacado, é Hugh Lacey, um filósofo da ciência australiana com
docência no departamento de filosofia da Universidade de São Paulo (USP) e professor
emérito do Swarthmore College – Pennsylvania (onde lecionou desde 1972). Lacey
caracteriza a inserção do pluralismo metodológico como uma estratégia de investigação
científica, em seu artigo publicado em 2012, intitulado como “pluralismo metodológico,
incomensurabilidade e o status científico do conhecimento tradicional”.
Lacey defende que é proveitoso para a ciência ter várias teorias diferentes. Cada qual
se adaptaria melhor a determinado contexto, considerando o meio social, ou seja, cada uma se
adapta melhor as questões externas à ciência que outras, tornando-se mais fecundas que suas
concorrentes (LACEY, 2012, p. 428). Entendemos então que a proposta pluralista encontrada
em Lacey advoga uma “orientação ao problema”. Nas suas palavras,

A escolha da estratégia adotada em um projeto de pesquisa é (explícita ou


implicitamente) inseparável da delimitação da esfera dos fenômenos considerados
de interesse para a investigação e dos tipos de possibilidades que se deseja
encapsular. (LACEY, 2012, p. 428)

Assim sendo, a ciência deve ser repensada como uma apuração empírica sistemática,
transportada mediante a utilização de quaisquer hipóteses metodológicas que sejam
relacionadas à obtenção do entendimento através de diversas abordagens, defendendo uma
posição pluralista.

Considerações finais
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Diante deste novo paradigma da ciência imposto no século XX, conhecido como pós-
moderno, passa-se também a adquirir uma nova ética científica influenciada mais pela
contemplação da realidade do que pela dominação da natureza. Este período foi denominado
pela revolução epistemológica, responsável por modificar o modelo vigente de racionalidade
à época, sobretudo em virtude do reconhecimento de fenômenos que caracterizavam o
determinismo. Por tal razão, o filósofo Thomas Samuel Kuhn propõe-se a então estudar tais
modificações nas ciências, e definiu os posicionamentos científicos que foram substituídos
por ideias novas, como exemplo o surgimento do heliocentrismo que substituíra o
geocentrismo. Inseriu todos os elementos essenciais para a reconstrução racional da ciência,
no qual desafia a incomensurabilidade, identificando que esta não representa nenhum desafio
insuperável para a comparação teórica.
Quando o paradigma anterior é considerado aluído em relação à suas estruturas, inicia-
se o processo de revolução científica. No entanto, ocorrem debates filosóficos na comunidade
científica a cerca de novas visões e análises que tentam refutar determinadas teorias. Essa
modificação de paradigma porém não ocorre de forma linear e sistemática, sendo necessário
muitos estudos para que um novo paradigma seja aceito pela comunidade científica.
Visualizando o contexto histórico da ciência, Kuhn nos leva a reflexão de
compreender como esta se comporta através da comunidade científica. No qual, pesquisadores
remetem à uma concepção baseada em determinadas críticas.
Popper critica a filosofia do positivismo lógico, propondo o que chamamos de
“falseabilidade” ou “falibilismo”, sendo que a ciência se desenvolve a partir de revoluções
constantes, renovando-se permanentemente. Thomas Kuhn, ao contrário de Karl Popper,
afirma que através das revoluções científicas, os paradigmas se renovam e os “velhos”
paradigmas são substituídos depois de um período de crise dentro da própria ciência. As
crises se manifestam a partir de controvérsias ao redor de metodologias, teorias, valores e
conceitos no campo científico.
Já o pensador anarquista Paul Karl Feyerabend nos reflete uma grande repercussão
quando faz uma crítica aos conceitos de razão e de objetividade; é contra ao método e além
disso critica as noções de racionalidade impostas por Kuhn. Feyerabend determina uma nova
concepção de ciência caracterizado como pluralismo de ideias.
Sendo que o filósofo Hugh Lacey, defende o argumento kuhniano por meio do qual a
história da ciência apresenta-se como uma atividade interpretativa, estabelece que diferentes
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interpretações são capazes de fornecer explicações dos objetos de investigações das ciências
naturais quanto das ciências humanas. Se por um lado as estratégias podem complementar-se,
por outro elas competem entre si. Lacey, assim, justifica que, o que Kuhn chama de
"incomensurabilidade" deriva da “incompatibilidade prática entre estratégias concorrentes”.
Desta forma, observou-se a importância dos conceitos abordados por Kuhn, presentes
nos demais autores revisados, pois sua obra tem contribuído no que concerne aos conceitos de
paradigmas e revolução científica.

REFERÊNCIAS

FEYERABEND, Paul Karl. Contra o método. Tradução de Octanny S. da Mota e Leônidas


Hegenberg. 3. ed. brasileira. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1989, 489 p.

FEYERABEND, Paul Karl. La ciencia en una sociedad libre. 2. ed., Cidade do México:
Siglo Veintiuno, 1988, 228 p.

LACEY, Hugh. Pluralismo metodológico, incomensurabilidade, e o status científico do


conhecimento tradicional. Scientiae Studia, v. 10, n. 3, p. 428, 2012.

KUHN, Thomas Samuel. Estrutura das Revoluções Científicas. 2.ed. São Paulo:
Perspectiva, 1978.

KUHN, Thomas Samuel. A Estrutura das Revoluções Científicas. Tradução de Beatriz


Vianna Boeira e Nelson Boeira. São Paulo: Perspectiva, 1998 [1962].

KUHN, Thomas Samuel. Estrutura das Revoluções Científicas. 9. ed. São Paulo: Editora
Perspectiva, 2006.

POPPER, Karl. A ciência normal e seus perigos. In: LAKATOS, Imre. MUSGRAVE, Alan.
A crítica e o desenvolvimento do conhecimento. Tradução de Octávio Mendes Cajado. São
Paulo: Cultrix: EDUSP, 1979. p. 63-71.

POPPER, Karl. Lógica da pesquisa científica. São Paulo: EDUSP, 1985.

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