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ACROMEGALIA E GIGANTISMO

Prof. Dr. Julio Abucham

Ao lado, um cartum ilustrando a


história de Davi e Golias.

Ao final da leitura desse texto,


você poderá formular uma
hipótese diagnóstica para o
Golias e também explicar porque
Davi, sendo bem menor do que
Golias, foi quem venceu a luta.

Boa leitura!

Definição: A acromegalia e o gigantismo são doenças caracterizadas por diversos


sinais e sintomas decorrentes do excesso crônico do hormônio de crescimento
(GH). O gigantismo, mais raro do que a acromegalia, é a manifestação da mesma
doença incidindo antes de completado o crescimento linear.

Gigante de Walton (1918-1940). Acromegalia (reprodução autorizada p/ paciente). Observe:

Foi o homem mais alto do mundo. Fácies com traços grossos, sulcos faciais marcados, nariz
alargado, lábios espessados.
Altura: 2,40 m
Mãos volumosas, dedos grossos, palma volumosa.
Gêmeos, com 22 anos
de idade; o crescimento
começou a divergir a
partir dos 13 anos.

O irmão mais alto é


portador de gigantismo
causado por um
adenoma hipofisário
secretor de GH.

Observe e compare:
altura, fácies, mãos e
pés.

Epidemiologia: A acromegalia afeta ambos os sexos, com pico de diagnóstico


entre 40 e 50 anos de idade. Pacientes acromegálicos não controlados
apresentam baixa qualidade de vida e uma taxa de mortalidade aumentada
(cerca de duas vezes maior do que a população geral devido às comorbidades
cardiovasculares, pulmonares e neoplásicas).

Etiologia: A acromegalia é, na quase totalidade dos casos, causada por um


adenoma hipofisário secretor de GH (em geral um macroadenoma, ou seja ≥10
mm). (Muito raramente, decorre da produção ectópica de GHRH (hormônio liberador de
GH produzido por uma neoplasia em outro órgão, como pâncreas e pulmão). O uso
continuado de GH com finalidade de "doping" no esporte ou de ganho muscular
em fisicultura também pode causar acromegalia.
Etiopatogenia dos adenomas produtores de GH (somatotrofinomas): Os
adenomas secretores de GH, assim como todos adenomas hipofisários, são
monoclonais (ou seja derivam de uma única célula progenitora) e, na sua grande
maioria, de ocorrência esporádica. Entre esses tumores, observa-se uma alta
prevalência (30-50%) de uma mesma mutação somática no gene GNAS, o qual
codifica uma subunidade de uma proteína G-estimulatória acoplada ao receptor de
GHRH (proteína transdutora do receptor). Na sua forma nativa, essa proteína-G
faz a transdução do sinal do receptor de GHRH somente quando este está
ocupado pelo seu ligante (o GHRH). Contudo, quando mutada, essa proteína se
mantém constitutivamente ativada (sem a presença do ligante), resultando no
aumento da síntese e da secreção do GH bem como proliferação celular.

Uma minoria desses adenomas pode fazer parte de síndromes genéticas


familiares, como a neoplasia endócrina múltipla tipo 1 (MEN-1: tumor de hipófise,
para-tiróide, e pancreático/gastrointestinal), o complexo de Carney e
a FIPA (familial isolated pituitary adenomas), ou não familiares, como a síndrome
de McCune-Albright.]

Figura: RM contrastada, corte coronal.


Macroadenoma hipofisário ocupando a
sela turca, que está aumentada e com o
assoalho infra-desnivelado à direita. O
tumor aumenta a distância inter-
carotídea, mas não invade os seios
cavernosos, e se estende superiormente
ocupando a cisterna quiasmática até o
3º ventrículo (triângulo escuro no topo
do tumor). O quiasma está deslocado
para cima, comprimido e afinado (linha
em arco no topo do tumor), causando
alteração visual.
Fisiopatologia: O excesso de GH estimula a produção hepática e extra-
hepática de IGF-1 (insulin-like growth factor 1), promovendo o crescimento
linear acelerado quando a doença se desenvolve antes do fechamento
epifisário (gigantismo). Em adultos, provoca o crescimento das extremidades,
dos órgãos internos e dos tecidos moles (pele e músculo). O excesso de GH
aumenta a resistência insulínica e a reabsorção renal de sódio. Esses e
outros efeitos determinam uma prevalência elevada de intolerância à glicose e
diabetes melito, hipertensão arterial, polipose e neoplasia de colo, e
hipertrofia miocárdica.

Sinais e sintomas: somáticos, metabólicos, e pelo efeito de massa do tumor.

Somáticos: aumento de partes moles e da hipertrofia óssea. Aumento de


mãos, pés, mandíbula (com prognatismo), língua (macroglossia), alargamento da
base do nariz, espessamento das cordas vocais e aumento dos seios da face
(ambos resultam num tom de voz mais grave e ressonante), aumento da
proeminência frontal (por aumento do seio), aumento do arco zigomático,
hipertrofia de glândulas sudoríparas (causando hiperidrose), espessamento da
pele (produzindo acentuação dos sulcos faciais) e aumento de sua oleosidade,
redução da gordura subcutânea (efeito lipolítico do GH), aparecimento de
acrocórdons ("skin tags"), cifose dorsal, artrose em articulações de carga (dor e
incapacitação funcional são frequentes).

Metabólicos: Por aumento da resistência insulínica (o GH é um dos hormônios


contra-insulínicos), ocorrem frequentemente alterações glicêmicas em graus
variados, incluindo diabetes mellitus, hipertensão arterial, hipertrigliceridemia,
retenção de sódio (que também se deve a um efeito renal da IGF-1) com
hipervolemia e hipertensão arterial, contribuindo para a cardiomegalia (além do
efeito direto do GH/IGF-1 no miocárdio, sobretudo hipertrofia de ventrículo
esquerdo), flebomegalia (visível pelo aumento da volemia e pela redução da
gordura subcutânea decorrente do efeito lipolítico do GH), e aumento geral dos
órgãos (organomegalia).
Outros: Os macroadenomas, bem mais prevalentes do que os microadenomas na
acromegalia, podem determinar efeitos compressivos gerando: cefaléia, alteração
visual por compressão quiasmática (tipicamente hemianopsia bitemporal) e
hipopituitarismo por compressão da hipófise adjacente (sobretudo
hipogonadismo). A hiperprolactinemia pode estar presente, seja por co-produção
tumoral de prolactina ou por compressão tumoral da haste causando deficiência
dopaminérgica e hiperfunção dos lactotrofos. A hiperprolactinemia pode causar
galactorréia e contribuir para o hipogonadismo.

Diagnóstico: Geralmente óbvio à inspeção, mas frequentemente tardio, em


parte porque as alterações cosméticas, lentas e insidiosas, são confundidas pelos
pacientes com o envelhecimento e, em parte, devido ao desconhecimento dessa
patologia que, em geral, é prontamente identificável pelo fácies, pela voz mais
grave e pelas mãos volumosas do paciente.

Antes do diagnóstico, pacientes costumam ser acompanhados por longos anos


pelas co-morbidades que apresentam: artrose, dores por compressão de nervos
periféricos (lombociatalgia, síndrome do canal carpeano), síndrome da apnéia
obstrutiva, problemas odontológicos, diabetes mellitus, hipertensão arterial, etc.

Na Figura abaixo, observe a evolução lenta e insidiosa das alterações faciais


ao longo de décadas !): aumento mandibular, prognatismo, alargamento nasal,
espessamento labial. (Na suspeita diagnóstica, solicite fotos antigas !).
Quadro Clínico: Os sintomas que levam pacientes com acromegalia a procurar
atendimento médico são queixas comuns: cefaléia, artralgias, parestesias e
dores por compressão de nervos periféricos, roncos e apnéia do sono,
hiperidrose (cumprimentar o paciente com um aperto de mão "fecha o
diagnóstico clínico" !), assim como poliúria e polidipsia. O diabetes mellitus (ou a
intolerância à glicose) e a hipertensão arterial ocorrem em ~50% dos casos cada
uma, frequentemente precedendo o diagnóstico de acromegalia. Os sintomas de
crescimento de extremidades são, em geral, obtidos no interrogatório
complementar dirigido após suspeita pela ectoscopia.

Se o tumor hipofisário cresce superiormente, pode atingir e comprimir o quiasma


óptico, causando alterações visuais (caracteristicamente a hemianopsia
bitemporal) que levam o paciente a procurar atendimento oftalmológico.

Diagnóstico: O diagnóstico de acromegalia é suspeitado por médicos de


diferentes áreas: internistas, oftalmologistas, reumatologistas, ginecologistas,
especialistas em sono, e por dentistas. Os pacientes são então encaminhados ao
endocrinologista para confirmação diagnóstica e tratamento.

O diagnóstico da acromegalia se confirma pelo nível aumentado de IGF-1


circulante em relação ao valor de referência para sexo e faixa etária (ambos
hormônios apresentam um declínio fisiológico gradual após a 2ª década de vida).
Os níveis de GH séricos estão geralmente elevados, mas podem estar na faixa
considerada "normal" (difícil definir normal numa amostra isolada de um hormônio
que apresenta grande pulsatilidade). Em pacientes com quadro clínico leve, IGF-1
pouco aumentada e/ou GH basal "normal" ou pouco elevado, o teste de
supressão do GH com sobrecarga oral de glicose deve ser indicado. Ele é
considerado positivo quando o nível de GH não suprime após glicose (o cut-
off é variável dependendo do método).

A RM da sela turca permite o detalhamento das relações anatômicas do tumor


com o quiasma óptico, seios cavernosos, e seio esfenoidal. Cerca de 80% desses
tumores são macroadenomas (≥ 10 mm).
Tratamento: Os objetivos são (1) normalização dos níveis de GH/IGF-1, o que
resulta na melhora/resolução das alterações causadas pelo excesso hormonal,
com consequente melhora na qualidade de vida e redução da mortalidade; (2)
melhora/ resolução de eventuais efeitos compressivos do tumor afetando a
visão e a função hipofisária; (3) eliminar o tumor ou controlar seu crescimento..

Frequentemente, é necessário o emprego sequencial de mais de uma entre


as três modalidades terapêuticas atualmente disponíveis: cirurgia
hipofisária, tratamento farmacológico e radioterapia. Cada modalidade
apresenta vantagens e desvantagens em relação à taxa de cura, efeito
descompressivo, controle hormonal e tempo para atingi-lo, controle do
crescimento tumoral, riscos, efeitos colaterais e complicações.

Cirurgia: O tratamento cirúrgico é o tratamento inicial de escolha da


acromegalia, salvo contra-indicação. A via mais utilizada é a transesfenoidal. A
ressecção cirúrgica permite rápida descompressão das vias ópticas e da hipófise,
o que pode reverter a alteração visual e mesmo o hipopituitarismo.

Os melhores resultados cirúrgicos (cura) são observados em


microadenomas e em macroadenomas não invasivos, mas o principal
determinante do resultado cirúrgico é a habilidade e experiência do
neurocirurgião com cirurgia hipofisária em centros especializados. Contudo,
como grande parte dos pacientes apresenta macroadenomas frequentemente
invasivos, a ressecção completa nem sempre é factível. Nesses casos, o objetivo
da cirurgia é a redução máxima possível da massa e a descompressão do
quiasma. A redução dos níveis de GH após a ressecção incompleta do tumor
melhora a resposta ao tratamento farmacológico subsequente. Além disso, numa
eventual indicação de radioterapia, a área de irradiação será menor.

Medicamentos: Atualmente, dispõe-se de 3 classes de medicamentos para o


tratamento da acromegalia. (1) Análogos da somatostatina (que é o hormônio
hipotalâmico que inibe a secreção de GH): octreotida e lanreotida (além de um
novo análogo: pasireotida, não disponível no SUS), (2) Agonista dopaminérgico:
a cabergolina, e (3) Antagonista do receptor do GH: pegvisomanto (não
disponível no SUS).

Análogos da somatostatina

Os análogos da somatostatina são amplamente utilizados em pacientes não


controlados pela cirurgia. Esses análogos se ligam com maior afinidade ao
receptor de somatostatina tipo 2 (existem 5 subtipos), o mais abundante na
maioria desses tumores. São administrados via IM (octreotida) ou subcutânea
profunda (lanreotida) a cada 30 dias. Podem também ser utilizados como
tratamento primário em pacientes com risco cirúrgico elevado, pacientes que
recusam ou aguardam cirurgia, e mesmo em pacientes com macroadenomas
invasivos, sem comprometimento visual, cuja probabilidade de cura cirúrgica é
muito baixa. O tratamento com esses agonistas reduz os níveis de GH (e
consequentemente de IGF-1 na maioria dos pacientes, mas normalização de
IGF-1 é observada em <50% dos casos. Uma redução significativa do tumor
ocorre em 50% dos pacientes. A pasireotida, um análogo com alta afinidade por
outros receptores além do tipo 2, é considerada análogo de segunda escolha e
pode ser indicada para pacientes resistentes aos outros análogos, mas seu uso
causa hiperglicemia/ diabetes mellitus (por inibir a secreção de insulina) em
grande parte dos pacientes.

Agonistas dopaminérgicos

A cabergolina é o agonista dopaminérgico mais efetivo na redução da secreção de


GH na acromegalia, mas tem eficácia inferior aos análogos de somatostatina. A
administração é oral e não precisa ser diária. As doses semanais são geralmente
mais altas do que as utilizadas nos prolactinomas. A associação da cabergolina ao
análogo tem sido efetiva em até 40% dos pacientes que responderam apenas
parcialmente ao análogo. As respostas à cabergolina, em monoterapia ou
associada ao análogo, são melhores quando os níveis de GH/IGF-1 estão
pouco aumentados.
Antagonista do receptor de GH

O antagonista do receptor de GH (pegvisomanto) é um tratamento altamente


eficaz para o controle hormonal da acromegalia. Permite a normalização dos
níveis de IGF-1, bem como a melhora sintomática e metabólica na maioria dos
pacientes, com poucos efeitos colaterais. Tem melhor efeito no controle do
diabetes mellitus associado do que as outras drogas. Contudo, dado seu
mecanismo de ação, não inibe o crescimento tumoral (mas tampouco o estimula,
sendo que o tumor segue sua evolução natural, muitas vezes lenta ou
estacionária). O tratamento com pegvisomanto é monitorado laboratorialmente
apenas com a dosagem de IGF-1.

Radioterapia: A radioterapia é considerada como a terceira linha terapêutica na


acromegalia. Obtém melhores resultados em controlar o crescimento tumoral
do que em normalizar o excesso hormonal. O hipopituitarismo após a
radioterapia pode se desenvolver com o passar tempo, chegando a 50% em dez
anos e continua aumentando nos anos subsequentes, o que demanda vigilância
permanente da função hipofisária durante o acompanhamento. Mais
raramente, lesões locais e distúrbios cerebrovasculares, especialmente em
pacientes com diabetes, têm sido relatados após a radioterapia. Recentemente,
tem-se utilizado a radiocirurgia estereotáxica, cujas vantagens sobre a
radioterapia convencional decorreriam de utilizar doses mais elevadas de
irradiação liberadas com alta precisão sobre a área do tumor, em uma única
sessão, com mínima irradiação em outras áreas do SNC. No tratamento da
acromegalia, seus resultados seriam superiores aos da radioterapia convencional,
em razão do tempo menor para atingir o controle hormonal e pela menor
prevalência de hipopituitarismo.
Agora que já leu o texto acima, você deverá saber:

1) Identificar e descrever os sinais e


sintomas da acromegalia/gigantismo

2) O que causa a acromegalia

3) Entender a fisiopatologia das


principais alterações

4) Como confirmar o diagnóstico

5) Como é tratada a acromegalia e

6) Porque Golias perdeu a briga

Fontes bibliográficas: textos do próprio autor, fotos e ilustrações dos arquivos da


Disciplina de Endocrinologia da Escola Paulista de Medicina-Unifesp, e da
Internet.

Leitura complementar: Edições recentes do “Harrison´s” e “Cecil”.

Atenção: esse texto é destinado exclusivamente aos alunos, internos, pós-


graduandos, médicos e docentes da Escola Paulista de Medicina-Unifesp. Sua
reprodução, circulação ou divulgação fora desse âmbito é irregular e não
autorizada pelo autor.

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