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UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR

Departamento de Ciências Aeroespaciais


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Dinâmica e Controlo do Voo

Capítulo 3 – Análise da Estabilidade Estática do Voo

Prof. K. Bousson

Novembro de 2021

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A tarefa de centragem de peso de uma aeronave leva em conta a colocação
dos passageiros, a distribuição do combustível nas asas (e eventualmente na
fuselagem) e das bagagens. Portanto, na fase de projecto bem como na fase
de operação de uma aeronave deve assegurar-se que a aeronave garanta
equilíbrios que sejam estaticamente estáveis, isto é, a aeronave deve poder
se manter numa determinada posição de equilíbrio, ou voltar para esta
mesma em caso de pequenas perturbações, mesmo sem acção do piloto. O
presente capítulo trata separadamente da estabilidade estática longitudinal e
latero-direcional. A estabilidade estática supõe que o piloto ou o piloto
automático não seja obrigado actuar para manter a aeronave na sua posição
de equilíbrio (se a aeronave já estiver em equilíbrio). No entanto, a
estabilidade estática lida apenas com pequenas perturbações em torno do
equilíbrio, isto é, para perturbações com magnitude relativamente grande é
desejável que o piloto ou o piloto automático actue para manter a aeronave
em equilíbrio. Por isso, descreve-se também como calcular o controlo
necessário para assegurar a estabilidade estática quando for necessário.

3.1. Estabilidade Estática Longitudinal

3.1.1. Condições de estabilidade estática longitudinal

Em geral, as asas têm uma tendência natural em criar um momento de


arfagem negativo (isto é, a aeronave tem tendência a picar).

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O momento (aerodinâmico) devido às asas deve ser equilibrado (anulado)
pelo momento (aerodinâmico) devido ao conjunto elevador & estabilizador
horizontal como ilustrado na figura abaixo.

A estabilidade estática longitudinal de uma aeronave é estudada


relativamente ao momento de arfagem referente ao c.g. (M), ou ao
coeficiente do momento de arfagem (Cm M QSc ) , e ao ângulo de ataque
( ) . Na realidade, a análise da estabilidade estática longitudinal é baseada

no seguinte facto:

Quando se alterar o ângulo de ataque de uma aeronave a


partir do equilíbrio ( eq ) num voo longitudinal, é desejável
que a aeronave volte para o seu ângulo de ataque de
equilíbrio eq .

Se isto acontecer, então a aeronave é estaticamente estável para esta


posição de equilíbrio longitudinal.

Sabemos que, para valores de ângulo de ataque menores que o


correspondente ao stall, o coeficiente de sustentação (CL ) aumenta (resp.

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diminui) quando aumentar (resp. reduzir) o ângulo de ataque ( ) ,
conforme ilustrado abaixo:

Iremos considerar apenas a zona linear da polar de sustentação:

Para uma aeronave estaticamente estável e com comandos livres, como o


aumento do ângulo de ataque (a partir de eq ) induz um momento de
arfagem negativo (i.e. o nariz da aeronave desce), o que força a aeronave a

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voltar para o seu ângulo de ataque de equilíbrio inicial ( eq ) , isto é, o

coeficiente do momento de arfagem (Cm ) diminui quando aumentar o


ângulo de ataque ( ) (se a aeronave for estaticamente estável).

Do mesmo modo nota-se que, para uma aeronave estaticamente estável e


com comandos livres, a diminuição do ângulo de ataque (a partir de eq )
induz um momento de arfagem positivo (o nariz da aeronave sobe), o que
força a aeronave a voltar para o seu ângulo de ataque de equilíbrio ( eq ).

Portanto, o coeficiente do momento de arfagem (Cm ) aumenta quando


diminuir o ângulo de ataque ( ) .

Do que foi descrito acima, nota-se que a situação de estabilidade estática


longitudinal descrita pode ser ilustrada pela seguinte polar do coeficiente
do momento de arfagem:

Cm 0 Cm0 L : coeficiente do momento de arfagem para ângulo de ataque nulo;

pode mostrar-se que Cm é independente da localização do c.g.


0

Cm ac : momento de arfagem relativamente ao centro aerodinâmico.

Tem-se sempre: Cm 0
Cm ac

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De facto, a polar do coeficiente do momento de arfagem pode ter outras
formas, incluindo casos de estabilidade neutra e de instabilidade, como
consta na figura abaixo:

Exercício 1. Com base na figura acima, comentar cada um dos padrões de


possibilidades da polar, e identificar o padrão da estabilidade, o padrão da
instabilidade e o da estabilidade neutra.

O parâmetro Cm é o declive da polar do momento de arfagem e é definido


por:
Cm
Cm

Isto é a variação do coeficiente do momento de arfagem devida ao ângulo


de ataque. Por isso, Cm chama-se também a rigidez da arfagem (pitch
stiffness), no entanto este é nada mais e nada menos que a influência do
ângulo de ataque sobre o coeficiente do momento de arfagem.
Segundo o gráfico anterior (e com a análise feita sobre este mesmo),
deduz-se portanto que as condições de estabilidade estática longitudinal
são:
Cm 0 e Cm 0 0

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3.1.2. Expressão geométrica da estabilidade estática
longitudinal

3.1.2.1. Momentos equivalentes

Consideremos os momentos de arfagem M a e M b de uma aeronave em dois


pontos a e b, e chamemos M * o momento da mesma aeronave
relativamente ao bordo de ataque, como ilustrado nas figuras seguintes:

sustentação: L La Lb ; arrasto: D Da Db .

Sendo o ângulo de ataque, temos:


Com o desenho de esquerda: M * M a L( xa cos ) D( xa sin )
Com o desenho de direita: M * M b L( xb cos ) D( xb sin )
Portanto:
Mb L( xb cos ) D( xb sin ) M* Ma L( xa cos ) D( xa sin )

Então:
Mb Ma ( L cos D sin )( xb xa )

Dividindo esta última expressão por (0.5 V 2 ) Sc , obtem-se:

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Cm b Cm a (CL cos C D sin )(hb ha ) ,

xa xb
com: ha ; hb
c c

3.1.2.2. Condições de estabilidade estática longitudinal

Supondo que o ponto b é o c.g. e o ponto a o a.c. (centro aerodinâmico),


temos:
Cm Cm cg Cm ac (CL cos C D sin )(hcg hac ) ,

xac xcg
com: hac ; hcg
c c
Para ângulos de ataque pequenos, cos 1 e sin (em radiano). Logo:
CD
Cm Cm ac (CL CD )(hcg hac ) Cm ac CL (1 )(hcg hac )
CL

Do outro lado, para asas de aeronave bem projectadas, o coeficiente de


arrasto pode ser desprezível perante o coeficiente de sustentação quando a
aeronave operar debaixo do stall (para ângulos de ataque menores que o
ângulo limite para o stall), isto é: CD CL 0 , logo, 1 (CD CL ) . 1.

Consequentemente:
Cm Cm ac CL (hcg hac )

Derivando esta equação em relação com o ângulo de ataque, temos:


Cm Cm ac CL
Cm (hcg hac )

A condição de estabilidade longitudinal expressa anteriormente era:

Cm 0 e Cm 0 0

com Cm 0
Cm ac .

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A condição “ Cm 0 ” é equivalente a:

Cm ac CL
(hcg hac ) 0

No entanto, o centro aerodinâmico é o ponto para qual o momento de


arfagem não varia quando alteramos o ângulo de ataque, logo: Cm ac
0.

Do outro lado, CL ( CL ) 0 . Portanto, a condição “ Cm 0” é

equivalente a: (hcg hac ) 0 .


A final, as condições de estabilidade são:

Cm 0 e Cm ac Cm 0 0

ou, equivalentemente:

(hcg hac ) 0 e Cm ac Cm 0 0

As últimas condições correspondem à expressão geométrica das condições


de estabilidade estática longitudinal.

3.1.2.3. Pontos de referência aerodinâmicos

Uma vez que a expressão estrutural das condições de estabilidade envolve a


localização do centro aerodinâmico, iremos calculá-lo.

Consideremos a relação vista anteriormente:

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Cm b Cm a (CL cos C D sin )(hb ha ) ,

Se o ponto b for o centro aerodinâmico a.c., e a um ponto qualquer, temos:

Cm ac Cm a (CL cos CD sin )(hac ha ) ,

e com as simplificações feitas quando for pequeno, com a aeronave


operando de baixo do stall, temos:

Cm ac Cm a CL (hac ha ) ,

Como a variação do ângulo de ataque não tem influência sobre Cm , ac

obtemos:

Cm ac Cm a CL
0 (hac ha )

Portanto:

Cm a
hac ha
CL

com: CL CL , e Cm a
Cm a .

3.1.3. Controlo da estabilidade estática longitudinal

A estabilização longitudinal consiste em criar um momento de arfagem


nulo com o elevador.

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3.1.3.1. Ponto Neutro

Chama-se ponto neutro a localização do c.g. para qual a aeronave alcança a


estabilidade neutra em arfagem, este corresponde à posição do c.g. que
garanta que o parâmetro Cm seja nulo.

O ângulo chama-se o ângulo de downwash, isto é o ângulo entre a


velocidade do escoamento incidente sobre a asa e a velocidade do
escoamento incidente sobre o estabilizador horizontal.
Analisando a figura acima, Pode notar-se que o coeficiente de sustentação
global é dado por:
Lw Lt St
CL C Lw CL
QS S t

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Qt Q : factor de eficácia da cauda (razão da pressão dinâmica da cauda

com respeito à pressão dinâmica total na condição de equilíbrio),


S : área da asa (das asas).

St : área da plataforma do estabilizador horizontal.

CLw : coeficiente de sustentação da asa,

CLt : coeficiente de sustentação da cauda.

Portanto, o momento total de arfagem relativamente ao c.g. pode ser escrito


como a seguinte soma dos momentos de arfagem devidos respectivamente
à asa, à cauda, e à fuselagem (com respeito ao c.g.):

Cm Cm w Cmt Cm f
xcg xac St l xcg xac
C Lw CLt t Cm f
c c S c c c
xcg xac St
CLw CL VH CLt Cm f
c c S t

lt St
onde: VH é a razão ou o coeficiente do volume do estabilizador
cS
horizontal.

Cm w : momento de arfagem devido à asa.

Cmt : momento de arfagem devido à cauda.

Cm f : momento de arfagem devido à fuselagem.

Pode mostrar-se que a variação do coeficiente de sustentação total devida


ao ângulo de ataque é dada por:

St d
CL CL w 1 CL t
S d

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d
: taxa de variação do ângulo de downwash em função do ângulo de
d
ataque.

Portanto a rigidez da arfagem (a variação do coeficiente do momento de


arfagem relativamente ao ângulo de ataque), Cm , pode ser obtida por:

xcg xac d
Cm CL VH CL 1 Cm
c c t
d f

Define-se o ponto neutro para controlo fixo (sem comando) como a posição
do c.g. para qual a aeronave está em estabilidade neutra com respeito à
arfagem, isto é a localização do c.g. para qual Cm 0 . deduz-se da equação

acima que o ponto neutro xNP é determinado por:

xNP xac CL t d Cm f
VH 1
c c CL d CL

Nota-se que a expressão da rigidez da arfagem, segundo visto


anteriormente, poder ser escrita sob a forma:

xcg xNP
Cm CL
c c

Logo:
Cm xcg xNP
CL c c

Chama-se margem estática o afastamento em percentual do ponto neutro


em relação com o c.g.:

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xNP xcg Cm
margem estática =
c c CL

3.1.3.2. Controlo estático longitudinal

As expressões gerais dos coeficientes de sustentação e de momento de


arfagem são:

qc c
CL CL 0 CL CL e CLq CL
e
2V 2V
qc c
Cm Cm 0 Cm Cm e Cmq Cm
e
2V 2V

q : taxa de arfagem, e : deflexão do elevador.

No entanto, para pequenas variações do ângulo de ataque, os


coeficientes de sustentação e de momento de arfagem podem ser
aproximados respectivamente por:
qc
CL CL 0 CL CL e CLq
e
2V
qc
Cm Cm0 Cm Cm e Cmq
e
2V

Exercício 2. De quanto é que se deve deflectir o elevador para assegurar a


estabilidade estática correspondente a um dado valor CL trim
do coeficiente de
sustentação, e qual é o valor do ângulo de ataque para esta posição de
estabilidade?

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3.2. Estabilidade Estática Latero-direcional

O voo direcional consiste numa alteração do ângulo de guinada, isto é, a


aeronave gira à volta do seu eixo vertical zb . A deflexão do leme vertical
(rudder) permite criar um tal movimento. O voo lateral está relacionado
com o movimento de rolamento em que a aeronave gira à volta do seu eixo
longitudinal xb em resposta à deflexão dos ailerons.

O voo latero-direcional consiste num movimento de guinada combinado


com o rolamento. No entanto, iremos estudar os dois movimentos
separadamente. De modo semelhante ao estudo da estabilidade estática
longitudinal, raciocinaremos relativamente aos coeficientes de momento de
guinada ( Cn ) e de rolamento ( Cl ) respectivamente.

3.2.1. Condição de estabilidade estática direcional

O momento de guinada ( Cn ) é positivo quando o ângulo de derrapagem ( )


aumenta como ilustrado na figura acima (ângulo contado positivamente
no sentido horário a partir do eixo longitudinal da aeronave, e
negativamente do sentido anti-horário).

A análise da estabilidade estática direcional é baseada no seguinte facto:

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Quando se alterar o ângulo de derrapagem ( ) de uma
aeronave a partir de uma posição de equilíbrio em guinada
( eq ) num voo, é desejável que a aeronave volte para este

ângulo de guinada de equilíbrio eq (sem acção do piloto,


nem do piloto automático).

Se isto acontecer, então a aeronave é estaticamente estável para este valor


de equilíbrio direcional do ângulo de derrapagem eq .

Exercício 3. Desenhar em baixo o diagrama de estabilidade direccional de


uma aeronave, numa referência ( , Cn ), e dizer qual é a condição de
estabilidade direccional.
Solução: Pode mostrar-se que a condição de estabilidade direccional é dada por:
Cn 0

Cn
sendo Cn definido por: Cn , este é a variação do coeficiente do momento de

guinada com respeito ao ângulo de derrapagem.

3.2.2. Condição de estabilidade estática lateral

: ângulo diedral (ângulo entre o plano horizontal xy da aeronave e o plano da asa).

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O factor mais importante dos que influenciam a estabilidade lateral é o
ângulo diedral, os outros factores são a interacção entre a asa e a fuselagem
e a cauda da aeronave.

Exercício 4. Desenhar em baixo o diagrama de estabilidade lateral de uma


aeronave, na referência ( , Cl ), e dizer qual é a condição de estabilidade
lateral.
Solução: Pode mostrar-se que a condição de estabilidade lateral é dada por:
Cl 0

Cl
sendo Cl definido por: Cl .

3.2.3. Controlo da estabilidade estática latero-direcional

Um voo latero-direcional está em equilíbrio quando a força lateral e os


momentos de guinada e de rolamento são todos nulos, isto é, quando os
coeficientes da força lateral ( C y ), do momento de guinada ( C ) e do
momento de rolamento ( Cl ) são todos nulos. Portanto, para um voo latero-
direcional com ângulo de guinada e ângulo de rolamento , as equações
estáticas (de equilíbrio) são dadas por:

Cy Cy Cy a a Cy r r C w sin 0
Cl Cl Cl a a Cl r r 0
Cn Cn Cn a a Cn r r 0

W
sendo Cw , (W é o peso da aeronave e Q a pressão dinâmica).
QS

Estas equações são obtidas considerando o facto de que o momento da


componente lateral do peso compensa o momento da força lateral, e que os
momentos de guinada e de rolamento são nulos (em caso de equilíbrio).

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Para pequenos valores do ângulo de rolamento ( 10º 10º ), sin ,
logo a primeira equação acima pode ser simplificada.

A variação C y do coeficiente da força lateral ( C y ) devida à deflexão dos


a

ailerons ( a ) é muito pequena e pode mesmo ser desprezada.

O sistema de equações acima tem quatro incógnitas que são , a , r e .


Para achar estas incógnitas é preciso impor um valor a uma delas de modo
a ter três incógnitas (para as três equações).

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