Você está na página 1de 29

A ATIVIDADE ADMINISTRATIVA NO DIREITO DA GUINÉ-BISSAU:

as formas e o procedimento

ÍNDICE Pag.
1. Os princípios fundamentais
1.1. O princípio da separação dos poderes 2
1.2. Os princípios materiais da atividade administrativa 4
a) Princípio da legalidade e a margem de livre decisão administrativa 5
b) Princípio do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos
12
particulares
c) Princípio da igualdade 13
d) Princípio da proporcionalidade 14
e) Princípio da boa-fé 15
f) Princípio da prossecução do interesse público 17
g) Princípio da imparcialidade 18
h) Princípio da justiça 19
2. Formas da atividade administrativa
2.1. Ato administrativo 20
a) Conceito 20
b) Estrutura 24
c) Tipologia 25
d) Classificações 30
e) O ato tácito 33
f) Validade e eficácia 34
g) Os vícios e as formas de invalidade 39
h) Cessação de vigência 49
i) Ratificação, reforma e conversão 57
2.2. Procedimento administrativo 59
a) Noção 59
b) Os princípios fundamentais do procedimento administrativo 60
c) Marcha do procedimento 63
2.3. Contrato administrativo (Remissão) 70
2.4. Regulamento administrativo 71
a) Conceito e tipologia 71
b) Fundamentos e limites do poder regulamentar 74
c) Titularidade da competência regulamentar 76
d) Forma e formalidades 77
e) Invalidade 78
f) Cessação de vigência 78
2.5. Plano administrativo 81
2.6. Operações materiais da Administração Pública 83

Página 1 de 86
A Atividade Administrativa no Direito da Guiné-Bissau: as formas e o procedimento
Mestre HÉLDER AMÍLCAR DE LIVRAMENTO PIRES
2.2. Procedimento administrativo

a) Noção55

O procedimento administrativo é a sequência juridicamente ordenada de atos e


formalidades tendentes à preparação da prática de um ato da Administração ou à sua
execução.

Tendo em conta esta noção, importa desenvolver os seguintes elementos:

 O procedimento é uma sequência: os vários elementos que o integram não se


encontram organizados de qualquer maneira, são dispostos numa certa sequência,
numa dada ordem ao longo do tempo, e com princípio meio e fim.
 O procedimento é uma sequência juridicamente ordenada: é a lei que determina quais
os atos a praticar e quais as formalidades a observar, os prazos a cumprir; é também
a lei que estabelece a ordem dos trâmites a respeitar, o momento em que cada um
deve ser efetuado, quais os atos antecedentes e os atos consequentes.
 O procedimento administrativo traduz-se numa sequência de atos e formalidades. Na
verdade, nele podemos encontrar tanto os atos jurídicos (exemplo, a instauração do
procedimento e a decisão final), como as formalidades (o decurso de um prazo).
 O procedimento administrativo tem por objeto um ato da Administração. A
expressão “ato da Administração” (que é diferente do ato administrativo) engloba
genericamente todas essas categorias do modo de exercício do poder público (atos,
regulamentos e contratos administrativos).
 O procedimento administrativo tem por finalidade preparar a prática de um ato ou
respetiva execução. Daqui decorre a distinção entre procedimentos decisórios e
executivos.

O processo e o procedimento administrativo

Antes, convém elucidar que existem dois sentidos da expressão processo: aquele que é
referido no artigo 1.º/ 2 CPA, onde a expressão “processo” significa um elemento físico ou
dossier e as situações em que significa “processo judicial”.

Relativamente a este segundo sentido, cumpre observar que segundo a tese


processualista, o procedimento administrativo é um verdadeiro processo (judicial). Estão em
causa duas espécies do mesmo género. Ao invés, segundo a tese antiprocessualista, o
procedimento e processo administrativo são dois géneros diferentes (irredutíveis um ao
outro).

Para REBELO DE SOUSA, ambos consistem numa sucessão ordenada de atos que visam
finalidades determinadas – nesse sentido merecem a qualificação de processo em sentido

55
FREITAS DO AMARAL, Curso do Direito Administrativo, Vol. II, 2.ª edição – reimpressão, Coimbra, 2013, pp. 322 e
ss.
Página 59 de 86
A Atividade Administrativa no Direito da Guiné-Bissau: as formas e o procedimento
Mestre HÉLDER AMÍLCAR DE LIVRAMENTO PIRES
amplo. Para FREITAS DO AMARAL as diferenças entre procedimento e processo administrativo
separam duas espécies do mesmo género e não dois géneros opostos. O procedimento
administrativo é um processo.

Independentemente da nossa posição em relação às teses apresentados, importa


apresentar um quadro que sintetiza as diferenças essenciais entre procedimento e processo
administrativo:

PROCEDIMENTO
PROCESSO ADMINISTRATIVO
ADMINISTRATIVO
Desenrola-se perante a Desenrola-se perante os
ORGÂNICO
Administração Pública tribunais
Visa a restauração da paz
Visa a prossecução do interesse
FUNCIONAL jurídica inerente à função
público administrativo
jurisdicional
Princípio do inquisitório (carácter
Princípio do dispositivo
PRINCÍPIOS ativo da administração pública)
(carácter passivo dos tribunais)
Cfr. artigo 45.º CPA

b) Os princípios fundamentais do procedimento administrativo56

(i). Princípio do carácter escrito

Como já observava MARCELLO CAETANO, o modo de funcionamento de administração


não compadece com a oralidade. Em princípio, o procedimento administrativo tem caracter
escrito. Excecionalmente, quando a lei permita, é possível assumir a forma oral, mas devem
ser reduzidos a escrito.

Assim, os estudos e opiniões devem ser emitidos por escrito, as decisões e os consensos
têm de ser registados por escrito, as votações feitas em órgãos colegiais têm de ser reduzidas
a escrito e consignadas em ata e as decisões individuais ou são tomadas por escrito ou também
têm de ser reduzidas a escrito – artigo 110.º/3 e 4 do CPA.

Esta exigência é compreensível na medida em que contribui para que as decisões sejam
suficientemente ponderadas e facilita a conservação para o futuro de um registo completo e
seguro.

(ii). Princípio da simplificação do formalismo

56
Filipe Falcão Oliveira, Direito Público Guineense, Coimbra, 2005, pp. 349 e ss; MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ
SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, atividade administrativa, Tomo III, Lisboa, 2007, p. 104; FREITAS
DO AMARAL, Curso do Direito Administrativo, Vol. II, 2.ª edição – reimpressão, Coimbra, 2013, p. 335.
Página 60 de 86
A Atividade Administrativa no Direito da Guiné-Bissau: as formas e o procedimento
Mestre HÉLDER AMÍLCAR DE LIVRAMENTO PIRES
O procedimento administrativo é mais maleável e muito menos formalista do que o
processo judicial. A lei traça apenas algumas linhas gerais de atuação e determina as
formalidades essenciais e deixa o resto (que é variável conforme os casos e as circunstancias)
para ser determinado pela administração.

Só para terem ideia, o CPC em vigor na Guiné-Bissau tem 1.528 artigos, enquanto o
CPA tem apenas 168 artigos e a parte de procedimento administrativo ocupa apenas os artigos
44.º a 95.º.

(iii). Princípio do inquisitório ou natureza inquisitória

A Administração é ativa (ao contrario dos tribunais que são passivos – princípio do
dispositivo), gozando do direito de iniciativa para promover a satisfação dos interesses
públicos postos pela lei a seu cargo (cfr. artigo 45.º CPA) – pode iniciar oficiosamente
procedimentos e pode proceder às diligências não requeridas e resolver coisas mais amplas ou
diferente da pedida, que considere convenientes.

Os artigos 74.º e ss. do CPA constituem as manifestações deste princípio.

(iv). Princípio da colaboração da Administração com os particulares

Este princípio é inerente ao Estado de Direito, onde a Administração Pública tem o


dever de manter os particulares informados, prestando esclarecimentos e recebendo as suas
sugestões e informações – artigo 12.º CPA.

(v). Direito de informação dos particulares

Durante o procedimento administrativo, o particular pode precisar de informações


sobre o estado do procedimento.

Tradicionalmente, os particulares não podiam saber nada sobre o andamento dos


processos em que tivessem interesse. O procedimento administrativo tinha um carater secreto.
Este “secretismo” era evidente na Guiné-Bissau até 2011, período em que vigorava o Estatuto
do Funcionamento Ultramarino (EFU). De facto, a fase instrutória era tendencialmente secreta:
nos termos do artigo 490.º do EFU, “Enquanto os assuntos estiverem a ser instruídos só pode ser
dado aos interessados conhecimento das formalidades ou exigências legais a cumprir ou completar e das
dúvidas levantadas pela pretensão e que se torne necessário esclarecer”.

Atualmente (desde 2011), o CPA prevê a possibilidade de o particular interessado


(artigos 50.º e ss) ter acesso às informações pertinentes, estabelecendo:

 O direito à prestação de informações - artigo 53.º CPA;

Página 61 de 86
A Atividade Administrativa no Direito da Guiné-Bissau: as formas e o procedimento
Mestre HÉLDER AMÍLCAR DE LIVRAMENTO PIRES
 O direito à consulta do processo – artigo 54.º CPA;
 O direito à passagem de certidões - artigo 55.º CPA.

Quanto à responsabilidade da Administração por informações prestadas aos


particulares, o n.º 2 do artigo 12.º do CPA refere que os sujeitos administrativos são responsáveis
pelas informações escritas. Repara-se que o artigo 11.º, n.º 2 do CPA português, refere
exatamente o contrário quanto às informações prestadas por escrito: “A Administração Pública
é responsável pelas informações prestadas por escrito aos particulares, ainda que não obrigatórias”.

Nada nos indica que, apesar da diferença de redação, o nosso CPA queira
desresponsabilizar a Administração pela prestação de informações erróneas. A Administração
é responsável, o que significa que os sujeitos a que pertence o órgão administrativo respondem
pelos prejuízos causados (mas não a título pessoal) – este é o nosso entendimento.

Em todo o caso, importa sublinhar que é sempre possível responsabilizar a


Administração reunidos os pressupostos do artigo 33.º da CRGB.

(vi). Participação dos particulares na formação das decisões que lhes respeitem

Este princípio está previsto nos artigos 12.º e 49.º do CPA, nos termos deste último, “o
órgão instrutor deve assegurar que os interessados no procedimento sejam ouvidos sobre o objeto do
mesmo”. Este princípio manifesta-se de forma mais relevante através do direito de audiência
prévia, que se encontra consagrado no artigo 84.º e ss. do CPA.

(vii). Princípio da decisão

Consagrado no artigo 14.º/1 CPA, o princípio da decisão vem impor aos órgãos
administrativos o dever de se pronunciar sobre todos os assuntos da sua competência sempre
que para tal seja solicitada pelos particulares.

Um dos corolários deste princípio é a previsão de mecanismos para proteger os


particulares em face de omissões administrativas ilegais – a ação de condenação da Administração
à prática de atos administrativos legalmente devidos, cfr. o artigo 3.º/2/e) do CPCA.

(viii). Princípio da desburocratização e eficiência

Este princípio (não previsto no CPA) proíbe a Administração pública de rodear a sua
atividade de operações ou exigências formais inúteis ou desnecessárias e obriga-a a pautar
pelo princípio da eficiência, ou seja adequar as suas atividades ao interesse público. Com
efeito, o Estatuto do Pessoal da Administração Pública, no seu artigo 64.º/d), estabelece que os
funcionários têm o dever de “exercer as suas funções com eficiência”, o artigo 3.º/5 do Estatuto
disciplinar (Lei nº 9/97, de 2 Dezembro), dispõe no mesmo sentido.

Página 62 de 86
A Atividade Administrativa no Direito da Guiné-Bissau: as formas e o procedimento
Mestre HÉLDER AMÍLCAR DE LIVRAMENTO PIRES
(ix). Princípio da gratuitidade

Do artigo 13.º CPA decorre que o procedimento administrativo é gratuito, salvo lei
especial. Para REBELO DO SOUSA, formulações como estas nada acrescenta ao que já decorria
das exigências gerais do princípio da legalidade, na sua dimensão da reserva da lei, uma vez que
a solicitação administrativa de pagamento de qualquer coisa relativa a um procedimento
administrativo só poderia ocorrer mediante expressa habilitação legal57.

Na matéria dos direitos económicos sociais e culturais, a CRGB fala em gratuitidade


como um objetivo a atingir, a propósito de certas prestações da Administração Pública. Por
exemplo: artigo 49.º/2 em relação a gratuitidade no ensino.

(x). Princípio da celeridade

O artigo 47.º, em especial, o n.º 2, prevê o princípio da celeridade. Este princípio, por
um lado, obriga a Administração a providenciar pelo rápido e eficaz andamento do procedimento
administrativo, por outro atribui a Administração os poderes de recusar e evitar tudo o que for
impertinente ou dilatório e de ordenar ou promover tudo o que for necessário ao seguimento do
procedimento e conduz a uma decisão justa e oportuna.

c) Marcha do procedimento

O nosso CPA adota um modelo da marcha do procedimento com cinco fases –


requerimento – informação – audiência dos interessados – preparação da decisão – decisão. O que é
diferente do anterior modelo previsto no EFU (requerimento-informação/instrução-decisão), um
modelo de administração não participada e rodeada de secretismo.

(i). Questões genéricas: prazos e notificações


Prazos
As normas relativas aos prazos estão previstas nos artigos 56.º e ss. CPA. Existem
prazos gerais e prazos especiais.

Os prazos gerais são aplicáveis sempre que a lei ou a administração determinem a


prática de um ato ou o cumprimento de uma formalidade procedimental sem estabelecer um
prazo específico. Podemos citar como prazos gerais:

 Prazo para a prática de atos instrutórios – 10 dias (artigo 57.º do CPA);

 Prazo de conclusão do procedimento – 90 dias (artigo 56.º do CPA).

57
MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, atividade administrativa,
Tomo III, Lisboa, 2007, p. 106.
Página 63 de 86
A Atividade Administrativa no Direito da Guiné-Bissau: as formas e o procedimento
Mestre HÉLDER AMÍLCAR DE LIVRAMENTO PIRES
Os prazos especiais são previstos especialmente para a prática de determinados atos ou
cumprimento de determinadas formalidades procedimentais. São exemplos os:

 Prazos previstos nos artigos 21.º/2 e 22.º/2 do CPA – são especiais em relação ao
prazo geral de 10 dias para o cumprimento de formalidades procedimentais; e nos
artigos 53.º/2; 55.º/2; 81.º/2; 86.º/3 – estabelecem prazos específicos para conclusão
de determinados procedimentos administrativos); e

 Demais prazos especiais previstos em leis especiais.

Normas sobre a contagem de prazos:

O artigo 58.º do CPA estabelece normas que se aplicam aos prazos administrativos.
Destas regras, a mais importante é a que determina a suspensão do prazo nos sábados, domingos e
feriados – contam-se apenas em dias úteis e não em dias corridos.

Notificações
Segundo REBELO DE SOUSA, “as notificações são atos reais pelos quais a administração dá a
conhecer a outrem a ocorrência de determinados factos ou solicita aos interessados a adoção de
determinados comportamentos”.

Obrigatoriedade e dispensa das notificações – artigo 122.º do CPA.

Conteúdo da notificação – deve conter o texto integral do ato administrativo, abrangendo


a respetiva fundamentação - artigo 123.º do CPA.

Prazo e forma das notificações:

 Prazo de 15 dias – artigo 124.º CPA (muito diferente do previsto no artigo 114.º/5
do CPA PT, segundo o qual os atos administrativos devem ser notificados no prazo
de 8 dias a contar da data da prática do ato notificado);

 Forma – artigo 125.º CPA

Outros atos e formalidades que podem ter lugar em qualquer fase do procedimento
administrativo:
 Produção antecipada de prova – 83.º
 Intervenção provocada dos interessados – 84.º/3
 Medidas provisórias – 72.º e 73.º

(ii). Tramitação

Enumeração:
Página 64 de 86
A Atividade Administrativa no Direito da Guiné-Bissau: as formas e o procedimento
Mestre HÉLDER AMÍLCAR DE LIVRAMENTO PIRES
 Fase da iniciativa
 Fase da instrução
 Fase da audiência dos interessados
 Fase da preparação da decisão/Relatório do instrutor
 Fase da decisão
 Fase complementar

1) Fase da iniciativa
A fase em que se dá início ao procedimento.

Existem duas modalidades de iniciativa: iniciativa oficiosa (ou pública) e iniciativa


privada. Segundo artigo 60.º/1, o procedimento administrativo pode iniciar-se oficiosamente
(iniciativa pública) ou mediante iniciativa do particular.

 Iniciativa oficiosa (ou pública) – Decorre do princípio do inquisitório. Os


procedimentos de iniciativa pública são aqueles em que a Administração toma a
iniciativa de desencadear (através de um ato interno).
Quando o procedimento parte de iniciativa pública, a Administração deve informar os
particulares cujos direitos ou interesses possam ser lesados – artigo 60.º/2 CPA.

 Iniciativa particular - Decorre do princípio da proteção das posições jurídicas


subjetivas dos particulares e do princípio da colaboração da administração com os
particulares. Os procedimentos de iniciativa particular são aqueles em que o
particular toma a iniciativa de desencadear.
Esta iniciativa é exercida através do requerimento inicial, requerimento escrito do qual
constem as menções previstas no artigo 61.º do CPA. Excecionalmente pode ser admitido um
pedido verbal (artigo 62.º).

O requerimento deve ser apresentado pessoalmente ou através de envio postal, com


aviso de receção (artigo 63.º CPA).

Diligências subsequentes à receção do requerimento inicial a efetuar pela


Administração:

 Registo do requerimento (artigo 64.º/1);

 Emissão de recibo comprovativo (se o interessado o exigir) (artigo 64.º/3);

 Suprir as deficiências detetadas no requerimento inicial (artigo 65.º/2);

 Quando faltam os requisitos exigidos para o requerimento (artigo 61.º), convidar o


requerente a suprir estas deficiências (artigo 65.º/1);

 Indeferir liminarmente os requerimentos se o requerente não tiver suprido a


deficiência de que o requerimento padecia no prazo fixado depois de a tal ter sido
convidado (artigo 65.º/1 a fortiori), se não estiver identificado, se o pedido

Página 65 de 86
A Atividade Administrativa no Direito da Guiné-Bissau: as formas e o procedimento
Mestre HÉLDER AMÍLCAR DE LIVRAMENTO PIRES
formulado for ininteligível (artigo 65.º/3) e, por maioria de razão se não contiver
pedido algum58;

 Averiguar os pressupostos procedimentais – se tem competência para decidir na


meteria em causa, se o direito que o requerente pretende não prescreveu ou
caducou, se o requerente tem legitimidade procedimental, se o requerimento é
tempestivo e se não ocorre qualquer outra circunstancia que obste ao
desenvolvimento normal do procedimento ou à sua decisão (por exemplo, a
incapacidade do requerente, a intempestividade da iniciativa oficiosa, a preclusão
da competência administrativa, ou a impossibilidade);

 Enviar oficiosamente o requerimento para órgão competente (no prazo de 10 dias),


se o requerente, tempestivamente, dirigir requerimento a um órgão incompetente
do mesmo ministério ou da mesma pessoa coletiva do órgão competente. Notificar
o requerente desta remessa – artigo 66.º CPA;

 Comunicar os potenciais interessados (60.º/3);

 Adotar medidas provisórias – se houver receio de que, sem tais medidas, há


possibilidade de houver lesão grave ou de difícil reparação dos interesses públicos
em causa (artigo 72.º do CPA). Por exemplo: suspensão preventiva do arguido no
procedimento disciplinar sempre que a sua presença se revelar inconveniente para
o serviço.
Nota: A Administração não pode substituir-se aos particulares praticando os atos
jurídicos que eles tenham o dever ou o ónus de praticar – fazê-lo seria violar o princípio da
prossecução do interesse público (seria a modalidade mais grave do desvio de poder),
admitindo que a administração podia também dedicar-se à gestão privada dos interesses
particulares.

2) Fase da instrução
Nesta fase, a Administração Pública averigua os factos relevantes para a decisão final,
fazendo a recolha e tratamento dos elementos de facto e de direito que interessam à decisão
final. Nomeadamente, à recolha das provas que se mostrarem necessárias. Para além das
provas, durante a instrução pode haver necessidade de recorrer a outros, tais como, aos
pareceres, exames, vistorias e avaliações.

Competências em matéria instrutória – o órgão competente para dirigir a instrução é


o órgão competente para a decisão final (artigo 68.º/1 CPA). No entanto, tendo em conta que
a instrução pode envolver a realização de diligências de grande complexidade, que reclamam
a intervenção de órgãos e agentes com conhecimentos técnicos especializados, é previsto nos
números 2 e 3 do mesmo artigo a possibilidade de delegar esta competência num subalterno
do órgão competente ou, tratando-se de um órgão colegial, num dos seus membros. É
igualmente permitido que o órgão instrutor (por competência originaria ou por delegada)

58
MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, atividade administrativa,
Tomo III, Lisboa, 2007, p. 122.
Página 66 de 86
A Atividade Administrativa no Direito da Guiné-Bissau: as formas e o procedimento
Mestre HÉLDER AMÍLCAR DE LIVRAMENTO PIRES
delegar em subordinado seu a prática de atos instrutórios específicos (69.º/2). É, igualmente,
admitida a intervenção de outros órgãos administrativos (70.º).

Diligências probatórias – consistem fundamentalmente na recolha e na apreciação de


documentos ou coisas e na audição de pessoas.

Principais regras em matéria de prova:

 Dever de averiguação dos factos por parte da Administração (artigo 82.º/1 do


CPA). Comparado com o artigo 115.º/1 do CPA PT (Factos sujeitos a prova)59:
enquanto o nosso CPA disse apenas “cabe ao órgão instrutor…”, o CPA PT refere
que “deve procurar averiguar todos os factos…”.

 Admissão ampla de meios probatórios (artigo 82.º/1 do CPA) “recorre a todos os


meios de prova admitidos em direito”;

 Desnecessidade de prova ou alegação de factos públicos ou notórios ou dos que o


órgão instrutor, por força do exercício de funções, tenha conhecimento (artigo
82.º/2 do CPA).

 Ónus da prova – no processo jurisdicional, ónus da prova fica a cargo dos


interessados relativamente aos factos que aleguem. Consequentemente, se não
fazer prova sobre os factos que fundamentam a sua pretensão, a decisão do
Tribunal lhe será desfavorável. No procedimento administrativo as coisas não
acontecem assim. Por força do princípio do inquisitório (artigo 45.º CPA) e, mais
concretamente do artigo 82.º do CPA a contrario, o órgão instrutor tem o dever de
“produzir prova dos factos relevantes para a prossecução do interesse público subjacente ao
procedimento… sem prejuízo da prova a produzir pelos interessados quanto aos factos que
tenham alegado”. Assim, a falta de prova dos factos por parte do interessado, só
acarreta uma decisão desfavorável para este quando seja impossível ou
desproporcionalmente difícil para a administração efetuar diligencias para
produzir as provas em causa.
Outro ato instrutório muito usado é o parecer. Consiste em opiniões formuladas por
especialistas nas matérias sobre as quais incidem ou por órgãos administrativos consultivos
(situações em que são chamados de atos opinativos). Os pareceres são, em princípio,
obrigatórios e não vinculativos (artigo 81.º CPA).

3) Fase da audiência dos interessados


Esta fase é disciplinada nos artigos 84.º e ss. do CPA, que concretiza o princípio da
colaboração da Administração com os particulares (artigo 12.º) e o princípio da participação (artigo
49.º).

59
Artigo 115.º/1 do CPA PT (Factos sujeitos a prova) “1 - O responsável pela direção do procedimento deve
procurar averiguar todos os factos cujo conhecimento seja adequado e necessário à tomada de uma decisão legal e
justa dentro de prazo razoável, podendo, para o efeito, recorrer a todos os meios de prova admitidos em direito.”
Página 67 de 86
A Atividade Administrativa no Direito da Guiné-Bissau: as formas e o procedimento
Mestre HÉLDER AMÍLCAR DE LIVRAMENTO PIRES
A audiência dos interessados tem duas funções: subjetivas e objetivas. Tem funções
subjetivas na medida em que evita decisões-surpresa e faculta aos particulares uma
oportunidade para fazerem valer as suas posições e os seus argumentos no procedimento. Por
outro lado tem funções objetivas por auxiliar a administração a decidir melhor e de modo mais
consensual.

A audiência dos interessados inclui, essencialmente, a notificação dos interessados


para serem ouvidos sobre a totalidade do objeto do procedimento, sobre o projeto da decisão
e respetivos fundamentos (artigo 84.º/1).

Relativamente ao projeto da decisão e dos respetivos fundamentos, consta que a


administração deve informar o particular do sentido provável da decisão. Esta informação deve
ser acompanhada de fundamentação, ou seja, das razões pelas quais a administração se inclina
para beneficiar ou prejudicar o particular (artigo 85.º CPA).

Importa sublinhar, mais uma vez, que os interessados podem ser ouvidos em qualquer
fase do procedimento, independentemente do momento do procedimento ou de estar pronto
o projeto da decisão (artigo 84.º/3).

A audiência pode ser escrita ou oral (artigo 86.º do CPA). Quando é oral, “deve ser lavrada
ata com o extrato das pronúncias efetuadas pelos interessados” (artigo 86.º/4). Concretização do
princípio do carácter escrito do procedimento administrativo.

Importa sublinhar que em certos casos é dispensada a audiência dos interessados: artigo
87.º do CPA.

A falta de audiência traduz-se num vício de forma, por preterição de uma formalidade
essencial. A doutrina portuguesa tem discutido se a falta de audiência determina a nulidade ou
anulabilidade do ato final do procedimento.

A discussão tem como ponto de partida a qualificação da audiência prévia como direito
fundamental ou não. Se não o for, a falta de audiência prévia será um vício gerador de
anulabilidade. FREITAS DO AMARAL e STA seguem a segunda orientação.

4) Fase da Preparação da decisão/Relatório do instrutor


Esta é uma fase eventual. Só se verifica nos casos em que o órgão instrutor não for o
competente para a decisão final (artigo 68.º/2 e 89.º). Nestes casos o órgão instrutor elabora
“um relatório que contenha o pedido do interessado, um resumo do conteúdo do procedimento e uma
proposta de decisão, devidamente fundamentada”.

Este relatório tem a função de habilitar o órgão competente a decidir. Pelo que, o
procedimento é levado a este órgão (se for singular para despacho, se colegial para
deliberação).

Depois de audiência, se o órgão instrutor ou um interessado considerar insuficiente a


instrução, podem impulsionar novos atos instrutórios complementares (artigo 88.º).

Página 68 de 86
A Atividade Administrativa no Direito da Guiné-Bissau: as formas e o procedimento
Mestre HÉLDER AMÍLCAR DE LIVRAMENTO PIRES
5) Fase da decisão
A decisão cabe ao órgão competente para decidir.

O procedimento administrativo extingue-se com a emissão de um ato administrativo


que comporta a decisão final da administração. Esta decisão visa resolver as questões
pertinentes suscitadas durante o procedimento.

Se o órgão competente para decidir for colegial, existem várias regras de deliberação a
ter presente – os artigos 19.º e ss. do CPA.

Para além da decisão final expressa (prática do ato administrativo ou indeferimento da


prática do ato) – artigo 90.º CPA, o procedimento administrativo extingue-se ainda através de:

 Formação de ato tácito - artigos 90.º e 95.º CPA;


 Impossibilidade ou inutilidade superveniente do procedimento – artigo 91.º CPA;
 Desistência do pedido/renúncia por parte dos interessados aos direitos e interesses
– artigo 92.º CPA;
 Deserção dos interessados (mais de seis meses…) - artigo 93.º CPA;
 Nos casos de regulamento e contrato administrativo, aprovação do ato
regulamentar e celebração do contrato administrativo (artigo 90.º CPA).

6) Fase complementar
O Professor FREITAS DO AMARAL fala ainda numa fase complementar depois da decisão
final, a fase em que são praticados certos atos e formalidades posteriores a decisão do
procedimento: registo, arquivamento de documentos, sujeição a controlos internos ou a aprovação
tutelar, visto do Tribunal de Contas, publicação num jornal oficial, notificação da decisão aos
interessados…

Página 69 de 86
A Atividade Administrativa no Direito da Guiné-Bissau: as formas e o procedimento
Mestre HÉLDER AMÍLCAR DE LIVRAMENTO PIRES
2.3. Contrato administrativo (Remissão)
Sobre esta matéria, consultar “Contratos Administrativos e Contratos Públicos: noções e
tipologias”, sumario disponibilizados para facilitar estudos no âmbito da disciplina Direito
Administrativo II.

Página 70 de 86
A Atividade Administrativa no Direito da Guiné-Bissau: as formas e o procedimento
Mestre HÉLDER AMÍLCAR DE LIVRAMENTO PIRES
2.4. Regulamento administrativo

a) Conceito e tipologia

Conceito de regulamento administrativo

Os regulamentos administrativos são “as normas jurídicas emanadas no exercício do poder


administrativo por um órgão da Administração ou por uma outra entidade pública ou privada para tal
habilitada por lei”60.

Nos termos do artigo 96.º do CPA, “o regulamento administrativo é o ato de natureza


normativa praticado por um órgão administrativo no exercício da função administrativa e ao abrigo de
normas de direito público”.

Esta noção encerra três elementos essenciais (material, orgânico e funcional):

(i) Do ponto de vista material, o regulamento administrativo consiste em normas


jurídicas. Como o artigo 96.º refere, é um ato de natureza normativa (é uma norma), enquanto
tal é uma norma de conduta social com características de generalidade e abstração. É diferente
do ato administrativo que é individual e concreto.

Mas, para além de norma que é, o regulamento é norma jurídica: quer isto dizer que o
regulamento administrativo não é um mero preceito administrativo; trata-se de uma
verdadeira e própria regra de direito; que, nomeadamente, pode ser imposta mediante a
ameaça de coação e cuja violação leva, em geral, à aplicação de sanções, sejam elas de natureza
penal, administrativa ou disciplinar.

(ii) Do ponto de vista orgânico - … praticado por um órgão administrativo no exercício da


função administrativa… O regulamento é, normalmente, editado por um órgão de uma pessoa
coletiva pública integrante da Administração Pública.

Na verdade, o poder regulamentar é um poder característico da função administrativa,


mas esta função por vezes é exercida por pessoas coletivas públicas que não integram a
Administração ou por entidades de direito privado. Quando é assim, estas entidades podem,
a título excecional, emitir regulamentos administrativos.

Exemplos: Parlamento que emite o “regulamento de acesso dos cidadãos em geral ao


plenário”; os órgãos do sujeito privado com estatuto de utilidade pública (artigo 2.º/3/b do
CPA); os órgãos dos sujeitos de direito privado que exerçam a função administrativa, com base
em concessões (artigo 2.º/3/a do CPA).

(iii) Como elemento funcional, cumpre referir que o regulamento é emanado no


exercício do poder administrativo.

60
Cfr. FREITAS DO AMARAL, Curso do Direito Administrativo, Vol. II, 2.ª edição, 2.ª reimpressão, Coimbra, 2013, p.
177 e ss.
Página 71 de 86
A Atividade Administrativa no Direito da Guiné-Bissau: as formas e o procedimento
Mestre HÉLDER AMÍLCAR DE LIVRAMENTO PIRES
Porque se trata de exercício de poder administrativo, haverá que ter presente que a
atividade regulamentar é uma atividade secundária, dependente e subordinada face à atividade
legislativa (e política), essa primária, principal e independente.

Enquanto norma secundária que é, o regulamento administrativo encontra na lei o seu


fundamento e parâmetro de validade. Consequentemente, se o regulamento contrariar uma
lei, é ilegal; e se violar a Constituição padece de inconstitucionalidade.

Como afirma VIEIRA DE ANDRADE, os regulamentos administrativos constituem “o nível


inferior do ordenamento jurídico administrativo”, os primeiros patamares são ocupados por direito
internacional e direito comunitário, pela constituição e pela lei ordinária. Consequentemente,
as normas regulamentares devem ser compatíveis com as normas destes últimos (artigo 97.º
do CPA).

Constituem um produto da atividade da Administração indispensável ao


funcionamento do Estado moderno, porque:

 Permite ao parlamento, por razões de tempo e por razões materiais, desonerar-se


de tarefas que considera incomodas, ou em relação às quais se sente pouco
apetrechado;
 Possibilita uma adaptação rápida do tecido normativo a múltiplas situações
específicas da vida;
 No que toca aos regulamentos de entes autónomos, viabilizam, de forma mais
adequada do que a lei, a tomada em consideração das diferentes especificidades
regionais, locais ou corporativas.

Tipologia ou espécies de regulamentos administrativos

As espécies de regulamentos administrativos podem ser apuradas à luz de quatro


critérios fundamentais (sua relação com a lei, seu objeto, âmbito da sua aplicação e a projeção da sua
eficácia):

(i) Quanto à relação dos regulamentos administrativos face à lei, há que distinguir
entre os regulamentos complementares ou de execução e os regulamentos
independentes ou autónomos.

Os regulamentos complementares ou de execução, são aqueles que desenvolvem ou


aprofundam a disciplina jurídica constante de uma lei. E, nessa medida, completam-na,
viabilizando a sua aplicação aos casos concretos. Estes regulamentos podem ser espontâneos ou
devidos.

São espontâneos quando a lei nada diz quanto à necessidade da sua


complementarização: todavia, se a Administração o entender adequado e para tanto dispuser
de competência, poderá editar um regulamento de execução. São devidos quando é a própria
lei que impõe à Administração a tarefa de desenvolver a previsão do comando legislativo.

Página 72 de 86
A Atividade Administrativa no Direito da Guiné-Bissau: as formas e o procedimento
Mestre HÉLDER AMÍLCAR DE LIVRAMENTO PIRES
Os regulamentos complementares ou de execução são tipicamente,
regulamentos “secundum legem”.

Os regulamentos independentes ou autónomos são “aqueles regulamentos que os órgãos


administrativos elaboram no exercício da sua competência, para assegurar a realização das suas
atribuições específicas, sem cuidar de desenvolver nenhuma lei em especial”.

Em relação a estes regulamentos, a lei limita a definir a competência subjetiva e


objetiva, abstendo de definir o conteúdo dos comandos normativos. É o caso do poder
regulamentar das autarquias locais – cfr. o artigo 112.º/1 da CRGB.

(ii) Quanto ao objeto, há a referir fundamentalmente os regulamentos de organização, de


funcionamento, de polícia e fiscal.

Os regulamentos de organização são aqueles que incidem sobre os aspetos atinentes à


estruturação organizacional da administração, procedendo à distribuição das funções pelos
vários departamentos e unidades do serviço público, bem como à repartição de tarefas pelos
diversos agentes que aí trabalham;

Os regulamentos de funcionamento são aqueles que disciplinam a vida quotidiana, ou


seja, a atividade interna dos serviços públicos. Entre estes regulamentos podemos
autonomizar ainda os regulamentos processuais, aqueles que procedem em particular à
fixação das regras de expediente. Muitas vezes os regulamentos de organização e de
funcionamento são misturados num mesmo diploma;

Os regulamentos de polícia61, são aqueles que disciplinam as relações entre a


Administração pública e os particulares ou destes entre si, impondo limitações à liberdade
individual com vista a evitar que, em consequência da conduta perigosa dos indivíduos, se
produzam danos sociais. Exemplos, regulamentos de trânsito e os regulamentos sobre a
instalação e funcionamento de indústrias insalubres. No ordenamento jurídico português,
neste âmbito, importa ainda distinguir as posturas – que são regulamentos locais, de polícia,
independentes ou autónomos – dos regulamentos policiais – que também são regulamentos
locais, de polícia, mas que são complementares ou de execução.

MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS referem ainda os


regulamentos fiscais, enquanto aqueles que estabelecem taxas, tarifas e preços a pagar pelos
particulares em contrapartida de prestações administrativas62.

(iii) Quanto ao âmbito de aplicação, há que distinguir entre regulamentos gerais, locais e
institucionais

Os regulamentos gerais são aqueles que se destinam a vigorar em todo o território;

61
A expressão polícia é utilizada num sentido amplo, não abrangendo apenas a atividade administrativa de
manutenção da ordem, segurança e tranquilidade pública.
62
MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral: atividade administrativa,
Tomo III, 1.ª Edição, Lisboa, 2007, p. 246.
Página 73 de 86
A Atividade Administrativa no Direito da Guiné-Bissau: as formas e o procedimento
Mestre HÉLDER AMÍLCAR DE LIVRAMENTO PIRES
Os regulamentos locais (ou autárquicas) são aqueles que têm o seu domínio de
aplicação limitado a uma dada circunscrição territorial;

Os regulamentos institucionais são os que emanam dos institutos públicos ou


associações públicas, para terem aplicação apenas às pessoas que se encontrem sob a sua
jurisdição.

(iv) Quanto à projeção da sua eficácia, dividem-se em regulamentos internos e externos.

Os regulamentos internos são os que produzem os seus efeitos jurídicos unicamente


no interior da esfera jurídica da pessoa coletiva pública de que emanam; e

Os regulamentos externos são aqueles que produzem efeitos jurídicos em relação a


outros sujeitos de direitos diferentes, isto é, em relação a outras pessoas coletivas públicas ou
em relação a particulares.

b) Fundamentos e limites do poder regulamentar

Fundamento do poder regulamentar63

O fundamento do poder regulamentar é encarado sob um triplo ponto de vista (prático,


histórico e jurídico).

Do ponto de vista prático. Efetivamente, não são poucas as vezes que o legislador deixa
(intencional ou involuntariamente) “espaços em branco” na lei: estes “espaços em branco”
constituem fundamento prático do poder regulamentar, na medida em que levam a
necessidade de a Administração os preencher.

Esta prática explica-se pelo distanciamento do legislador face aos casos concretos da
vida social e pela impossibilidade ou inconveniência de previsão completa por parte do
legislador.

Quanto ao fundamento histórico, importa ressaltar que atualmente é impossível a


aplicação do princípio da separação dos poderes como foi concebido pelos teorizadores do
Estado Liberal. Pelo que, é admitida à Administração Pública o exercício do poder
regulamentar, produzindo normas regulamentares ainda que secundárias, dentro de certos
limites e de graus inferiores às normas legais.

Do ponto de vista jurídico, o fundamento do poder regulamentar tem variado conforme


as épocas:

Durante a Monarquia (absoluta e liberal), o fundamento jurídico era assente na


legitimidade dinástica. O poder regulamentar era o poder administrativo próprio do Monarca;

63
Cfr. FREITAS DO AMARAL, Curso do Direito Administrativo, Vol. II, 2.ª edição, 2.ª reimpressão, Coimbra, 2013, p.
200 e ss.
Página 74 de 86
A Atividade Administrativa no Direito da Guiné-Bissau: as formas e o procedimento
Mestre HÉLDER AMÍLCAR DE LIVRAMENTO PIRES
No Estado Liberal de Direito, o fundamento do poder regulamentar decorria quase
sempre de uma delegação ou autorização dada caso a caso pelo Parlamento ao Governo. É
como sequela deste período que na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos da América se
qualificam os regulamentos administrativos como delegated legislation (legislação delegada).

No Estado Social de Direito, o fundamento do poder regulamentar reside na


Constituição e na lei, por força do princípio da legalidade. Distingue-se o fundamento do poder
regulamentar em geral (que assenta originariamente na Constituição) do fundamento de cada
regulamento em particular (que tem como fundamento a lei – habilitação legal).

Assim, em princípio, todos os regulamentos devem ter como fundamento a


Constituição e a lei. Excecionalmente, a doutrina admite o exercício de certos poderes
regulamentares sem que a Constituição e a lei o prevejam, tendo portanto um fundamento
diverso.

Estamos a referir os regulamentos internos, cujo fundamento jurídico é o poder de


direção, próprio do superior hierárquico, uma vez que quem pode dar ordens concretas e
individuais, deve também poder formular instruções genéricas, se tal for necessário para
uniformizar a ação dos serviços administrativos. Estão na mesma situação os regimentos dos
órgãos colegiais. Admite-se normalmente que os órgãos colegiais elaborem e aprovem os seus
próprios regulamentos de organização e funcionamento, tendo como fundamento jurídico o
poder de auto-organização dos órgãos colegiais, que é uma condição «sine qua non» do seu bom
funcionamento. Na verdade, qualquer órgão colegial decide, por exemplo, o modo de
realização dos debates. Se isto é aceite ao nível de cada reunião em concreto, também deve ser
aceite através de norma geral e abstrata. Aliás, o artigo 99.º do nosso CPA vai neste sentido
quando refere que “os regulamentos com eficácia interna não requerem habilitação específica…”.

Limites do poder regulamentar64

Os limites do poder regulamentar são, desde logo, aqueles que decorrem do seu
posicionamento na hierarquia das fontes de direito:

(i) Os princípios gerais de Direito – “conjunto de máximas ou diretrizes jurídicas pré-


estaduais, autónomas em relação às decisões do legislador constituinte e cuja validade e
obrigatoriedade não depende do facto de serem escolhidas na constituição escrita de um
Estado que se diga Estado de Direito”65;

(ii) A Constituição;

(iii) Os princípios gerais do Direito Administrativo;

(iv) A lei (princípio da legalidade) – artigo 97.º do CPA;

64
Cfr. FREITAS DO AMARAL, Curso do Direito Administrativo, Vol. II, 2.ª edição, 2.ª reimpressão, Coimbra, 2013, p.
204 e ss.
65
Afonso Queiró, Lições de Direito Administrativo, I, p. 292.
Página 75 de 86
A Atividade Administrativa no Direito da Guiné-Bissau: as formas e o procedimento
Mestre HÉLDER AMÍLCAR DE LIVRAMENTO PIRES
(v) Disciplina jurídica constante dos regulamentos editados por órgãos que se situem
num plano superior ao do órgão que editou o regulamento. Por conseguinte, os
regulamentos do Governo prevalecem sobre os regulamentos de órgãos periféricos
ou locais (artigo 105.º/1 do CPA); os regulamentos dos órgãos que exercem
poderes de superintendência ou de hierarquia prevalecem sobre aos regulamentos
aprovados pelos órgãos sujeitos a estes poderes (artigo 105.º/2 e 3 do CPA);

(vi) Não podem ter eficácia retroativa. A esta limitação podem escapar os regulamentos
aos quais a lei haja concedido à Administração a faculdade de dispor
retroativamente ou no caso de consagrar um regime mais favorável para os
destinatários, se nenhum particular ou entidade pública for igualmente
prejudicado;

(vii) O poder regulamentar está sujeito a limites de competência e de forma. Os


regulamentos só podem ser editados por um órgão que disponha de poderes para
tal, caso contrário, fica inquinado de inconstitucionalidade ou ilegalidade
orgânica. E, no exercício desta função, os órgãos competentes estão vinculados às
formas e formalidades constitucional e legalmente previstas.

c) Titularidade da competência regulamentar

(i) O Governo - A competência regulamentar pertence em primeira linha ao Governo,


enquanto órgão supremo da Administração Pública. É o que acontece por exemplo em
Portugal, nos termos do artigo 199.º/c)66. Infelizmente, a Constituição da República da Guiné-
Bissau (CRGB) não refere a competência regulamentar do Governo, apesar de mencionar a
competência regulamentar das autarquias locais67 e de conferir ao Governo o papel de órgão
supremo da Administração Pública (artigo 96.º).

Acompanhando FILIPE FALCÃO DE OLIVEIRA, somos da opinião que o Governo tem


poder regulamentar, na medida em que “A Constituição guineense atribui larga competência
legislativa ao Governo (maior até do que em Portugal) e reconhece ser este o órgão supremo da
Administração Pública, atribuindo-lhe designadamente a organização e direção da execução das
atividades económicas, científicas, sociais, de defesa e segurança. Seria certamente pouco razoável
defender que a Constituição atribuiu ao Governo este conjunto de missões administrativas recusando-
lhe todavia competência regulamentar para as prosseguir.” 100.º/1/a), b), d); 96.º/1.

(ii) Autarquias Locais – a competência regulamentar das Autarquias Locais é prevista


constitucionalmente no artigo 112.º CRGB. Igualmente, no Código de Administração
Autárquica, consta que compete à Assembleia Municipal “elaborar o seu regimento” e “aprovar,
sob proposta da Câmara Municipal, posturas e regulamentos” (artigo 81.º/1, als. b e d; e 153.º/1).

66
Artigo 199.º (Competência administrativa) – Compete ao Governo, no exercício de funções administrativas: (…)
c) Fazer os regulamentos necessários à boa execução das leis; (…).
67
Contrariamente ao que decorria da Constituição aprovada em 2001, cujo art. 217/a referia competir ao
Governo, no exercício de função administrativas, “fazer os regulamentos necessários à boa execução das leis”.
Página 76 de 86
A Atividade Administrativa no Direito da Guiné-Bissau: as formas e o procedimento
Mestre HÉLDER AMÍLCAR DE LIVRAMENTO PIRES
(iii) Governadores Civis – segundo a Lei n.º 4/97, de 2 de Dezembro, (Organização
Político-Administrativa do Território) o Governador de Região “pode elaborar regulamentos sobre
matérias das suas atribuições que não sejam objeto da lei ou regulamento geral de Administração
pública”, mas estes regulamentos “carecem de aprovação do Governo” (artigo 16.º/2 e 3). Ao
Governador de Região compete ainda aprovar o regulamento da secretaria dos sectores
administrativos – artigo 31.º.

(iv) Institutos Públicos e Associações Públicas - Podem dispor de competência


regulamentar, nos termos das respetivas leis orgânicas e estatutos.

d) Forma e formalidades

(i) Forma

No ordenamento jurídico português:

 “os regulamentos do Governo revestem a forma de decreto regulamentar” (artigo 112º/6


CRP), todos os regulamentos independentes revestem necessariamente esta
forma68;
 a Resolução do Conselho de Ministros pode ter ou não natureza regulamentar; os
regulamentos da autoria de um ou mais Ministros, em nome do Governo são
designados de portaria, sendo que existem igualmente portarias que não têm
natureza regulamentar;
 os regulamentos editados por um ou mais Ministros em nome próprio são
designados de despacho normativo;
 importa ainda referir os despachos simples, que deveriam sempre constituir a
forma de um ato administrativo, contudo, por vezes estes despachos apresentam
natureza regulamentar.

No ordenamento jurídico guineense “parece prevalecer uma relativa informalidade nas


formas dos regulamentos”69. Tal como em relação ao poder regulamentar, a CRGB não refere
nada sobre as formas dos regulamentos.

Todavia, a prática parece apontar que a forma privilegiada dos regulamentos


governamentais é o decreto regulamentar. Em certa medida, é aceitável a qualificação da
Resolução do Conselho de Ministros e dos despachos simples de regulamento administrativo,
quando possuem natureza regulamentar, bem como o despacho normativo. O que é difícil aceitar
é a portaria.

68
A razão desta obrigatoriedade é para evitar que o Governo emita os regulamentos independentes recorrendo
aos regulamentos com formas menos exigentes, como é o caso de resoluções, despachos genéricos e portarias,
evitando assim a promulgação do Presidente da República.
69
Cfr. Filipe Falcão de Oliveira…
Página 77 de 86
A Atividade Administrativa no Direito da Guiné-Bissau: as formas e o procedimento
Mestre HÉLDER AMÍLCAR DE LIVRAMENTO PIRES
Em relação às formas de regulamentos administrativos emitidos por órgãos das
autarquias locais, elas variam significativamente, sendo que os mais típicos são as posturas
(artigo 81.º/1, al. d do CAA). Para terminar, resta referir que as formas dos regulamentos dos
institutos públicos, das associações públicas e das entidades administrativas independentes
são reguladas pelas respetivas leis ou estatutos, não existindo forma especial para os
mesmos70.

(ii) Formalidades: especificidades de produção dos regulamentos

O artigo 100.º do CPA prevê a necessidade de elaboração de uma nota justificativa antes
de aprovação do projeto do regulamento. Estes dois documentos constituem projeto de decisão
(artigo 85.º) para efeitos de audiência dos interessados (artigo 84.º) ou consulta pública. A nota
justificativa deve constar ainda do preâmbulo do regulamento em causa.

O órgão competente para aprovação de um regulamento administrativo é o órgão


competente para a matéria sobre a qual o regulamento em causa versa (artigo 101.º do CPA).
Depois de aprovados, deve ser publicado no Boletim Oficial ou afixado em edital, quando se
trata de autarquias locais (artigo 102.º do CPA e 153.º/2 do CAA) e entra em vigor na data
prevista no próprio ou, na falta desta, 15 dias após a publicação (artigo 103.º).

e) Invalidade

Quanto ao desvalor jurídico dos regulamentos inválidos podemos distinguir as


seguintes realidades: os regulamentos inconstitucionais, os que violem a lei ordinária e os que
violem os regulamentos hierarquicamente superiores.

Os regulamentos inconstitucionais são nulos nos mesmos termos que são as leis
inconstitucionais.

Tanto os regulamentos que violem a lei ordinária, como os que violem os regulamentos
hierarquicamente superiores são igualmente nulos (artigo 106.º do CPA).

Assim, podemos concluir que temos um sistema de invalidade regulamentar que nem
sequer admite a mera anulabilidade do regulamento. Todos os regulamentos inválidos são
nulos, ou seja, não produzem qualquer efeito e são impugnáveis a todo o tempo (artigo
118.º/2).

f) Cessação de vigência

Em princípio, a Administração Pública pode livremente revogar, modificar ou suspender


os regulamentos que elabora através do mesmo órgão que os elaborou (e pela mesma forma),
pelos órgãos hierarquicamente superiores, com poderes de supervisão ou com poderes

70
Freitas do Amaral, Curso…, II, cit., págs. 218-219.
Página 78 de 86
A Atividade Administrativa no Direito da Guiné-Bissau: as formas e o procedimento
Mestre HÉLDER AMÍLCAR DE LIVRAMENTO PIRES
tutelares. A revogação, modificação e suspensão também podem ser operadas diretamente por
intervenção do legislador dirigida a tal fim71.

Apesar de tudo, a Administração não pode revogar globalmente os regulamentos


necessários à execução das leis em vigor (regulamentos de execução, elaborados em
consequência da expressa obrigação imposta pela lei), sem que a matéria seja simultaneamente
objeto de nova regulamentação (artigo 104.º do CPA). Caso contrário, estaríamos perante uma
ilegalidade sujeita a impugnação contenciosa a qualquer momento (artigo 53.º do CPCA).

À cessação de vigência dos regulamentos ocorre por: caducidade, revogação ou decisão


contenciosa.

Caducidade

São casos em que o regulamento cessa automaticamente a sua vigência, por ocorrerem
determinados factos que ope legis produzem esse efeito jurídico. Por exemplo:

 Se o regulamento for feito para vigorar durante certo período, decorrido esse
período o regulamento caduca;
 Se forem transferidas as atribuições de pessoa coletiva para outra autoridade
administrativa, ou se cessar a competência regulamentar do órgão que fez o
regulamento (exceto se esta competência passar para um outro órgão da mesma
pessoa coletiva ou se uma pessoa coletiva é extinta mas outra lhe sucede por
determinação legal);
 Se for revogada a lei que se destina a executar, caso esta não seja substituída por
outra.

Revogação

O regulamento também deixa de vigorar nos casos em que um ato voluntário dos
poderes públicos impõe a cessação total ou parcial dos seus efeitos. São eles:

 Revogação, expressa ou tácita, operada por outro regulamento, de grau


hierárquico e forma idênticos;
 Revogação, expressa ou tácita, por regulamento de autoridade hierarquicamente
superior de autoridade ou de forma legal mais solene;
 Revogação, expressa ou tácita, por lei.

Sobre a revogação, importa ainda referir o princípio da inderrogabilidade singular dos


regulamentos. Nos termos deste princípio, a Administração Pública não pode recusar a
aplicação de regulamentos vigentes, para casos concretos, invocando a titularidade da
competência revogatória e o princípio quem pode o mais pode o menos. Tal prerrogativa, a ser
aceite, violaria os princípios da legalidade e da igualdade: os regulamentos vigentes vinculam a
Administração Pública, devendo ser aplicados indistintamente aos seus destinatários. A

71
Freitas do Amaral, Curso…, II, cit., pág. 224 e 225.
Página 79 de 86
A Atividade Administrativa no Direito da Guiné-Bissau: as formas e o procedimento
Mestre HÉLDER AMÍLCAR DE LIVRAMENTO PIRES
Administração não pode contraditar o regulamento que ela própria elaborou, em casos
singulares, sem justificação material válida72.

Decisão contenciosa

Igualmente, os regulamentos deixam de vigorar, total ou parcialmente, sempre que


forem objeto de declaração de ilegalidade com força obrigatória geral.

72
Freitas do Amaral, Curso…, II, cit., págs. 225-227.
Página 80 de 86
A Atividade Administrativa no Direito da Guiné-Bissau: as formas e o procedimento
Mestre HÉLDER AMÍLCAR DE LIVRAMENTO PIRES
2.5. Plano administrativo73

Noção

O plano administrativo é o instrumento da programação das condutas dos sujeitos


jurídicos intervenientes em determinado sector da vida social, através da previsão dos meios
necessários para a prossecução dos objetivos definidos.

Através dos planos programamos as atividades e estas atividades podem


consubstanciar em qualquer das formas tradicionais da atividade administrativa.

Algumas características do plano

A heterogeneidade formal, ou seja, o plano pode assumir várias formas: lei, ato,
regulamento ou contrato.

A natureza híbrida. Muitas vezes comportam tanto as disposições gerais e abstratas,


como os comandos individuais e concretos. Por exemplo, os planos urbanísticos e de
ordenamento do território são compostos por partes normativas e partes não normativas,
compostas por desenhos em que, frequentemente, os locais abrangidos por uma determinada
disciplina normativa são individualmente identificáveis.

O regime jurídico dos planos administrativos

Não existe um regime jurídico geral dos planos, o que seria impossível tendo em conta
a sua heterogeneidade formal. Assim, o regime jurídico varia em função da forma que o plano
em causa assume.

Em relação aos planos que envolvem disposições de natureza híbrida (gerais e


abstratos - individuais e concretos), normalmente a lei integra-os expressamente numa
determinada categoria jurídica, para os efeitos de aplicação do respetivo regime.

Por vezes, a lei estabelece regimes específicos de determinados planos diferentes dos
regimes dos restantes atos jurídicos aprovados sob idêntica forma.

Apesar da inexistência de um regime geral e do carater muito heterogéneo dos regimes


especiais, é possível autonomizar alguns aspetos característicos do regime dos planos:

 Carater reforçado da formalização, publicidade, direito de informação e


participação dos particulares durante a elaboração;
 Carater intrinsecamente temporário ou revisibilidade necessariamente cíclica;

73
MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral: atividade administrativa,
Tomo III, 1.ª Edição, Lisboa, 2007, pp. 366 e ss.
Página 81 de 86
A Atividade Administrativa no Direito da Guiné-Bissau: as formas e o procedimento
Mestre HÉLDER AMÍLCAR DE LIVRAMENTO PIRES
 Frequentemente têm regimes particulares de revogabilidade, que visam evitar
situações de vazio de planeamento. Por exemplo, as vezes pode proibir a revogação
global, admitindo apenas a alteração, revisão ou suspensão;
 Os moldes de relacionamento entre os planos nem sempre são dominados pela
estrita hierarquia, preocupa muitas vezes com a articulação horizontal. Assim, um
plano infraordenado pode prevalecer sobre um plano supraordenado.

Página 82 de 86
A Atividade Administrativa no Direito da Guiné-Bissau: as formas e o procedimento
Mestre HÉLDER AMÍLCAR DE LIVRAMENTO PIRES
2.6. Operações materiais da Administração Pública74

A noção

Como já está assente, tradicionalmente, existem apenas três categorias de atos jurídicos
através dos quais a Administração exerce o seu poder administrativo: ato administrativo,
regulamentos e contratos administrativos.

Todavia, veio a ser descoberta uma outra categoria ou modalidade de atuação de


importância prática – as operações materiais.

Segundo MARCELO REBELO DE SOUSA, as operações materiais são as condutas


voluntárias da Administração suscetíveis de apreensão sensorial direta.

Para FREITAS DO AMARAL, estão em causa quaisquer tipos de atuação física levada a
cabo pela Administração ou em seu nome ou por sua conta, para conservar ou modificar uma
dada situação de facto no mundo real.

Assim, podemos apontar os seguintes exemplos:

 Trabalhos de construção civil efetuados para realização de uma obra pública;


 Intervenção judicial para deter suspeitos da prática de um crime;
 Demolição coerciva de um prédio que ameace ruína ou de construção ilegal;
 Pagamentos de quantias em dinheiro;
 Abate de animais contaminados por doença contagiosa;
 Condução de automóveis públicos;
 Realização de intervenções cirúrgicas em hospitais públicos;
 Lecionação de aulas em estabelecimentos de ensino público;
 Realização de inspeções, vistorias ou buscas no âmbito da instauração de
procedimentos administrativos;
 As atividades de combate ao incêndio e de manutenção de segurança pública.

As principais caraterísticas das operações materiais

 As operações materiais têm por objeto uma atuação física do mundo real;
 As operações materiais têm por fim conservar ou modificar uma dada situação de
facto;
 As operações materiais são levadas a cabo por agentes da Administração pública
(por exemplo, polícias, militares, médicos, etc) ou por particulares que atuem em
nome ou por conta desta.

Consequentemente, são excluídos do conceito das operações materiais:

74
Cfr. FREITAS DO AMARAL, Curso do Direito Administrativo, Vol. II, 2.ª edição, 2.ª reimpressão, Coimbra, 2013, pp.
659 e ss e MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral: atividade
administrativa, Tomo III, 1.ª Edição, Lisboa, 2007, pp. 379 e ss.
Página 83 de 86
A Atividade Administrativa no Direito da Guiné-Bissau: as formas e o procedimento
Mestre HÉLDER AMÍLCAR DE LIVRAMENTO PIRES
 Os atos jurídicos de execução da Administração, por não serem atuações físicas do
mundo real;
 As declarações negociais no âmbito da execução de contratos;
 Os atos judiciais típicos de processo executivo, uma vez que não são órgãos do
poder executivo;
 As operações materiais levadas a cabo por particulares que não atuem em nome ou
por conta da Administração Pública.

Espécies de operações materiais

Entre as várias espécies das operações materiais vamos efetuar a classificação tendo em
conta os cinco critérios essenciais avançados pelo Professor Freitas do Amaral:

(i). Quanto à estrutura


 Instantâneas, as que ocorrem num único momento;
 Continuadas (atividades), quando prolongam no tempo.

(ii). Em razão do seu fim


 Conservadoras, as que visam a conservação de uma dada situação de facto;
 Modificadoras, as que visam a modificação. Sendo que estas podem
subdividir em parcial ou total.

(iii). Em relação ao regime jurídico, podem ser incluídas nas atividades


administrativas de:
 Gestão pública, quando estão sob égide do direito público. Efetuadas no
exercício do poder público ou no cumprimento de deveres públicos, entre
os quais podemos destacar as operações materiais coativas;
 Gestão privada, quando estão sob égide do direito privado.

(iv). Quanto ao seu significado e alcance


 Internas, quando efetivam dentro do âmbito da entidade que as promove;
 Externa, quando atingem fisicamente a pessoa ou o património de outros
sujeitos de direito. As externas podem ainda ser divididas entre aquelas
que são favoráveis a particulares e as que são desfavoráveis a particulares.

(v). Quanto a sua conformidade com as leis em vigor


 Legais, quando respeitam as leis;
 Ilegais, quando violam as leis ou sacrificam os direitos de terceiros

Regime jurídico substantivo

Algumas características:

Página 84 de 86
A Atividade Administrativa no Direito da Guiné-Bissau: as formas e o procedimento
Mestre HÉLDER AMÍLCAR DE LIVRAMENTO PIRES
(i). As operações materiais devem sempre assentar numa habilitação legal própria
e desenvolver-se em obediência à lei e ao Direito, respeitando os atos ou
contratos que devam ser tidos em conta (exceto na situação de estado de
necessidade – artigo 4.º/3 do CPA);
(ii). As operações materiais só podem ser ordenadas e efetuadas pelos órgãos ou
agentes legalmente competentes para o efeito;
(iii). Tendo presente o princípio da separação dos poderes, os agentes da
Administração pública não podem imiscuir-se na resolução de conflitos entre
os particulares que careçam da intervenção do poder judicial, nem executar as
sentenças. Exceto com fundamento em requisição expressa da entidade judicial
ou regimes especiais;
(iv). Por força do princípio da proporcionalidade, os meios para a realização das
operações materiais não podem ser utilizadas para além do estritamente
necessário;
(v). A licitude de qualquer operação material depende ainda das “normas técnicas”
e das “regras de prudência comum” em função do tipo da operação material
em causa. Exemplo, ao conduzir deve ter em conta o Código da Estrada (lei), as
normas técnicas de “boa condução” e as regras de prudência, tais como os
cuidados especiais em caso de chuva, gelo, nevoeiro, nas curvas e lombas
perigosas.

Regime jurídico procedimental

As operações materiais para a execução dos atos administrativos seguem o procedimento


administrativo previsto nos artigos 138.º e ss do CPA;

Existem situações em que a Administração, por força do dever legal de prosseguir os


fins de interesse público, efetua as operações materiais sem serem precedidas de um ato
administrativo e sem adotar qualquer procedimento administrativo prévio. Assim acontece nas
seguintes situações:

(i). Atuação em estado de necessidade. As situações em que os serviços de


Bombeiros, Proteção Civil, ambulâncias intervêm e atuam por sua iniciativa ou
a pedido de particulares em aflição;

(ii). Medidas policiais de ação direta. Estas medidas estão previstas nas legislações
das diversas forças policiais e de segurança e muitas vezes não são precedidas
de um ato administrativo e nem está previsto qualquer procedimento
administrativo a adotar. Exemplo, atuação de um agente para impedir a prática
de um crime;

(iii). Operações de prestação de serviços públicos. As atividades dos serviços


públicos de transportes coletivos, de distribuição de água, eletricidade e gás, de
assistência hospitalar implicam várias operações materiais como condução de

Página 85 de 86
A Atividade Administrativa no Direito da Guiné-Bissau: as formas e o procedimento
Mestre HÉLDER AMÍLCAR DE LIVRAMENTO PIRES
veículos, instalação e conservação de redes distribuidoras, ação medica ou
cirúrgica… estas atuações obedecem as “regras técnicas”.

Página 86 de 86
A Atividade Administrativa no Direito da Guiné-Bissau: as formas e o procedimento
Mestre HÉLDER AMÍLCAR DE LIVRAMENTO PIRES

Você também pode gostar