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Análise das Obras Literárias - UEPG

DOIS IRMÃOS
MILTON HATOUM
Dados Biográficos Cooperación. Em seguida passa a viver em Paris
onde fez sua pós-graduação Na Universidade
Nasceu em Manaus, AM, em 19/081952. de Paris III. Retorna à Manaus, onde passa a
Professor, tradutor, contista e romancista lecionar literatura francesa e brasileira. Em
colecionador de prêmios literários. Até o fins da década de 1990 volta à São Paulo para
momento todos os seus livros são premiados: concluir seu doutormento em Teoria Literária
Relato de um certo Oriente (1990); Dois irmãos na USP, onde se encontra establecido.
(2000); e Cinzas do norte (2005) receberam o Disponível em <http://www.tirodeletra.com.br/
Prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro, biografia/MiltonHatoum.htm>.
como melhores romances do ano, sendo que
o último recebeu também o Prêmio Portugal
Telecom Literatura. São livros que já venderam Obras
mais de 200 mil exemplares e foram traduzidos
em oito paises. Sobre o livro mais recente: »» Relato de um Certo Oriente (romance).
Órfãos do Eldorado (2008) ainda não temos São Paulo: Cia. das Letras, 1990.
noticia de premiação, mas já foi eleito pelo »» Dois Irmãos (romance). São Paulo: Cia.
publico, vendendo mais de 10 mil exemplares das Letras, 2000.
logo após o lançamento. Em suas obras, o »» Cinzas do Norte, 2005
autor costuma falar de lares desestruturados »» Orfãos do Eldorado. São Paulo: Cia. das
com uma leve tendência política. Em Cinzas Letras, 2008
do norte, por exemplo, seu romance mais
abertamente político, inicia-se no mesmo O romance tem, como centro do enredo,
registro desencantado que termina Dois irmãos. a história de dois irmãos gêmeos - Yaqub e
É um romance com uma linguagem seca e Omar, o Caçula - e suas relações com a mãe,
objetiva, que conta uma das possíveis estórias o pai e a irmã. Na mesma casa, localizada em
de uma geração que sonhou um mundo mais bairro portuário de Manaus, moram Domingas,
justo apenas para encontrá-lo em cinzas na sua a empregada da família, e seu filho Nael, um
maturidade. Quanto ao estilo, é conhecido por menino cuja infância é moldada pela condição
misturar experiência e lembranças pessoais de filho da empregada. Na tentativa de buscar
com o contexto sócio-cultural da Amazônia e a identidade de seu pai entre os homens da
do Oriente. Sobre o primeiro livro, assim ele casa, Nael narra os acontecimentos que lá se
explica: “No Relato de um certo Oriente há um passam, testemunhando vingança, paixão e
tom de confissão, é um texto de memória sem relações arriscadas. É por meio de seu ponto
ser memorialístico, sem ser auto-biográfico; há, de vista que o leitor entra em contato com
como é natural, elementos de minha vida e da Halim, o pai, sempre à espera da decisão mais
vida familiar. Porque minha intenção, do ponto acertada diante dos abismos familiares; com a
de vista da escritura, é ligar a história pessoal desmedida dedicação da esposa Zana ao filho
à história familiar: este é o meu projeto. Num preferido Omar; com o trauma de Yaqub, o filho
certo momento de nossa vida, nossa história é que, adolescente, foi separado da família; com
também a história de nossa família e a de nosso a relação amorosa entre Rânia e seus irmãos;
país (com todas as limitações e delimitações com a vida simples e cheia de renúncias da
que essa história suscite). Descendente de mãe Domingas.
imigrantes libaneses, o autor já morou em A história se inicia com a volta de Yaqub,
diversas cidades, além de Manaus, sua fonte que, por ordem do pai, fora enviado, com treze
de inspiração. Aos 15 anos muda-se para anos, ao sul do Líbano um ano antes da 2ª
Brasília, onde concluiu os estudos secundários, Guerra, no intuito de aliviar os atritos entre os
e depois para São Paulo, onde se fez Arquiteto irmãos. Considerado frágil e demasiadamente
pela USP. Em 1980 mudou-se para a Espanha problemático, Omar fica no Brasil, solidificando-
como bolsista do Instituto Iberoamericano de se, assim, a superproteção iniciada na infância.

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Cinco anos mais tarde, a volta de Yaqub Características da obra


marca a existência de uma nova pessoa:
um jovem calado e cheio de mistérios que Dois Irmãos, romance de Milton Hatoum,
escondiam os segredos de sua permanência narra história de ódio familiar. Escrito em estilo
fora do país. Sozinho, segue para São Paulo, enxuto e ao mesmo tempo repleto de sutilezas,
onde, recusando a ajuda financeira dos pais, o romance narra a tumultuada relação de ódio
forma-se em Engenharia Civil e se casa de forma entre dois irmãos gêmeos, numa família de
misteriosa, comunicando a família por meio origem libanesa que vive em Manaus
de um telegrama. Enquanto Yaqub trilhava O romance Dois Irmãos, publicado em 2000,
os caminhos do sucesso, Omar se perdia em rompeu um silêncio de 11 anos que Milton
bebedeiras, noitadas e sucessivos escândalos. Hatoum vinha mantendo desde Relato de um
Ao ser enviado a São Paulo para tentar obter Certo Oriente, sua estréia como romancista. O
o êxito do irmão, descobre que ele se casou autor costuma dizer, em entrevistas, que “cada
justamente com a jovem Lívia - paixão de ambos livro nos ensina a escrever”. Se sua afirmação
desde a infância e causadora de uma séria briga for levada ao pé da letra, nenhum livro lhe
entre os dois. Faz desenhos obscenos nas fotos ensinou tanto quanto Dois Irmãos. Nessa obra,
do álbum de casamento do irmão, apertando Hatoum demonstra grande domínio da técnica
ainda mais os laços de inimizade entre os dois. da ficção, num estilo mais enxuto que o da
Em seguida, rouba dinheiro do irmão e foge para primeira obra e, ao mesmo tempo, repleto de
os Estados Unidos. nuanças e sutilezas.
Morre Halim e, pouco tempo depois, A trama gira em torno da tumultuada
Omar faz amizade com o indiano Rochiram, relação entre dois irmãos gêmeos, Yaqub e
que pretendia construir um hotel em Manaus. Omar, em uma família de origem libanesa que
Zana, na tentativa de unir os filhos e desejosa vive em Manaus. O ambiente que forma o pano
de que abrissem uma construtora, escreve a de fundo da história é o de imigrantes que se
Yaqub, que vai à cidade a negócios, ignorando a dedicam ao comércio, numa cidade que vê
participação do irmão. Ao sentir-se traído, Omar aprofundar-se sua decadência, após o período
espanca Yaqub, mandando-o para o hospital. de grande efervescência econômica e cultural
Inicia-se, então, uma verdadeira caçada que se vivido no início do século XX.
encerra com a prisão e condenação do Caçula
a dois anos e sete meses de reclusão.
O indiano Rochiram, vendo seus negócios AVANÇOS E RECUOS NO TEMPO
fracassarem, exige que a irmã dos gêmeos, A narrativa apresenta avanços e recuos
Rânia, venda a casa em que vivem para no tempo, sem uma cronologia linear. Os
pagamento das dívidas. Surge, assim, no local, problemas vão sendo revelados ao leitor aos
a Casa Rochiram, uma loja de quinquilharias poucos, conforme o narrador rememora fatos
importadas de Miami e Panamá. Nael fica com esclarecedores e os encadeia para solucionar
um pequeno quadrado no quintal. (ou deixar em suspensão) os enigmas da
Durante todo o desenrolar da história, história.
Nael lutava ao lado da mãe, assoberbado, sem Uma breve introdução narra a morte
muito tempo para os estudos. Sente-se, com de Zana, em situação de enorme angústia.
isso, injustiçado. Nunca desistiu de arrancar dos Na cena descrita, o silêncio que responde
membros da família a identidade de seu pai, negativamente à última pergunta da mulher
que sabia estar em um dos gêmeos. (“Meus filhos já fizeram as pazes?”) coincide
No jogo de interditos, juntando os cacos com o fim do dia.
do passado, Nael se empenha em descobrir a O primeiro capítulo começa com a volta do
verdade e, somente após trinta anos, quando jovem Yaqub de uma viagem forçada ao Líbano.
quase todos já estão mortos, é que parece Pode-se concluir que essa ação se passa em
motivado a olhar para as personagens. 1945, no fim da II Guerra Mundial, pois o porto
Disponível em: <http://resumos.netsaber.com.br/ do Rio de Janeiro está “apinhado de parentes
ver_resumo_c_919.html>. de pracinhas e oficiais que regressavam da
Itália”.

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O motivo da viagem ao Líbano é esclarecido PROSPERIDADE VERSUS BOEMIA


em mais um recuo cronológico: a tentativa de Aos poucos, a identidade do narrador é
separar os gêmeos e evitar o conflito entre revelada. Sua mãe, Domingas, trabalhadora
eles. As diferenças entre os personagens, que prestativa e submissa, nada diz ao filho sobre
parecem vir do berço ou ter começado em sua quem seria seu pai.
mais remota infância, tornam-se cada vez mais De São Paulo, Yaqub envia cartas cada
acentuadas. vez mais lacônicas. Forma-se em engenharia,
prospera profissionalmente e casa-se. Enquanto
isso, um Halim velho e nostálgico fala sobre
ÓDIO PERENE o passado ao narrador. Conta como foi o
A primeira disputa séria entre os irmãos nascimento dos filhos e a abertura de sua
tem como pivô Lívia, uma garota pela qual os loja. Afirma, também, que a vinda dos filhos o
dois se apaixonam. Numa primeira ocasião (o incomodou, pois sentia que eles lhe roubavam
baile dos jovens), a mãe ordena a Yaqub que a atenção da mulher, principalmente o Caçula.
leve a irmã Rânia para casa, o que favorece Omar torna-se boêmio, entrega-se a festas
Omar. O troco não demora a chegar: numa e a bebedeiras, terminando sempre suas
sessão de cinematógrafo na casa dos vizinhos, noitadas estirado numa rede da casa, onde
uma pane no equipamento deixa a sala escura. permanece grande parte do dia. Na noite em
Quando as luzes se acendem, os lábios de Lívia que traz uma mulher para casa, isso ultrapassa
estão colados ao rosto de Yaqub. Omar se vinga os limites até mesmo de seu permissivo pai.
quebrando uma garrafa e cortando, com ela, o Halim levanta-se e expulsa a desconhecida,
rosto do irmão. A cicatriz em forma de meia-lua que dormia na sala. Depois, arrasta o filho pelo
será uma marca do ódio perene entre ambos. cabelo, dá-lhe uma bofetada, prende-o ao cofre
Os pais percebem que o incidente pode e parte por dois dias.
despertar uma série de vinganças entre os dois Quando Omar leva formalmente outra
e, para evitar isso, mandam Yaqub a uma aldeia mulher, Dália, para casa, Zana antevê nela uma
remota no Líbano. A estratégia resulta inútil, potencial concorrente, por isso a expulsa. O
pois a única coisa que não muda em Yaqub, Caçula parte atrás de Dália, que descobrem
ao voltar para o Brasil, é o ódio que sente do ser uma das Mulheres Prateadas, grupo de
irmão; o mesmo pode ser dito de Omar. dançarinas amazonenses que se apresentava
Yaqub chega da viagem e se aferra em uma casa noturna.
aos estudos, revelando-se um matemático Após o episódio da mulher prateada, Zana
excelente. O irmão, que permanecera sob decide enviar Omar a São Paulo. Yaqub nega-
os cuidados da mãe, mostra-se irrequieto e se a abrigar o irmão, mas se propõe a alugar
indisciplinado. para ele um quarto numa pensão e matriculá-
Durante uma aula de matemática, o lo num colégio particular. O Caçula parte para
Caçula agride o professor Bolislau, o preferido São Paulo e, durante algum tempo, porta-se de
de Yaqub, e é expulso do colégio dos padres. maneira exemplar.
Vai para uma escola de reputação duvidosa – De repente, chega a notícia de seu
Liceu Rui Barbosa, o Águia de Haia, conhecido desaparecimento. Algum tempo depois,
como “Galinheiro dos Vândalos”. Lá, conhece o descobre-se que ele se envolvera com a
professor Antenor Laval, admirador de poetas empregada de Yaqub para ter acesso à casa do
simbolistas franceses e defensor da liberdade. irmão. Ao chegar lá, descobrira que a mulher
Em contrapartida, o sucesso de Yaqub tem de Yaqub não era outra senão Lívia, alvo das
como prêmio uma viagem a São Paulo, a fim de disputas infantis dos gêmeos. Tomado pela
que possa aprimorar os estudos. Seu professor raiva, Omar cobrira as fotos de Yaqub e de
de matemática, o padre Bolislau, ajuda-o a sua mulher com desenhos obscenos. Roubara
decidir-se pela partida, ao dizer: “Se ficares também 820 dólares do irmão, mais o seu
aqui, serás derrotado pela província e devorado passaporte, e viajara para os Estados Unidos.
pelo teu irmão”. Antes de seguir, Yaqub tem um
encontro amoroso com Lívia.

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MORTE DE HALIM reconciliar os dois irmãos. O Caçula prevê as


Numa visita de Yaqub à família, em Manaus, intenções da mãe e tenta esconder inutilmente
o narrador observa sua mãe e o visitante de o indiano. Por carta, Zana chama Yaqub, que,
mãos dadas e desconfia ter descoberto a após algum tempo, aparece secretamente em
identidade de seu pai. De volta a São Paulo, o Manaus e se hospeda num hotel isolado. Está
gêmeo mais velho prospera cada vez mais. associado a Rochiram. Numa manhã, Yaqub
Omar retorna a Manaus, onde se envolve surge na casa e deita-se na rede, chamando
em atividades de contrabando e com uma Domingas para sentar-se a seu lado. Nesse
mulata conhecida como Pau-Mulato. Depois instante, Omar irrompe na varanda e agride
foge de casa por longo tempo. brutalmente o irmão indefeso. Rasga também
Halim decide procurar o Caçula, mas a seus projetos para a construção do hotel. Os
busca, que dura meses, não surte resultado. É planos de Zana vão por água abaixo: Yaqub
Zana quem dá o passo decisivo para encontrar tentara trair o irmão, que descobrira tudo e o
o filho: procura um velho peixeiro manco, o teria matado se não fosse a interferência de
Perna-de-Sapo, que conhecia a floresta como Nael e dos vizinhos.
ninguém. Em pouco tempo, o homem descobre Para piorar a situação, o fracasso do projeto
o paradeiro de Omar. Zana vai atrás dele e, após resulta em gigantesca dívida com o empresário
uma discussão, o traz para casa. indiano. Pouco tempo após o conflito, Domingas
O narrador revela sua paixão por Rânia, fica doente e morre. Antes, revelara ao filho
que, no entanto, só irá conceder a ele uma que, no passado, fora estuprada por Omar.
única noite de amor. Halim envelhece, e a Rânia prepara um bangalô para levar a
presença definitiva do Caçula o deixa pouco à mãe, que resiste a abandonar o velho lar. Um
vontade em casa. Zana pede a Nael, o narrador, dia, Rochiram aparece e pede a casa como
que acompanhe o filho em suas noitadas. forma de acerto da dívida. A sugestão viera de
Outra faceta de Omar é narrada no episódio Yaqub. Omar torna-se um foragido, porque a
de prisão e morte do professor Antenor Laval. agressão fora denunciada pelo irmão à polícia.
Em abril de 1964, logo após o golpe militar, Nesse tempo, ocorre a morte de Zana. Uma
Laval é espancado por policiais em praça pequena parte da casa, nos fundos, torna-se
pública e preso. Dois dias depois, sabe-se que posse de Nael. “Tua herança”, afirma-lhe Rânia.
está morto. Numa tarde, Omar aparece diante de
Omar, abalado com o destino do mestre, Rânia. A irmã não tem tempo de falar com
fecha-se em luto e deixa temporariamente ele, já que policiais estavam à espreita e o
as noitadas. Halim se entrega cada vez mais capturam, depois de agredi-lo.
ao passado e sai de casa frequentemente, O narrador cita rapidamente a morte de
para longas caminhadas pela cidade, sempre Yaqub. Omar sai da cadeia pouco antes de
seguido por Nael. Até que, na véspera do Natal cumprir sua pena. Na última cena do romance,
de 1968, só volta de madrugada, depois que chove torrencialmente e o Caçula aparece
todos já dormiam. De manhã, os familiares o diante do narrador. Olha fixamente para Nael,
encontram: sentado sobre o sofá, não respira parece estar a um passo de pedir perdão, mas
mais. Omar dirige, então, grandes ofensas em recua e parte lentamente.
direção ao corpo do pai.
Vizinhos chegam a tempo de impedir o filho
de atacar o cadáver. Yaqub envia para o enterro
uma coroa de flores e um epitáfio: “Saudades Exercícios
do meu pai, que mesmo à distância sempre
esteve presente”. Zana, pela primeira vez, trata 01. (UFAM) A respeito do personagem Adamor,
Omar com dureza e o repreende severamente. o Perna-de-Sapo, do romance Dois Irmãos,
de Milton Hatoum, fazem-se as seguintes
afirmativas:
PROJETO FRACASSADO I. Em 1943 descobriu os restos de um
Omar passa a trazer para casa um indiano avião Catalina que desaparecera nas
chamado Rochiram, que pretende construir um florestas do Purus e salvou da morte
hotel em Manaus. Zana vê aí a possibilidade de o aviador Binford.

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II. Descobriu, a pedido de Zana, o “Foi Domingas quem me contou a história


paradeiro de Omar, que fugira de casa da cicatriz no rosto de Yaqub.
com uma mulher chamada Pau-Mulato (...)
e se escondera num barquinho atrás Era uma tarde nublada de sábado, logo
do Mercado Adolpho Lisboa. depois do Carnaval. As crianças da rua se
III. Antes de se tornar coveiro, era um alinhavam para passar a tarde na casa
peixeiro que vendia de porta em porta dos Reinoso, onde se aguardava a chegada
e sofria com as implicâncias da índia de um cinematógrafo ambulante. No último
Domingas. sábado de cada mês, Estelita avisava as mães
IV. Ao sair de Lábrea com uma das da vizinhança que haveria uma sessão de
pernas paralisada, veio para Manaus, cinema em sua casa. Era um acontecimento e
onde passou a morar em condições tanto. As crianças almoçavam cedo, vestiam
humilhantes numa palafita. a melhor roupa, se perfumavam e saíam de
casa sonhando com as imagens que veriam na
Estão corretas: parede branca do porão da casa de Estelita.”
a) Apenas II e IV
b) I, II e IV
c) Apenas I e III 03. Assinale a alternativa incorreta, em relação
d) II, III e IV a “As crianças da rua se alinhavam para
e) Todas as afirmativas passar a tarde na casa dos Reinoso, onde se
aguardava a chegada de um cinematógrafo
02. (UFAM) Ainda sobre o romance Dois ambulante”.
Irmãos, é correto afirmar, a propósito do a) N a ex p re s s ã o d o s Re i n o s o h á
enredo: circunstância de posse.
a) Para ajudar Halim a conquistar Zana, b) São, respectivamente, substantivo,
Abbas escreveu um gazal com quinze preposição e adjetivo: rua, na, Reinoso.
dísticos, que o pretendente fingiu c) O pronome se, em se alinhavam, é
esquecer na mesa do restaurante reflexivo e se refere a As crianças.
Biblos, de propriedade do viúvo Galib,
pai da moça. d) Em “onde se aguardava” onde é
b) Tal como em Esaú de Jacó, de Machado pronome relativo; equivale a na qual.
de Assis, observamos o tema dos e) A oração para passar a tarde na casa
gêmeos, que foi, porém, tratado de dos Reinoso indica finalidade.
forma diferente, de vez que os dois
irmãos não são inimigos. 04. Assinale a alternativa incorreta.
c) Domingas, a mãe de Nael, após ter a) A história de Dois irmãos tem início
ficado órfã, veio do Alto Rio Negro em 1910 e termina no final da década
trazida por Halim, que nessa época de 60 quando, durante o regime
trabalhava como regatão. militar, Yaqub é preso e desaparece
d) A antiga casa de Halim e Zana foi misteriosamente.
vendida para uma multinacional, após b) O rio Negro, as chuvas fortes, as
a instalação da Zona Franca, e Nael e enchentes e as frutas típicas da região
Rânia, sua tia, se mudaram para um amazônica aparecem como pano de
conjunto habitacional moderno. fundo do romance.
e) Uma das pretendentes a casar com c) O tema central do romance é o conflito
Yaqub se chamava Dália, a Mulher entre os irmãos gêmeos Omar e Yaqub,
Prateada, que, no entanto, não foi
capaz de enfrentar o ciúme possessivo filhos de imigrantes libaneses.
que Zana sentia em relação ao filho. d) Os irmãos eram apaixonados por Lívia,
com quem Yaqub casou.
e) Halim era avô do narrador, filho
O fragmento a seguir faz parte do romance bastardo de Omar.
Dois irmãos, de Milton Hatoum; com ele se
relacionam as questões 03 e 04.

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05. Com relação ao texto e ao romance “Dois c) o distanciamento temporal do narrador


irmãos”, assinale a(s) proposição(ões) em relação à grande parte dos fatos
correta(s). relatados.
01) No Texto, o narrador principal da d) a presença de um discurso xenófobo
história (Nael, filho de Omar) cede subjacente à história de decadência da
espaço para um narrador secundário família árabe.
(Halim, pai de Omar) resumir sua saga e) a oposição entre o discurso direto
de imigrante libanês. popular das personagens e o indireto
culto do narrador.
02) A narrativa apresenta um drama
familiar e a conflituosa relação entre 07. Sobre a obra “Dois irmãos”, de Milton
os dois irmãos gêmeos, Yacub e Omar. Hatoum, analise as proposições a seguir:
04) Nael, personagem/narrador perturbado I. O ponto de vista do narrador é baseado
pela dúvida quanto à sua filiação, nas suas observações, como também
reconstrói a memória da família nos relatos de Domingas e Halim.
libanesa, que é, também, a sua própria II. Quanto às personagens protagonistas,
memória/identidade. pode-se afirmar que Yakub tem a
08) O excerto apresenta os principais personalidade menos complexa, pois
elementos da narrativa de Hatoum: apresenta comportamento previsível,
romance ambientado em Manaus; o ao contrário de Omar.
narrador, Galib, é mascate, conhece III. O tempo da narrativa coincide com o
Zana, filha do dono de um restaurante, tempo da narração, visto que a história
e é pai dos gêmeos Yacub e Omar (foco é narrada diretamente da memória de
da discórdia familiar). um narrador, que usa como recurso o
16) São recorrentes em obras de ficção ou tempo psicológico e o discurso indireto
que representam diferentes culturas, livre para conseguir essa coincidência.
as disputas entre irmãos gêmeos, IV. O episódio do restaurante Biblos,
a exemplo de Caim e Abel, Esaú e lugar onde nasce o romance de Zana
Jacó, mas que, diferentemente de e Halim, é um exemplo de “flashback”,
Yacub e Omar, encontram uma saída isto é, rompimento da linearidade que
harmoniosa para o conflito. se dá na história dos dois irmãos.
32) Embora os dois irmãos sejam gêmeos,
Omar é chamado de “o caçula”, o Marque a alternativa CORRETA:
que denuncia o tratamento desigual a) As proposições I e II são verdadeiras.
dado, pela mãe, aos dois personagens b) As proposições II e III são verdadeiras.
principais e criticado pela irmã dos c) As proposições III e IV são verdadeiras.
gêmeos, Rânia. d) As proposições II e IV são verdadeiras.
e) As proposições I e IV são verdadeiras.
64) Nael, o narrador, é filho da índia
Domingas e de Omar, filho de imigrante
libanês. Nael simboliza a mistura
das raças resultante dos processos
de imigração, que se deu de forma
tranquila e equilibrada.

06. Na narração que Nael faz do conflito entre


Yaqub e Omar, da obra “Dois irmãos”, de
Milton Hatoum, evidencia-se:
a) o recurso ao fluxo de consciência
para o desvendamento da filiação do
narrador.
b) a caracterização das personagens
p rin c ip a i s s egu n d o a ó t i ca do
regionalismo.

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MUITAS VOZES
FERREIRA GULLAR
Dados do autor à clandestinidade e ao exílio contribuíram
para que Ferreira Gullar reconsiderasse
José Ribamar Ferreira Gullar (São Luís MA suas posições, buscando na poesia uma
1930) forma de expressar suas mudanças e seu
Publicou seu primeiro livro de poesia, aprofundamento de visão de realidade.
Um Pouco Acima do Chão, em 1949. Recebeu Publicado em 1976, Poema Sujo, ´discursivo e
prêmio, em 1950, pelo poema Galo, no quase um poema clássico´, segundo Ziraldo, é
concurso literário do Jornal das Letras, do Rio um livro de 103 páginas em que Ferreira Gullar
de Janeiro. No ano seguinte mudou-se para o exprime a totalidade de suas experiências
Rio de Janeiro e passou a colaborar na imprensa no plano da vida e da literatura, por meio de
carioca com poemas e críticas de arte. Publicou versos assimétricos e dissonantes, carregados
A Luta Corporal (1954) e Poemas (1958). de paixão corporal. Na Vertigem do Dia, o
Entre 1955 e 1959 participou da primeira reiterado questionamento sobre a poesia,
fase do movimento da Poesia Concreta. Em as preocupações com os grandes temas do
1959 rompeu com o Concretismo e publicou homem e da América Latina, as recordações
o Manifesto Neoconcreto no Jornal do Brasil. da infância, a dor, a tristeza, a solidão e a
A partir de 1961 participou do movimento de solidariedade para com os menos favorecidos
cultura popular, integrando o CPC e a UNE. Foi são os temas explorados por poemas curtos e
preso, em 1968, e seguiu para o exílio político herméticos em sua maioria.”
BRAIT, Beth [1981]. Ferreira Gullar: a poesia como
na Europa em 1971. Em 1975 foi publicado
forma de indagação e conhecimento do mundo. In:
Dentro da Noite Veloz; seguiram-se Poema Gullar, Ferreira. Ferreira Gullar. p.101.
Sujo (1976), Antologia Poética (1977). Em 1977
recebeu o Prêmio Jabuti de Personalidade “O pós-modernismo de 45 raiado de veios
Literária do Ano. Nos anos de 1980 publicou existenciais, a poesia concreta e neoconcreta, a
Na Vertigem do Dia (1980), Toda Poesia (1980), experiência popular-nacionalista do CPC, o texto
Crime na Flora ou Ordem e Progresso (1986), de ira e protesto ante o conluio de imperialismo
Barulhos (1987); na década de 1990 saíram e ditadura, a renovada sondagem na memória
Formigueiro (1991) e Muitas Vozes (1999), pessoal e coletiva... são todos momentos de uma
com o qual ganhou o Prêmio Jabuti de Poesia dialética da cultura brasileira de que Ferreira
em 2000. Inicialmente adepto do Concretismo, Gullar tem participado como ator de primeira
Ferreira Gullar posteriormente optou por uma grandeza. À luz dessa leitura, contextual, a
poesia mais discursiva, em que os versos ora consciência que ditou o Poema Sujo não é
incorporam elementos da literatura de cordel, exatamente a mesma que inventou A Luta
como em João Boa-Morte, Cabra Marcado para Corporal, assim como a maturidade do escritor
Morrer (1962), ora se voltam para as tensões e cidadão pós-64 superou os seus horizontes
sociais e políticas do homem brasileiro, como ideológicos dos anos cinquenta. Não se trata
em Dentro da Noite Veloz (1975) e Na Vertigem de evolução na ordem dos acertos estéticos
do Dia (1980). (estes não dependem, mecanicamente, da
posição política do poeta); trata-se de um ver
mais concretamente a História, um julgar mais
Características do autor criticamente o próprio lugar de poeta na trama
da sociedade, um refletir mais dramaticamente
“A passagem brusca da linguagem precisa a condição do homem brasileiro e do homem
e requintada das vanguardas para a expressão latino-americano sem medusar-se no fetiche
apoiada na linguagem simples dos cantadores, abstrato, no fundo egótico, do ´homem´ em
seguida de uma visão ingênua a respeito geral.”
das questões estéticas e sociais e somada BOSI, Alfredo [1983]. Roteiro do poeta. In: Gullar,
às derrotas da esquerda na América Latina, Ferreira. Os melhores poemas. 3.ed. p.8-9.

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Ferreira Gullar estreou muito jovem com A da punição injusta,


luta corporal. “O nome do livro – diz o poeta – da humilhação, da tortura,
não é por acaso: era uma luta comigo mesmo. do terror,
Na minha busca terminei fragmentando a retiramos algo e com ele construímos um
linguagem. Achava que a linguagem era uma artefato
realidade. Desarticulei-a para encontrar essa um poema
realidade: ela não tinha essência nenhuma.” uma bandeira.
Logo em seguida, o autor maranhense
aproxima-se dos concretistas de São Paulo. Mas é com o Poema sujo, 1975, que Ferreira
Contudo, abjura-os em pouco tempo. Após Gullar encontra a solução dos impasses políticos
esta ruptura, e sob o influxo da radicalização e estéticos que impediam-no de realizar uma
ideológica do início dos anos 60, vincula-se ao poesia de primeira grandeza. Politicamente, ele
pensamento progressista da época, todo ele rompe com o comprometimento explícito das
ligado às formulações populistas do presidente obras da década de 1960, preferindo embutir
João Goulart. Rapidamente Ferreira Gullar a questão social nas ações e lembranças que
torna-se um dos porta-vozes dos artistas o poema evoca. Esteticamente, ele consegue
politicamente engajados daquela década. através de uma expressão livre e ousada (mas
Publica então dois polêmicos livros de não formalista) – uma legítima “tempestade
ensaios Cultura posta em questão (1965) e de versos”, como disse um crítico – mergulhar
Vanguarda e subdesenvolvimento (1969). na sua vida pessoal: a infância e a adolescência
Também o teatro o atrai. Ajuda a fundar o em São Luís, o passado próximo e o remoto,
grupo Opinião e escreve com Oduvaldo Viana descobrindo a realidade brasileira e a sua
Filho a peça Se correr o bicho pega, se ficar o própria interioridade a partir do exílio em
bicho come. Com Dias Gomes escreve a peça outros países. A grande força da obra nasce do
Dr. Getúlio, sua vida e sua glória. Já os poemas, fato de Ferreira Gullar obter desta sucessão
publicados apenas em jornais e revistas da caótica de passagens existenciais o retrato
época, confirmam o engajamento do autor vivo de um homem brasileiro (um intelectual,
e revelam certa tendência panfletária e uma na verdade), em seu conjunto de angústias e
frequente queda no prosaísmo. Muitos desses esperanças, gozos e tormentos individuais. Por
poemas foram reunidos, mais tarde, em Dentro outro lado, este homem traz consigo, através
da noite veloz. Um deles, Agosto 1964, é dos tortuosos caminhos da memória, um
bastante conhecido: contexto provinciano, o Maranhão, a quitanda
do pai, o Brasil dos anos de 1930 e 1940, tudo
Entre lojas de flores e de sapatos, bares, magistralmente evocado. Mas o que de fato
mercados, butiques projeta o Poema sujo para além do documento
viajo humano e histórico são as interrogações
num ônibus Estada de Ferro – Leblon contínuas do poeta a respeito da permanência
Volto do trabalho, a noite em meio, e da transitoriedade das coisas. O Poema sujo
fatigado de mentiras. é também um poema sobre a passagem do
O ônibus sacoleja. Adeus, Rimbaud, tempo, sobre o esquecimento e sobre o caráter
relógio de lilases, concretismo, único das experiências de cada ser:
neoconcretismo, ficções de juventude,
adeus, (...) bela bela
que a vida mais que bela
eu a compor à vista aos donos do mundo. mas como era o nome dela?
Ao peso dos impostos, o verso sufoca, Não era Helena nem Vera
a poesia agora responde a inquérito nem Nara nem Gabriela
policial-militar. nem Tereza nem Maria
Digo adeus à ilusão Seu nome seu nome era...
Mas não ao mundo. Mas não à vida, Perdeu-se na carne fria (...)
Meu reduto e meu reino. Que importa um nome a esta hora do
Do salário injusto, anoitecer em São Luís do

A escolha de quem pensa! 31


Análise das Obras Literárias - UEPG

Maranhão à mesa do jantar sob uma luz de corporal e Poema sujo tratassem de questões
febre entre irmãos completamente diferentes, têm uma coisa em
e pais dentro de um enigma? comum que é a fúria. Ela está presente em
mas que importa um nome todos os meus livros anteriores. Mas, neste,
debaixo deste teto de telhas encardidas está amainada. É um livro mais reflexivo, em
vigas à mostra entre que a temática da morte está muito presente,
cadeiras e mesa entre uma cristaleira e um não como medo, mas como reflexão”, comenta.
armário diante de Muitas vozes pode ser lido como a obra de
garfos e facas e pratos louça que se maturidade de um autor que desde muito cedo
quebraram já despontou como uma voz singular na poesia
um prato de louça ordinária não dura tanto brasileira. Nascido no Maranhão em 10 de
e as facas se perdem e os garfos setembro de 1930 como José Ribamar Ferreira,
se perdem pela vida caem já sob o pseudônimo de Ferreira Gullar, o
pelas falhas do assoalho e vão conviver poeta lançou seu primeiro livro, Roçzeiral, aos
com ratos 19 anos. Tinha apenas 24 quando publicou
e baratas ou enferrujam no quintal A luta corporal, uma obra radical que abriu
esquecido entre os pés de erva cidreira caminho para a poesia concreta no país. “No
e as grossas orelhas de hortelã começo, havia a busca por uma linguagem que
quanta coisa se perde transcendesse o discurso lógico, que fosse além
nesta vida. da própria poesia como era feita até então, e
que terminou por implodir a linguagem. Como
Após seu retorno ao país em 1977, Ferreira consequência dessa implosão, veio a poesia
Gullar tornou-se o poeta emblemático da concreta”, reflete hoje o poeta.
redemocratização brasileira, voltando a ter Cinco anos mais tarde, Ferreira Gullar
forte atuação na área cultural. Escreveu para romperia com o movimento para criar outro,
a tevê, militou na crítica de arte e debateu a o neoconcretismo, esboçado no ensaio Teoria
situação da poesia. Em seus últimos livros, a do não-objeto e que culminou com o famoso
temática da passagem do tempo e a da morte poema enterrado no chão.
– já presentes no Poema sujo – adquiriram Uma nova virada aconteceria no início dos
predominância e significativa pungência. anos 60. Fiel ao clima da época, Ferreira Gullar
voltou-se para a cultura popular, impregnando-
se da linguagem do cordel. Da época, datam
Obras principais: João Boa-Morte e Quem matou Aparecida,
A luta corporal (1954); além das peças Se correr o bicho pega, se ficar
Dentro da noite veloz (1975); o bicho come, com Oduvaldo Vianna Filho e Dr.
Poema sujo (1975); Getúlio, com Dias Gomes. Presidente do CPC da
Na vertigem do dia (1980); Une quando aconteceu o golpe militar, Ferreira
Barulhos (1987); Gullar se exilou na Argentina em 1971.
Muitas vozes (1999). “Abandonei o neoconcretismo porque
considerei que essa experiência estava
esgotada. Isso coincidiu com uma virada
Característica da obra da política brasileira, com a posse de João
Goulart. Empolguei-me pela possibilidade
Sobre: Muitas Vozes de transformação social e minha poesia
Por: Cristiane Costa acompanhou isso”, recorda Gullar. Segundo
o poeta, essa reconciliação com a linguagem
Muitas vozes ao gênero que o consagrou coloquial foi fundamental para definir novos
como um dos mais importantes autores rumos para sua obra. “Minha poesia de hoje
brasileiros. Presente do poeta para seus leitores é desdobramento disso. Costumo dizer que
e admiradores meses antes de completar 70 a poesia nasce da prosa. O que existe é a
anos, Muitas vozes revela uma mudança de linguagem de todos. Uso e abuso dela, até da
tom na obra de Gullar. “Mesmo que A luta palavra chula. Nunca busquei o poema puro.

32 A escolha de quem pensa!


Análise das Obras Literárias - UEPG

Não me preocupo com experimentalismos ou ENTREVISTA DE FERREIRA GULLAR


estéticas verbais. Quero um poema que nasça
da vida”, afirma. Pa ra co m p re e n d e r m o s m e l h o r a s
Foi no exílio que Ferreira Gullar escreveu características desta obra de Ferreira Gullar,
seu livro de maior repercussão, Poema sujo, De na há anda melhor que lermos o próprio autor
volta ao Brasil, publicou uma série de ensaios falando da sua obra. Aprecie!
sobre artes plásticas, sua segunda paixão, como
Argumentação contra a morte da arte, além O poeta Weydson Barros Leal, entrevista
de uma Antologia poética. Barulhos, editado novamente o poeta Ferreira Gullar, [12 de julho
em 87, foi seu último livro de poemas. No ano de 1999], a propósito do livro Muitas Vozes, Ed.
seguinte, escreveu suas memórias em Rabo José Olympio, 1999.
de foguete.
“Quando terminei Barulhos, tive a sensação WEYDSON - Depois de 12 anos sem publicar
nítida de que tinha me esgotado e não voltaria poesia em livro, ‘Muitas Vozes” seria uma
mais a escrever. Imaginei que a fonte tinha comemoração de 50 anos, já que seu primeiro
secado. Perdi a motivação e me senti vazio. livro, “Um pouco acima do chão”, é de 1949?
Passava os meses sem ter vontade de escrever”,
conta Gullar. “Cheguei a passar um ano sem GULLAR - A rigor está certo. Mas eu não
produzir um poema.” levo em conta esse cálculo. Eu publiquei agora
Mas, um belo dia, a fonte voltou a jorrar. pensando nisso... Na verdade, eu passei esses
Num quarto de hotel de Nova Iorque o poeta 12 anos sem publicar apenas porque eu não
retomou a palavra. “Meu Pai” é dessa leva. tinha um número suficiente de poemas para
A produção seria interrompida várias vezes constituir um livro. A partir de 1994, 95, quando
até que, em 1994, Gullar conheceu sua atual eu conheci a Claudia (Claudia Ahimsa, poeta,
mulher, a jovem poeta Cláudia Ahimsa, na feira namorada de Gullar) e saí da Funarte, houve
do livro de Frankfurt dedicada ao Brasil. “Isso unia retomada. Em 96 já havia alguns poemas,
para mim foi um renascer. Passei a escrever mas eu preferi deixar que aquele veio poético
com muito mais frequencia. Foi um encontro que estava se manifestando se esgotasse.
inspirador”, revela, sem medo de parecer um Porque a minha poesia funciona um pouco
poeta romântico e comum. como a mineração. De repente eu descubro
Em Muitas vozes ouve-se o eco de toda esses veios até esgotá-los. A partir daí eu passo
essa experiência acumulada ao longo de um tempo sem escrever. Assim, quando eu
quase sete décadas. Da eterna luta corporal percebi que tinha um número suficiente de
com a palavra presente em “Sob a espada” poemas, pensei: chegou a hora de publicar.
até a política expressa em versos de “Queda
de Allende”, o novo livro apresenta um Gullar WEYDSON - Lendo o livro, percebe-se que
continuamente renovado. esse veio é de temática variada, há poemas
“Eu mesmo não acredito que estou sobre a vida, a morte, reminiscências da
chegando aos 70 anos. Nunca pensei que infância, etc...
chegaria lá. Para mim, ano 2000 era algo
impensável”, afirma. No entanto, a idade GULLAR - Pois é. No poema “Evocação de
lhe reservou boas surpresas, junto com a Silêncios”, o silêncio é o tema. Ali, tudo nasceu
descoberta do amor tardio. “Nunca pensei de uma lembrança de quando eu era garoto
que 70 anos fossem isso. Estou totalmente em São Luís, perto do Largo de Sant´Aninha,
saudável, em plena vida”, alegra-se o poeta, onde tinha uma casa com um corredor que ia
que parou de fumar há 10 anos e cortou a da calçada até o fundo. O piso dessa casa era de
carne vermelha, as frituras e gorduras do seu um tipo muito comum naquela época. Então eu
cardápio, para dar uma ajudinha à sorte. “Não lembrei de ter entrado nessa casa numa tarde
gosto de contar vantagem não. A gente sabe de muito sol, enquanto brincava por ali, mais
que é mortal, mas nem sempre se lembra ... o i met7os 2 horas da tarde nessa hora em São
felizmente.” Luís a barra é pesada, com muito calor - e eu
Cristiane Costa é subeditora de Ideias entrei para descansar um pouco Eu já tinha um
certo hábito de sentar ali, naquele chão frio,

A escolha de quem pensa! 33


Análise das Obras Literárias - UEPG

naquela casa silenciosa - lá, parece que morava suficiente, quando já há mais fogo que carvão...
apenas um casal idoso...
GULLAR - Em “Nasce o poema” (Barulhos,
WEYDSON - Eles lhe, viam? 1987), eu cheguei à conclusão que havia carvão
demais. Então eu pensei: se eu puser mais
GULLAR - Não.. Tinha um corredor muito prosa aqui, o avião bate no chão, não há mais
vazio... Eu ficava sentado tio chão frio, olhando como... E durante um certo tempo eu parei.
aquele corredor, aquele piso, o silêncio, o
vazio... Então, de repente, me veio a lembrança WEYDSON - Como- resposta a esse
de tudo isso, e isso gerou o poema... Eu pensava mergulho, “Ao Rés da Fala” seria um recuo?
que ia escrever só um poema, mas o primeiro
desencadeou outros, e assim foi uma série de GULLAR - Não, eles avançam, e são quase
poemas que envolvem a quitanda do meu pai.. prosa. Porque neles não há a alquimia evidente
que há normalmente em minha poesia, onde
WEYDSON - E daí o açúcar... a palavra se choca com outra palavra.. Não
há a palavra inesperada nesses poemas. _Há
GULLAR-É.. Na quitanda do meu pai, quase somente descrição, como no poema
abaixo das prateleiras de mercadorias, havia “Fotografia de Mallarmé”.
uns depósitos com tampas, onde tinha feijão,
arroz--, açúcar, farinha... Eu lembro que cabia WEYDSON - Eu discordaria apenas quanto
bastante, açúcar naquele depósito. Quando se à ausência da surpresa, da palavra inesperada,
levantava aquela tampa, vinha aquele cheiro uma vez que o primeiro poema do livro
cálido... E até hoje, mesmo em casa, quando eu (“Ouvindo apenas”) é extremamente elaborado,
abro um recipiente de açúcar, me vem aquela visceralmente sofisticado...
sensação, o cheiro cálido. Então, tio poema, o
silêncio é o açúcar, é comparado ao açúcar, e GULLAR - Quando eu digo que esses poemas
está cheio de vozes. de tumulto. de alarido, da são prosa e que há neles um processo diferente,
luz da manhã.. Esses são os veios de que eu falo. não é a alquimia’ Ali há uma superação do
discurso diferente do que eu fazia em outros
WEYDSON - A segunda parte do livro poemas. Na verdade, eles dão o tom do livro.
“Muitas Vozes”, você intitulou “Ao Rés da Fala”. Eu estou de acordo com você quando diz que
O que há nesse título? os primeiros poemas são muito elaborados,
mas, por exemplo, o primeiro poema é bem
GULLAR - Ali está a saída de um impasse. anterior aos outros.
Quando eu terminei de escrever o último
poema de “Barulhos” (I 9 8 7), eu percebi WEYDSON - A organização do livro, à
que havia nele muitos elementos prosaicos. exceção dos “Poemas Resgatados’, atende a
Na minha visão, o poema é o lugar onde a uma ordem cronológica?
prosa se transforma em poesia, é o lugar da
metamorfose, onde o processo se dá. O poema GULLAR - Quase sempre eu adoto essa
não é uma coisa estática, terminada, ele é algo ordem cronológica porque acho que a minha
em processo. A leitura desencadeia o processo poesia é uma reflexão.
que está latente ali. Ao lê-lo, o leitor transforma
a palavra em poesia. Naturalmente, o meu WEYDSON - Vejo que há poemas em
poema nunca é um poema puro, mas nele a “Muitas Vozes” cujos temas já aparecem em
prosa vira poesia, e portanto para haver poesia livros anteriores a “Barulhos”.
tem que haver a transformação. A gente sabe
que o carvão dá o fogo, mas para haver o fogo GULLAR - É verdade Mas eu prefiro não
tem que existir o carvão. Assim, no poema interferir nisso; ninguém controla o processo
sempre haverá fogo e carvão. da lida. Mas há uma lógica interna nesses
poemas. Aí estão indagações e respostas que se
WEYDSON - E cabe ao poeta realizar sucedem progressivamente. Isso não quer dizer
a mistura , e determinar quando o fogo é que eu desenvolva um processo filosófico, mas

34 A escolha de quem pensa!


Análise das Obras Literárias - UEPG

são perguntas e respostas que vão ocorrendo alterar essa ordem, eu posso estar violentando
durante a vida, por alguma razão que eu não um processo mais profundo de reflexão que
sei mas que sei que existe. Eu acredito que o está tio poema.
meu trabalho com a poesia é a lúcido, exigente,
do artesão, mas o que faz o poema nascer, os WEYDSON - Mas eu percebo no_ livro, ao
elementos convocados para fazê-lo, isso eu lado de poemas que podem ser resultados
deixo que venham como vier. Como se eu fosse desses processos, outros que parecem
um metalúrgico que trabalha com qualquer revelações instantâneas, como o poema “Tato”.
metal, que não fica exigindo prata ou ouro. Com
o metal que ele acha que dá, ele faz. GULLAR - É mais ou menos o mesmo
processo... Eu sentei ali (apontando), passei a
WEYDSON - Como seria esse processo, mão na cabeça, e de repente toquei meu osso.
dando como exemplo um dos poemas de Aí eu pensei: -puxa, sou eu, eu existo, e em vez
“Muitas Vozes”? de dizer como Descartes “penso, logo existo,”, é
o, contrario , “toco, logo existo” (risos). Em vez
GULLAR - Por exemplo: o poema “Um de me afirmar pelo pensamento, eu me afirmo
Instante “. Num domingo à tarde, nessa sala pelo tato. Então eu existo aqui, e se isso vai
vazia, o sol, o silêncio e a claridade, eu sentei acabar, se não houve antes, se é efêmero, não
aqui (apontando uma cadeira) e de repente interessa, eu estou aqui concretamente. Agora,
senti que estava pleno, leve, não tinha passado, por que eventualmente alguém passa a mão na
não tinha futuro, sem culpas, sem remorsos, cabeça e não pensa isso? Por que outros poetas,
sem preocupações - era um instante, dois que fizeram o mesmo gesto, não escreveram
segundos que estão neste poema (pegando o esse poema, e eu é que escrevi? Porque eu
livro e lendo o poema): tenho um tipo de reflexão que faz com que esse
ato gere uma resposta determinada. Talvez por
Aqui me tenho isso as pessoas estejam dizendo que esse livro
como não me conheço nem me quis é um livro maduro, por e estão vendo que é
sem começo um livro decorrente de uma reflexão que que
nem fim vai sendo feita apesar de mim, uma reflexão
subjacente, que termina provocando os
aqui me tenho poemas em face disso, quer dizer, de pequenos
sem mim acontecimentos que se refletem nesse modo
de ver o mundo. Essa é a razão por que esse
nada lembro “tato me faz escrever o poema e o mesmo tato
nem sei experimentado por outros poetas não os faz
escrever ou faz com que escrevam outro, ou
à luz presente ainda que nem dêem importância a isso...
sou apenas um bicho
transparente WEYDSON – Em ‘Muitas Vozes’, há
reminiscências de infància, lembranças de
Mas você ainda pode perguntar por que pessoas que passaram por sua vida e não
eu fiz o poema, e aí eu vou formular aqui, pela estão mais aqui, e há os “Poemas Resgatados”,
primeira vez a sua gênese: ele é o resultado da aqueles que estavam nas gavetas. Depois do
reflexão de alguém que pensa sobre o passado, livro impresso, você ainda teve a sensação
nos problemas da memória, nas coisas que de que faltava algum poema, de que faltava
acabaram, e que ao mesmo tempo são um alguém?
peso sobre sua vida. Então, o momento em que
nada disso pesa, é um momento de liberdade GULLAR - Eu custei a entregar o livro ao
e plenitude. De repente eu compreendo que editor. A Maria Amélia, minha querida amiga
estar sem mim é uma liberdade total. Por isso (diretora editorial da José Olympio), me cobrou
eu digo que é. um processo de pensamento que muito o livro depois que leu uma entrevista em
não é consciente mas que está sendo feito, e o que eu dizia que o livro estava terminado. Mas
poema nasce disso. Por isso eu penso que ao eu fiquei ainda quatro meses lendo os poemas,

A escolha de quem pensa! 35


Análise das Obras Literárias - UEPG

largava, voltava, foi assim até nascer outro WEYDSON - Então esse poema tem quase
poema, que eu ainda incluí no livro, quando 30 anos...
só então eu o dei por encerrado.
GULLAR. - É...(pensando)...ele é de 70.
WEYDSON - E a ideia dos “Poemas Mas entre os “Poemas Resgatados” há poemas
Resgatados”? Como foi tirá-los da gaveta? ainda anteriores, quer dizer ..(em dúvida) ...
pode haver alguns para frente... São poemas
GULLAR - Eu já te contei essa história- Em que foram apenas anotados.. Por exemplo:
1970, um pouco antes de ir para o exílio, eu quando eu trabalhava na sucursal do Estadão
escrevi um poema sobre a minha casa em São (Jornal Estado de São Paulo) aqui no Rio, eu
Luís do Maranhão. Lá, naquela casa de assoalho ficava sozinho lá no meu canto, anotava certas
de tábua corri ia um espaço de quase meio coisas, mas não dava tempo, os caras vinham,
metro entre as tábuas e o chão. Às vezes caía “ô Gullar, escreve esse texto aqui! “, e tal coisa...
dinheiro por entre as fendas, eu tirava uma Então interrompia aquilo e eu fui tendo na
tábua e entrava ali para buscar minha moeda minha gaveta um monte dessas anotações.
que estava lá embaixo. Havia um cheiro forte, Quando eu saí do Jornal, peguei tudo, pus
de décadas, de todo aquele pó, um pó preto que dentro de uma pasta e trouxe para casa. E essa
parecia pólvora . O poema era sobre isso, sobre coisa ficou aí, guardada em outra gaveta.
a casa, essas coisas. Bem, ele estava escrito,
mas eu ainda não sabia se estava pronto. A WEYDSON - E como você achou?
verdade é que eu tive de sair de casa correndo
quando começou a minha vida clandestina, GULLAR - É uma coisa estranha... Eu sou
e não voltei mais. Quando eu já estava em um organizado dispersivo - organizo tudo
Moscow, eu lembrei do poema, procurei entre mas depois não acho: tá guardado em algum
as coisas que tinha levado e terminei pensando: lugar, onde eu não sei. De repente eu fico
perdi o poema. Foi aí que eu decidi reescrevê- achando, coisas “guardadas” que estavam “
lo, e já em 1975 ele foi publicado no meu livro perdidas “. Foi assim que eu encontrei esses
“Dentro da Noite Veloz”. O poema se chama “A poemas. Quando eu comecei a ler, pensei: eu
casa “, e foi então traduzido em várias línguas, poderia dar uma forma definitiva a isso. Então
despertando interesse em muita gente, como trabalhei os poemas. Os “Poemas Resgatados”
nos meus tradutores nos Estados Unidos, não estão como foram escritos, entretanto,
na Alemanha, na Espanha, na Argentina, na eu os trabalhei com o espírito com que foram
Holanda.. Alguns anos depois, de volta do escritos. Eu tentei me reintegrar naquele
exílio, eu abri uma pasta de manuscritos que ambiente e retomar os temas, as coisas..
encontrei e lá estava o poema original, que
agora está em “Muitas Vozes”. WEYDSON - Haverá lançamentos fora do
Rio de Janeiro? (O lançamento oficial no Rio
WEYDSON - Como ele se chama agora? ocorreu em 12 de julho de 1999).
GULLAR - “Sob os pés da família “. Mas GULLAR - Eu pretendo fazer o lançamento
então, quando eu li o poema que achei, era lá em São Luís do Maranhão. Eu estou devendo
outro poema O tema era o mesmo, mas o que essa ida à minha mãe, a meus irmãos, pois eu
eu tinha escrito era outra coisa. Eu estava certo disse que iria no ano passado e não pude, tive
que tinha reconstituído tudo, e de repente era que cancelar. Você sabe que tem um poema
outro poema. Evidente que alguns pedaços são aqui (pegando o livro ‘Muitas Vozes”) que foi
idênticos ou parecidos, mas é outro poema. escrito lá em São Luís?
Isso me provocou uma reflexão: se eu não
tivesse perdido esse poema eu não teria escrito WEYDSON - Nos “Poemas Resgatados”?
o outro. Quer dizer, a possibilidade de um
mesmo tema gerar poemas diferentes. Porque GULLAR - Não, nos novos. Eu escrevi tia
a gente tem a suposição de que o poema que a última vez que estive lá, há uns três anos.
gente escreve é a única forma possível do que Chama-se “Volta a São Luís “. É um poema
se quer dizer, mas está provado que não é... do exílio ao contrário. Porque o Gonçalves

36 A escolha de quem pensa!


Análise das Obras Literárias - UEPG

Dias, quando escreveu o dele (“Canção do WEYDSON - Em cada poeta, a sensibilidade


Exílio”) estava tio exílio, e manifestou aquele se exercita ou se manifesta das mais diferentes
sentimento, de forma muita bonita. “as aves, formas. Em você, eu percebo algo muito curioso:
que aqui gorjeiam, / Não gorjeiam como lá. “ a sua sensibilidade é igualmente apurada nos
Quer dizer, elas são aves, estão cantando, eu cinco sentidos, na audição dos “barulhos”, dos
estou ouvindo, mas não é a mesma coisa. E “alaridos”, no olfato que percebe o “grito” do
essa carência da sua terra, da sua pátria, foi açúcar, no tato de seu próprio corpo, na visão
manifestada por ele de forma muito especial. do sol, das coisas, no paladar das frutas que
No caso do meu poema, eu estava num hotel apodrecem... Ou seja, enquanto a maioria dos
lá em São Luís, com um jardim enorme, lindo, poetas trabalha muito mais com a percepção
mas onde mal se consegue dormir porque visual ou com a memória dessa percepção, você
muito cedo os bem-te-vis começam a cantar: elabora seus poemas com igual densidade a
“bem-te-vi, bem-te-vi, te-vi, te-vi... “ E é uma partir da percepção ou da memória dos cinco
algazarra. Aquilo foi gozado, porque onde sentidos.
eu morava, quando era menino em São Luís,
também era cheio de bem-te-vis. Então, de GULLAR - Eu nunca tinha percebido
repente, ouvindo esses bem-te-vis, eu estava isso, mas você está dizendo uma coisa que
ouvindo os bem-te-vis de minha infância, não é verdade. Eu sou muito sensorial, todas as
era só aquele pássaro que estava ali, era o coisas me tocam, as sensações têm um poder
contrário, e o poema diz assim (pegando o livro muito forte sobre mim: o cheiro das coisas,
e lendo o poema): o tato, os sons (não só os musicais, mas o
barulho, o silêncio - a ausência do barulho),
Mal cheguei e já te ouvi e a coisa visual, que me é muito intensa. Eu
gritar pra mim: bem te vi! acho que a percepção visual é a percepção
E a brisa é festa nas folhas mais inteligente, a mais humana. Eu digo mais
Ah, que saudade de mim! humana porque as outras sensações são mais
obscuras, ou seja, o olfato, o faro, é bem animal,
O tempo eterno é presente assim como de certa forma o tato e a audição.
no teu canto, bem te vi E embora a audição não seja tão obscura, ela é
incontrolável, os sons, os barulhos, te penetram
(vindo do fundo da vida independente de tua vontade; você não fecha
como no passado ouvi) o ouvido como fecha o olho. O ouvido não tem
pálpebras. Por isso eu entendo muito bem
E logo os outros repetem: quando o João (João Cabral de Melo Neto) diz
bem te vi, te vi, te vi que a música desarruma as coisas. Para que ‘
m é muito mental,. muito racional como o João
Como outrora, como agora, é - que tem a necessidade de ser, porque ele é
como no passado ouvi um homem muito sensível e tem a necessidade
de controlar a sensibilidade - então, ele tem
(vindo do fundo da vida) de criar aquela forma objetiva, estruturada,
controlada, para não se desintegrar. Nesse
Meu coração diz pra si: sentido, a música vem e acaba com toda ordem.
as aves que lá gorjeiam Ela tem uma ordem, mas é dela, não é a tua,
não gorjeiam como aqui da tua razão, da tua lucidez, pois o mundo é
organizado por nós a partir da percepção visual
Aí foi o contrário (risos). O Gonçalves Dias Nós percebemos as distâncias, os objetos, a
sentiu longe que as aves que lá gorjeavam claridade do dia, mas todo esse conhecimento
não gorjeavam como na sua terra; eu volto à tem por base a percepção visual
minha terra, e ao ouvir o bem-te-vi percebo (...)
que as aves que gorjeiam . fora de São Luís, não
gorjeiam como em São Luís. E olha que quando
eu estava escrevendo o poema, eu não estava
prevendo esse fim...

A escolha de quem pensa! 37


Análise das Obras Literárias - UEPG

FRAGMENTOS DA OBRA Não deu


O Gullar que bastasse
MUITAS VOZES não nasceu
Meu poema
é um tumulto: That Is The Question
a fala Dois e dois são quatro.
que nele fala Nasci cresci
outras vozes para me converter em retrato?
arrasta em alarido. em fonema? em morfema?
(estamos todos nós Aceito
cheios de vozes ou detono o poema?
que o mais das vezes
mal cabem em nossa voz: Sob a Espada
se dizes pera, mas que sentido tem tecer palavras e
acende-se um clarão palavras
um rastilho - amoras
de tardes e açúcares auras
ou lauras
se azul disseres, carambolas -
pode ser que se agite com esta mão mortal
o Egeu enquanto o tempo luze sua espada
em tuas glândulas) sobre mim?
A água que ouviste Para que armar mentiras
num soneto de Rilke se a água é água se a água é nuvem (entre
os ínfimos rumores no capim meus pés) se a folha é por si só lâmina verde
o sabor e corta e se meus dentes estão plantados em
do hortelã mim?
(essa alegria) nesta gengiva sim
a boca fria que sou eu mesmo
da moça e unha e ânus
o maruim e anca e osso
na poça e pele e pêlo
a hemorragia e esperma e
da manhã escroto
tudo isso em ti com que invento
se deposita um verso torto
e cala.
Até que de repente Nasce o Poeta (parte 7)
um susto Na Quitanda
ou uma ventania A moça baunilha
(que o poema dispara) uma flama negra
chama na quitanda morna
esses fósseis à fala. confunde o sorriso
Meu poema com o sorrir das frutas
é um tumulto, um alarido: seu cabelo de aço
basta apurar o ouvido. era denso e bicho
seu olhar menina
Inventário vinha da floresta
Vivo a pré-história de mim sua pele nova
Por pouco pouco um carvão veludo
eu era eu sua noite púbis
José de Ribamar Ferreira Gullar uma festa azul
misturada ao mel

38 A escolha de quem pensa!


Análise das Obras Literárias - UEPG

no calor da tarde
durou dois segundos?
Exercícios
uma eternidade?
ela aquele cheiro 01. Sobre Ferreira Gullar é incorreto afirmar:
de casa de negros a) Publicou seu primeiro livro de poesia,
de roupa engomando Um Pouco Acima do Chão, em 1949.
rua do Coqueiro? Publicou A Luta Corporal (1954) e
ela sua saia Poemas (1958).
de chita vermelha? b) Entre 1955 e 1959 participou da
hoje pe uma pantera primeira fase do movimento da Poesia
guardada em perfume Concreta.
c) Em 1959 rompeu com o Concretismo
Nasce o Poeta (parte 10) e publicou o Manifesto Neoconcreto
A coisa e a Fala no Jornal do Brasil. A partir de 1961
a boca não fala participou do movimento de cultura
o ser (que está fora popular, integrando o CPC e a UNE.
de toda linguagem): d) Foi preso, em 1968, e seguiu para o
só o ser diz o ser exílio político na Europa em 1971. Em
a folha diz folha 1975 foi publicado Dentro da Noite
sem nada dizer Veloz; seguiram-se Poema Sujo (1976).
o poema não diz e) Nos anos de 1980 publicou Na Vertigem
o que a coisa é do Dia (1980), Toda Poesia (1980),
mas diz outra coisa Crime na Flora ou Ordem e Progresso
que a coisa quer ser (1986), Barulhos (1987); na década de
pois nada se basta 90 publicou Muitas Vozes (1999), com o
contente de si qual ganhou o Prêmio Jabuti de Poesia
o poema empresta em 2000. Neste livro o autor retorna
às coisas totalmente à sua fase mais engajada.
sua voz - dialeto -
e o mundo 02. (UEPG - 2009) Sobre o livro “Muitas
no poema Vozes” de Ferreira Gullar, assinale o que
se sonha for correto.
completo 01) No poema “Tato”, a certeza de existir
é confirmada pela ponta dos dedos: o
Meu Pai toque do poeta em seu próprio corpo
Meu pai foi (“mas o tato me dá / a consciente
ao Rio se tratar de realidade / de minha presença no
um câncer (que mundo”).
o mataria) mas 02) Os poemas são repletos de elementos
perdeu os óculos de valor do cotidiano das pequenas
na viagem comunidades.
quando lhe levei
os óculos novos 04) Gullar, que comumente é visto como
comprados na Ótica um “poeta político”, confere o apelo
Fluminense ele social aos poemas em Muitas vozes,
examinou o estojo com dando lugarao discurso público em
o nome da loja dobrou detrimento a questões de ordem
a nota de compra guardou-a privada.
no bolso e falou: 08) Os poemas mostram um diálogo com
quero ver o contemporâneo e o atemporal,
agora qual é o enfatizam uma consciência de
sacana que vai dizer linguagem sobretudo na utilização
que eu nunca estive de rimas, de detalhes sonoros e a
no Rio de Janeiro utilização de poemas em quadra.

A escolha de quem pensa! 39


Análise das Obras Literárias - UEPG

16) A morte “em segunda pessoa”, em V. Embora use recursos do fazer poético
Muitas Vozes, será representada concretista, Ferreira Gullar harmoniza
pelos poemas nos quais Gullar trata a ousadia formal com a representação
da morte daqueles que lhe são muito da emoção.
próximos, como “Filhos” e “Visita”.
Assinale a alternativa correta.
03. (UFPR- 2008) Leia o texto com atenção. a) Somente as afirmativas I, IV e V são
verdadeiras.
Ouvindo apenas b) Somente as afirmativas I e III são
verdadeiras.
e gato e passarinho c) Somente as afirmativas II, III e IV são
e gato verdadeiras.
e passarinho (na manhã d) Somente as afirmativas II, III e V são
veloz verdadeiras.
e azul e) Somente as afirmativas II, IV e V são
de ventania e ar verdadeiras.
vores
voando)
Texto para a questão 04
e cão
latindo e gato e passarinho (só Redundâncias
rumores Ferreira Gullar
de cão Ter medo da morte
e gato é coisa dos vivos
e passarinho o morto está livre
ouço de tudo o que é vida
deitado Ter apego ao mundo
é coisa dos vivos
no quarto para o morto não há
às dez da manhã (não houve)
de um novembro raios rios risos
no Brasil) E ninguém vive a morte
quer morto quer vivo
Acerca do poema acima reproduzido, mera noção que existe
considere as seguintes afirmativas: só enquanto existo
I. No plano da linguagem poética, 04. (UEPG - 2009) Analise as proposições e,
pelo menos um dos procedimentos considerando os aspectos do poema e a
empregados pelo autor em Muitas obra em que está inserido, assinale o que
vozes encontra-se exemplificado em for correto.
“Ouvindo apenas”: o texto espacializado 01) Esse poema de Ferreira Gullar, do livro
(a linguagem de base visual). “Muitas Vozes”, reitera a temática
II. O sujeito lírico de “Ouvindo apenas” da obra – a morte – algo simples, no
mantém-se desligado do mundo entanto redundante, como o próprio
objetivo, mostrando-se insensível a título nos aponta.
estímulos físicos. 02) Para o eu-lírico o vivo tem a ideia fixa
III. O emprego de quadras e tercetos da morte; o morto não tem noção do
isométricos associa “Ouvindo apenas” próprio estado em que se encontra,
ao modelo estrutural do soneto. estado de puro nada.
IV. O poema justapõe dois registros 04) Depreende-se no poema que para
da realidade: fora dos parênteses, o morto, em seu estado atual, não
os elementos da realidade são há raios (metonímia: tempestades –
relacionados de forma objetiva; dentro metáfora das tristezas), rios (metáfora
dos parênteses, fica evidenciada a das travessias da vida), e risos (metáfora
atuação do componente subjetivo. das alegrias), só o estado do nada.

40 A escolha de quem pensa!


Análise das Obras Literárias - UEPG

08) A repetição sonora da consoante “R” 16) A morte se situa na obra com o
(nono verso: “raios rios risos”), sem a significado de libertação.
pausa forçada das vírgulas, sugere a
passagem veloz das imagens da vida 06. Sobre as características literárias de
– imagens condenadas ao nada. Ferreira Gullar, marque a opção incorreta.
16) Os poemas que compõem “Muitas a) Seus versos ora incorporam elementos
Vozes” condensam toda experiência da literatura de cordel, como em João
do poeta, acumulada ao longo de Boa-Morte, Cabra Marcado para
quase sete décadas, em alguns, a Morrer (1962), ora se voltam para as
morte ganha significados diferentes. tensões sociais e políticas do homem
brasileiro, como em Dentro da Noite
Veloz (1975) e Na Vertigem do Dia
Texto para a questão 05 (1980).
b) O pós-modernismo de 45 raiado de
Aprendizado veios existenciais, a poesia concreta
Quando jovem escrevi e neoconcreta, a experiência popular-
num poema ‘começo nacionalista do CPC, o texto de ira e
a esperar a morte’ protesto ante o conluio de imperialismo
e a morte era então e ditadura, a renovada sondagem na
um facho memória pessoal e coletiva... são todos
a arder vertiginoso, os dias momentos de uma dialética da cultura
um heroico consumir-se brasileira de que Ferreira Gullar tem
através de participado como ator de primeira
esquinas e vaginas grandeza.
agora porém c) Ajudou a fundar o grupo Opinião e
depois de escreve com Oduvaldo Viana Filho a
tudo peça Se correr o bicho pega, se ficar o
sei que bicho come. Com Dias Gomes escreve
apenas a peça Dr. Getúlio, sua vida e sua glória.
morro d) com o Poema sujo, 1975, que Ferreira
GULLAR, Ferreira. Muitas Vozes (Adaptado). Gullar encontra a solução dos impasses
políticos e estéticos que impediam-no
05. (UEPG - 2009) Com relação ao poema, de realizar uma poesia de primeira
assinale o que for correto. grandeza. Politicamente, ele rompe
01) A constatação da certeza da morte com o comprometimento explícito das
implica um desejo de morte, um fato obras da década de 1960, preferindo
desolador. embutir a questão social nas ações e
02) Em tom de desespero, o poeta então lembranças que o poema evoca.
constata: “sei que / apenas / morro”. e) Após seu retorno ao país em 1977,
04) O poema nos chama indiretamente Ferreira Gullar tornou-se o poeta pouco
a atenção para dois elementos: valorizado dentro da redemocratização
a memória e a velhice, questões brasileira, não voltando a ter forte
importantes para a construção dessa atuação na área cultural.
ótica relativamente conformada.
08) O poeta compara suas duas posturas
em face do objeto a morte que, se
na juventude era percebido como
algo heroico, um “facho / a arder
vertiginoso”, um “consumir-se / através
de / esquinas e vaginas”, agora, após
toda uma vida, é visto com serenidade,
com a sabedoria de quem há tempos
– desde então – convive com esta
reflexão e sabe que sua proximidade
é real.

A escolha de quem pensa! 41


Análise das Obras Literárias - UEPG

O GUARANI
JOSÉ DE ALENCAR
Dados biográficos Foi o escritor que facilitou a nacionalização
da literatura no Brasil e consolidou o romance
José de Alencar nasceu em 1° de maio de brasileiro.
1829, em Mecejana, CE, e faleceu dia 12 de No ano de 1876, Alencar vendeu tudo o
dezembro de 1877, no Rio de Janeiro, RJ. que tinha e viajou para a Europa com Georgina
Era filho de José Martiniano de Alencar e seus filhos, buscando tratamento para sua
e Ana Josefina de Alencar. Desde a infância tuberculose.
José apreciava a leitura, a vida sertaneja e Em 1877, Alencar morreu no Rio de
a natureza, sob a influência do sentimento janeiro, vítima da tuberculose.
nativista que o pai revolucionário lhe passava.
Em companhia dos pais, viajou do Ceará à
Bahia, entre os anos de 1837-38. Seguiram para Principais obras
o Rio de Janeiro e nessa frequentou o Colégio
de Instrução Elementar. I Romances urbanos:
Foi para São Paulo em 1844, onde cursou »» Cinco minutos (1857);
Direito. Voltou para o Rio de Janeiro, período »» A viuvinha (1860);
em que exerceu sua profissão e colaborou no »» Lucíola (1862);
Correio Mercantil, além de escrever para o »» Diva (1864);
Jornal do Comércio. »» A pata da gazela (1870);
Foi eleito Deputado Federal pelo Ceará e »» Sonhos d’ouro (1872);
Ministro da Justiça, porém não conseguiu ser »» Senhora (1875);
Senador, sua maior ambição. Por não alcançar »» Encarnação (1893, póstumo).
seu objetivo, abandonou a política e dedicou-
se somente à literatura. II Romances históricos e/ou indianistas:
Em 1856, publicou Cartas sobre a »» O Guarani (1857);
Confederação dos Tamoios, nesse mesmo ano »» Iracema (1865);
lançou seu primeiro romance, Cinco Minutos. »» As minas de prata (1865);
Publicou, em forma de folhetins, O »» Alfarrábios (1873);
Guarani, no ano de 1857; essa obra lhe rendeu »» Ubirajara (1874);
popularidade. »» Guerra dos mascates (1873).
Escreveu romances indianistas, urbanos,
regionais, históricos, obras teatrais, poesias, III Romances regionalistas:
crônicas, romances-poemas de natureza »» O gaúcho (1870);
lendária e escritos políticos. »» O tronco do ipê (1871);
José de Alencar explorou em suas obras o »» Til (1872);
movimento indianista. »» O sertanejo (1875).
Em 1866, Machado de Assis elogiou
fervorosamente a obra Iracema, de forma que
o autor sentiu-se enobrecido. Resumo do Enredo
A admiração de Machado de Assis por José
de Alencar era tanta que escolheu-o como Como observa o próprio Alencar, nas
patrono de sua Cadeira na Academia Brasileira
de Letras. “notas do autor”, o título dado ao livro – “o
José de Alencar se preocupou em retratar guarani” – “significa o indígena brasileiro”.
sua terra e seu povo de tal forma que muitas Peri, pois, protagonista da história, seria não
obras suas relatam mitos, lendas, tradições, só o representante da grande nação tupi-
festas religiosas, usos e costumes observados guarani (da tribo dos goitacás), como também
por ele, com o objetivo de dar a feição do Brasil o símbolo do aborígine brasileiro em geral.
aos seus textos.

42 A escolha de quem pensa!


Análise das Obras Literárias - UEPG

O Guarani foi publicado, inicialmente, sob ENREDO E ESTRUTURA


a forma de “FOLHETIM”, de fevereiro a abril
de 1857. Segundo consta, sua publicação fez Em síntese, em O Guarani se contam
grande sucesso na época, sendo os exemplares as dramáticas lutas do fidalgo português D.
do jornal, em que era publicado, disputados Antônio de Mariz contra os índios que lhe
avidamente pelo público leitor. O interesse era, assediam a casa e terras e contra a revolta dos
talvez, semelhante ao que acontece hoje com homens d’arma a seu serviço, estimulados
as novelas de televisão. pelo ex-frade italiano, Loredano. Encontra D.
Além de O Guarani, Alencar publicou Antônio de Mariz leal e dedicado aliado na
diversos outros romances, sendo, até hoje, um pessoa do índio Peri, fascinado pela beleza
dos autores mais lidos da literatura brasileira. celestial de Cecília, filha de D. Antônio. Peri
A crítica costuma dividir os seus romances em salva mais de uma vez a vida de Ceci, como
quatro grupos: a chamava, e, tornado cristão, recebe do
1. romances urbanos: A Viuvinha, Diva, fidalgo português a missão de salvar-lhe a filha
Lucíola, Senhora, etc. cujo cenário é a quando, impossibilitado de resistir por mais
corte do Rio de Janeiro; tempo à investida numerosa dos selvagens,
2. romances históricos: As Minas de Prata resolve destruir sua casa para não se render.
e Guerra dos Mascates; Paralelamente, narram-se também no
3. romances regionalistas: O Gaúcho, livro os amores de Isabel, filha natural de D.
Sertanejo, O Tronco do Ipê; Antônio de Mariz, e do jovem fidalgo D. Álvaro
4. romances indianistas: O Guarani, de Sá”.
Iracema e Ubirajara. Todos esses fatos são colocados,
detalhadamente, nas quatro partes que
Importante observar que Alencar, no compõem o livro:
prefácio a Sonhos d’ Ouro, classifica O Guarani
como “romance histórico” – certamente levado Primeira Parte
por alguns elementos históricos que o livro A primeira parte, intitulada “Os Aventureiros”,
apresenta. Mas, como observa Oscar Mendes, e que consta de quinze capítulos, faz uma
na introdução da coleção “Nossos Clássicos”, descrição do lugar onde se achava a casa de
“achamos de melhor alvitre arrolar O Guarani D. Antônio de Mariz, situada às margens do
entre os romances indianistas, onde melhor rio Paquequer no interior do Estado do Rio.
se enquadra, pois o fundo verdadeiramente Está-se em 1604, época em que Portugal esta
histórico da narrativa e por demais limitado e sob o domínio espanhol. Aliás, é por essa razão
sem importância”. que o leal fidalgo português se refugia nesse
O Guarani é um livro estruturado bem recanto. Não pretendia prestar vassalagem ao
ao gosto romântico, pois o enredo contém rei da Espanha.
ingredientes que lhe são próprios: amor, “– Aqui sou português! Aqui pode respirar à
aventuras, vilões, além do exótico e do
pitoresco dos personagens e do cenário. vontade um coração leal, que nunca desmentiu
A rigor, o livro (como, de resto, todo a fé do juramento”.
“romance romântico”) é muito mais uma Longe da civilização, nesse recanto
novela que um romance. Basta lembrar que semelhante a “um castelo feudal da Idade
existe uma nítida preocupação pelo enredo, o Média”, vivia o leal fidalgo com sua mulher, D.
que não acontece com o verdadeiro romance, Lauriana; seu filho, D. Diogo; suas filhas Cecília
cuja característica básica é a análise. Além do e Isabel (esta última, filha natural – tida como
mais, O Guarani apresenta superficialidade “sobrinha”).
de caracteres, inexistindo, nas personagens, Com o desenrolar da narrativa, novas
“densidade psicológica” e traços que as personagens são introduzidas: Álvaro de Sá e
caracterizam e “personificam” dentro do livro. Loredano que entram em ação já demonstrando
Em geral, observa-se que os personagens uma rivalidade que sempre os acompanhará. É
seguem linhas preestabelecidas, bem ao aqui que aparece o índio Peri às voltas com a
gosto da época, com traços marcadamente captura de uma onça.
simbólicos, inteiramente destituídas de Destaca-se ainda na primeira parte a trama
“personalidade”. de Loredano, frade renegado (= Ângelo di

A escolha de quem pensa! 43


Análise das Obras Literárias - UEPG

Luca) que pretende assassinar D. Antônio de Retomando a historia, Loredano trama


Mariz e levar Cecília consigo, pois devotava contra a vida de Álvaro (era seu concorrente na
por ela violenta paixão. Para isso, alicia dois disputa de Cecília), mas Peri o salva de morte
companheiros: Rui Soeiro e Bento Simões que certa, quando o vilão ia matá-la à traição.
se deixam levar pela promessa de riqueza fácil Por outro lado, sentindo que Isabel amava
(Loredano era possuidor do mapa das lendárias a Álvaro, Cecília, num gesto nobre e grandioso,
minas de Robério Dias). provoca o encontro dos dois, depois de
Por outro lado, destaca-se também a presentear a “irmã” com o bracelete que Álvaro
apreensão de D. Antônio de Mariz que prevê lhe dera.
um ataque dos índios: seu filho, D. Diogo, Depois de tantas façanhas, Peri está na
acidentalmente, matara uma índia e o fidalgo iminência de ser mandado embora: D. Lauriana,
teme a vingança. É o que relata ao seu fiel que não gostava do índio e achando que ele
escudeiro Aires Gomes no Capitulo VI. punha a vida de todos em perigo, exigiu que
Aos poucos, a narrativa vai-se concentrando D. Antônio o despedisse. Aqui todo o heroísmo
em torno de Peri, o protagonista da história, anônimo do índio se revela e ele continuaria
prestigiado pelo fidalgo português.
e da sua protegida, Cecília. Suas façanhas A segunda parte encerra com uma sugestiva
preenchem capítulos e mais capítulos e sempre “xácara”, cantada por Cecília, que narrava o
esta presente, quando a filha de D. Antônio de amor de uma “cristã” e de um “mouro”, sem
Mariz corre perigo: ao banhar-se nas águas de dúvida, o caso dela e do índio:
um rio, Peri salva-a de morte certa, quando os “Tu és mouro; eu sou cristã”
parentes da índia morta por D. Diogo querem
vingá-la. Nesse mesmo dia, Peri descobre toda Terceira Parte
a trama diabólica e hedionda de Loredano. Intitulada “Os Aimorés”, a terceira parte
se concentra na perfídia de Loredano que
Segunda Parte começa a executar o seu diabólico plano. Mas
“Peri” é o titulo da segunda parte. Aqui, Peri, atento a todas as manobras do ex-frade,
através de um “flash back”, que se alonga até o mata a Rui Soeiro e Bento Simões e a queda de
Capítulo IV, o autor volta ao ano de 1603 para Loredano está iminente.
explicar a origem de Loredano: era o frei Ângelo Aqui surge o inimigo comum: os Aimorés.
di Luca que, em confissão, obteve o roteiro das Movidos pela vingança, os índios cercam a
minas de prata de Robério Dias. Abandona de casa do fidalgo português que não tem forças
forma escusa a batina e arquiteta um plano suficientes para rechaçá-los. Novamente é
para ficar com a riqueza e com a bela filha Peri que vem salvá-los, entregando-se como
de D. Antônio em cuja casa se hospeda como prisioneiro aos aimorés, após envenenar o
aventureiro. seu corpo. Seu plano era envenenar todos os
É também através desse “flash back” que índios, pois fatalmente eles comeriam a sua
ficamos conhecendo a origem de Peri: a família carne, e salvar Cecília com o sacrifício de sua
do fidalgo português passeava tranquilamente vida.
e Cecília corria pelos campos, quando rola
uma imensa pedra e está prestes a esmagar a Quarta Parte
menina. É aqui que surge Peri: numa atitude Na quarta parte, intitulada “A Catástrofe”,
Álvaro entra em cena e, num gesto de bravura
hercúlea, esbarra a pedra e salva Cecília de e coragem, salva Peri no exato momento em
morte certa. A partir daqui, seu contato com que ia morrer.
a família será constante, sempre como “anjo Por outro lado, Loredano é condenado à
da guarda” de Cecília por quem devotava fogueira e Álvaro, ao sair com uma caravana
verdadeira adoração, pois o índio a confundia em busca de víveres, é morto pelos índios. Mais
com Nossa Senhora. Não obstante, a filha de uma vez, é Peri quem surge e arrebata o corpo
D. Antônio o despreza e magoa. É aqui que das mãos dos antropófagos índios e o leva, já
surge o apelido “Ceci” (= a que magoa). Mas morto, à casa de D. Antônio. Isabel, que não
logo a menina percebe o lado sublime da ação saberia viver sem ele, ingere veneno e morre
do índio e a história vai-se concentrando, cada também para se encontrar com o amante na
vez mais, no envolvimento dos dois. outra vida.

44 A escolha de quem pensa!


Análise das Obras Literárias - UEPG

Diante de nova investida dos aimorés e “A casa onde habita um amigo


vendo-se perdido, D. Antônio incumbe Peri dedicado como este, tem um anjo da
de salvar sua filha, levando-a para casa de sua guarda que vela sobre a salvação de
irmã no Rio de Janeiro. Antes, há a cerimônia todos”
de batismo e Peri se torna cristão, recebendo Por ela, não hesitaria em matar ou
o nome de Antônio. morrer como demonstrou várias vezes.
Adormecida, Peri carrega Cecília, numa Para ele, Cecília não era um simples
canoa, pelo rio abaixo, quando a casa do fidalgo mortal; mas uma santa que ele protegia
explode: era D. Antônio que explodia o paiol de e cultuava, – “uma religião”;
pólvora destruindo os seus e também os índios. “Em Peri, o sentimento era um culto,
Enquanto isso, a canoa vai descendo, espécie de idolatria fanática, na qual
lentamente, o rio Paraíba. Peri quer cumprir não entrava um só pensamento de
a sua missão: levar a filha de D. Antônio de egoísmo”
Mariz ao seu destino. A menina, porém, quer 2. CECILIA: com seus “grandes olhos
ficar com o índio a quem já ama. Um temporal azuis”, “lábios vermelhos” e “longos
começa a desabar. Um pouco mais, e o rio cabelos louros” e o protótipo da beleza
transbordaria. Tal como na lenda de Tamandaré romântica.
(= Noé bíblico), Peri e Cecília refugiam- se no Como já mostramos, encarna bem
topo de uma palmeira. Ás águas começam a a mulher-anjo do Romantismo: “esse
subir e, num esforço hercúleo, o índio arranca anjo louro, de olhos azuis, representava
a palmeira e os dois somem-se no horizonte. a divindade na terra”, como escreve
Alencar.
Bela, pura, inocente, virgem, essa
Personagens menina e dona de qualidades morais
dignas de uma heroína romântica.
Em geral, não é difícil a caracterização das Quando percebe que Isabel ama a
personagens românticas. Apresentam sempre Álvaro, não hesita em sacrificar-se
as mesmas características, de acordo com o em favor da “irmã”. É bem verdade
que prescrevia o figurino romântico. que se revelou mesquinha e ingrata
Em o Guarani, avultam-se como as mais com Peri no início, desprezando-o e
importantes: magoando-o. É daí que surge o apelido
1. PERI: é um super-homem que encarna “Ceci”, a que magoa, como lhe chamou
bem as qualidades que o autor lhe o índio.
confere como símbolo da terra e da
pátria brasileira: e corajoso, bravo, 3. D. ANTONIO DE MARIZ: é o protótipo
impetuoso, leal e nobre, como do fidalgo medieval, colocando acima
de tudo a lealdade, a honra, a dignidade
reconhece o próprio D. Antônio. e a nobreza: “Português de antiga
“É para mim uma das coisas mais têmpera, fidalgo leal, entendia que
admiráveis que tenho visto nesta terra, estava preso ao rei de Portugal pelo
o caráter desse índio. Desde o primeiro juramento da nobreza e que só a ele
dia que aqui entrou, salvando minha devia preito e menagem”
filha, a sua vida tem sido um só ato Ao isolar-se com sua família, lembra
de abnegação e heroísmo. Crede-me, bem o sistema feudal da Idade Média
Álvaro, e um cavalheiro português no onde ele era o senhor – o patriarca
corpo de um selvagem!” absoluto e autônomo, prestando contas
Peri é, pois, um selvagem idealizado, de seus atos apenas ao rei de Portugal.
dono de qualidades que fariam inveja O caso com seu filho, D. Diogo, e bem
aos mais nobres e leais fidalgos um exemplo do seu patriarcalismo.
medievais.
Por outro lado, é o protetor de 4. LOREDANO: como já se falou, é o vilão
Cecília – o seu “anjo da guarda”, como da história, representando bem o
o chamou D. Antônio: antagonista. Frade renegado, levando
uma vida cheia de crimes, Loredano

A escolha de quem pensa! 45


Análise das Obras Literárias - UEPG

era o “gênio do mal”, uma inteligência


voltada ao crime”.
Exercícios
Sua participação no livro é das
mais importantes: se não fosse ele, 01. (MACK) “Morreu Peri, incomparável
muitas das ações nobres e dignas do idealização dum homem natural como o
protagonista não seriam realçadas. sonhava Rousseau, protótipo de tantas
perfeições humanas que no romance,
5. ÁLVARO: é outro que tem traços ombro a ombro com altos tipos civilizados,
de herói romântico: corajoso, leal e a todos sobreleva em beleza d’alma e
digno são adjetivos que 1he ficam corpo.
bem. Embora não tivesse tido muita Contrapôs-lhe a cruel etnologia dos
oportunidade de demonstrar suas sertanistas modernos um selvagem
qualidades, provou a sua coragem ao real, feio e brutesco, anguloso e desin-
libertar Peri das garras dos aimorés. teressante, tão incapaz, muscularmente,
No mais serve de par a Isabel em de arrancar uma palmeira, como incapaz,
mais uma tragédia romântica. moralmente, de amar Ceci.
Por felicidade nossa — e de D. Antônio de
6. ISABEL: com “seus olhos grandes e Mariz — não os viu Alencar; sonhou-os
negros, o rosto moreno e rosado, qual Rousseau. Do contrário lá teríamos o
cabelos pretos, lábios desdenhosos, filho de Arará a moquear a linda menina
sorriso provocador”, representa bem num bom braseiro de pau-brasil, em vez de
a beleza e a sensualidade da mulher
brasileira, como observa o autor: acompanhá-la em adoração pelas selvas,
como o anel benfazejo do Paquequer.”
“Era um tipo inteiramente diferente
do de Cecília; era o tipo brasileiro em
toda a sua graça e formosura, com o Depreende-se do texto que o indianismo
encantador contraste de languidez e romântico:
malícia, de indolência e vivacidade”. a) caracterizou-se pela observação fiel do
“Filha natural” de D. Antônio, Isabel
é um misto de anjo e demônio, pois tipo físico e da paisagem brasileiros.
“vendo essa moça morena, lânguida b) promoveu a idealização do nosso
e voluptuosa, o espírito apegava-se indígena, segundo o mito rousseauniano
à terra, esquecia o anjo pela mulher; do “bom selvagem”.
em vez do paraíso, lembrava-lhe algum c) serviu-se grandemente da etnologia
retiro encantador, onde a vida fosse para retratar os índios brasileiros belos
um breve sonho”. Infelizmente Álvaro de alma e de corpo, não obstante a
morreu e não pode provar desse ferocidade canibalesca.
“breve sonho” e ela, romanticamente,
o acompanha, despojando-se de sua d) nasceu de um acurado estudo
provocadora “cor de jambo”. etnológico realizado por sertanistas,
que se preocuparam em dar-nos uma
As outras personagens que sobressaem imagem fiel do índio brasileiro.
são: D. LAURIANA, esposa de D. Antônio; seu e) procurou compor a imagem do índio
filho, D. DIOGO, responsável pela morte da brasileiro, conjugando características
índia que provocou a vingança dos aimorés; e de certo modo antitéticas: cani-
seu escudeiro, AIRES GOMES, que empresta um balismo e civilização, ferocidade e total
pouco de comicidade à narrativa. desprendimento amoroso.
Destacam-se ainda OS AIMORÉS que,
como Loredano, assumem também a função 02. O romance O Guarani, de José de Alencar,
de antagonista. publicado em 1857, é um marco da
ficção romântica brasileira. Dentre as
características mais evidentes do projeto
romântico que sustentam a construção
dessa obra, destacam-se

46 A escolha de quem pensa!


Análise das Obras Literárias - UEPG

I. a figura do protagonista, o índio Peri, Qual das afirmações seguintes não encontra
que é um típico herói romântico, tanto correspondência na cena final do romance
pela sua força física como pelo seu O Guarani, anteriormente transcrita?
caráter; a) “Extinto pelo dilúvio (a tempestade) o
II. o amor do índio Peri por Cecília, uma passado dos dois jovens (Peri e Cecília),
moça branca, sendo que esse amor superam-se as relações de vassalagem
segue o modelo medieval do amor
cortês; que havia entre ambos, bem como
III. o fato de o livro ser ambientado na se superam as diferenças raciais e
época da colonização do Brasil pelos culturais.”
portugueses, dada a predileção dos b) No final do romance, o amor de Peri por
românticos por narrativas históricas; Cecília permanece vassalo, fraterno,
IV. o final do livro marca o retorno a um platônico.
passado mítico, pois Peri e Cecília c) A bela união amorosa entre Peri e
simbolicamente regressam à época Cecília, sugerida por Alencar, simboliza
do dilúvio. a origem da raça brasileira.
d) A rica adjetivação, a comparação, a
Então, estão corretas: metáfora e a prosopopéia são traços
a) I e II. estilísticos da prosa alencariana,
b) I, II e III. presentes no texto.
c) I, II e IV. e) O heroísmo do índio Peri salvando
d) I, III e IV. Cecília reflete, no romance, a teoria do
e) todas. “bom selvagem”.
03. (FUVEST) Assim, o amor se transformava 05. Em O Guarani, o autor procura valorizar as
tão completamente nessas organizações*, origens do povo brasileiro e transformar
que apresentava três sentimentos bem certos personagens em heróis, com traços
distintos: um era uma loucura, o outro uma do caráter do “bom selvagem”: pureza,
paixão, o último uma valentia e brio. Essa tendência é típica do:
religião. a) romance urbano
............ desejava; ............. amava; .............. b) poemas épicos
adorava c) romance regionalista
(*organizações = personalidades) d) poemas históricos
e) romance indianista
Neste excerto de O Guarani, o narrador
caracteriza os diferentes tipos de amor 06. Em O guarani, três homens deixam-se
que três personagens masculinas cativar pela jovem Ceci. Sobre essas
sentem por Ceci. Mantida a sequência, relações sentimentais, assinale a única
os trechos pontilhados serão preenchidos alternativa correta.
corretamente com os nomes de: a) Loredano dedica a Ceci uma paixão
a) Álvaro / Peri / D. Diogo profunda, que o impele a praticar ações
b) Loredano / Álvaro / Peri recrimináveis em nome do sonho de
c) Loredano / Peri / D. Diogo enriquecer e tornar-se digno de casar-
d) Álvaro / D. Diogo / Peri se com a filha de D. Mariz.
e) Loredano / D. Diogo / Peri b) O amor sensual que Álvaro secretamente
alimenta por Ceci opõe-se à castidade
04. (CEAP-AP) “O hálito ardente de Peri dos sentimentos de Peri pela moça.
bafejou-lhe a face. Fez-se no semblante c) Peri, fiel protetor de Ceci, sente ciúmes
da virgem um ninho de castos rubores e de Loredano e Álvaro e, por isso, tenta
lânguidos sorrisos: os lábios abriram como impedir que eles se aproximem de .sua
as asas purpúreas de um beijo soltando o senhora.. Sendo assim, percebe-se que
vôo. A palmeira arrastada pela torrente
impetuosa fugia... o amor de Peri por Ceci não era tão
E sumiu-se no horizonte.” desinteressado quanto parecia.

A escolha de quem pensa! 47


Análise das Obras Literárias - UEPG

d) O respeitoso afeto de Peri foi sempre dominado pelo direito da força e da


correspondido por Ceci, mas precisou coragem.”
aguardar que o índio se cristianizasse
para poder se transformar em amor Assinale a alternativa que interpreta
confesso, possivelmente realizado. corretamente o trecho.
e) Ainda que escolhido como genro por
D. Antônio de Mariz, Álvaro sabe que a) Peri, ao final da narrativa, volta ao
Ceci não o ama e, por isso, não tenta seu habitat, onde pode demonstrar
conquistar a simpatia da moça. pela primeira vez seu valor e sua
heroicidade.
07. Assinale a alternativa que apresenta um b) O julgamento que o narrador faz de Peri,
trecho em que se verifica o emprego da um bárbaro entre os civilizados, revela
metalinguagem por parte do narrador de a percepção de que o índio jamais
O guarani. poderia ser elevado ao patamar de
a) .Poucas horas depois que Loredano ancestral simbólico da nação brasileira.
fora admitido na casa de D. Antônio de c) No trecho e em toda a obra, o narrador
Mariz, Cecília chegando à janela de seu oscila entre o louvor das qualidades
quarto viu do lado oposto do rochedo do herói e a preservação da ideia
Peri (...).. de superioridade dos valores da
b) .Mas não antecipemos; por ora ainda civilização branca, o que determina
estamos em 1603, um ano antes uma perspectiva conciliatória do
daquela cena, e ainda falta contar processo colonizador brasileiro.
certas circunstâncias que serviram para d) Ceci não poderia confessar sua
o seguimento desta verídica história.. admiração por Peri enquanto vivia
c) .Naquele tempo dava-se o nome com sua família porque sua mãe, dona
de bandeiras a essas caravanas de Laureana, desprezava os indígenas.
aventureiros que se entranhavam pelos Além disso, a moça demonstra
sertões do Brasil, à busca de ouro (...).. consciência de que os índios jamais
d) .Sobre a alvura diáfana do algodão, a passariam de cativos no processo de
sua pele, cor do cobre, brilhava com colonização brasileira.
reflexos dourados (...).. e) O narrador assume a perspectiva
e) .Como é solene e grave no meio das discriminatória contra os indígenas,
nossas matas a hora misteriosa do reduzindo-o a um bárbaro escravo;
crepúsculo (...).. Peri só pode mesmo ser considerado
um herói na perspectiva da apaixonada
08. Leia o trecho de O guarani, em que o Ceci.
narrador estabelece considerações sobre
o protagonista do romance no momento 09. Sobre O guarani, é incorreta a afirmação:
em que ele e Ceci estão sozinhos, fugindo a) A morte acidental da índia aimoré,
dos Aimorés. provocada por D. Diogo de Mariz,
.Peri, que durante um ano não fora para ela é o e l e m e n t o d e f l a g ra d o r d o
[Ceci] senão um amigo dedicado, aparecia- acontecimento central do romance: o
lhe de repente como um herói (...). esperado ataque dos aimorés contra o
solar dos Mariz.
(...) b) Loredano opõe-se a Álvaro por desejar
No meio dos homens civilizados, era um Ceci, e é diametralmente oposto a
índio ignorante, nascido de uma raça Peri, por seu caráter traiçoeiro e por
bárbara, a quem a civilização repelia e ameaçar o bem-estar da família de D.
marcava o lugar de cativo. Embora para Antônio.
Cecília e D. Antônio fosse um amigo, era c) D. Laureana, ao contrário do marido,
apenas um amigo escravo. não simpatizava com Peri, revelando-
Aqu i, p orém, to d a s a s d i sti n ções se preconceituosa contra os índios,
desapareciam; o filho das matas, voltando atitude que também afeta Isabel,
ao seio de sua mãe, recobrava a liberdade; mestiça aceita na família como sobrinha
era o rei do deserto, o senhor das florestas, órfã de D. Antônio de Mariz.

48 A escolha de quem pensa!


Análise das Obras Literárias - UEPG

d) Peri demonstra todo seu altruísmo e a) Todas as afirmações são verdadeiras;


astúcia ao tentar sacrificar-se para com b) Somente a afirmação I é verdadeira;
isso matar os índios que ameaçavam a c) Somente a afirmação I e II são
família Mariz. verdadeiras;
e) D. Antônio de Mariz procura, como d) Somente as afirmações II e III são
honrado fidalgo, salvar a qualquer verdadeiras;
custo a vida de seus familiares. Por e) Somente a afirmação II é verdadeira.
isso, havia preparado uma emboscada
contra os índios, enchendo de pólvora
o porão de seu solar.

Leia os trechos transcritos de O Guarani


para responder a questão 10.

.(...) Continuando a descer, chegava-se à


beira do rio, que se curvava em seio gracioso,
sombreado pelas grandes gameleiras e angelins
que cresciam ao longo das margens.
Aí, ainda a indústria do homem tinha
aproveitado habilmente a natureza para criar
meios de segurança e defesa.”
.Como é solene e grave no meio das nossas
matas a hora misteriosa do crepúsculo, em que
a natureza se ajoelha aos pés do Criador para
murmurar a prece da noite!.

10. Analise as afirmações sobre a natureza


em O guarani. Em seguida assinale a
alternativa adequada.
I. A natureza cumpre importante papel
na obra, caracterizando a .cor local.,
isto é, as especificidades da paisagem
brasileira, descrita ora como bela e
delicada, ora como enérgica, misteriosa GABARITO
e ameaçadora.
II. Na descrição da paisagem empregam- DOM CASMURRO
se palavras de origem indígena para 01. D 02. E 03. A 04. D 05. B
designar plantas e animais próprios 06. D 07. E 08. B
das matas tropicais; além disso, a FELICIDADE CLANDESTINA
adjetivação é abundante, de modo 01. A 02. D 03. A 04. C 05. D
que a impressão é sempre a de uma
06. 14 07. D 08. C 09. B
natureza de variadas e extremadas
qualidades; por fim, a natureza é DOIS IRMÃOS
frequentemente descrita por meio 01. E 02. A 03. B 04. A 05. 07
de associações metafóricas, o que 06. C 07. E
empresta um caráter fantasioso ao MUITAS VOZES
texto. 01. E 02. 25 03. A 04. 31 05. 12
III. A paisagem tipicamente brasileira
06. E
opõe-se completamente à civilização,
à cultura, à religiosidade; por isso, no O GUARANI
romance ao solar dos Mariz destaca- 01. B 02. E 03. B 04. B 05. E
se e isola-se completamente da selva. 06. D 07. B 08. C 09. E 10. C

A escolha de quem pensa! 49

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