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Mario A.L.Guerreiro
Departamento de Filosofia da UFRJ
Para Dewey, o verdadeiro critério pode ser encontrado no ego ou no alter ego
em relação à situação particular como um todo. É imprescindível ir além do eu fixo, do
eu dado em ambos os casos, para alcançar um critério para resolver o problema. Caso se
proceda de outro modo, a questão será colocada sobre uma base arbitrária ou
sentimental. Arbitrária, caso se suponha existir um cânone externo capaz de fornecer a
resposta adequada; sentimental, caso permita que os sentimentos experimentados em
um momento particular determinem o que deve ser feito.
Baseado nisso, Dewey considera que a opção entre altruísmo e egoísmo é na
realidade um pseudoproblema, pois resulta em última análise de uma falsa psicologia do
self. Toda ação humana é egoísta no sentido de que o ato se identifica com o self. Toda
ação humana é altruísta no sentido de que todo agente humano, ao se definir em termos
de finalidade, não pode deixar de levar em consideração os outros; tem de definir seu
self sempre em relação aos outros. Apesar de Dewey ter feito algumas observações
extremamente proveitosas, não estamos convencidos de que a referida oposição
constitui, de fato, uma falsa dicotomia.
Ele procurou fundamentar sua alegação no domínio da ação humana, para
posteriormente, tirar conseqüências para a ética. Como vimos, o ponto básico que
permitiu essa passagem do domínio do ser ao do dever ser – embora não tenha incorrido
na falácia naturalista apontada por D. Hume (1978) – se apoiou numa questionável
identidade do self e do seu ato. Há aí ao menos duas objeções podendo ser feitas: (1) Se
o eu próprio fosse idêntico ao ato desempenhado por ele, seria desprovido de qualquer
potencialidade.
Todavia, se - como o próprio Dewey admite – o self está “imerso em um
processo contínuo de construção”, como admitir que ele é desprovido de
potencialidade? (2) Se o eu próprio fosse idêntico ao ato, não poderíamos conceber a
possibilidade de diferentes eus, dotados de formações bastante diferentes, poderem
desempenhar atos que, se não são idênticos, pertencem ao menos ao mesmo tipo - e o
que está em jogo neste contexto não são token-actions (ações singulares) porém type-
actions (ações típicas).
Poderiam ser feitas outras objeções, mas basta dizer que a mencionada
concepção de Dewey é extremamente antiintuitiva. Parece muito mais proveitoso
assumir que, na teoria da ação estão em jogo ao menos seis entidades distintas, que
nenhuma teoria ética pode deixar de levar em consideração:
(1) agentes,
(2) motivos,
(3) circunstâncias
(4) ações desempenhadas pelos agentes
(5) finalidades buscadas por eles
(6) sentidos conferidos por eles às suas ações.
Segue-se que, uma vez recusada a “verdadeira psicologia” proposta por Dewey,
sua alegação da falsa dicotomia altruísmo/ altruísmo – no contexto do dever ser - não
pode ser sustentada do modo como ele tentou sustentá-la. Se-gundo entendemos, a
polêmica entre teorias éticas que defendem a primazia da ação interessada e da auto-
realização pessoal, bem como as que sustentam a primazia da ação desinteressada e da
benevolência, não constitui uma polêmica estéril. Assim sendo, as orientações de
conduta egoísta ou altruísta não constituem uma pseudodicotomia.
Contudo, pensamos que é um grave mal-entendido inferir uma ética do tipo
egoísta diretamente de uma teoria egoísta da ação humana ou inferir uma ética do tipo
altruísta diretamente de uma teoria altruísta desta mesma ação. Supondo que assim se
proceda, cabe falar em uma inadvertida passagem do domínio do ser ao do dever ser, o
que caracteriza a falácia naturalista (Hume, 1985 e Carcaterra, 1969). O que cada tipo
de ética tem realmente de fazer é apresentar justificativas para a sustentação de que
devemos agir visando à nossa auto-realização ou visando ao benefício do outro, ou
ainda tentando conciliar ambos os interesses. Neste último caso, temos de reconhecer
que a exigência feita por Dewey de um Princípio Unificador - apesar da dificuldade em
satisfazê-la - mostra-se algo imprescindível.
Mas há por acaso uma incompatibilidade radical entre a busca da auto-realização
e a ação desinteressada visando ao benefício do outro? Será que o auto-interesse está
sempre em conflito com o bem do outro? Ou será que isto ocorre apenas ocasionalmente
em situações-limite? Damos por assentado que a auto-realização não deve se fazer
mediante a produção de malefícios aos outros, pois, se a preocupação com a integridade
do outro não fosse levada em conside-ração, tudo seria válido para conquistar um
objetivo e os objetivos justificariam os meios, por mais danosos que fossem estes para
os outros. Porém, como não gostaríamos que os outros procedessem desse modo
conosco, somos levados a estabelecer como princípio ético que o limite do interesse de
cada um deve terminar onde começa o do outro – apesar de, em determinados casos, ser
extremamente difícil traçar uma linha demarcatória.
Pode-se alegar que o referido princípio não é motivado pelo altruísmo e por uma
disposição desinteressada, mas não se pode alegar que é motivado pelo egoísmo e pelo
auto-interesse, a menos que consideremos se tratar do egoísmo e do interesse de cada
um e de todos, uma vez que o cumprimento do mencionado princípio é benéfico para
todos e seu descumprimento maléfico para todos. Como propunha Locke (1966), a
liberdade de ação de cada um deve sofrer restrições e estas se justificam em nome da
liberdade de todos.
Devemos entender, no entanto, que a eleição do princípio de se abster da prática
do mal caracteriza uma atitude egoísta, uma vez que estamos todos preocupados em
evitar ou coibir males morais que podem nos atingir pessoalmente? Mas devemos
chamar de “egoísta” um indivíduo que não deseja o mal para si próprio? E será que um
altruísta o deseja? Será que um altruísta deve renunciar completamente ao seu auto-
interesse, mesmo quando está em jogo um legítimo interesse? Caso faça isto, não
deixará de ser altruísta e passará a ser um indivíduo carente de auto-estima? Por outro
lado, não devemos confundir o amor-próprio (ou auto-estima) com o egoísmo e o
narcisismo, que não se caracterizam meramente como preocupação consi-go próprio,
porém como um excesso de preocupação e de admiração por si mesmo, capazes de
impedir alguém de, ao encetar um curso de ação, colocar-se na posição do outro e
indagar seriamente a si mesmo se ele gostaria de ser tratado do mesmo modo como trata
o outro.
Segundo pensamos, o referido deslocamento é algo indispensável, ao menos em
con-cepções éticas que, como a de John Suart Mill (1981), assumem como princípio
ético supremo a rejeição de qualquer ação capaz de produzir dano (material ou moral)
ou mesmo risco de dano (material ou moral) para o outro. O mencionado filósofo
caracterizou o mencionado princípio com a máxima: No harm to others (Nenhum dano
para os outros). Mas, para pô-la em prática, é indispensável estar a todo momento
fazendo o referido deslocamento e indagando a si mesmo: “Eu gostaria que ele fizesse a
mim isto que estou fazendo a ele?”. “Se eu estivesse no lugar dele, eu gostaria de ser
tratado assim?”...
Há quem considere que a ética de Mill é negativista e egoística. Não há dúvida
de que ela é negativista, à medida que não faz nenhuma prescrição relativa ao que
devemos, porém ao que não devemos fazer. Mas pode ela ser considerada egoística,
quando sua preocupação precípua é a integridade física, patrimonial e moral do outro? É
verdade que Mill não emite nenhuma proposição ética dizendo que devemos agir
procurando produzir o bem ou a felicidade do outro e não procurando nossos próprios
bem e felicidade. Caso tivesse feito isto, ele estaria endossando a posição de Kant, que,
como vimos, foi severa e corretamente criticada por Dewey.
Para Mill, não há nada de errado em um indivíduo procurar seu bem e sua
felicidade – ao contrário, isto é o que é esperado dele, para estar de acordo com a
natureza humana, tal como já havia proposto Aristóteles – desde que, ao longo da sua
procura, não produza intencionalmente o mal e a infelicidade alheios. Se não podemos
dizer que a ética de Mill é “altruística” no sentido forte e positivo em que cabe dizer que
a ética kantiana o é, também não podemos dizer que ela é “egoística”, no sentido de se
limitar a enaltecer, pura e simplesmente, a auto-realização, uma vez que a autêntica
realização de um indivíduo só deve ser buscada mantendo profundo respeito pela auto-
realização do outro, por mais diferente e repelente que seja, para ele, o caminho
escolhido pelo outro. Sem a séria adoção desse princípio ético, não se pode por em
prática uma visão de mundo capaz de conviver com a pluralidade de escolhas e de
diferenças entre as pessoas humanas.
Ayn Rand (1991) discordou radicalmente de Dewey, pois não só não considerou
que egoísmo/ altruísmo constituíam uma falsa dicotomia, como também assumiu uma
ousada defesa do “egoísmo”, coisa indicada pelo próprio título do seu livro: The Virtue
of Selfish-ness (A Virtude do Egoísmo). Todavia, considerando o caráter ambíguo de
termos como self-love - que, como vimos, tanto pode ser entendido como “egoísmo”,
“indiferença em relação ao outro” ou como “amor próprio” e “auto-estima”- não
devemos pressupor açodadamente que está em jogo “o culto do eu” tal como proposto e
praticado por filósofos e literatos da época do Romantismo [vide a este respeito a
esclarecedora análise feita por Tucker (1963, pp.33-48)]. Assim sendo, cabe indagar, de
saída, que pretendia exatamente dizer a referida autora com selfishness. Ela própria fez
questão de esclarecer isso na introdução da referida obra:
Supondo que a definição de dicionário seja de fato a apontada pela autora, não
há dúvida de que a expressão “preocupação com os nossos próprios interesses” abriga
unicamente um sentido descritivo, podendo receber adicionalmente um sentido
valorativo positivo ou negativo, dependendo de como se considera o referido tipo de
conduta. Cabe lembrar que não é de nenhum modo raro a mesma expressão descritiva
receber, de diferentes modos de apreciação, uma valoração positiva ou negativa.
Pedagogas costumam valorar negativamente as expres-sões “ser competitivo” e “ser
agressivo”, mas gerentes de vendas as empregam freqüen-temente com uma valoração
positiva. Mas será que estão conferindo o mesmo sentido descri-tivo às mesmas
expressões a que conferem valorações opostas?
Consideremos as seguintes conjunções: (1)“ Teresa é extremamente ciumenta
[juízo descritivo] e o ciúme prejudica bastante nosso relacionamento” [juízo de valor] e
(2) “Teresa é extremamente ciumenta [ juízo descritivo] e isto é uma prova de que ela se
interessa muito por mim”[ juízo de valor]. Passando do sentido descritivo ao valorativo,
Rand afirma que a imagem do brutamontes, tal como contida na descrição do uso
popular de “egoísmo”, não é uma criação anônima despontando da interação social
entre os indivíduos. Trata-se de uma elaboração ideológica visando a uma determinada
finalidade:
Embora Rand não atribua a nenhum filósofo nem a nenhuma corrente filosófica
isto que ela caracterizou brevemente acima como “ética do altruísmo”, a crítica feita em
seguida retoma claramente, na década de 60 [obs. : A primeira edição de The Virtue of
Selfishness é de 1961], a mesma crítica que Dewey tinha endereçado à ética kantiana na
década de 30 [obs. : A edição revista de Ethics é de 1932]:
Mas como podem as instituições fazer com que as referidas ações sejam do auto-
interesse racional das pessoas? Elster não explica isto, mas admite explicitamente que o
argumento acima é errado (Elster, 1994, p.72). Dito isto, ele parte para examinar a idéia
de que toda ação é auto-interessada, porque é motivada pelo prazer que proporciona ao
agente. “Se dou um presente a alguém que amo, não estou simplesmente usando essa
pessoa como meio para minha própria satisfação?” (Elster, 1994, p.72).
Aparentemente, sim, pois a finalidade última do referido ato não é o prazer que o
outro experimenta, porém o prazer que o agente experimenta com o prazer do outro.
Todavia, Elster considera que, na realidade, o prazer experimentado pelo agente não
passa de um “subprodu-to” do prazer do outro. Além disso, ele considera que nem
todas as ações altruísticas são feitas por amor e produzem prazer para quem as faz.
Algumas são feitas por um senso interno de dever e não precisam proporcionar prazer
ao agente (Elster,1994,p.72). Feitas essas oportunas observações, ele toca em um ponto
não-tematizado por Dewey nem por Rand:
Mas - como sugere Ester - podemos mesmo imaginar um mundo em que todos
tenham motivações unicamente egoísticas? Seria um mundo em que ninguém se
apaixonaria por ninguém; ninguém seria capaz de amar, mesmo não sendo amado.
Situado ainda no domínio da ação humana, sem passar do ser ao dever ser, Elster recusa
a idéia de que os indivíduos sempre agem movidos pelo auto-interesse. Segundo ele, “os
pais têm um interesse egoístico ao ajudar seus filhos, supondo que os filhos irão cuidar
dos pais na velhice”. Mas se os filhos correspondem à expectativa dos pais, não se pode
dizer que estão agindo por auto-interesse. Apesar disto, isto não impede muitos de fazer
tal coisa. (Elster, 1994, p.73). [obs. nossa: Não cremos que o referido interesse dos pais
seja maior do que o verdadeiro amor que sentem por seus filhos e se estes preenchem o
que é esperado deles, tanto podem fazê-lo por amor aos seus pais como por mera
retribuição].
Em seguida, Elster fornece um exemplo inequívoco de ação altruísta: “Alguns
contribuintes de obras de caridade dão anonimamente e assim não po-dem ser
motivados pelo prestígio”. (Elster, 1994, p.74). Como já havíamos ob-servado, aqueles
que assim o fazem buscam unicamente o bem dos outros; sua conduta é guiada pelo
Princípio de Discrição enfeixado pelo moto: O que a mão direita faz, a esquerda não
precisa ficar sabendo. Elster completa seu pensamento di-zendo: “Presentes
publicamente visíveis poderiam ser explicados pelo prestígio de doar ou pelas sanções
sociais impostas aos não-doadores. Apenas presentes de desconhecido a desconhecido
são não-egoísticos sem ambigüidade” (Elster, 1994, pp.74-5, os itálicos são nossos).
Examinando mais detalhadamente a motivação altruística, Elster entende que
ajudar ou dar amor são comportamentos instrumentais, quer dizer: comportamentos
voltados para resultados. Se um pai ajuda seu filho, procura o melhor meio de fazê-lo
feliz. Quanto ao conceito de dever, ele tanto pode ser instrumental como não-
instrumental. Exemplo deste último tipo, para Elster, é o imperativo categórico
kantiano, que, grosso modo, corresponde à pergunta: “Mas, e se todos fizessem isso?”.
O que seria se todos sonegassem seus impostos? Se todos ficassem em casa no dia das
eleições ou se recusassem a ajudar os pobres? Elster observa oportunamen-te que esse
apelo poderoso não está preocupado com resultados reais, com o que aconteceria se eu
adotasse certo curso de ação. Está ligado ao que iria acontecer, hipoteticamente, se
todos o adotassem. (Elster, 1994, p.75).
Contudo, Elster observa que Kant e os kantianos não estão preocupados nem
com resultados nem com circunstâncias [coisa que, segundo pensamos, gera difíceis
obstáculos para a compreensão de agentes morais, que são sempre indivíduos agindo
dentro de circunstâncias específicas e visando a resultados quase sempre da mesma
natureza]. Por sua vez, os assim chamados utilitaristas – às vezes também conhecidos
como “conseqüencialistas” - não estão somente preocupados com resultados, mas
também com circunstâncias. Mas, para Elster, há ainda uma terceira alternativa:
Se A. Rand rejeitou como imoral toda e qualquer variação daquilo que chamou
“a ética do altruísmo”, Elster – restringindo-se ao domínio da teoria da ação e
procurando evitar uma inadvertida passagem do ser para o dever ser – procurou avaliar
tanto o egoísmo como o altruísmo do estrito ponto de vista das suas boas ou más
conseqüências, tanto para os indivíduos como para a sociedade. Procedendo assim,
reconheceu a existência de diferentes formas de altruísmo e de egoísmo, algumas
podendo gerar boas e outras más conseqüências.
Tal como Rand, Elster admitiu que o altruísmo costuma gozar de boa fama e o
egoísmo de má fama. Mas quando o comparamos com algumas outras motivações, ele
pode parecer positivamente benevolente. Pessoas motivadas por coisas consideradas
vícios – inveja, rancor, ciúme, etc. – podem ser levadas a uma tentativa de superar os
outros. Abrem-se a partir daí duas alternativas: (1) o caminho difícil de fazer melhor
que os outros, que consiste em melhorar o próprio desempenho e (2) o caminho fácil,
que consiste em perturbar a competição [obs.: por suposição, uma competição sadia e
leal, feita dentro de regras preestabelecidas e estáveis].
Elster admite que ter prazer no infortúnio dos outros é provavelmente mais
comum que promovê-lo ativamente, mas às vezes as pessoas se desviam do seu
caminho para prejudicar os outros, sem pretender ganhos diretos para si mesmas. [obs.:
E este é um dos muitos exemplos que questionam seriamente o pressuposto da teoria
padrão da decisão, segundo o qual os indivíduos sempre decidem empregando a razão. [
vide a este respeito Tuch-man (1984) e Schick (1997)]. Elster ilustra sua afirmação com
um interessante exemplo: quando um bem não pode ser dividido entre os reclamantes -
por exemplo: a custódia de uma criança - uma resposta bastante comum é: “Se não
posso tê-la, ninguém a terá” (Elster, 1994, 78-9).[obs.: Talvez este tenha sido o
pensamento da falsa mãe que, quando Salomão ordenou ao soldado dividir com sua
espada a criança em duas partes e dar a cada reclamante uma, não abriu sua boca para
dizer coisa nenhuma - contrariamente à verdadeira mãe, que disse preferir dá-la à outra
mulher a vê-la morta].
Em uma nota de pé de página, Elster admite que o prazer experimentado no
infortúnio dos outros, não envolvendo nenhum ganho para aquele que o experimenta – a
não ser, é claro, a própria satisfação sádica – coloca uma difícil aporia para a teoria da
escolha racional. Suponhamos que eu prefira o estado x, no qual seus desejos são
frustrados, ao estado y, no qual são satisfeitos. Se me for oferecida uma oportunidade de
frustar seus desejos, devo aproveitá-la, ainda que isto me traga algum tipo de prejuízo
ou transtorno? Se não o fizer, serei racional? Ou estarei lidando racionalmente com um
desejo irracional, ao recusar-me a agir a partir dele? (Elster, 1994, p. 79). [obs.: Pode-se
alegar que o indivíduo decidirá conforme a opção capaz de lhe proporcionar maior
benefício e menor custo. Mas o problema é que não poucas pessoas experimentam mais
prazer no insucesso alheio do que no seu próprio sucesso]. Elster conclui seu
pensamento fazendo uma penetrante observação sobre o egoísmo:
Contudo – como admite em seguida Nash – “nos últimos dez anos a empresa
america-na detonou a muralha da China que tradicionalmente separava a discussão dos
problemas gerenciais da moralidade pessoal. Anos atrás, um pequeno número de líderes
empresariais excepcionais estavam interessados em questões de ética empresarial, hoje,
porém, há um número crescente deles preocupados com a elaboração de códigos de
conduta corporativos”.
Nash observa que grandes empresas como a Johnson & Johnson, a IBM, a
Goldman Sachs, a Hewlet-Packard, a Ford, a 3M, a Wall-Mart e muitas outras “estão
enfatizando que altos padrões pessoais de conduta são um ativo importante [ os itálicos
são nossos] tão valioso economica-mente quanto aquele outro bem intangível e
igualmente ilusório chamado “clientela” (ou “ponto comercial”)”. (Nash, 1993, p.4).
Assim como – pensamos nós – baixos padrões pessoais de conduta acabam gerando,
direta ou indiretamente, em curto, médio ou longo prazo, prejuízos morais e materiais
tanto para os funcionários como para a própria empresa. Infere-se daí que, se o lucro
obtido licitamente deve ser considerado moral, a boa moralidade deve passar a ser
considerada lucrativa.
Isto teria de ser apreciado mais aprofundadamente, de modo a evitar a falsa
impressão de que se trata de uma visão fria e superficialmente “utilitarista”. De qualquer
modo, pensamos que os princípios da ética negativista – tal como brevemente
apresentados e discutidos ao longo deste trabalho – podem ser adequadamente aplicados
a qualquer ética particular, quer se trate da empresarial, da médica, da científica ou de
qualquer outro código de conduta profissional.
Evidentemente, não se trata de uma aplicação mecânica e sem mediações, mas
sim de uma cuidadosa articulação de princípios universais com problemas particulares.
Uma ética universal, incapaz de atender a essas exigências dos diver-sos domínios da
ação humana, corre o sério risco de se tornar completamente ineficaz; uma ética
particular, incapaz de se nortear pelos princípios de uma ética universal, corre o sério
risco de ficar atolada no mero casuísmo.
No que diz respeito especificamente à ética empresarial, pensamos que ela não
deve se basear no altruísmo, entendido no sentido forte de conduta autenti-camente
desinteressada – a filantropia e outras formas de benefício não devem ser exigidas de
ninguém; só podem ser autenticamente praticadas, caso espontaneamente assumidas
pelos que as praticam, seja por amor ao próximo ou por uma obrigação moral
livremente auto-imposta. Não se pode obrigar ninguém a amar ninguém, pois a
obrigação imposta a partir de fora, caso fosse possível, destruiria a essencial
espontaneidade do ato de amar.
Trata-se portanto de uma questão de opção pessoal cuja valoração apresenta uma
sutil assimetria: Deve-se elogiar aquele que se mostra disposto a se sacrificar em
benefício dos outros e a abrir mão de seus bens e interesses – pois a generosidade é a
mais bela das virtudes humanas. Mas não se pode censurar aquele que não se mostra
disposto a fazer tais coisas, simplesmente porque não se pode censurar ninguém por não
querer exercer uma conduta cujo valor moral é inteiramente dependente da
espontaneidade do agente.
A ética empresarial tampouco deve se basear no egoísmo, entendido no sentido
forte de buscar unicamente os interesses pessoais, sem conceder a mínima atenção aos
interesses alheios. Como observou muito bem Dewey (1997, p. 231), a finalidade do
agente deve ser sua auto-realização. Ocorre que, em determinadas circunstâncias, a
melhor maneira de efetuá-la consiste em dar atenção às necessidades alheias. Para
exemplificar essa oportuna observação, recorremos ao caso dos gerentes das empresas
que, fazendo o cálculo da relação custo-benefí-cio, chegaram à conclusão de que pagar
um plano de saúde para seus funcionários não resulta-va em aumentar despesas, porém
em reduzi-las.
Pode-se fazer a suposição de que esse tipo de ação não passa de uma forma de
egoísmo esclarecido. Apesar de o benefício prestado aos funcionários possa ser
considerado apenas um meio através do qual a empresa atinge um benefício para si
própria, não se pode negar que ambas as partes acabam sendo beneficiadas, ainda que o
beneficiador não aja movido pelo puro altruísmo, mas sim pela compreensão racional de
que seus interesses não podem ser alcançados sem atender aos interesses daqueles que
cooperam com ele na persecução de um fim comum. Em uma empresa bem-
administrada, o sucesso de cada um concorre para o suces-so da empresa e o sucesso
desta deve concorrer para o de todos.
Por exemplo: quando os índices de crescimento da empresa ultrapassam os
previstos, seus funcionários devem ser receber gratificações por produtividade e, se
possível, correspon-tes ao grau de contribuição feito por cada um. Mas para que isto não
se torne unilateral, é imprescindível seus funcionários compre-enderem que, em
situações de crise e de redução dos lucros, eles devem aceitar restrições e sacrifícios
pessoais, de modo a ajudarem sua empresa a superar suas dificuldades, pois todos estão
dentro do mesmo barco. Se os funcionários têm direito a alguma forma de participação
nos lucros, devem ter o dever de assumir alguma forma de participação nos prejuízos.
Diante disso e de outras coisas peculiares à vida corporativa, devemos continuar
admitindo que a ética empresarial deve se caracterizar como um egoísmo esclarecido?
Ou como uma inteligente conjunção de interesses em que deve prevalecer um bom
padrão de conduta e a reciprocidade entre as partes interessadas, em nome de um bem
comum? E considerando que uma empresa é uma comunidade dentro da sociedade, seu
padrão teria validade para a sociedade como um todo? Estas são interessantes
indagações que, infelizmente, não podem ser respondidas satisfatoriamente nos limites
deste artigo.
Contudo, podemos adiantar que nossa resposta é não. Concordamos inteiramente
com a distinção feita por F. Hayek (1960) entre o que ele denominou de nomocracia e
teleocracia. A organização de uma empresa é de caráter teleocrático, uma vez que está
voltada para a consecução de um pequeno número de finalidades a serem conquistadas
(e além disso, como já dissemos, todos os seus membros devem participar na
consecução das mencionadas finalida-des, uma vez que estão em busca de um bem
comum). Por sua vez, a organização da sociedade é de caráter nomocrático. Ela não
pode prescindir de regras claras e estáveis voltadas para os desempenhos dos seus
membros. Daí a necessidade de leis capazes de coibir condutas prejudiciais ao outros.
Todavia, a organização social não pode ser considerada uma teleocracia, uma
vez que seus membros buscam um conjunto heteróclito de finalidades e é difícil
conceber uma finalidade comum a todos, a não ser a busca daquilo que cada um
considera ser a (sua) felicida-de. Daí Hayek dizer que não cabe falar em um bem
comum a todos os membros da sociedade, a não ser o estado de direito, pois é
justamente ele que estabelece as regras de comportamento necessárias para que cada
qual busque sua finalidade própria e não seja injustificadamente tolhido nos seus cursos
de ação. [ e lembremos que só se justificam restrições às condutas dos indivíduos
quando estas mesmas representam danos (físicos, patrimoniais ou morais) ou risco de
danos das mesmas categorias para o outro].
Há um pensamento extremamente simplista que costuma proceder do seguinte
modo: Considerando que, em sociedades extremamente complexas como a nossa, as
comunidades existentes estão dentro dela, então todas as regras de comportamento
(éticas e/ou jurídicas) válidas para a sociedade têm de ser igualmente válidas para toda e
qualquer comunidade encravada nela. Algumas até podem ser, mas não todas.
Supondo que se trate de uma sociedade democrática, todos os representantes do
povo têm de ser escolhidos mediante eleições em que todos os cidadãos manifestem sua
preferência através do voto secreto. O mesmo não deve ser feito em comunidades
dotadas de característi-cas peculiares – como é o caso das comunidades universitárias e
de centros de pesquisa, pois se teorias científicas forem submetidas à votação popular,
corremos o sério risco de distorcer gravemente o conhecimento científico e fazer uma
aplicação torta do adjetivo “democrático”.
Universidades e centros de pesquisa, por sua peculiar natureza, devem ser
comunidades hierárquicas e elitistas, não no sentido de que alguns dos seus membros
gozem de privilégios, nem que outros tenham de acatar ordens de seus superiores (como
costuma ocorrer em comunidades religiosas e militares), mas sim porque o que está em
jogo é uma meritocracia do saber, e o saber - embora seja sempre uma conquista
individual - é dependente da orientação daqueles que já alcançaram graus mais elevados
na hierarquia do conhecimento, que se faz pelo trabalho de muitos em um sentido
historicamente acumulativo.
Talvez, ninguém tenha expressado isto melhor do que Isaac Newton: “Se pude
ver tão longe, é porque subi nos ombros de verdadeiros gigantes” [Referia-se às grandes
conquistas científicas dos seus antecessores históricos – a saber: Galileu, Copérnico e
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