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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

CENTRO DE HUMANIDADES

ADOLFO SÁNCHEZ VÁZQUEZ – FILOSOFIA DA PRÁXIS

PRÁXIS, RAZÃO E HISTÓRIA

Breno Araújo1

Nesta resenha será trabalhado a concepção de práxis e racionalidade histórica


em Vázquez. Com base em alguns conceitos de Marx, o autor desenvolve aspectos
estruturantes da racionalidade histórica e da práxis social. O desenvolvimento
destas concepções neste trabalho, será a partir da seguinte questão: uma vez que
toda práxis pressupõem um momento teleológico no nível da ação individual,
como podemos conceber uma determinada práxis social sem reivindicar a
existência de uma teleologia universal, ou seja, a noção de uma finalidade para o
movimento histórico em sua totalidade?

O desenvolvimento de sua concepção segue uma análise histórica das


transformações socias, e do aspecto racional destas transformações, destacando o
papel e a relação com a práxis produtiva e social, assim como práxis subjetiva e
práxis objetiva.

Vázquez trabalha a noção de práxis individual como forma de desenvolver a


compreensão da práxis intencional e seu resultado, e sua relação com a práxis
coletiva. A práxis subjetiva comporta uma razão essencial para o resultado
buscado pela intenção coletiva, pois a práxis coletiva é a unidade da práxis
individual de cada sujeito, isto é, o processo coletivo em busca de resultados em
comum.

Objetivando o conjunto das subjetividades em torno da mesma intenção, seja a


produção de um objeto (como o trabalho do operário), destruição ou criação
(como atividade de um grupo social que visa desconstruir um sistema social em

1
Graduando em Filosofia-Licenciatura. UECE, 2022.
prol de outro), o sujeito se materializa, tendo como resultado a atividade projetada
pela consciência, assumindo direção e se concretizando através da práxis coletiva.
(objetivação do subjetivo, coletivização e materialização do projeto da
consciência)

(...) quando falamos aqui da práxis individual ou da práxis coletiva de um


conjunto de indivíduos, temos sempre presente a individualidade impregnada
da qualidade ou essência social que é inerente ao indivíduo como nó de
relações sociais. Nessa práxis individual ou coletiva, a atividade obedece a um
fim previamente traçado; seu produto é, portanto, uma objetivação do sujeito
prático - individual ou coletivo - e, em virtude de tudo isso, há certa adequação
entre seus fins ou intenções e os resultados de sua ação. Encontramo-nos,
portanto, em uma esfera prática que implica a intervenção da consciência como
processo de realização de uma intenção determinada, no curso do qual o
subjetivo se objetiva, a intenção se realiza, e o objetivo se subjetiva; ou seja, o
realizado corresponde - em maior ou menor grau, de acordo com as vicissitudes
do processo prático que já assinalamos - a certa intenção original. (...)2

A partir de alguns exemplos citados, vale ressaltar que as projeções subjetivas


da consciência, não diz respeito a formulações abstratas desligadas das condições
materiais de existência, mas um produto herdado destas mesmas condições,
operadas particularmente em cada indivíduo, mas sob uma intenção que
comumente opera com outras intenções condicionadas pelas suas relações
materiais. A práxis individual é, portanto, parte constitutiva dos resultados, a
atividade de sua consciência não é suficiente, mas é indispensável para
desenvolver a práxis coletiva.

Ademais, entre a intenção e o resultado, há uma relação dialética, tendo em


vista que os resultados comumente se alternam conforme o que foi originado pela
intencionalidade. Argumenta, que o importante neste processo dialético é o
resultado, o produto, e não os meios para seus fins.

(...) na medida em que a atividade do sujeito é uma atividade prática, o


determinante nela é seu produto, isto é, o que fica objetivado ou materializado
como fruto dessa atividade. (...) Se existe certa inadequação entre o ponto de
partida (intenção originário) e o ponto de chegada (produto) (...) o que conta,
acima de tudo, não é o produto original ou o nível de realização em que este se

2
2 VÁZQUEZ, Sánchez Adolfo, Filosofia da Práxis, Práxis, Razão e História, p 331.
encontra, ou se encontrava, no decorrer do processo prático, mas sim seu
resultado. (...) (VÁZQUEZ, Sánchez Adolfo, 2007, p 332)

Vázquez ressalta que, nesse movimento, é de suma importância o papel da


práxis individual, mas sua ênfase no resultado se explica por este atingir a intenção
da práxis, ainda que os meios e os resultados sofram alterações, sua objetivação,
por assim dizer, foi cumprida. Afinal de contas, um projeto se torna importante,
útil, ou revolucionário, quando de fato se concretiza, e não no momento em que é
idealizado ou intencionado na consciência.

Para não deixar sombra de dúvidas, Vázquez problematiza até que ponto está
presente a intenção do sujeito, da práxis subjetiva, em seu resultado final, tendo
em vista que em seu processo, sofre alterações que modificam seu resultado, e
responde na seguinte argumentação:

(...) Tal é o problema de como o subjetivo se objetiva no produto, (...) a práxis


exige uma atividade da consciência, não só no início do processo prático como
ao longo deste, para responder ás exigências apresentadas pela resistência da
matéria a ser transformada, o que implica uma problematicidade, uma
incerteza ou um imprevisibilidade relativas quanto a seu resultado;
(...)(VÁZQUEZ, Sánchez Adolfo, 2007, p 333)

Por conseguinte, a práxis individual, a intenção do indivíduo, não deixa de ser


adquirida mesmo em resultados modificados, pelo fato da atividade da
consciência trabalhar conforme as exigências que se apresentam no decorrer do
processo de objetivação, isto é, da obtenção do resultado. A intenção originária,
não perde seu caráter intencional subjetivo porque se adapta a novos meios ou
porque se integra a práxis coletiva, pelo contrário, desenvolve a mesma a partir da
relação dialética com a negação de condições a serem superadas, e afirmação de
novas condições em processo. Ademais, como ressalta Vázquez:

(...) se a práxis intencional é a realização de uma intenção sujeita, por sua vez,
a uma transformação ao longo do processo prático, o produto da atividade do
sujeito não passa da própria intenção já realizada. Nesse sentido, não podemos
separar a intenção e o produto em que se plasmou, o subjetivo e o objetivo. (...)
(VÁZQUEZ, Sánchez Adolfo, 2007, p 333)

Portanto, a relação entre o sujeito e seu produto é o que condiciona as formas


que engendram seu resultado e sua intenção originária, o que será julgado,
entretanto, serão seus resultados, e não sua intenção. Neste sentido, a atividade da
consciência é constante, e trabalha individual e coletivamente, objetivando o
sujeito prático na concretização de sua intencionalidade.

A partir dessa relação, é possível identificar o que Vázquez denomina por práxis
intencional, isto é, a práxis reflexiva, como práxis em seu caráter teleológico,
como atividade materializada tendo como pressuposto a ideação. A noção de
intencionalidade individual, faz parte da concepção de totalidade das relações
sociais.

Assim, não se trata aqui de expressar o quão longe chega os resultados que
partem de intenções subjetivas, mas da formação da subjetividade e da
intencionalidade individual a partir de suas forças produtivas, de uma dada ordem
social que condiciona as concepções de uma época, e forma a individualidade com
base nesse processo.

O social não um produto dos indivíduos, pelo contrário, os indivíduos é que


são um produto social. A individualidade - do ponto de vista histórico-social -
não é um ponto de partida; é algo que o homem conquistou - e enriqueceu - em
um processo histórico-social. (...) Desse modo, as relações sociais que se
entrelaçam no indivíduo e as condições que criam as formas fundamentais de
seu comportamento não existem como algo supra-individual, pois se não
podemos abstraí-lo da sociedade, tampouco podemos abstrair a sociedade (...)
dos indivíduos. (...) (VÁZQUEZ, Sánchez Adolfo, 2007, p 341)

A individualidade é uma forma, ainda que particularizada, de expressão de uma


estrutura social, considerando que suas relações de produção formam uma
determinada cultura, concepção de mundo, religião, meios de comunicação etc.
que contribuem na formação do indivíduo conforme a totalidade da constituição
social.

Assim, os indivíduos, apesar de suas singularidades, são seres sociais, e como


tal, constituem uma dada ordem social, ainda que não tenham consciência ou
intenção. O operário, por exemplo, trabalha para adquirir seus meios de
subsistência, mas contribui para o crescimento da indústria na qual trabalha por
meio da soma de sua produção. As produções dos indivíduos geram um conjunto
de fatores não intencionais, e estes fatores são o que constituem a práxis produtiva
e a práxis social. Vázquez refere-se a práxis dos indivíduos como formação não
apenas das intenções subjetivas ou objetivas, mas da própria história, como
intervenção em fatores globais:

(...) Sua práxis tem, portanto, uma dupla face: é intencional na medida em que
o indivíduo persegue com ela determinado fim; e não intencional na medida
em que sua atividade como ser consciente individual assume uma forma social
e integra-se em uma práxis coletiva - a produção como atividade social - que
leva a resultados globais - produção e conservação de determinadas relações
sociais - que escapam a consciência e a sua vontade. É assim que surgem
acontecimentos históricos decisivos (...) (VÁZQUEZ, Sánchez Adolfo, 2007,
p 342)

Portanto, a integração do indivíduo na coletividade, da práxis subjetiva na práxis


objetiva, ocorre na medida em que a primeira já possui uma finalidade como ser
social, ainda que a intenção seja individual, pois sua finalidade implicará em ações
que levarão a relações sociais, a uma dinâmica que, por essa razão, abrange
elementos mais complexos e gerais de uma dada estrutura social, com uma
influência a nível global. Este movimento dinâmico da estrutura social, que
condiciona e é condicionada pela práxis produtiva e social, subjetiva e objetiva,
faz parte da concepção de Vázquez de racionalidade histórica.

Esta racionalidade, com base na concepção marxiana, onde este explica o


movimento dinâmico e dialético da totalidade histórica da humanidade,
destacando as categorias comuns á algumas épocas históricas, e as categorias
comuns á todas as épocas históricas. Vázquez desenvolve esta noção a partir da
seguinte problemática: ''como pode ser racional uma história que os homens não
estruturam conscientemente de acordo com seus fins? de onde provém essa
racionalidade?'' 3

Nessa compreensão da racionalidade histórica, Vázquez, a partir de Marx,


contrapõe a noção teleológica (trabalhada por Hegel) da história, como se esta
fosse um processo destinada a um fim, condicionada por uma racionalidade
transcendente, desconsiderando sua materialidade como produto real dos
homens.‘’(...) a história se torna racional quando os homens adquirem a

3
Ibidem, p 345.
consciência de sua própria essência racional. A razão da história aparece,
portanto, com a história de sua razão. (...)’’ 4

Essa teleologia transcendental da história criticada por Marx, ausentaria o


homem como sujeito histórico, pelo fato da própria história dos homens ser um
fruto de suas relações de produção, isto é, da sua práxis produtiva e social. Por
conseguinte, concepções abstratas sobre uma finalidade histórica que sujeite o
processo concreto de seu desenvolvimento e das relações sociais, são refutadas,
pois o homem é sujeito ativo e transformador de sua própria história, e não um ser
passivo diante dos fatos ou de uma transcendência superior.

Tendo em vista que a história concebida em seu caráter racional, é uma relação
de totalidade, ou seja, é desenvolvida pela racionalidade de sua estrutura social,
de suas forças produtivas, a história, segundo Vázquez, se movimenta num
processo de ''continuidade'' e descontinuidade'', isto é, aspectos estruturais da
sociedade que permanecem, e os aspectos que são superados independente das
intenções da práxis individual ou coletiva.5

O processo objetivo da totalidade das relações de produção, condicionam as


mudanças sociais conforme a exigência da necessidade histórica, isto é, da
racionalidade de uma dada estrutura social, e não das intenções individuais ou
coletivas.

No desenvolvimento da concepção da racionalidade histórica em sua totalidade,


Vázquez afirma que o fator determinante na história é o fator econômico, isto é,
as relações de produção, pois estas seriam a base de toda a estrutura social e suas
relações.

O papel determinante do econômico corresponde ao lugar central que a


produção ocupa na sociedade humana e em sua história, na medida em que,
por seu caráter social, é também produção de relações sociais e condição
necessária de todo tipo de produção. O econômico é determinante em última
instância porque as relações materiais produtivas do homem com a natureza e
as que estabelecem, em consonância com elas, como relações econômicas
entre homens determinam todas as demais. Mas não se trata de um

4
Ibidem.
5
Ibidem, 346.
condicionamento unidimensional - de causa e efeito -, mas sim em e por uma
totalidade. (VÁZQUEZ, Sánchez Adolfo, 2007, p 350)

A concepção de racionalidade histórica é forma com que atua as relações de


produção e suas forças produtivas, ou seja, o fator considerado econômico,
entretanto, o fator econômico aqui é visto como uma categoria que adota toda uma
estrutura de relações sociais, as condições materiais de existência que
condicionam também, como demonstrara Marx,6 a superestrutura de uma época,
isto é, suas categorias abstratas como sua constituição jurídica, sua concepção de
mundo, sua ideologia etc.

Além disso, Vázquez desenvolve a ideia de racionalidade nas mudanças da


estrutura social, o processo material que dá de uma sociedade a outra. Para isso,
parte da demonstração marxiana de que, sendo as relações de produção o elemento
basilar das relações sociais, num momento em que as forças produtivas entram em
contradição com as relações de produção, inicia-se um processo crítico na
estrutura dessas condições materiais e suas relações sociais.

(...) o processo histórico como mudança estrutural é um processo ao mesmo


tempo contínuo e descontínuo. A continuidade se revela como aparecimento
de uma nova estrutura sobre as bases da anterior; ou seja, os homens fazem sua
própria história, mas partindo das condições criadas pela geração anterior. A
descontinuidade se revela como aparecimento de algo novo que, tendo como
ponto de partida as condições criadas pela estrutura anterior, é a ela irredutível.
(...) (VÁZQUEZ, Sánchez Adolfo, 2007, p 353)

Com isso, através desse processo dinâmico e dialético, as transformações


geradas pelos conflitos na base econômica, acarretam em efeitos na
superestrutura, exigindo assim, a necessidade de um novo sistema econômico-
social.

Portanto, Vázquez destaca o processo de racionalidade na totalidade do processo


histórico, nas transformações de estruturas socias. Assim, o estudo da gênese
histórica, é dada amplamente a partir do estudo de todo seu processo de
desenvolvimento, da natureza de suas condições materiais, suas categorias que
permanecem e as que são superadas.

6
Ibidem, p 339.
Em uma estrutura complexa (...) sua racionalidade não se manifesta em um
elemento ou em uma estrutura particular dentro dela, mas sim no todo, com
suas relações e dependências estruturais, isto é, na estrutura como um todo
orgânico, internamente relacionado. Portanto, a racionalidade da estrutura
complexa não se dá em um elemento ou estrutura abstraído ou separado do
todo (...) (VÁZQUEZ, Sánchez Adolfo, 2007, p 350)

Por conseguinte, a racionalidade histórica se expressa na totalidade de sua


estrutura econômica e social, de suas forças produtivas e suas relações de
produção, do dinamismo antagônico entre as classes, das contradições ou não,
entre as intenções da práxis subjetive e objetiva e seus resultados, na efetivação
dos resultados em uma estrutura social global não intencional, em suma, a história
em sua totalidade e sua dinâmica.

Neste sentido, a práxis social é aplicada, sem considerar a condição teleológica


da história, justamente por esta engendrar a formação da consciência de uma
sociedade, e a sociedade, como um conjunto de relações produtivas entre homens,
constituírem sua história por meio da práxis social e produtiva.

A não finalidade do movimento histórico não implica em sua irracionalidade,


pelo contrário, sua racionalidade se explica a partir de sua relação material e
dialética que nega determinadas condições, na construção de novas estruturas. Se
sua finalidade fosse assim, abstratamente concebida, a história tomaria um rumo
unilateral, gerando um determinismo em seu desenvolvimento econômico e
social, sem a qual, a práxis coletiva seria mero produto, sem elementos ativos e
transformadores.

Contudo, a concepção dialética da história, uma filosofia da práxis, permite o


reconhecimento do indivíduo como ser social, como ser ativo. Concebe a práxis
coletiva como fruto de uma racionalidade histórica que, assim o é, devido seu
dinamismo dialético e transformador, que resiste e ao mesmo tempo cede, a
atividade humana de acordo com as necessidades históricas e materiais do homem.

Por isso, os homens são um produto da história, mas também produtor. Produz
a sua racionalidade a partir da produção de sua vida, que nada mais é do que fruto
de suas relações de produção, ou seja, de uma dinâmica racional historicamente
engendrada. O ser humano é parte constitutiva da racionalidade histórica, ambos
se relacionam e condicionam sua transformação e seu desenvolvimento.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

- VÁZQUEZ, Sánchez Adolfo – Filosofia da práxis, Práxis, Razão e História


Edição: Expressão Popular, São Paulo, 2007.

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