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DIAGNÓSTICO, AVALIAÇÃO E

INTERVENÇÃO
AVALIAÇÃO, DIAGNÓSTICO E INTERVENÇÃO

1- ASPECTOS BÁSICOS DO Podemos dizer que o que é percebido


DIAGNÓSTICO pelo próprio indivíduo ou pelos outros é chamado
PSICOPEDAGÓGICO de sintoma. O sintoma está sempre mostrando
algo, é um epifenômeno2.
Todo diagnóstico psicopedagógico é, Com o sintoma o sujeito sempre “diz
em si, uma investigação, é uma pesquisa do que alguma coisa aos outros”, se comunica, e “sobre
não vai bem com o sujeito em relação a uma o sintoma sempre se pode dizer algo”.
conduta esperada. O sintoma é, portanto, o que emerge
Será, portanto, o esclarecimento de da personalidade em interação com o sistema
uma queixa, do próprio sujeito, da família e, na social em que está inserido o sujeito. Assim, o
maioria das vezes, da escola. No caso, trata-se problema manifestado pelo aluno numa
do não aprender, do aprender com dificuldade determinada escola, turma ou em relação a um
ou lentamente, do não revelar o que aprendeu, dado professor, pode não se manifestar de
do fugir de situações de possível aprendizagem forma clara em outro contexto escolar. Tal fato,
(WEISS, 1992). torna evidente que há um certo tipo de desvio
em relação a determinados parâmetros
Nessa investigação não se pretende
existentes no meio, que são representados por
classificar o paciente em determinadas
suas exigências (WEISS, 1992).
categorias nosológicas1 , mas sim obter uma
compreensão global da sua forma de aprender e Aceitando-se a ideia de que há um
dos desvios que estão ocorrendo nesse desvio, surge a pergunta: desvio em relação a
processo. Está-se buscando organizar os dados quê? Esse é um momento crucial do diagnóstico.
obtidos em relação à sua vida biológica, É preciso clareza do terapeuta na busca desses
intrapsíquica e social de forma única, pessoal. parâmetros que vão definir a qualidade e a
Nessa visão estaríamos subordinando o quantidade do desvio e sua importância no
diagnóstico psicopedagógico ao método clínico, desenvolvimento da escolaridade.
ao estudo de cada caso em particular. Busca-se Somente depois de clarificada a
do clínico exatamente a unidade, a coerência, a posição do desvio é possível traçar os rumos a
integração que evitariam transformar a serem seguidos no diagnóstico. Alguns
investigação diagnóstica numa “colcha de parâmetros são facilmente identificados como:
retalhos” com a simples justaposição de dados
ou com mera soma de resultados de testes e • Formação cultural;
provas. • Classe socioeconômica;
• Idade cronológica;
Na ação diagnóstica, recorremos
• Exigência familiar;
sempre a conhecimentos teóricos e práticos,
• Exigência escolar;
dentro de determinada perspectiva metateórica.
Há uma alimentação mútua permanente entre a • Relação entre conteúdos escolares e o
desenvolvimento de estruturas de
prática e a teoria. Nessa visão, poderíamos
pensamento;
colocar que o diagnóstico pode ser visto lato
sensu como uma “pesquisa-ação”. Esta • Exigências escolares durante a
possibilitará ao terapeuta levantar, sempre, alfabetização e a psicogênese da leitura
e da escrita, e,
hipóteses provisórias que irão sendo
confirmadas ou não, ao longo do processo; no • O desenvolvimento biopsicológico
final, hipóteses de trabalho permanecem para considerado normal.
novos casos clínicos.

1 análises quanto à distribuição das doenças na


O agrupamento de doenças segundo características
comuns constitui, ou seja, é uma classificação e serve, população.
basicamente, para finalidades estatísticas de
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Refere-se a condição ou a algo “sobre” ou “acima”
do fenômeno, derivando de uma causa primária.

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Outros dependerão do contexto em A entrevista da anamnese é


que está se dando o ensino-aprendizagem considerada um dos pontos cruciais de um bom
(WEISS, 1992). diagnóstico. É ela que possibilita a integração
das dimensões de passado, presente e futuro do
Para iniciar o diagnóstico
paciente, permitindo a percepção da construção,
psicopedagógico é fundamental que o terapeuta
tenha claro os dois grandes eixos de análise: ou não, de sua própria continuidade e das
diferentes gerações, ou seja, é uma anamnese
1º horizontal – a-histórico – visão do da família. A visão familiar da história de vida do
presente, “aqui, agora, comigo” paciente traz em seu bojo seus preconceitos,
2º vertical – histórico – visão do normas, expectativas, a circulação dos afetos e
passado – visão da construção do sujeito. do conhecimento, além do peso das gerações
anteriores que é depositado sobre o paciente.
A obtenção dos dados relacionados
aos dois grandes eixos não pode ser regida por Com essa entrevista, tem-se por
regras externas pré-fixadas: cada sujeito em objetivo colher dados significativos sobre a
exame representa um caminho próprio que deve história da vida do paciente. Da análise de seu
ser descoberto e respeitado pelo terapeuta conteúdo, obtemos dados para o levantamento
(WEISS, 1992). de hipóteses sobre a possível etiologia do caso,
por isso é necessário que a mesma seja bem
conduzida e registrada.
2- DIAGNÓSTICO DO PROBLEMA Na anamnese são estudados
DE APRENDIZAGEM levantamentos paralelos como:
• A história das primeiras aprendizagens;
Motivo da consulta • Evolução geral;
• História clínica;
A maneira como o profissional acolhe
• História da família nuclear;
o primeiro contato com a família ou o próprio
• História da família aplicada;
paciente é muito importante para a continuidade
• História escolar.
do processo. Neste momento, a família já está
dando um primeiro passo, que poderá ser o
início da mudança de conduta (PAÍN, 1992).
História vital
As múltiplas formulações feitas pelos
pais, pela escola e pelo próprio paciente em sua Uma segunda entrevista com a mãe
autovisão precisam ser analisadas nos seus estará dedicada à reconstrução da história da
diferentes significados. Há nessas frases pistas criança. É conveniente realizá-la depois de
diversas que levam à construção do fio condutor conhecer um pouco o paciente, através da hora de
da anamnese, e às vezes, do próprio jogo e algumas provas psicométricas, a fim de
diagnóstico, pois essa análise possibilita desde orientar o interrogatório para aquelas áreas mais
a compreensão das diferentes relações com a relevantes e não abrir oportunidade à emergência
aprendizagem escolar dos pais e do paciente à de ansiedades e deslocamentos. Perguntar-se-á,
aceitação ou não do diagnóstico. portanto, sobre os possíveis antecedentes
O primeiro contato do terapeuta com o genéticos quando houver suspeita de alguma
paciente é carregado de ansiedade para ambas participação deste fator, ou insistir-se-
as partes. Há muito de desconhecido para os á nas modalidades para educação do controle dos
dois. Cada um põe questões diferentes como: esfíncteres quando apareçam perturbações na
“O que acontece comigo”. “Sou burro”, por outro acomodação, de modo a não desesperar a mãe
lado: Será que me aceitará?”. com um emaranhado de “causas” possíveis, umas
que a acusam e outras que a redimem.
Nesse sentido, o primeiro contato,
aquele que geralmente acontece por telefone é A história vital nos proverá de uma série
muito importante para que ambos definam o de dados relativamente objetivos vinculadas às
caminho a trilhar, o qual deverá ser fielmente condições atuais do problema, permitindo-nos,
registrado. simultaneamente, detectar o grau de

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individualização que a criança tem com relação Como diz Paín (1992) ter uma pessoa só para
à mãe e a conservação de sua história nela. ela nas sessões diagnósticas já é “terapêutico”.
É interessante notar a estreita relação Por essas razões, quando não se vai
dos problemas de aprendizagem, definidos continuar a atender o paciente em tratamento
muitas vezes como “de memória”, com a posterior, é preciso que haja um limite no
impossibilidade da mãe para rememorar fatos e número de sessões diagnósticas, para não se
anedotas sobre a criança, que só pode aprofundar ainda mais a relação terapeuta-
recuperar parte de sua vida através dela. paciente e, de repente, cortá-la, frustrando as
Apesar de que nesta entrevista
expectativas do paciente ao se fazer um
necessitamos uma série de dados bem
encaminhamento para outro profissional.
estabelecidos, deverá ser tão livre como for Por outro lado, qualquer entrevista
possível, dando-se à mãe como instrução o tema com os pais já está, de algum modo, fazendo-os
geral, deixando que as especificações surjam da pensar sobre suas vidas com esse filho, refletir
espontaneidade do diálogo. Ao fazer a pergunta sobre questões antes afastadas do foco, sobre
procura-se incluir o nome do paciente para definir acontecimentos que consideravam irrelevantes
melhor o objetivo. Como por exemplo. “O que você e que agora ficam reposicionados nessas
pode me dizer sobre o nascimento de Alberto?". entrevistas.
Caso a mãe se mostre muito lacônica, confusa ou
A maior qualidade e validade do
retiscente, fecham-se um pouco as perguntas ou
diagnóstico dependerá da relação estabelecida
então inclui-se afetuosamente a mãe no relato,
entre terapeuta e paciente: empática, de
interessando-se pelas suas próprias experiências
confiabilidade, respeito, engajamento. A relação
nos momentos em que deseje revivê-Ias; por
de confiança estabelecida cria condições para o
exemplo. “Você tinha em quem confiar? Quem a
início de quer atendimento posterior.
ajudava?”; muitas vezes a mãe entende em tal
frase um convite para corrigir certas experiências e
recuperar delas níveis de satisfação sepultadas
pelo rancor da carência, neste momento em que A utilização de provas
lhe oferecemos a garantia da compreensão.
Noutro extremo poderemos encontrar uma mãe O uso de testes e provas não é
verborreica que nos inunda com circunstâncias e indispensável em um diagnóstico
anedotas, tecendo uma cortina de confusão que psicopedagógico. Ele representa um recurso a
não nos permite aproximarmos do sujeito de nosso mais a ser explorado pelo terapeuta em alguns
estudo. Às vezes as mães respeitam os limites de casos.
um questionário mais fechado, mas quase sempre É uma complementação que funciona
nos obrigam a denunciar que algo está oculto. com situações estimuladoras que provocam
reações variadas, às vezes intensas, em pouco
espaço de tempo. Por esta razão, considera-se
No caso de um paciente que consulta que não existe nenhuma bateria ideal de testes.
por problemas de aprendizagem, serão as Os testes e provas são selecionados
seguintes as áreas de indagação de acordo com a necessidade surgida em
predominantes: antecedentes natais, doenças, função de hipóteses levantadas nas sessões
desenvolvimento, aprendizagem (PAÍN, 1992). familiares, nas atividades lúdicas etc., quando
alguns aspectos não ficam claros e exigem um
aprofundamento por outros caminhos, em pouco
Relação terapeuta paciente tempo. Por ser apenas um meio auxiliar, é
fundamental a observação acurada, a escuta
A simples atenção da família ao se durante o processo de execução e a leitura
preocupar em levar uma criança a um psicopedagógica possível a ser feita do produto
profissional já é para ela o indicador de que os realizado.
pais passaram a se interessar mais por ela.

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O diagnóstico operatório • Bonequinhos de diferentes tipos;


• Carrinhos;
As dificuldades escolares podem estar • Ferramentas e outros instrumentos em
ligadas à ausência de uma estrutura cognoscitiva miniatura;
que organize os estímulos desconhecidos de modo • Bloquinhos de madeira ou plástico
a possibilitar a aquisição dos conteúdos polivalentes;
programáticos ensinados em sala de aula. Dentro • Pedaços de tecido de diferentes
de uma visão piagetiana, o conhecimento se texturas e estampagens;
constrói pela interação entre o sujeito e o meio, de • Canudinhos de refresco de diferentes
modo que, do ponto de vista do sujeito, ele não tamanhos e cores
pode aprender algo que esteja acima de seu nível
• Outros objetos no gênero e critério do
de competência cognitiva, ou seja, seu nível de examinador (WEISS, 1992).
estrutura cognoscitiva.
“Desta forma, cada um dos temas de
ensino supõe uma coordenação de esquemas Testes psicométricos
em um âmbito prático, representativo, conceitual
e concordante com um nível de equilíbrio Na utilização dos testes psicométricos
particular, obtido através de regulações, é necessário que o terapeuta tenha certos
descentrações intuitivas ou operações lógicas, cuidados como:
práticas ou formais” (Pain, 1992, p.23). Por
exemplo, um aluno de 1ª série em nível pré- • Só iniciar a testagem quando já tiver
operatório que não tenha atingido a uma boa relação com o paciente;
conservação de conjuntos discretos não terá • Conhecer bem a forma de aplicação e
condições cognitivas para compreender de as respostas possíveis para poder fazer
imediato exercícios de numeração no trabalho alguma pergunta de aprofundamento no
de sala de aula. Da mesma forma, o aluno de 2ª momento preciso quando sentir que há
série que não faz interseção de classe, não respostas duvidosas;
trabalha o multiplicativo, não terá condições de • Controlar a própria ansiedade para evitar
solucionar problemas de multiplicação. quebra no enquadramento exigido nas
instruções de aplicação e não ter, assim,
Para maior facilidade das situações de
atitudes inadequadas de
exame, podem ser organizadas duas caixas com condescendência, exigência exagerada
material a ser usado de diferentes maneiras. e impaciência;
Propondo uma primeira caixa, visando • Registrar cuidadosamente todas as
principalmente ao exame de crianças pré- atitudes e procedimentos do sujeito,
escolares (em geral, menores de 6 anos), assim como qualquer ocorrência
contendo objetos diversificados que permitam durante a testagem.
agrupar por forma, uso, material, cor, tamanho,
encaixe (dentro e fora) etc. Podem-se propor
brincadeiras que levem a classificar e a seriar, Técnicas projetivas
observando-se então, quantos elementos a
criança é capaz de seriar, qual a diferença O diagnóstico psicopedagógico usa
mínima percebida quanto ao tamanho dos técnicas que trabalham com situações
objetos etc. relativamente pouco estruturadas, usando
São sugestões de pequenos objetos estímulos com grandes amplitudes, até mesmo
de brinquedos de plástico, madeira, alumínio, ambíguos. As tarefas propostas permitem uma
papelão grosso: diversidade de resposta, havendo, portanto, o
livre jogo da imaginação, da fantasia, dos
• Panelinhas, pratos, copos, xícaras,
desejos.
talheres;
• Mobiliário de casa de boneca; O princípio básico é de que a maneira
• Frutas e legumes, flores; do sujeito perceber, interpretar e estruturar o
• Animais de diferentes espécies; material ou situação reflete os aspectos

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fundamentais do seu psiquismo. É possível, desse para esquerda) e o tempo empregado; depois
modo, buscar relações com a apreensão do realiza-se a mesma observação sobre a outra
conhecimento como procurar, evitar, distorcer, mão comparando-se os rendimentos. A
omitir, esquecer, algo que lhe é apresentado. adequação olho mão, que interessa
Podem-se detectar, assim, obstáculos afetivos principalmente a lecto-escrita, comprova-se
existentes nesse processo de aprendizagem de medindo os tempos e a direção na execução da
nível geral e especificamente escolar. instrução "une os pontos o mais rápido que
puderes".
Como coloca Anastasi (1967), “espera-
se que os materiais do teste sirvam como uma Convém deixar um intervalo entre um
espécie de “tela” na qual o sujeito “proteja” suas e outro exercício (ANASTASI, 1967).
agressões, seus conflitos, seus medos, seus
• De lecto-escrita: Interessa determinar
esforços, suas ideias características. Assim, os
que tipo de dificuldade é a que
aspectos do processo simbólico aparecem, nas
predomina no fracasso da criança na
produções gráficas, nos relatos de histórias
aquisição da escrita e da leitura. Um
criadas, no uso do gesto e do próprio corpo nas
exame do caderno nos permitirá saber
dramatizações.
se se trata de um problema ortográfico,
As dificuldades, as falhas, e os rodeios se há queda de letras, ligações entre
que os sujeitos com problemas de palavras, inversões, substituições
aprendizagem apresentam nesta prova indicam sistemáticas de fonemas, etc.
sua dificuldade para recuperar intelectualmente
Aqui também a bibliografia é generosa
objetos perdidos e reprimidos.
quanto a exercícios que discriminam a índole da
Interessam especialmente para o perturbação; para uma revisão muito rápida,
diagnóstico do problema de aprendizagem os podemos aconselhar a administração dos
seguintes aspectos derivados das provas seguintes itens:
projetivas:
• Reconhecimento de letras e fonemas:
• Recursos simbólicos para a usam-se duas lâminas, uma escrita com
representação; letras de imprensa e outra com cursiva.
• Modalidade do inventário, organização e Em ambas diz: “ao passar pela casa eu
integração na fantasia; disse para ele até amanhã. O sujeito
• Perturbações da identidade e a negação. deve indicar onde diz ma, pa, sa, as, Ia,
ao.
• Geração de palavras (função analítico-
As provas específicas podem ser: sistemática). Com cartões para montar
constrói-se mamãe e papai, e solicita-se
• De lateralidade: Tem por objeto ao sujeito compor mapa. Constrói-se
determinar o predomínio de um casa e mamãe: solicita-se maca, cama,
hemisfério cerebral sobre o outro na e saca, etc.
coordenação das ações, o que se • Compara-se o rendimento, na cópia, no
estabelece verificando qual a mão, o pé, ditado, na escrita espontânea e na
o olho preferido para a execução de leitura. Começa-se com a escrita
uma atividade, e comparando o espontânea e repete-se esta frase em
rendimento obtido quanto à habilidade, outras circunstâncias.
rapidez e força com a extremidade
direita e com a esquerda.
Existe numerosa bibliografia que Dentro deste esquema convém adaptar o
apresenta pequenos exercícios que confirmam a material segundo as dificuldades do paciente, com
predisposição lateral, como, por exemplo, o o objetivo de ir verificando se se trata de um
predomínio da mão: solicita-se à criança distribuir problema de organização espacial, temporal, de
trinta cartas em três montinhos. Anota-se a mão coordenação fonoaudiológica, de alterações no
preferida, o sentido da atividade (se esta é reconhecimento simbólico e as diferentes formas
realizada de esquerda para direita ou de direita de paralexia e paragrafia. Frequentemente é

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necessário arrecadar a opinião de um Descrita a realidade social é


especialista em problemas de imagem, para necessário discriminar a consciência que o
descartar a localização cortical (PAÍN, 1992). grupo tem do contexto de sua inserção, porque
dessa consciência depende intimamente o valor
que assumirá a aprendizagem, e o significado
Análise do ambiente atribuído a sua carência.
Entendemos por “consciência” a
Algumas instituições contam com um compreensão que o sujeito tem de seu “estar no
serviço de assistência social que, mesmo tendo mundo” e as causas às quais atribui as
poucos recursos para cumprir com a sua tarefa diferenças entre seu destino e o dos demais.
específica, dedica-se a servir de nexo entre o Por isto, não é suficiente situar o sujeito numa
habitat onde se dá a vida do paciente e a própria classe, de acordo com sua relação com a
instituição. produção de bens, dizer que pertence à classe
Através desse serviço conseguimos uma operária, por exemplo, pois sua pertinência pode
descrição do ambiente geográfico do sujeito, as adotar a forma da submissão, da traição ou de
características do bairro, serviços públicos e rebeldia (PAÍN, 1992).
sanitários com que esta conta, características da Isto está muito relacionado à seleção
habitação, conforto, inserção da família no grupo que o sujeito faz, dentro da disponibilidade
habitacional, lugar onde o sujeito dorme, come, faz cultural a que tem acesso pela sua situação
as lições, brinca ou trabalha, etc. social. Uma coisa é poder ou não poder possuir
Outros aspectos da habitação nos um objeto chamado rádio, e outra mover o dial
permitirão avaliar o nível, a abertura e a ideologia para escolher um programa.
cultural predominantes no lar. A higiene, o uso de Tal escolha está limitada, em primeiro
utensílios, os enfeites, a biblioteca, as plantas, o lugar, pela natureza das emissoras oferecidas,
cuidado com a conservação, a presença de num momento dado, pela comunidade, entre o
cortinas ou divisórias, para isolar o casal, os código da emissão e o código do sujeito;
motivos religiosos, as lâminas com figuras políticas finalmente, na medida em que responde a suas
ou de estrelas da moda, etc., permitirão necessidades e interesses, estes últimos criados
confeccionar uma hierarquia de valores em parte pelo próprio sistema cultural. Desta
predominantes, vigentes. maneira um questionário sobre as preferências
É conveniente também conhecer o tipo culturais nos permite realizar um inventário
de escola ou lugar de trabalho do paciente, e inclusive dos diferentes aspectos internos e
determinar até que ponto estes continuam a externos que constituem a abertura educativa.
modalidade do lar e compartem sua ideologia e Da observação das condições
em que aspectos não coincide com eles e ambientais nas quais se desenvolve a vida do
significam um corte ou uma contradição. paciente, extraímos conclusões sobre os
No caso de não se contar com um seguintes itens fundamentais:
assistente social é conveniente acrescentar à • Condições socioeconômicas;
história vital um questionário descritivo das • Aproveitamento de recursos;
condições materiais que cerca a criança e o • Ideologia.
aproveitamento que é feito dos recursos
existentes. Neste aspecto é necessário 3- HIPÓTESE E DEVOLUÇÃO
estabelecer o tipo de trabalho do pai e da mãe, DIAGNÓSTICA
o salário recebido e os serviços sociais a que a
família tem direito; tipo de habitação, tipo de
alimentação e assistência sanitária; banheiros e O que se entende por devolução é uma
artefatos domésticos. Além disso é conveniente comunicação verbal feita ao final de toda avaliação
observar como a família aproveita os recursos em que o terapeuta relata aos pais e ao paciente
que têm, como conserva os bens e os esforços os resultados obtidos ao longo do diagnóstico. É
que realiza para providenciar sua melhoria. uma análise da problemática seguida de sínteses
integradoras, que devem ser

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repetidas sempre que sejam acrescentadas percebem de aceitação ou negação,


novas informações e de algum modo se por parte dos pais e das formulações
arrumando novamente a situação no sentido da feitas pela escola.
diminuição das resistências (PAÍN, 1992).
Não é suficiente apenas apresentar Procure sempre fazer a devolução
conclusões, é preciso, aproveitar esse espaço para para os pais juntos, evitando a situação, muito
que os pais assumam realmente o problema em frequente, em que “problemas escolares são
todas as suas dimensões, o que significa com a mãe e o pagamento das sessões com o
compreender os aspectos inconscientes ou pai”, ficando este sem engajamento afetivo com
latentes da questão, em lugar de se fixarem a situação. No caso de pais separados, quando
apenas no aparente, facilmente visível. não aceitam a hipótese de sessão conjunta,
fazem-se as duas sessões separadamente,
No caso de crianças, é necessário que
deixando a critério do paciente comparecer a
se faça algum tipo de devolução no nível de
ambas ou a apenas uma, junto com quem
compreensão da idade. Somente assim não lhes
preferir.
ficará a sensação de que algo lhes foi tirado, de
que não há segredos entre o terapeuta e os Finalmente, é preciso que a devolução
pais, de que o terapeuta os traiu. se encerre ficando claro que o Modelo de
Aprendizagem do paciente e de sua família,
Uma outra questão a ser avaliada é a
das diferentes formas de se fazer a devolução. suas fachadas saudáveis e suas dificuldades,
bem como as possibilidades de mudança na
busca do prazer e eficiência no aprender.
No consultório: No final da devolução, quando surge a
• Inicialmente só o paciente e depois os necessidade de um atendimento, nova questão
pais: comumente ocorre com os se impõe; como fazer o encaminhamento
adolescentes que desejam discutir seu quando um outro profissional assumirá o
próprio caso sozinhos e depois que se paciente? Sempre que possível, promove-se um
converse com os pais. encontro com os pais, o paciente e o novo
• Inicialmente só o paciente e depois terapeuta e assim tenta-se fazer a passagem
novamente o paciente junto com os pais. nessa reunião conjunta e muitas variáveis
interferem nesse caso:
• A entrevista transcorre desde o início
com o paciente e seus pais. 1.O tipo de problema encontrado;
• No caso de pais separados, as 2.A idade do paciente;
situações variam de acordo com o nível
de entendimento ou conflito dos 3.As questões familiares;
mesmos e a existência ou não de novos 4.O nível de aceitação do paciente e dos pais;
companheiros que estejam envolvidos
com o paciente. 5.A confiança dos pais nas diferentes formas de
tratamento;
6.O tipo de escola;
Na escola: 7.O local de residência;
• Somente com o elemento da equipe 8.Os recursos financeiros disponíveis.
escolar;
• Com o paciente e o elemento da equipe
escolar;
Ao final do diagnóstico
• Com o paciente, seus pais e o elemento psicopedagógico, o terapeuta já deve ter
da equipe escolar; formado uma visão global do paciente e sua
• Com os pais e o elemento da equipe contextualização na família, na escola e no meio
escolar. social em que vive. Deve ter uma compreensão
• A escolha da forma mais adequada é do seu Modelo de Aprendizagem, o que já
pensada a partir das relações que se aprendeu, o que pode aprender, o que interfere

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no aprender do ponto de vista cognitivo e afetivo- 4- TRATAMENTO


social, que recursos possui, se os mobiliza ou não,
que direção tomam seus interesses e motivações
na busca do conhecimento.
Enquadramento e contrato

O laudo ou informe tem como A tarefa psicopedagógica tem um


finalidade resumir as conclusões a que se enquadramento próprio que possibilita solucionar
chegou na busca de resposta às perguntas rapidamente os efeitos mais nocivos do sintoma
iniciais que motivaram o diagnóstico. para logo depois dedicar-se a afiançar os recursos
Nas instituições, é comum o cognitivos. Consideraremos os aspectos mais
diagnóstico psicopedagógico ser realizado por importantes vistos pela ótica de Paín (1992).
equipe multidisciplinar. Nesses casos, o 1) É sintomático: O tratamento
processo diagnóstico segue caminhos diferentes centra-se no ponto de urgência do paciente que
conforme a composição da equipe e a entrada é não poder integrar os objetos de
do paciente no serviço (PAÍN, 1992). conhecimento. Essa dificuldade está
Têm-se encontrado instituições onde a comprometida numa situação mais complexa,
anamnese é feita pela assistência social, a seguir da qual resulta ser uma articulação privilegiada.
o paciente vai para a consulta com o neurologista Os diferentes elementos ingressam
ou pediatra e depois para a psicóloga, mesmo relacionados com a aprendizagem, de modo que
quando a queixa inicial é um problema de faz-se necessário mobilizá-los, mas é este
aprendizagem escolar. São indispensáveis alguns processo o fio condutor.
cuidados nesses casos como:
Diz Freud que o que resta da doença
1º Discussão prévia da equipe sobre o depois da desaparição do sintoma é apenas a
que se entende por problemas de disposição para formar novos sintomas;
aprendizagem, sobre como se fazer uma entretanto quando se trata da aprendizagem e
avaliação psicopedagógica, como se dividir essa das atividades cognitivas, o reforço destas deixa
avaliação em etapas, como fazer registros e o sujeito numa melhor disposição para elaborar
relatos que possam ser empreendidos pelos seu trauma, caso se submeta a uma psicanálise,
demais profissionais da equipe. e para encontrar vias de satisfação e
2º Encontros da equipe no final da sublimação na sua vida cotidiana, tal como se
coleta de dados para uma troca pessoal de expressa Freud no mesmo texto (Introdução à
observações e resultados a fim de que possa psicanálise, teoria sexual). De fato, o tratamento
ser constituída uma imagem global do paciente tende a reforçar aquelas vias que “levam a
no que se refere à aprendizagem e ao satisfações substitutivas” das demandas
desempenho escolar. instintuais, “afrouxando-se os vínculos com os
fins instintuais originais” (Freud -Esquema de
Sem uma troca pessoal entre os psicanálise, 1910 apud PAÍN, 1992).
profissionais da equipe, o diagnóstico se
transforma numa soma de laudos parciais que A resposta do meio do sujeito que não
nem sempre permite construir a imagem global aprende é uma imagem excessivamente
do sujeito. desvalorizada de si mesmo. A sociedade e a
instituição não se fazem cargo deste problema e
Qualquer que seja o profissional que o paciente resulta marginalizado. Embora, às
tenha o primeiro contato com o paciente e sua vezes, seja exatamente este o efeito
família, o importante é que, mesmo que este inconscientemente buscado, a imagem que
não seja um psicopedagogo, possa atuar com provoca, redunda dialeticamente no
uma visão mais ampla, encaminhando para o deterioramento do sujeito que deve assumi-la.
profissional mais adequado para o caso ou, No tratamento psicopedagógico procura-se
dentro de seus próprios recursos, intervindo devolver ao sujeito a dimensão de seu poder
para o andamento do caso. O fundamental é (poder escrever, poder saber, poder fazer), para
não desperdiçar a oportunidade oferecida pela que dê crédito às potenciais idades de seu ego.
instituição de um trabalho mais completo.

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AVALIAÇÃO, DIAGNÓSTICO E INTERVENÇÃO

2) É situacional: Isto quer dizer que 3) É operativo: no tratamento


baseamo-nos quase exclusivamente naquilo que psicopedagógico a relação é feita principalmente
ocorre na sessão. Mas não como no caso do aqui em torno de uma tarefa precisa e concreta. Esta
e agora psicanalítico que refere o atual explícito ao se evidencia para a criança através de uma
atual implícito, onde o sujeito pode ser o ego-bebê instrução que inclui uma orientação sobre a
que demanda o terapeuta mãe. Nossa atividade a ser desenvolvida e o objeto que esta
tarefa será justamente salientar os atividade supõe para o tratamento em si, dessa
enquadramentos reais, para que fique claro que o maneira, tenta explicitar por que é para que é o
psicólogo não é exatamente uma mamãe e que exercício que deve resolver.
é possível tentar com ele um novo tipo de
relação.
Objetivos
O aspecto fundamental neste caso não
recai sobre a relação transferencial, que o
Os objetivos básicos do tratamento
psicopedagogo sempre levará em consideração,
psicopedagógico são, obviamente, a
ainda que não a explicite, a não ser que
desaparição do sintoma e a possibilidade para o
perturbe a tarefa e que esteja tão evidente que
sujeito de aprender normalmente ou, ao menos,
precise apenas de uma confirmação verbal para
no nível mais alto que suas condições
ser assumida. Isto pode ocorrer quando alguma
orgânicas, constitucionais e pessoais lhe
fantasia do paciente vê-se confrontada pela
permitam. Entretanto, a aprendizagem não é
realidade, como por exemplo, se descobre que
uma função saudável em si mesma; com isto
temos nossos próprios filhos ou quando nos
queremos dizer que não basta aprender para
acontece um acidente. Estas situações são
aprender bem: é necessário pôr ênfase no como
tomadas como oportunidades de aprendizagem,
se aprende a definir a aprendizagem pelos seus
no sentido de que a criança pode aproximar-se
objetivos ideológicos, que resumiremos em três
mais de nossa realidade, e não nos tomar como
fundamentais:
objetos de sua necessidade; para isto é
necessário trabalhar os comportamentos • Em primeiro lugar, o objetivo do
apresentados pela criança no sentido de não tratamento é conseguir uma
conhecer-nos tal como somos (PAÍN, 1992). aprendizagem que seja uma realização
para o sujeito. Este termo resume o
O fundamental dos assinalamentos
processo pelo qual um indivíduo se
recai sobre o sentido da operação omitida ou
transforma numa realidade, e isto através
então sobre a operação errada, que o sujeito
de duas instâncias complementárias, uma
sugere para resolução da tarefa, promovendo a
enquanto alcança sua identidade nas suas
construção de esquemas úteis e econômicos
capacidades e, outra, enquanto
que sirvam para ler a realidade e transformá-Ia.
compreende a si mesmo como articulação
No caso do sujeito trazer para sessão outro tipo
de uma sociedade que se transforma.
de tarefas ou problemas, pode ocorrer que
realmente estes sejam prioritários, e também
• Em segundo lugar, o objetivo do
podem ser desculpas para evitar o exercício. De
tratamento é conseguir uma
qualquer forma, estes são retomados como
aprendizagem independente por parte
temas de aprendizagem, resgatando-se sua
do sujeito. Tal enquadre psicopedagógico
urgência ou sua função. Assim, uma criança
reforça o vínculo do paciente com a tarefa
com dificuldades para ler tem como tarefa ler
e não com o psicólogo, o qual
uma pequena história; diz que será melhor ler
configurasse como testemunha do
outra, “o ursinho travesso”, que ela sabe de cor.
processo. No entanto, às vezes por ser
Aceitamos sua proposta, com a finalidade de
inevitável e outras por ser desejável,
que note a diferença entre memória e
estabelece-se no início do tratamento uma
aprendizagem, e resgatamos a primeira
dependência muito forte, que precisa
fazendo-a identificar as palavras conhecidas
ceder antes da aquisição de novos
num contexto, noutro contexto onde intervém;
conhecimentos que, desta forma, correm o
evitamos com isto qualquer sentimento de
risco de ser propriedade do par
perda, junto com a satisfação do exercício.

10
AVALIAÇÃO, DIAGNÓSTICO E INTERVENÇÃO

paciente-terapeuta, o que conduz a uma possibilidades, passando das fantasias


inoperância dos mesmos fora dos mais onipotentes às desvalorizações
limites da sessão e enreda a situação mais punitivas sem encontrar
de aprendizagem na teia de sentimentos parâmetros para uma medida coerente.
que caracterizam as situações de
dependência, como são a submissão, a
Acostumadas às gratificações
inveja, o temor à própria perda, etc.
secundárias da aprendizagem e submetidas à
Enquanto houver dependência não deve
competição da nota ou do lugar, as crianças
colocar-se o sujeito diante de novas
continuam procurando fora a notícia de seu
aprendizagens, mas trabalhar-se sobre
rendimento e deixam de atender o sinal interno
o já conhecido, com o único propósito
de satisfação, que provém do equilíbrio da
que o paciente conheça o que é seu; se
lógica, segundo Freud, ou do exercício de uma
durante o transcurso das sessões a
operação equilibrante, segundo Piaget. A
dependência não diminui, é necessário
valorização que provém da melhor resolução de
passar a um tratamento
uma situação permite avaliar da mesma maneira
psicoterapêutico e corrigir o diagnóstico.
a situação já resolvida, seja uma piada, uma
máquina, ou uma obra de arte (PAÍN, 1992).

Embora deva ter-se em mente a


urgência escolar, para garantir o êxito no Técnicas
atamento é necessário dar-se tempo suficiente
para que todo o conhecimento se assegure Para cumprir os objetivos expostos e
completamente como propriedade do paciente garantir a conservação do enquadre, Paín
esgotando-se em todas as suas aplicações e (1992) adota certas técnicas gerais que são as
incluindo-se em aquisições novas. O único seguintes:
conhecimento válido é o que foi processado pelo Organização prévia da tarefa: Para
sujeito, o que consta como uma experiência independizar o paciente do psicólogo é
pessoal, o que se adscreve ao total de sua importante que aquele discrimine o estímulo da
memória; é deste conhecimento que o sujeito aprendizagem como diferente do educador e
pode dispor quando precisa. assuma a tarefa como coisa própria, alheia a
É óbvio insistir em que a capacidade de uma exigência que venha de fora. Quando o
dependência não afeta apenas o paciente, e que objeto de estudo é proposto pelo sujeito, volta a
é bastante difícil construir uma relação que seja formular-se, de modo que se constitua numa
ao mesmo tempo afetuosa e, no entanto, livre. A proposição de trabalho e não como uma simples
vocação psicopedagógica, se é que existe, demanda dirigida ao psicólogo.
contém sem dúvida esta possibilidade Em cada sessão, então, o psicólogo
necessária de “dar a troco de nada”. oferece ao paciente uma tarefa cujo material está
• Por último, salientamos o último objetivo preparado, sejam desenhos, problemas, frases
psicopedagógico, que é o de propiciar para completar, ou relógios sem ponteiros para
uma correta autovalorização. A indicar a hora. Este material, uma vez elaborado,
avaliação da tarefa é preocupação de passa a fazer parte de uma pasta, já que
cada sessão e constitui uma frequentemente volta-se a utilizá-lo como revisão
aprendizagem tão valiosa como a própria ou inclusão. Esta modalidade permite que o sujeito
tarefa. Se o sujeito deve construir uma considere seus, todos os conhecimentos
imagem de si mesmo através daquilo que elaborados no transcurso da aprendizagem, pois
pode, só a autovalorização lhe as respectivas ações emanaram dele e voltaram
permitirá aquilatar este poderio para ele. O psicopedagogo participa na sessão
adequadamente. Este aspecto do como testemunha, como informador ou como guia
julgamento é o que está mais eventual num questionário dedutivo.
deteriorado em crianças com problemas Graduação: Para favorecer a
de aprendizagem, as quais mostram-se autonomia intelectual é muito importante que a
confusas diante de suas próprias

11
AVALIAÇÃO, DIAGNÓSTICO E INTERVENÇÃO

exigência proposta pela situação de Assim, por exemplo, se a criança está


aprendizagem se adeque às possibilidades reais empenhada em resolver um problema de maçãs e
da criança, levando em conta sua estrutura laranjas, saberá claramente que se trata de um
mental, suas estratégias, seus conhecimentos exemplo de uma instrução mais geral, como seria
prévios, os imperativos culturais de seu “distinguir quando para solucionar um problema
ambiente, seus interesses pessoais e que se é preciso somar ou subtrair”. Quando se analisa
tenha cuidado especialmente com a gradação o caderno escolar, como muitas vezes se faz,
correta das dificuldades sucessivas em cada trata-se de dar-lhe um sentido ao ensino
tema, de modo que o sujeito possa efetuar por si tentando que o paciente determine qual pode
mesmo a assimilação do elemento novo no ser a finalidade quando lhe ensinaram tal ou
contexto de redundância que evite qualquer qual coisa.
confusão.
Apenas quando o sujeito souber de
Caso a tarefa não cumpra com estas antemão o que é que está tentando adquirir,
condições, o sujeito deverá remeter-se ao poderá auto avaliar seu rendimento e, ao
psicólogo para solicitar sua ajuda e assim finalizar cada sessão, será capaz de realizar um
confirmar-se-á sua dependência; outro o caso balanço em termos de “aprendido, continuar”,
quando faltam dados ao sujeito, pois tal carência “aprendido, revisar”, “não aprendido, e, portanto,
é incentivo para provocar no paciente questões inconveniente mudar as condições”. É
mais nítidas; entretanto, estas devem aparecer - chamativa a dificuldade do paciente, no início do
dentro do previsível - dentro dos próprios tratamento, para fazer-se cargo da objetivação
estímulos, ou sua busca deve constituir uma de sua atuação. Tendo obtido uma boa
ação conjunta. aprendizagem, alguns consideram que não
aprenderam porque “me custou muito”, e outros,
É para este aspecto fundamental da
ao contrário, “porque foi muito fácil”.
tarefa psicopedagógica, a gradação, que o
psicólogo está menos preparado, faltando-lhe Entretanto, outros pacientes que não
recursos pedagógicos e didáticos (PAÍN, 1992). puderam aprender indicam que o fizeram. A
análise desses comportamentos permite
Trabalhando em equipe, o aspecto da
discriminar e relativizar a relação entre esforço e
programação temática e metódica recai sobre
resultado, despojando este último da carga
um especialista de ciências da educação, o qual
emocional daquele; o paciente aprenderá que o
deverá seguir de perto o tratamento para
êxito de uma aprendizagem não está ao final da
determinar os recursos e estímulos mais aptos
mesma nem é um prêmio, e sim que a
em cada caso.
satisfação do exercício pode acompanhar todo o
Dentro do possível, então, a solução percurso da aprendizagem.
deve vir da própria manipulação do material pelo
À medida que o paciente vai se
sujeito, analisando juntos as estratégias
independizando, a auto avaliação perde a
propostas e as tentativas de interpretação, para
importância que lhe é atribuída no início do
terminar enfatizando e exercitando situações
tratamento, e a avaliação se transforma em
similares até que se confirme ou integre. Uma
fecho, um simples sinal de pontuação que
das formas que os pais têm para que os filhos
permite encerrar um parágrafo.
não se independizem é elevar o nível de
exigência, para logo confirmar que a criança é Historicidade: O paciente frequenta,
inútil; ou então dar-lhe tarefas muito abaixo de em média, três sessões semanais; assim,
suas condições, subentendendo sua durante três horas semanais, separadas entre si
incapacidade para enfrentar uma situação mais por muitas horas, sua vida transcorre no cenário
complicada. Em ambos os casos perturba-se na peculiar do consultório, onde lhe cabe um papel
criança a possibilidade de autovalorização. bem definido.
Auto avaliação: Pelo mesmo motivo, Este transcurso forma uma pequena
toda tarefa tem uma finalidade bem determinada história chamada tratamento, que apenas como
indicada, e tal determinação mantém-se vigente sequência adquire fisionomia; nos casos dos
durante todo o exercício. problemas de aprendizagem resgatar essa
sequência é construir uma memória, um

12
AVALIAÇÃO, DIAGNÓSTICO E INTERVENÇÃO

esquema continente de recepção de renegada; isto ocorre especialmente quando se


experiências do qual o paciente carece. Isto se trata de temas conflitivos, como a sexualidade e
consegue tentando reter e integrar todos os a morte, e se patentiza em outros menos
momentos do tratamento, fazendo alusões ao já enfatizados como a desigualdade social, a fome
aprendido e a suas circunstâncias; também (um dos maiores tabus), a guerra, o racismo, a
incluindo na instrução atual a próxima passada, religiosidade, etc.
cujo cumprimento faz possível a presente.
Assim salientamos que “a outra vez aprendemos
5- A INTERVENÇÃO
tal coisa, e então hoje podemos aprender. (...)”,
ou se é a criança quem traz o tema, “a outra vez PSICOPEDAGÓGICA NA
aprendeste tal coisa e então hoje queres (ou
ESCOLA E NO TRABALHO
não queres) continuar com (...)”, tentando
esclarecer a relação entre o passado e o DOCENTE
presente (PAÍN, 1992).
Se a continuidade histórica do A intervenção psicopedagógica veio
tratamento é sua garantia, não é por esse introduzir uma contribuição mais rica no enfoque
motivo que precisa transformar-se num pedagógico. O processo de aprendizagem da
compartimento estanque da vida do sujeito, um criança é compreendido como um processo de
transcurso dentro de um transcurso, pois isto múltiplas causas, abrangente, implicando
impossibilita que as conquistas adquiridas sejam componentes de vários eixos de estruturação:
exercitadas fora dos limites do consultório. Isto afetivos, cognitivos, motores, sociais,
se consegue, em parte utilizando o material que econômicos, políticos etc.
a criança traz de sua vida cotidiana, atendendo Para Mrech (2001), a causa do
às suas experiências e interesses. Também é processo de aprendizagem, bem como das
conveniente dedicar alguns minutos da sessão dificuldades de aprendizagem, deixa de ser
ao resgate daquilo que o paciente “tem localizada somente no aluno e no professor e
pensado”, de modo que a sessão não venha a passa a ser vista como um processo maior com
transformar-se num enorme parêntese na vida inúmeras variáveis que precisam ser
do sujeito. Além disso, isto promove o interesse apreendidas com bastante cuidado pelo
do sujeito pela busca de dados que lhe professor e psicopedagogo.
permitam reconstruir sua própria história pessoal
recuperando o tempo que não pode lembrar, À escola cabe ensinar, isto é, garantir
como nasceu, que gracinhas fazia, que pessoas a aprendizagem de certas habilidades e
e que coisas desapareceram de sua vida, etc. conteúdos/conhecimentos que são necessários
para a vida em sociedade, oferecendo
Informação: Um aspecto especial a instrumentos de compreensão da realidade local
ser levado em consideração é a informação que e, também, favorecendo a participação dos
precisamos dar ao sujeito para que possa educandos em relações sociais diversificadas e
aplicar suas estruturas cognitivas num nível da cada vez mais amplas. A vida escolar possibilita
realidade. Esta informação só é admitida na exercer diferentes papéis, em grupos variados,
medida que se integra com pautas e esquemas facilitando a integração dos jovens no contexto
que permitiram ao sujeito construir o mundo que maior.
ele habita até o presente momento. Portanto,
uma boa informação deve partir do Para cumprir sua função social, a
conhecimento, por parte do psicólogo, das escola precisa considerar as práticas de nossa
imagens com as quais o sujeito conta e a sociedade, sejam elas de natureza econômica,
motivação ideológica e psicológica de sua política, social, cultural, ética ou moral. Tem que
escolha. Só a partir daí poderá tentar-se uma considerar também as relações diretas ou
correção integral ou uma verdadeira aceitação indiretas dessas práticas com os problemas
da informação compartida. Uma informação que específicos da comunidade local a que presta
simplesmente se anexa a outra não a muda e, serviços.
pelo contrário, cria confusão e dissociação entre Assim, ela se constitui em uma
uma realidade admitida, mas ao mesmo tempo organização sistêmica aberta, conjunto de

13
AVALIAÇÃO, DIAGNÓSTICO E INTERVENÇÃO

elementos que interagem e se influenciam


mutuamente, conjunto esse relacionado, na
forma de troca de influências, ao meio em que se
insere (SOUZA, 2006).

REFERÊNCIAS CONSULTADAS E
UTILIZADAS

ANASTASI, Anne. Testes Psicológicos: teoria


e aplicação. São Paulo: Herdu, 1967.

FERNÁNDEZ, A. A Inteligência Aprisionada.


Porto Alegre, Artes Médicas, 1990.

MRECH, Leny Magalhães. O uso de


brinquedos e jogos na intervenção
psicopedagógica de crianças com
necessidades especiais (2001). Disponível
em:

PAÍN, Sara. Diagnóstico e Tratamento dos


problemas de aprendizagem. Porto Alegre:
Artes Médicas, 2003.

SOUZA, Antônio Vital Menezes de. Reflexões


antropossociais da intervenção clínica e do
método em psicopedagogia: um enfoque
das Abordagens Acionalistas em Educação.

VISCA, J. Clínica Psicopedagógica. Porto


Alegre, Artes Médicas, 1985.

WEISS, Maria Lucia L. Psicopedagogia


clínica: uma visão diagnóstica. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1992.

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