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Capítulo 18

Fundamentos do
diagnóstico bucal e biópsias

Marco Túllio Brazão Silva


Antônio Jorge A. Vasconcelos II
Lioney Nobre Cabral

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INTRODUÇÃO O exame clínico engloba basicamente a
anamnese e o exame físico. Didaticamente, a
A plenitude de atuação de um profissional primeira etapa é a anamnese, termo que vem
de saúde depende profundamente de sua do grego anamnésis e significa ¨recordação,
capacidade de estabelecer diagnósticos. A reminiscência¨. O exame anamnético inclui
palavra diagnóstico tem origem grega, formada basicamente os elementos do quadro 1.
pelas palavras ¨dia¨ que significa ¨através¨, e
¨gignósko¨ que significa ¨conhecer, saber¨. Quadro 1:
Dessa forma, destaca-se que o profissional  identificação do paciente;
precisa de conhecimentos para chegar ao  queixa principal;

Anamnese
 história da doença atual (HDA);
diagnóstico de uma doença, bem como
 história médica pregressa e revisão de
entender e executar corretamente as
sistemas;
ferramentas do exame clínico, além de dominar
 hábitos de vida, antecedentes familiares e
a capacidade de execução e interpretação de
condições sócio-econômico-culturais.
exames complementares. O objetivo de tal
Quadro 1. Estruturas fundamentais da anamnese.
capítulo é abordar, de maneira didática e
sucinta, as facetas da Estomatologia que
envolvem o diagnóstico das doenças bucais Identificação do paciente.
mais frequentes na prática clínica. Cáries,
gengivites, periodontites e periapicopatias não É o primeiro contato entre o profissional e o
serão abordadas nesse capítulo, pois exigem paciente. O intuito é registrar dados sócio-
textos específicos para atingir a amplitude demográficos, que permitam um perfil
necessária ao estudo delas. Ao final da leitura, individual e coletivo do paciente. Além disso,
o leitor deverá estar familiarizado com as deve-se aqui construir um relacionamento de
doenças bucais comumente biopsiadas e com a respeito e confiança. Dá-se primariamente pelo
realização de biópsias e citologia esfoliativa. registro de nome, endereço e telefone. Dados
como sexo, idade, cor da pele, estado civil,
profissão e procedência, também fazem parte
FUNDAMENTOS DA ANAMNESE da identificação e, por sua vez, já podem ter
grande valia para o raciocínio diagnóstico.
A base do diagnóstico bucal é o exame Exemplos da utilidade desses dados no
clínico e a capacidade de interpretá-lo em diagnóstico podem ser vistos no caso da
conjunto com exames complementares, que displasia óssea periapical, que é típica do sexo
muitas vezes são necessários, tais como feminino e da cor melanoderma (NEVILLE et. al.,
exames de imagens (radiografias, tomografias, 2009). Da mesma forma acontece com várias
etc); sorológicos (hemograma, coagulograma, outras doenças, reconhecidas por atingirem
sorologias específicas para doenças virais, determinados perfis de pacientes a partir dos
autoimunes, etc); além de exames citológicos e resultados de estudos epidemiológicos
histopatológicos (BORAKS, 2001). Antigamente consistentes. Outros exemplos incluem as
dizia-se que um profissional habilidoso no doenças advindas de um risco ocupacional,
raciocínio diagnóstico tinha um bom ¨olho como a gengivite por intoxicação crônica pelo
clínico¨. O sucesso da atuação do profissional mercúrio, que pode ocorrer em certos
de saúde depende do desenvolvimento desse trabalhadores metalúrgicos; o conhecimento
¨olho clínico¨, que se baseia no de procedência para o diagnóstico de infecções
desenvolvimento de sua capacidade de virais, fúngicas e bacterianas de pessoas que
raciocínio diagnóstico durante a realização do passaram por áreas endêmicas ou epidêmicas
exame clínico, identificando a necessidade dos para determinadas doenças. Coletadas
exames complementares e finalmente cuidadosamente as informações que
interpretando todo os achados, chegando-se identificam o paciente, dar-se-á início a outras
dessa feita, ao diagnóstico. etapas do exame anamnético que exigem

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maiores habilidades do profissional Quadro 2:
examinador, o qual agora assume uma posição  cenário que marcou o início dos sintomas,
de busca consciente de informações que vão possíveis agentes causais;
simultaneamente alimentando ou afastando  duração e características dos sintomas
(intensidade, frequência, o que aumenta ou
hipóteses ou possibilidades de diagnóstico que

HDA
atenua os sintomas);
vão surgindo com o raciocínio diagnóstico do
 características de evolução (ex.: lesão
profissional. Tal etapa começa na queixa
aumentou? Sintomas aumentaram? Tomou
principal. medicamentos?);
 situação atual.
Tópicos importantes da história da doença anterior.
Queixa principal.

Representa o motivo que levou o paciente ao O profissional deve ficar atento caso
consultório. Geralmente é coletada a partir de perceba que as informações satisfaçam uma
uma pergunta aberta ¨no que posso ajudá-lo hipótese de diagnóstico feita mentalmente
(a)? O que incomoda? ¨. Preconiza-se que seja enquanto se ouve o paciente, assim podendo
anotada no prontuário a resposta que o enriquecer o questionário para descartar ou
paciente lhe der com as próprias palavras dele, alimentar tal hipótese, porém com muito
dessa forma, usa-se as aspas ¨estou com uma cuidado para não sugestionar um sintoma ou
bolinha na gengiva¨. A queixa principal confundir a história. O direcionamento do
geralmente representa um sinal ou um sintoma questionário será inicialmente centrado em
da doença em questão. Algumas vezes o sintomas, comparando-os com o grupo de
paciente pode enumerar várias situações e, doenças que os apresentam, assim
então, o profissional deve perguntar o que mais aproximando-se do diagnóstico. A formulação
o incomoda no momento, pois a queixa do questionário poderá ser também
principal deve ser uma anotação sucinta. A direcionada por eventuais características físicas
partir da queixa principal, segue-se para o da doença apresentada, onde o profissional
registro da história da doença atual. supõe mentalmente que seja determinada
doença e, então, averigua se existem
características que são condizentes a ela. Dessa
História da doença atual (HDA).
forma, observa-se que pode existir uma
dinâmica de vai e volta entre exame
É também conhecida como história da moléstia
anamnético e exame físico. Um exemplo de tal
atual e pode ser a ¨chave mestra¨ para o
situação é facilmente notado nos casos de
diagnóstico. Tal etapa da anamnese é
herpes labial recorrente, onde o profissional
aperfeiçoada à medida que o dentista adquire
percebe fisicamente as características da lesão,
conhecimento e experiência. Representa um
considera mentalmente a hipótese de
registro cronológico e detalhado do motivo que
diagnóstico e, então, poderá questionar sobre o
levou o paciente a procurar assistência médica,
pródromo, ou seja, os sintomas típicos que
desde o seu início até a data atual. Quando se
geralmente antecedem a manifestação de uma
trata de uma doença bucal, é especialmente
doença e que são notórios nos casos de herpes
importante questionar o paciente buscando um
labial recorrente. Para ter essa habilidade, o
possível evento desencadeante da lesão, há
profissional deve conhecer minimamente às
quanto tempo estão presentes os sinais ou
doenças mais frequentes da prática clínica
sintomas relatados, e como esses sinais ou
odontológica, que ainda serão abordadas.
sintomas estão evoluindo.

O esquema do quadro 2 pode ser utilizado na História médica pregressa e revisão de sistemas.
tentativa inicial de organizar informações e
buscar dados que auxiliem o profissional no seu A história médica pregressa e revisão de
raciocínio diagnóstico. sistemas representam em conjunto uma etapa

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da anamnese em que se questiona ao paciente órgãos ou uso de medicamentos, é importante
sobre seus antecedentes médicos, como as que se faça uma revisão ¨da cabeça aos pés¨ do
doenças das quais já tratou ou está em paciente, de forma sistemática, com perguntas
tratamento e, ainda, se existem sintomas ou genéricas sobre cada sistema:
alterações em outros órgãos. As eventuais
possibilidades de diagnóstico, que foram ¨como estão seus olhos e visão?¨
pensadas pelo examinador com as informações ¨seu intestino funciona regularmente?¨
obtidas nas etapas anteriores do exame clínico, ¨percebeu mudanças no peso, disposição ou
poderão proporcionar uma indagação alimentação?¨
minuciosa de algum aspecto específico da vida
médica pregressa do paciente. Outra boa forma Caso haja alguma resposta indicativa de
de iniciar essa etapa é questionando se o alterações, perguntas mais específicas deverão
paciente toma algum medicamento diário e se ser elaboradas. Nessa fase, uma alteração
está em algum tipo de tratamento médico. Em menosprezada pelo paciente pode ser
caso de resposta negativa, pode-se continuar a descoberta e até útil no raciocínio diagnóstico
indagação perguntando-se quando foi sua da lesão bucal ou, ainda, nas orientações
última consulta médica e os motivos dela. Por necessárias aos cuidados gerais do paciente. O
outro lado, em caso de resposta positiva, pede- quadro 3 faz uma relação de elementos
se para o paciente esclarecer qual a doença e essenciais desse exame.
quais os medicamentos ele toma. Muitos
medicamentos são corriqueiros devido à
frequência de algumas doenças sistêmicas, de Hábitos de vida.
modo que o profissional acaba se habituando
Os hábitos de vida constituem parte sequencial
com a nomenclatura de algumas drogas, suas
fundamental do exame anamnético. É crucial o
indicações e, principalmente, suas eventuais
cirurgião-dentista questionar e registrar o
interferências com a prática odontológica.
tabagismo e o etilismo, bem como a frequência
Entre os efeitos comuns de medicações,
e a quantidade aproximadas de uso diário
destaca-se a xerostomia, que pode ser
dessas drogas ou outras que o paciente relatar.
provocada por anti-hipertensivos, anti-
O uso de determinados cremes dentais,
depressivos, hipoglicemiantes, dentre outros.
chicletes, chás, poderão auxiliar no diagnóstico
Por isso, sempre que necessário, o profissional
de doenças como gengivites plasmocitárias e
deverá consultar o bulário dos medicamentos.
reações liquenoides por exemplo.
Outro cuidado importante se dá com relação ao
uso dos bisfosfonatos, que são utilizados para o
tratamento de diversas alterações ósseas e que Antecedentes familiares.
podem aumentar o risco de osteonecrose pós-
exodontia ou manipulações cirúrgicas. Outro O conhecimento de antecedentes familiares
efeito impactante na clínica odontológica dá-se pode ser a base do diagnóstico das doenças
pelo uso contínuo de alguns tipos de bucais, dado o caráter hereditário de inúmeras
anticonvulsivantes, imunossupressores e anti- delas. É o caso, por exemplo, de uma
hipertensivos, que podem provocar o quadro periodontite severa num paciente que possua
conhecido como hiperplasia gengival parentes diabéticos e que não sabe ainda se
medicamentosa, onde todo o tecido gengival também desenvolveu tal condição. Outras
torna-se aumentado de volume. Aplicativos de situações incluem alguns distúrbios de
smartphones que contém bulas podem ser desenvolvimento da região bucomaxilofacial,
úteis em uma interpretação da História Médica como hipodontias, hiperdontias, amelogênese
Pregressa. imperfeita e outras, além de alterações
sindrômicas, até a susceptibilidade para o
Até mesmo quando o paciente não relata desenvolvimento de doenças benignas e
nenhuma doença sistêmica, sintoma em outros doenças malignas.

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Caracterização sócio-econômico-cultural. FUNDAMENTOS DO EXAME FÍSICO

A caracterização sócio-econômico-cultural é Conforme já dito anteriormente, o exame


muito importante para determinar o tipo de clínico é dividido em anamnese e exame físico.
abordagem que não agrida a cultura ou religião O exame físico tem seu início a partir do
do paciente, além de conscientizar-se no momento em que se vê o paciente, pois nesse
momento de estabelecer um tratamento momento já será oportuno estar atento à
financeiramente adequado. Tal conhecimento harmonia dos segmentos do corpo, ambulação
também é útil para investigar o diário alimentar e atitudes, assim já sendo possível notar
do paciente e, assim, entender o risco de cárie, alterações congênitas ou adquiridas que serão
de alterações bucais por má-nutrição e até o checadas na anamnese. Nesse momento,
nível de conhecimento para realização de salienta-se que o clínico esteja familiarizado
consultas preventivas e auto-exame. Até com os desvios de normalidade das estruturas
mesmo a incidência de câncer bucal possui faciais, para assim não tirar conclusões
diferenças com relação ao nível sócio- equivocadas no exame. Os sinais vitais do
econômico, possivelmente por combinação paciente devem sempre ser checados no
complexa de fatores. primeiro exame, ou em cada consulta, caso
haja histórico de alterações, pois caracteriza
Quadro 3: em primeira instância o perfil do paciente e do
 inicia-se questionando a última consulta atendimento. Tais exames incluem a aferição
médica, tratamentos atuais e solicitar-se que de pressão arterial, de frequência cardíaca e
traga exames prévios no retorno; respiratória. Outros sinais que podem ser úteis
 questiona-se doenças da infância (varicela, são a altura, peso e a temperatura corporal.
coqueluche, difteria, parotidite, sarampo,
Posteriormente, segue-se geralmente por uma
rubéola) e do adulto (hipertensão, diabetes,
sequência de etapas que caracterizam o exame
coagulopatias, pneumonia, litíase renal
hepatite, osteoporose, dislipidemias e outras);
físico, que pode ser organizado em um
 alergias a alimentos, drogas, outras fluxograma, conforme a figura 1. O exame físico
substâncias e anestésicos odontológicos; é dividido em extrabucal e intrabucal, que são
realizados nessa ordem cronológica. Exigem do
História médica e revisão de sistemas

 cirurgias, internamentos e traumatismos


relevantes anteriores; clínico bom uso de sua visão (exame de
 caracterização de sintomas genéricos (perda inspeção) e de seu tato (exame de palpação),
ou ganho ponderal, astenia (fraqueza), mal- não descartando a audição e olfato para
estar, febre, calafrios, cãibras, sudorese, examinar algumas doenças. O clínico deve ter
alterações de apetite, urina e fezes);
em mente uma sequência de estruturas a
 na revisão dos sistemas propriamente dita
serem avaliadas em casos de exames de rotina,
questiona-se sobre condições de:
para que assim não perca a oportunidade de
o pele e fâneros;
o cabeça, face e pescoço, olhos, ouvidos, possíveis diagnósticos precoces.
nariz, cavidades paranasais, faringe, laringe,
tireoide e paratireoide, vasos e linfonodos;
o sistema geniturinário; Exame extrabucal.
o sistema hemolinfopoético;
o sistema endócrino; O exame extrabucal é destinado a todas as
o sistema neural e nervoso; estruturas da cabeça e do pescoço, começando
o sistema respiratório;
pela face do paciente, onde serão notadas as
o sistema cardiovascular;
características de tegumento, contorno das
o sistema gastrintestinal;
estruturas anatômicas, possíveis alterações de
o sistema urinário;
o sistema musculoesquelético; sensibilidade e consistência. Os olhos deverão
o sistema reprodutor. ser analisados com relação à coloração,
posicionamento nas órbitas, motilidade e
Quadro 3. História médica e revisão de sistemas. volume. Os seios paranasais poderão ser

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pressionados e percutidos em busca de  cervicais profundos ou cadeia jugulo-
alterações de sensibilidade, assim como a carotídea (profundamente próximos à
região de ATM, músculos faciais, glândulas extensão do bordo posterior do esterno-
salivares maiores (GOLDEN; HOOLEY, 1994). Os cleidomastoideo, drenam tonsila palatina,
exames de ATM, musculatura facial e demais língua, orofaringe e glândulas salivares);
estruturas poderão ser complementados com
manobras específicas de semiotécnica que não  cervicais posteriores (bordo anterior do
fazem parte do escopo desse texto, pois trapézio, drenam traqueia, laringe, couro
tratam-se de conteúdos específicos que cabeludo e linfa de cadeias cervicais
envolvem o volume de livros completos para profundas);
abordagem detalhada. Entretanto, parte  supraclaviculares (margeam a clavícula,
fundamental do exame extra-bucal é a drenam além de cabeça e pescoço, aferentes
palpação das cadeias ganglionares crânio- linfáticos de membro superior, parede do
cervicais, principalmente aquelas que drenam tórax e mama);
estruturas bucais. O exame é realizado com
pressão digital sobre áreas específicas e deve  cadeia occipital (abaixo da protuberância
abordar, como um exame, as cadeias: occipital externa, drenam a parte posterior do
couro cabeludo, pavilhão externo e orelha
 pós-auriculares ou mastoideos (lateralmente interna).
sobre o processo mastoide e drenam couro
cabeludo, pavilhão externo e orelha interna); Linfonodos normais, dificilmente são
 pré-auriculares ou parotídeos (ao nível da identificados à palpação, apresentando-se
glândula parótida e drenam a porção superior como grânulos diminutos, macios e indolores.
da face e a região temporal); Linfonodos inflamados são mais evidentes ao
exame clínico, geralmente doloroso ao toque,
 tonsilares (abaixo do ângulo mandibular macios, lisos, móveis à manipulação e
drenam o 1/3 posterior da língua, da tonsila apresentam aparecimento rápido e tempo de
palatina e orofaringe, incluem um linfonodo duração fugaz. Já os linfonodos tumorais são
chamado júgulo-digástrico, volumoso e indolores, com consistência firme, superfície
facilmente palpável na região, principalmente irregular, fixos à palpação e apresentam tempo
e amigdalites e faringites); de duração prolongado.
 submandibulares (face interna de corpo da
mandíbula, drenam a orofaringe, mucosas Exame intrabucal.
mastigatórias e livres ipsilaterais, porção
lateral da língua, lateral de nariz, lábio No exame intrabucal, todas as estruturas serão
superior e lábio inferior, e cadeia de nódulos analisadas com detalhes, independentemente
submentuais); de fazerem parte da queixa do paciente, pois
essa é uma prática imprescindível para
 submentuais (bordo do mento em região dos
diagnóstico precoce de inúmeras doenças. Para
ventres divergentes do digástrico, drenam o
contemplar o exame de todas as estruturas,
assoalho bucal, a gengiva, o lábio inferior e
recomenda-se a adoção de uma sequência
parte mediana da língua);
sistemática para exame, como a sugerida:
 cervicais superficiais ou esternocleidomas-
1. lábios;
toideos, que envolve a porção mastoidea do
2. fundo de vestíbulo e mucosas alveolares;
esternocleidomastoideo, drenam orofaringe,
3. assoalho bucal e face interna da mandíbula;
cavidade bucal e glândulas salivares;
4. mucosas jugais direita e esquerda;
 cervicais anteriores (anteriormente ao 5. língua;
esternocleidomastoideo, drenam orofaringe, 6. palatos;
cavidade bucal e glândulas salivares); 7. pilares amigdalianos, úvula e orofaringe;

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8. rebordos alveolares; LESÕES FUNDAMENTAIS
9. dentes e tecidos periodontais.
As lesões fundamentais são conhecidas
As estruturas serão avaliadas a fim de como lesões elementares, e representam
confirmar as normalidades e variações de terminologias clínicas que denotam aspectos
normalidade, sempre tomando como exames morfológicos das doenças de mucosa e pele,
de rotina a inspeção e a palpação. Ao encontrar úteis na caracterização física da lesão após o
uma alteração da normalidade, o clínico poderá registro da localização e número de lesões. É
retomar para uma anamnese dirigida, executar um grupo de termos que não representam
manobras semiotécnicas específicas ou ainda diagnósticos específicos de uma doença, mas se
solicitar exames complementares. no exame físico o clínico consegue alocar a
doença em análise dentro de algumas das
opções morfológicas de lesões fundamentais,
estará certamente filtrando possibilidades de
diagnóstico, ou seja, formulando hipóteses de
diagnóstico que se enquadram dentro dos
variados tipos de lesões fundamentais. As
lesões fundamentais, ou o glossário de termos
clínicos, incluem as opções esquematizadas na
figura 2.

Fig. 1. Fluxograma do exame físico dirigido a fim de


caracterizar adequadamente uma doença bucal e
facilitar o raciocínio diagnóstico.

Exame físico da lesão.

O exame físico de uma lesão tem sempre seu


início com a identificação e registro de sua
localização. Estudos epidemiológicos mostram
amplas variações de localização para as
doenças bucais. Com a experiência e estudos
de Estomatologia, o clínico formará um banco
mental amplo com várias possibilidades de
diagnósticos, que o mostrarão isso (MARCUCCI, Fig. 2. Esquema das lesões fundamentais. A) mácula
e pápula. B) Placa. C) Pápula e nódulo e exemplo de
2005). Entretanto, os conhecimentos básicos de base séssil e base pediculada. D) Vesícula, bolha e
histologia e anatomia também representam pústula. E) Erosão e úlcera. Em ¨E¨ a mucosa foi
parâmetros indiscutivelmente úteis no dividida em epitélio e lâmina própria para mostrar
que o epitélio é que é rompido nessa lesão
raciocínio do diagnóstico (STANDRING, 2010).
fundamental, enquanto que a formação das outras
Por exemplo, um clínico atento, não suspeitará lesões pode ser derivada de qualquer tecido
de um tumor de glândulas salivares. (NEVILLE et. al., 2009).

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No capítulo seguinte serão abordadas as exame clínico, sempre de diâmetro menor ou
doenças mais frequentes na prática clínica, e igual a 5 mm, enquanto que lesões maiores
será possível visualizar na prática a aplicação de serão chamadas de bolha. As vesículas e bolhas
lesões fundamentais, pois nesse capítulo, poderão ser intra-epiteliais, sub-epiteliais ou
diferentes doenças estão agrupadas segundo a intra-conjuntivas, porém essas diferenças só
lesão fundamental que as caracterizam. Mas podem ser vistas em nível microscópico (no
primeiramente, vamos expor com detalhe o exame histopatológico). Já as pústulas são
que significa cada terminologia adotada dentro vesículas ou bolhas que exibem conteúdo
de lesões fundamentais. purulento em vez de límpido (Fig. 3).

O termo mácula é utilizado para designar


uma lesão qualquer que se manifeste como
uma área focal de mudança de coloração
apenas, não elevada ou deprimida em relação
aos tecidos circunjacentes e menor do que 5
mm. Já o termo mancha poderá ser utilizado
para as lesões com as mesmas características,
porém maiores do que 5mm. O termo petéquia
será preferido para as máculas menores que
2mm, vermelhas, de aspecto hemorrágico
superficial, e equimose para manchas com esse
Fig. 3. Paciente exibindo pústula em semimucosa de
mesmo aspecto. O termo placa é utilizado para
lábio superior como manifestação de herpes labial
designar lesões que diferentemente de máculas recorrente.
e manchas, formam ligeira elevação da
superfície em relação ao tecido vizinho normal,
mais extensa que espessa, e geralmente Finalmente, quando as lesões provocam
consistente à palpação. Pápula é aquela que se perda tecidual, poderão ser chamadas de
apresenta como uma elevação circunscrita, ou erosão ou úlcera. Erosão é quando há uma
seja, de formato ovoide, atingindo o diâmetro perda parcial de epitélio apenas, ou seja, não
máximo de 5mm, a partir do qual passará a ser expõe o tecido conjuntivo subjacente. Já nas
chamada de nódulo. Quando a base de úlceras, ocorre uma perda total de epitélio, e
implantação dessas lesões é do mesmo muitas vezes até incluindo a perda superficial
diâmetro da lesão total ou maior, então se diz da lâmina própria (tecido conjuntivo). As
que a base é séssil, enquanto que a base de vesículas, bolhas e pústulas darão origem às
implantação menor que o diâmetro, fazendo úlceras após seu rompimento, exceto nos casos
uma constrição, é conhecida como pediculada. de bolhas intra-epiteliais onde, teoricamente,
Os nódulos maiores que 3cm, circunscritos ou permanece remanescente epitelial revestindo o
sem delimitação, poderão ser chamados de tecido conjuntivo. Porém, na prática, o
massa nodular. O termo ¨nódulo¨ ainda poderá remanescente epitelial deixado após o
ser utilizado para lesões submucosas ou rompimento de bolhas intra-epiteliais não
subepiteliais quando notado ao exame de suporta os traumas que a mucosa bucal recebe
palpação que a lesão possui formato ovoide ou em suas funções, assim também formando
circular. Nestes casos, é importante notar se lesões em forma de úlceras em vez de erosão.
são nódulos fixos à manipulação ou se são Um ponto de grande interesse clínico no estudo
nódulos móveis. das úlceras é a avaliação das margens da
úlcera. É importante notar se elas são elevadas
As lesões fundamentais de conteúdo líquido ou rasas, e se são endurecidas ou macias, além
são divididas em, vesícula, bolha e pústula. de questionar o paciente se são sintomáticas
Vesícula é a manifestação de lesão com ou assintomáticas, além do seu tempo de
conteúdo límpido, que fica transluzente ao duração (agudas quando presentes há menos

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de duas semanas ou crônicas quando persistem ajudar no raciocínio diagnóstico. À palpação
por mais de duas semanas). Em casos registra-se ocorrências de sintomatologia,
específicos, os termos fissuras ou fendas drenagem de conteúdo ou alterações de cor e
podem ser usados para caracterizar as úlceras volume. A fixação das lesões às estruturas
que possuem formatos estreitos e alongados; vizinhas também é avaliada. Lesões que
crostas para as úlceras em região seca como os apresentam fixação aos tecidos subjacentes
lábios, que deixam um aspecto de uma ¨casca¨ indicam comportamento infiltrativo, invasivo,
devido ao ressecamento da fibrina que recobre sugerindo características de malignidade.
a úlcera.

Após definir a lesão fundamental, deve-se


ASPECTOS FUNDAMENTAIS DAS LESÕES ÓSSEAS
aumentar o detalhamento morfológico para
caracterizar as lesões. Em muitas ocasiões,
As lesões ósseas não são contempladas nas
combinações de lesões fundamentais poderão categorias das lesões fundamentais, que são
ser observadas, como em casos de lesões que
utilizadas para alterações de mucosa e pele.
formam nódulos que podem estar ulcerados, Porém, há características do exame clínico e
ou quando várias pápulas justapostas geram o
imaginológico que funcionam como base para o
aspecto de uma placa papulosa. O tamanho da estudo da doença bucal com envolvimento ou
lesão deve ser descrito em milímetros levando
não de origem óssea. Chamaremos aqui tais
em consideração o seu maior eixo. A coloração características de ¨aspectos fundamentais das
pode indicar grosseiramente a composição da
lesões ósseas¨, que estão esquematizadas na
lesão: lesões eritematosas provavelmente são figura 4. Além de responder às características, o
abundantes em vascularização por sangue
clínico deverá responder a outras questões
arterial, como nas lesões inflamatórias; lesões específicas para definir o aspecto fundamental
azuladas tendem a apresentar riqueza em das lesões ósseas, em busca de hipóteses
vascularização venosa ou, até mesmo, com diagnósticas:
abundância hemorrágica no seu interior; lesões
pálidas ou róseas geralmente possuem menor 1- número de ossos afetados:
vascularização; lesões amareladas poderão - afeta apenas um osso (monostóticas)?
representar riqueza em gordura. Os aspectos - afeta mais de um osso (poliostóticas)?
de superfície da lesão são extremamente úteis
na caracterização das lesões, especialmente no 2- aspecto da tábua (cortical) óssea:
caso de placas. Dessa forma, deve-se observar - ocorre expansão da tábua óssea?
se a superfície da lesão é lisa, rugosa, - ocorre ruptura de cortical óssea?
verrucosa, ondulada, papilomatosa, etc. Em
caso de úlceras, descreve-se o fundo da lesão, 3- relação com elementos dentários:
que pode ser granuloso (observa-se na região - envolve todo o elemento, somente coroa ou
de úlcera a presença de grânulos espalhados), somente raiz?
com pseudomembrana (formação de uma - ocorre reabsorção radicular, deslocamento
película cremosa geralmente amarelada como dentário ou ambos?
consequência da formação de fibrina); com
4- relação com outras estruturas:
petéquias, exibindo coleção purulenta, etc. A
- altera o seio maxilar?
conformação das bordas de uma lesão poderá
- descola o canal do nervo alveolar inferior?
ser bem-definida tipo regular, bem-definida
- outras alterações de estruturas?
tipo irregular ou mal-definida (difusa)
(JAMSHIDI, 2015).
Quando o clínico consegue categorizar a
Com relação à consistência, as lesões doença óssea segundo as características
poderão ser firmes, flácidas ou flutuantes, o descritas, certamente estará aproximando-se
que também pode sugerir sua composição e de um diagnóstico para a doença apresentada

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por seu paciente, estando apto a buscar opções BIÓPSIAS
de diagnóstico em livros-textos de patologia
bucal ou até artigos científicos e, assim, avaliar O termo ¨biópsia¨ representa o conjunto de
o caso e a necessidade de outros exames diversos procedimentos cirúrgicos realizados
complementares sorológicos e histopatológicos para investigação e elucidação diagnóstica em
um paciente vivo. A palavra vem do grego bio
(¨vida¨) e opsia (¨ver¨). ¨Ver a vida¨ no
microscópio é adequado para a investigação de
lesões que acometem o organismo humano.
Ora, a prática de remover cirurgicamente
lesões do corpo humano para observá-las no
microscópio remonta tempos muito antigos e é
prática comum nas ciências médicas. Apesar
disso, na Odontologia tal prática ainda é uma
ilustre desconhecida da maioria dos clínicos, o
que é realmente uma pena, pois a análise
microscópica é o método de diagnóstico tipo
¨padrão ouro¨ para muitas lesões! Em vista da
diversidade das doenças que acometem o
complexo maxilofacial, que serão discutidas no
capítulo seguinte, mostra-se ideal que todo
dentista realize biópsia em sua prática clínica
(CALLE, 1986).

O clínico ao fazer uma biópsia deve possuir


certo conhecimento de técnica cirúrgica, de
anatomia e, claro, de patologia bucal. Sem tais
saberes a prática clínica é comprometida a
ponto de procedimentos simples de biópsia
tornarem-se um risco para o paciente e para o
Fig. 4. Aspectos fundamentais de lesões ósseas estão clínico ignorante quanto a esses conhecimentos
abordados numa sequência que facilita a análise
(MICHALANY, 1980; STANDRING, 2010)
radiográfica. A densidade radiográfica da lesão é
definida no primeiro momento, seguindo para a
definição do aspecto de formação e, por fim, das Mas, então, quando o clínico pode indicar
margens. Observe que há características típicas das esse procedimento? o leigo em seu imaginário
radiolúcidas e outras das radiopacas. Lesões associa a palavra ¨biópsia¨ à doença ¨câncer¨.
radiopacas multifocais também são possíveis. O ato de biopsiar é realmente de suma
importância na investigação, diagnóstico e
acompanhamento de tumores malignos que
Finalmente, após análise de todas as acometem a boca. Ele está sempre indicado
características da lesão apresentada pelo para toda lesão presente em cavidade bucal
paciente, o clínico estará apto a fazer um cuja história clínica e aspecto não permitam o
diagnóstico, quando possível, ou fazer de uma a diagnóstico, e que não regrida após quinze
três hipóteses diagnósticas, pois apenas assim dias desde seu surgimento. Algum leitor pode
será capaz ter uma conduta digna. Lesões estar se perguntando ¨mas e se nosso paciente
observadas em outras regiões, histórias de simplesmente não tiver conhecimento da
doenças, antecedentes, medicamentos, enfim, presença da lesão em sua boca, ou se ele detém
todo o exame clínico deverá ser considerado o conhecimento mas não sabe precisar em que
para finalizar o que temos chamado de momento ela surgiu?¨ De modo semelhante,
raciocínio diagnóstico. não há como escapar: tal lesão precisa ser

331
investigada, pois a literatura científica também cirúrgicos frente ao envolvimento de estruturas
é taxativa em declarar que toda lesão de anatômicas nobres, que podem colocar em
origem obscura presente em cavidade bucal risco a vida do paciente. Tais situações sempre
deve ser biopsiada (CALLE, 1986). Inclui-se como devem ser avaliadas com critério por uma
indicações de biópsia: lesão inflamatória que equipe de profissionais em casos delicados.
não respondeu ao tratamento local; alterações Outras situações colocam em ¨cheque¨ a
hiperqueratóticas persistentes; tumefações realização de biópsia: processos infecciosos
palpáveis visíveis ou sobrepostas por tecido agudos; problemas de coagulação e tumores
normal; lesões que interferem na função local; vasculares. Vale também lembrar que está
lesões ósseas sem identificação e persistentes; contra-indicada a biópsia para doenças em que
qualquer lesão que possua as características de os aspectos clínicos são patognomônicos, ou
malignidade, como: eritroplasia, sangramento, seja, aspectos que são praticamente exclusivos
endurecimento, crescimento rápido, ulceração de uma entidade diagnóstica e não indicam a
e fixação aos tecidos periféricos (SHULMAN et. necessidade de exames complementares. Além
al., 2004). Por que é dito isso? A possibilidade disso, em lesões onde um fator irritativo local é
de câncer bucal não é algo improvável. O evidente deve-se remover tal fator e aguardar
carcinoma de células escamosas ou duas semanas, e somente biopsiar caso não
espinocelular é o tumor maligno mais comum haja resolução do quadro.
que acomete a boca e um problema de saúde
pública mundial, representando cerca de 50% As biópsias podem ser do tipo excisional e
dos tumores malignos em alguns países incisional. Diz-se que uma biópsia é excisional
asiáticos. Além disso, há inúmeras doenças quando se remove completamente a lesão em
bucais que representam manifestações de questão através do procedimento cirúrgico. Já a
doenças sistêmicas (muitas ainda não foram biópsia incisional é caracterizada pela remoção
identificadas no paciente), bem como doenças de apenas fragmento (s) da lesão (Fig. 5). Como
infecciosas e doenças que podem comprometer tomar a decisão entre um ou outro tipo de
a saúde bucal (MARCUCCI, 2005). biópsia? Responder essa pergunta implica na
decisão clínica a partir de critérios, como
Apesar de ser mandatório investigar toda e tamanho e extensão da lesão; sua localização;
qualquer lesão através de biópsia dentro dos experiência e prática clínica do cirurgião-
parâmetros citados, tem-se que considerar dentista. Entretanto, sempre que for possível,
certas condições que podem contraindicar a deve-se compreender que a remoção total da
conduta. As condições médicas de saúde geral lesão é preferível, pois, em alguns casos, o
do paciente podem impedir sua realização. procedimento de biópsia do tipo excisional já
Doenças sistêmicas crônicas não controladas resultará no tratamento de uma lesão, cujo
como Hipertensão Arterial e Diabetes Mellitus tratamento é sua remoção total.
podem ser enquadradas nessa situação. Por
isso, sempre é oportuno solicitar de seu A técnica anestésica preferível para a
paciente previamente à biopsia alguns exames realização de procedimentos de biópsias da
complementares básicos, são eles: hemograma região oral e maxilofacial envolvem bloqueios
completo, coagulograma completo e glicemia regionais, pois, o liquido anestésico injetado
em jejum. Tais exames, além de trazerem diretamente sobre a lesão pode gerar artefatos
informações sobre o quadro sistêmico geral do de hemorragia e formação de fendas no tecido
paciente (e.g. anemia, infecções), podem conjuntivo, além de vacuolizações que poderão
auxiliar na interpretação de diagnósticos de prejudicar a análise da amostra em nível
algumas doenças bucais e também favorecem o microscópico pelo patologista bucal. A
reconhecimento de eventuais riscos cirúrgicos literatura recomenda, que: se bloqueios a
e pós-cirúrgicos, como nos casos de alterações distância não forem possíveis, a anestesia
do coagulograma e da glicemia. Ainda, temos infiltrativa deve ser do tipo perilesional, com
que considerar os riscos desses procedimentos pelo menos 4 infiltrações circundando a região

332
a ser biopsiada, a uma distância mínima de 3 a Conceitos sobre a técnica cirúrgica de biópsia.
4 milímetros da lesão ou região de incisão.
Para a execução de uma biópsia em mucosa
VOCÊ SABIA QUE: bucal usualmente utiliza-se uma bandeja básica
de instrumentais, que deverá ser modificada e
personalizada com outros instrumentais a
A Academia Americana de Patologia Oral e depender do planejamento cirúrgico e
Maxilofacial recomenda que todo tecido preferência do profissional, considerando
previsibilidade de intercorrências, de maneira
anormal retirado da cavidade bucal deve ser
que outros instrumentais estejam acessíveis
avaliado preferencialmente por um patologista para suas resoluções.
bucal? Leve em consideração tal recomendação
todas as vezes que realizar procedimentos de Uma bandeja básica de instrumentais para
biópsia inclui: seringa Carpule; agulha e tubetes
biopsia em seus pacientes. Procure um
de anestésico local odontológico; lâminas de
patologista bucal em sua cidade para enviar o bisturi; descolador de periósteo n. 9; tesoura
material coletado! Metzenbaum; pinça de tecido de Adson
(¨dente-de-rato¨); pinça universitária; pinça
hemostática curva; pinça de campo; afastador
de Minnesota ou de Austin; pinça porta-agulha;
fio de sutura; ponta de aspiração e um pacote
de gaze. Ainda quanto aos instrumentais
utilizados em biópsias, há de se abordar
algumas considerações importantes que visam
a minimizar o risco de obtenção de espécimes
inadequadas. O uso de pinça dente-de-rato é
comum, porém não se deve estirar o fragmento
ou manipular com pressão excessiva durante
sua remoção. Ele deve ser dito para pinças
anatômicas convencionais que, se utilizadas
com pressão, provocam esmagamento do
tecido, prejudicando a análise microscópica
adequada. Não adianta biopsiar um tecido que
Fig. 5. Aspectos orientadores para uma biópsia não seja satisfatório para análise, seja em
incisional adequada. Primeiramente, perceba a tamanho, seja em qualidade (por exemplo,
indicação de biópsia incisional dada à extensão cheio de artefatos provocados por manipulação
da doença (figura superior esquerda). Nas descuidada do tecido).
figuras esquemáticas do canto inferior
esquerdo nota-se o perfil de incisão e a Em casos de biópsia incisional, recomenda-
profundidade, que corresponde à introdução se que o formato de corte deva ser em forma
de aproximadamente a metade de uma lâmina elíptica no sentido horizontal e em forma de
15. Prefere-se maior profundidade do que cunha no sentido vertical (Fig. 5). O fragmento
extensão. Nos quadros da direita veja o não deve ser menor que 5mm em
resultado de sutura e, abaixo, o formato do profundidade ou extensão. Se possível,
fragmento removido, com profundidade aumentar a extensão para área que envolva
adequada para observar-se o epitélio e margem sadia para lesões em forma de úlcera,
conjuntivo, assim possibilitando diagnóstico da mácula ou placa. O uso de bisturi circular
doença. As imagens representam um caso de (¨punch¨) em biópsias de cavidade bucal tem
penfigoide das membranas mucosas (note o ganhado a preferência de alguns profissionais
descolamento entre epitélio e conjuntivo). no dia a dia clínico, principalmente para lesões

333
em forma de placa ou, ainda, em lesões
extensas, especialmente útil em lesões de
palato, mucosa jugal, língua e assoalho bucal,
mas podendo também ser utilizada em lesões
de rebordo e lábio, como mostrados nas figuras
6 e 7. O bisturi faz corte a partir do seu giro,
proporcionando um fragmento em forma de
cilindro. Seu uso faz-se concomitante ao de
uma tesoura de ponta curva ou lâmina de
bisturi utilizadas para a secção da base do
espécime que permanece aderida após o corte
Fig. 7. Biópsia incisional com uso de bisturi punch
com o ¨punch¨. No mercado existem vários esterilizável. Nessa imagem nota-se claramente que
tipos com diferentes diâmetros de corte e o tecido obtido tem forma de cilindro, livre de
profundidade, havendo opções descartáveis e esmagamentos ou outros artefatos cirúrgicos.
permanentes. (imagem gentilmente cedida pelo Dr. Alexandre
Vieira Fernandes).

Um ponto importante que deve ser


considerado pelo clínico é que quanto maior for
a amostra removida do sítio cirúrgico, maior a
chance de um diagnóstico acurado pelo
patologista, logicamente, dentro das
possibilidades clínicas. Um bom fragmento
permite múltiplos cortes histológicos e, ainda,
material para análises de imunohistoquímica
e/ou biomoleculares, caso se faça necessária
para conclusão do diagnóstico.

O método intitulado de ¨técnica popular¨ de


biópsia pode ser utilizado em planejamentos
cirúrgicos incisionais ou excisionais. A técnica
popular de biópsia é ideal para lesões em forma
de pápula ou nódulo, mas pode ser adaptada
para outras ocasiões. Facilita a estabilização do
fragmento para a exérese. Não deve haver
pressão excessiva para evitar artefato de rasgos
no tecido. A técnica é destaque por sua
simplicidade e facilidade. Primeiramente, com
o porta-agulha passa-se um fio de sutura na
base da lesão a ser biopsiada, ou na
profundidade que se deseja biopsiar. Duas
voltas podem ser melhores que uma, pois
aumentam a qualidade de ¨pega¨ da lesão.
Assim, faz-se uma espécie de ¨laçada¨ da lesão
Fig. 6. Biópsia excisional de lesão em forma de
a ser biopsiada. Com o fio laçando a lesão, resta
mácula em lábio. O punch é posicionado,
apenas seccionar a base da lesão utilizando o
aprofundado no tecido com movimentos de giro, e
então o fragmento permanece aderido apenas em formato de elipse no formato horizontal da
sua base. A secção da base pode ser feita com incisão, e cunha no formato vertical, conforme
tesoura, evertendo-se a mucosa. as figuras 8 e 9.

334
Fig. 8. ¨Técnica popular¨ utilizada para biopsiar um
nódulo em mucosa jugal. Observe a facilidade de
estabilização para realização de exérese da lesão.
Fig. 10. Mucocele em lábio inferior em seu aspecto
inicial, após remoção de todas glândulas salivares
menores locais e imagens histopatológicas da lesão.

Fig. 11. Mucocele em ventre lingual. A biópsia é


auxiliada pela estabilização da língua com fio de
Fig. 9. Uso da ¨técnica popular¨ para biopsiar lesão sutura, que fica tracionado pelo auxiliar enquanto o
em rebordo alveolar. Veja que o uso da pinça para profissional opera.
estabilizar certas lesões é inviável, pelo seu
tamanho.

No caso da rânula, uma manobra especial


chamada marsupialização poderá ser indicada.
As lesões de extravasamentos salivares, Nesse procedimento, remove-se um fragmento
mucoceles e rânulas são comuns na prática elíptico correspondente ao teto da bolha
clínica de biópsia (GOLDEN; HOOLEY, 1994). Na formada, ou seja, na mucosa do assoalho bucal
primeira, a biópsia excisional é indicada com que contém a bolha. Obviamente que, após a
remoção de todas as glândulas salivares incisão, o muco do interior da lesão irá
menores periféricas visíveis no leito cirúrgico extravasar. O fragmento removido é enviado
após a exérese, com vistas a evitar recidivas para análise histopatológica. O orifício na
(Fig. 10). Se a lesão é provocada por ruptura de rânula resultante dessa biópsia será mantido
ductos das glândulas após um trauma, também por meio de uma sutura contínua em toda sua
poderá ser provocada pelo corte do bisturi, margem. O intuito dessa manobra é permitir
uma mucocele por iatrogenia. As mucoceles que o epitélio da mucosa bucal migre para
podem ocorrer em qualquer lugar onde haja dentro da cavidade aberta, encontrando a
glândulas salivares menores e, apesar de o fonte do muco, ou seja, o parênquima
lábio inferior ser o local mais comum, também glandular, e assim configurando um novo ducto
ocorrem com certa frequência no ventre ligual, para a glândula. Se o procedimento não for
e aí a biópsia pode ser facilitada por um satisfatório e resultar em recidiva, infelizmente
alçamento da língua para que seja manipulada não será possível evitar a remoção completa da
com maior destreza. Esse alçamento é feito glândula em uma próxima intervenção.
após anestesia de nervos linguais, bilateral,
com fio de sutura, preferencialmente os mais No tangente à Sindrome de Sjögren, doença
espessos, como o fio de seda 3.0 (Fig 11). de caráter autoimune que afeta as glândulas
(GOLDEN; HOOLEY, 1994). salivares, está indicada para investigação

335
diagnóstica a biópsia que consiste na remoção
de 3 a 5 glândulas salivares menores do lábio
inferior. O procedimento é simples e faz-se
através de anestesia por bloqueio de nervo
mentoniano e incisão de 1 a 2 centímetros em
mucosa labial de aparência normal paralela à
vermelhão do lábio. Após a incisão, uma
eversão labial permitirá a visualização dos
lóbulos correspondentes a cada glândula
menor, que então devem ser cuidadosamente
pinçados e dissecados com o bisturi ou tesoura. Fig. 12. Área demarcada envolvendo úlcera em lesão
Tal procedimento tem sido constantemente eritroleucoplásica, onde fora realizada biopsia
utilizado por dentistas na investigação dessa incisional. O exame histopatológico acabou
doença que provoca hipossalivação, xerostomia revelando um carcinoma de células escamosas.
e secura nos olhos, mais comum em mulheres
acima de 45 anos. O procedimento também
tem sido solicitado por reumatologistas, que
são os médicos aos quais os pacientes devem A biópsia intra-óssea demanda habilidades
ser encaminhados em casos de confirmação cirúrgicas com relação à necessidade de
dos achados da síndrome de Sjögren nas retalhos, conforme visto em capítulos
glândulas salivares removidas. anteriores. As incisões Interpapilares, com ou
sem uso de relaxantes, são as mais
interessantes para uso corriqueiro (técnica de
Em casos de lesões precursoras ou envelope, Neumann e incisão de Neumann
potencialmente malignas, que são discutidas no modificada). Na figura 13, demonstra-se um
capítulo a seguir, aconselha-se sempre que caso de biópsia incisional intra-óssea em que se
possível a biópsia excisional, visto que são utilizou incisão interpapilar para acesso ao
lesões que podem transformar-se em câncer. tecido duro. Na figura 14, vê-se uma biópsia
Na impossibilidade de executar-se tal escolha, o excisional que, pelas dificuldades impostas pelo
clínico deve então considerar regiões onde uso do aparelho ortodôntico, não foi realizada
clinicamente exista maior risco de um processo a referida técnica. Após incisão e exposição da
maligno já estar instalado. As zonas de escolha superfície óssea, o acesso à lesão é facilitado
devem sempre recair em regiões de com uso de broca esférica número 6, sob
heterogeneidade de cor (branco e vermelho), irrigação contínua de soro fisiológico 0,9%,
heterogeneidade de superfície (áreas rugosas e executando-se um desgaste ósseo controlado
com fendas) e áreas endurecidas (Fig. 12). Em até que se perceba uma mudança de aparência
lesões que apresentam mais de uma região no tecido que indica a proximidade da lesão. O
com essas características, deve-se remover cuidado é dado para que não se criem
espécimes de múltiplos locais dessas lesões, perfurações na área lesional com a broca. Um
sempre respeitando os parâmetros mínimos de cinzel pode ser utilizado para finalizar o acesso
margens mínimas de 4 a 5 milímetros e e criar a janela óssea necessária à biópsia, seja
profundidade semelhante. Se existirem locais incisional ou excisional, a depender do
de ulceração, deve-se remover sempre tecido planejamento e do tamanho da lesão em que
saudável adjunto à zona de úlcera. se busca o diagnóstico. Vale salientar que em
alguns casos a lesão pode ser acessada sem uso
Quando às lesões ulceradas com suspeita de de broca, pois muitas vezes ela acomete a
carcinoma espinocelular, recomenda-se a superfície óssea, o que pode ser previsto ao
remoção que inclua 4 a 5 milímetros de exame de palpação da região ou pelo exame
margens de tecido saudável e profundidade radiográfico e, no mais tardar, após o
semelhante. rebatimento do tecido mole durante o acesso.

336
Fig. 13. Biópsia incisional de lesão intra-óssea de aspecto radiográfico misto, predominantemente radiolúcida e com
focos radiopacos. A hipótese foi de cisto odontogênico calcificante. Após incisão intrapapilar de canino a segundo
molar, foi rebatido um retalho total. A cortical óssea foi perfurada com cuidado até ser possível seu descolamento e
a criação de uma janela óssea. Após acesso à lesão, um fragmento foi removido e enviado para exame
histopatológico. O diagnóstico de cisto odontogênico calcificante foi confirmado. Uma nova intervenção posterior
foi realizada com objetivo de enucleação completa da lesão (FREITAS, 2006),

Fig. 14. Biópsia excisional de lesão radiograficamente diagnosticada como odontoma. Após abertura por incisão
semilunar com broca esférica, criou-se a loja cirúrgica e então removeu-se a lesão. Ela provocava impactação do
canino permanente, por isso o esse recebeu fio ortodôntico (que deve ser colado com botão ortodôntico caso haja
possibilidade), ficando o fio acessível ao ortodontista, que o tracionou lentamente até colocar o dente impactado
em função normal (imagem gentilmente cedida pelo Dr. Danilo Saletti França).

337
Exame de imagens. É importantíssimo que o clínico execute
uma punção diagnóstica antes de biopsiar
Apesar de ser um exame complementar, a lesões radiolúcidas amplas (Fig. 15), a fim de
interpretação de imagens é outra habilidade reconhecer o conteúdo da lesão, se sólido
extremamente importante no planejamento de (aspiração negativa ou sem aspiração) ou
biópsias intra-ósseas, principalmente com cística (aspiração do conteúdo da lesão na
relação à localização radiográfica da lesão, para seringa). O uso desse procedimento pode
o planejamento do acesso. fornecer ideias de diagnóstico diferencial das
lesões, com base nas características do
conteúdo cístico obtido, e até na ausência de
Punção aspirativa. conteúdo, em que o clínico então concluirá que
está diante de uma lesão sólida (KLINE, 1981).
Com auxílio de uma seringa e agulha de Tais características são descritas no capítulo a
grosso calibre, pode-se explorar lesões intra-
seguir, na seção de ¨lesões ósseas¨. Em caso de
ósseas para investigar o conteúdo de seu punções diagnósticas com aspiração de sangue
interior (se sólido ou líquido). Lesões com
vivo, deve-se abortar a biópsia e solicitar
conteúdo líquido e vermelho denotam a angiografia e avaliação, sob suspeita de
possibilidade de origem vascular, exigindo
malformação vascular intra-óssea, que deve ser
cautela para a realização da biópsia e preparo operada em centro cirúrgico devido ao risco de
do profissional para possíveis hemorragias.
hemorragia transoperatória.
Lesões centrais com conteúdo amarelo citrino
denotam a possibilidade de uma entidade
patológica de origem cística, enquanto que
Fixação dos fragmentos obtidos após biópsia.
lesões de conteúdo amarelado com aparência
semelhante a queijo cottage é sugestivo de A fixação é a operação que deve ser
queratocisto odontogênico. realizada imediatamente após a coleta de
material para análise, ou seja, imediatamente
após a biópsia o fragmento deverá ser
mergulhado em um agente fixador. O frasco
contendo o fixador deverá estar disponível na
sala de cirurgia. O formol, sob a concentração
de 4% de aldeído fórmico, ou 10% de solução
de formol, é o agente de melhor custo
benefício e é usado rotineiramente como
fixador de biópsias. Não é comercialmente
vendido, exceto para hospitais, universidades e
laboratórios, que então têm a função de
fornecê-lo aos profissionais cadastrados e que
realizam biópsias em sua prática clínica. O
agente fixador tem como objetivo conservar,
dentro do possível, a forma e a estrutura do
tecido removido, evitando a desintegração que
os tecidos sofrem quando são removidos,
mediada principalmente por enzimas
lisossomais. Além de preservar o tecido da
autólise, o fixador ainda deve causar o
Fig. 15. Lesão radiolúcida em maxila, deslocando endurecimento do tecido para permitir a
dente impactado. A punção revelou que a lesão é de secção em mínimas espessuras (<6µm),
natureza cística, com conteúdo fluido de aspecto desvitalizar ou desativar agentes infecciosos,
hemorrágico. estabilizar componentes teciduais e aumentar a

338
afinidade pelos corantes. Tais características Escamosas, e que estão em período de controle
são fundamentais para que o tecido esteja clínico, fazendo-se, assim, a citologia em áreas
adequado para uma análise microscópica. de onde o tumor foi removido. Sua grande
importância reside na simplicidade de aplicação
Deve-se ter como regra para boa fixação da técnica (não existe necessidade de elevada
uma combinação de solução de formol habilidade manual do clínico) aliada à sua não-
satisfatória, tempo e volume. A solução de invasividade. Basicamente, os procedimentos
formol satisfatória é aquela que está no prazo que são exigidos do clínico são colher as células
de validade. É aceitável o prazo de um mês superficiais da mucosa bucal através de
para a validade do formol diluído e reenvasado, instrumentais de raspagem; disseminá-las
fornecido pelo laboratório ou universidade. corretamente em lâmina histológica; aplicar
Com relação ao tempo, sabe-se que é agente fixador e armazená-las adequadamente
necessário um período de 24 a 48 horas para para envio ao laboratório de patologia bucal
que haja uma ligação completa do formol aos (PETERSON et. al., 1993).
tecidos e, assim, possa ser preservado para
uma análise histológica sem artefatos.
Portanto, uma biópsia não pode ser processada
no laboratório no mesmo dia em que foi
coletada. O volume de solução deverá ser de 15
a 20 vezes maior do que o volume da peça
removida, para que haja penetração suficiente
e para que se evite que o fixador seja diluído
pela água que está contida na peça.

Fig. 16. Citologia esfoliativa de Lesão avermelhada,


CITOLOGIA ESFOLIATIVA (CE) com aspecto erosivo, delimitação irregular e
queratinizada, demonstrando algumas células com
A Citologia Esfoliativa (CE) é uma núcleos relativamente aumentados e discreta
modalidade de biópsia não invasiva utilizada na anisocariose (displasia epitelial) (STANDRING, 2010).
investigação das células desprendidas do
epitélio através da raspagem de sua superfície.
O patologista de posse de tal material, avalia as Não existe a necessidade de avaliação
características morfológicas das células sistêmica do paciente para sua realização. Tal
coletadas, à presença de células atípicas, característica é muito importante quando
inflamatórias e microorganismos celulares estabelecemos aspectos de vantagens da CE
(Figura 16). Assim, a CE faz-se importante em como tipo de biópsia, pois, assim, pacientes
diferentes contextos diagnósticos, como no com diversos níveis de comprometimentos
diagnóstico de neoplasias malignas das sistêmicos podem ser submetidos ao
mucosas de revestimento da cavidade bucal procedimento enquanto as condições médicas
(e.g. Carcinoma de Células Escamosas onde o do paciente são analisadas sobre a
patologista pode observar células malignas possibilidade de ser biopsiado. A CE quando
através da presença de alterações bizarras de indicada, assim, pode ser realizada já no
núcleo e citoplasma); no diagnóstico de lesões primeiro atendimento do paciente portador de
bolhosas/vesiculares de cunho viral (e.g. lesão obscura que busca atendimento
Herpes); nas doenças imuno-mediadas (e.g. estomatológico, podendo representar
Pênfigo Vulgar e no Penfigóide das membranas importante ferramenta para o diagnóstico
mucosas); doenças fúngicas (e.g. candidíase, precoce.
paracoccidioidomicose); na histoplasmose,
além do acompanhamento dos pacientes já Em seu princípio idealizado por Geórgios
com diagnóstico de Carcinoma de Células Papanicolaou na década de 40 do século XX, a

339
CE é uma técnica não agressiva e muito bem Gaze: utilizado para limpeza prévia das lâminas
aceita pelos pacientes. Prática comum na de vidro que receberão as células esfoliativas
clínica médica ginecológica, a citologia recolhidas com as espátulas ou microescovas.
esfoliativa tem sido de grande valor no
diagnóstico precoce de doenças malignas como Lápis: utilizado para identificação da lâmina
o carcinoma de cólon de útero e, desde sua (nome do paciente e quantidade de lâminas
utilização, a literatura tem relatado decréscimo com seus respectivos sítios de coleta).
em números de morte por conta da doença.
Clipe: utilizado para separar as lâminas em seus
Entretanto, a técnica também tem sido ilustre
recipientes.
desconhecida da maioria na prática
odontológica. Apesar de todas as vantagens, Spray fixador: produto comercializado em lojas
recomenda-se a CE apenas nos casos em que de material de laboratório de análises clínicas a
não está viável a realização da biópsia, pois base de álcool 95%, utilizado para a fixação das
essa última tem valor diagnóstico infinitamente células esfoliativas na lâmina de vidro de
superior ao da CE. Um dos pontos críticos da CE microscopia.
é a possibilidade de resultados falso-negativos:
quando o paciente possui a doença e o Recipiente: utilizado para armazenar as lâminas
resultado do exame atesta que não. Da mesma de vidro já devidamente identificadas e com as
forma, podem ocorrer falso-positivos: quando o células esfoliativas devidamente depositadas
paciente não possui a doença e o resultado do em sua superfície.
exame atesta que sim. Assim, a CE deve ser
sempre complementada pela biópsia em casos Soro fisiológico: utilizado para bochecho prévio
onde a CE não é compatível com os achados do paciente com objetivo de limpeza das
clínicos e, ainda, sempre que a CE indicar superfícies da cavidade bucal.
malignidade, pois a biópsia será o resultado
mais confiável para que o paciente siga para o
tratamento cirúrgico agressivo que se reserva à
1-Prepare seu paciente.
maioria dos casos de carcinoma bucal.
Já acomodado na cadeira odontológica, o
A CE não é indicada para investigação de
paciente deve ser instruído a realizar bochecho
lesões onde as alterações celulares estão em
de vinte segundos com soro fisiológico 0,9%
planos profundos, ou seja, abaixo do epitélio de
para remoção de debris presente na superfície
revestimento. As lesões epiteliais hiper-
da cavidade bucal.
queratóticas homogêneas também possuem
contra-indicação de vários autores, pois a
técnica classicamente se presta a analisar as
2-Prepare a lâmina.
células esfoliativas superficiais recolhidas e, em
tais casos, apenas células da camada superficial a) Limpeza: sujeiras na lâmina prejudicarão o
e queratose seriam observadas, sendo inútil patologista em sua análise do material
para o diagnóstico. recolhido e enviado para análise. Sugerimos o
uso de gaze estéril para a preparação prévia
das lâminas de vidro que serão usadas na CE.
Materiais necessários para a CE, sua utilidade
Como se faz isso? Pegue a gaze e a lâmina (uma
e o passo a passo para sua realização
em cada mão) e passe em sentido único por
Espátulas ou cito escovas: utilizado para todo o comprimento da lâmina com certa força
realizar a coleta das células esfoliativas. em suas duas faces, sempre observando
atentamente se existem resíduos grosseiros de
Lâmina de vidro (de microscopia): É nela que gordura ou poeira nela presentes e se vão
as células esfoliativas recolhidas devem ser sendo eliminados conforme você realiza os
depositadas. movimentos para limpeza.

340
b) Identificação: toda lâmina de vidro para 5-Fixar as células esfoliativas na lâmina de
microscopia possui uma parte em sua vidro de microscopia: com uma das mãos você
extremidade despolida adequada para segura a lâmina com material já devidamente
identificação através do uso de lápis. Você deve distribuído em sua superfície, com a outra mão
anotar nessa região dados como nome do você segura o spray fixador. Em uma distância
paciente e número de lâminas enviadas para de cerca de vinte centímetros um do outro,
análise. você borrifa o spray sobre a lâmina.

Nessa etapa é importante destacar que o


3-Coletando as células esfoliativas: de posse clínico deve tomar cuidado, para a) não lançar
de espátula (seja ela de madeira ou de metal) jatos de spray muito vigorosos e de uma
ou cito escovas, você agora deve esfregar em distância muito curta, pois isso ¨lavaria¨ a
sentido único pelo menos cinco vezes tal lâmina, removendo as células esfoliativas já
instrumental com firmeza na região da previamente recolhidas e b) borrifar o spray
cavidade bucal que você quer investigar. sobre toda a superfície da lâmina de vidro, pois
Pronto! Agora você vai realizar a próxima etapa onde o spray não ¨chegar¨ não haverá fixação
que é... das células esfoliativas, diminuindo, assim, a
quantidade do material recolhido para análise.
4-Transferindo as células esfoliativas do Depois de todos esses passos simples
instrumental de coleta para as lâminas: aqui realizados, agora só resta...
existem duas peculiaridades para essa etapa
que devem ser desmistificadas para o sucesso
do exame. É que se você simplesmente 6-Acondicionar o material em um recipiente: O
despejar o material colhido sobre as lâminas de recipiente deve ser devidamente fechado e
vidro de microscopia de qualquer forma a identificado. Deve-se usar clipes presos às
película sobre a lâmina pode ficar espessa de lâminas para impedir que ambas toquem-se
modo que não se torne adequada para análise dentro do recipiente. Se por um acaso for
pelo patologista. O princípio por trás do sucesso utilizado recipientes já com canaletas, não se
da CE: o material colhido suficientemente para faz necessário o uso de clipes.
análise seja uma película fina e uniforme bem
distribuída sobre a superfície da lâmina de
Pronto! Agora o material já está devidamente
vidro de microscopia.
recolhido e identificado. Agora só falta
preencher o relatório clínico para o envio ao
Como obter uma película fina e bem distribuída laboratório de patologia para análise! Missão
sobre toda superfície das lâminas de vidro de cumprida!
microscopia?

Você deve transferir o material recolhido para a


superfície da lâmina da esquerda para a direita
FICHA MODELO ANATOMO-PATOLÓGICA:
em sentido único. Em seguida coloque uma
lâmina sobre a outra e puxe as duas em Seguem TODOS os dados que devem ser
movimento único contrário paralelo ao solo preenchidos de maneira legível e clara e que
para que a superfície própria para deposição de são de grande importância para a investigação
material de ambas as lâminas fique preenchida do patologista e segurança para seu diagnóstico
em toda a sua superfície por uma película fina final.
do material recolhido! Olhe atentamente após
a realização dessa manobra se existe material
espalhado de forma uniforme sobre a Dados do paciente:
superfície das lâminas utilizadas. Se não, repita
 Nome:
o processo. Feito isso, agora tem que...

341
 RG:  Consistência.
 Idade:
( )Flácida.
 Sexo:
( )Borrachoide.
 Etnia:
( )Fibrosa.
 Profissão:
( )Dura.
 Endereço:
 Telefone:
 Sintomatologia.

( )Assintomática.
Dados do profissional.
( )Dolorosa.
 Nome:
( )Prurido.
 Instituição:
( )Parestesia.
 CRO: ( )Formigamento.
 Endereço:
 Telefone:
 Aspectos radiográficos:

( )Radiolúcido.
Dados Clínicos.
( )Radiopaco.
 Duração da lesão. ( )Misto.
 Tamanho da lesão.
 Localização da lesão.  Hipótese diagnóstica: ....................................

 Tipo (caráter fundamental morfológico).


Dados operacionais.
( )Nódulo.
 Tipo do exame.
( )Tumor.
( )Placa. ( )Biopsia incisional.

( )Vesícula.
( )Biopsia excisional.
( )Bolha.
( )Úlcera.
( )Mácula.  Fixador.

( )Formol.

 Cor. ( )Álcool.
( )Outros.
( )Eritematosa.
( )Negra.
Observações........................................................
( )Branca.
.............................................................................
( )Amarela. .............................................................................

342
REFERÊNCIAS STANDRING, S.. Gray’s Anatomia: a base
anatômica da prática clínica. 40.ed. Rio de
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