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1. Introdução
From this equality of ability, ariseth equality of hope in the attaining of our ends. And
therefore if any two men desire the same thing, which nevertheless they cannot both en-
joy, they become enemies; and in the way to their end, (which is principally their own
conservation, and sometimes their delectation only,) endeavour to destroy, or subdue one
another (Hobbes, 1998, p. 83).
that a man, when others are so too, as far-forth, as for peace, and defence f himself he
shall think it necessary, to lay down this right to all things; and be contented with so much
liberty against other men, as he would allow other men against himself (Hobbes, 1998, p.
87).
Para garantir uma ordem mínima, dotados de uma razão comum e impelidos pela
lei natural que os comanda à autopreservação, os indivíduos compactuam entre si para
estabelecer uma autoridade, cada um cedendo a totalidade dos seus direitos e transferindo
a este terceiro, o soberano, que receberá autoridade e poder sobre essa comunidade para
agir em seu nome, de modo a preservar a sua paz e segurança (Hobbes, 1988, 112). Os
indivíduos limitam entre si o seu direito à todas as coisas na medida em que alienam seus
direitos para outra pessoa e estabelecem um poder externo a eles na medida em que o
receptáculo desses direitos não faz parte do contrato social e, portanto, não pode ser obri-
gado ou demandado por este ato (Martinich, 2016). O objetivo deste pacto é justamente
a criação de um poder acima dos indivíduos que será capaz de garantir a sua preservação
não só por meio da sua proteção a ameaças externas, mas também de ameaças internas à
autopreservação de seus membros dentro da própria comunidade que o formou. Para ga-
rantir que o soberano possa cumprir com esse objetivo, é necessário que suas ações não
sejam limitadas por nenhuma restrição do contrato social, pois se assim estivesse, o so-
berano estaria na mesma condição que seus súditos, deixando de ser uma força externa
(Hobbes, 1998, p. 115).
Assim, apesar da obrigação de agir para manter a autopreservação dos indivíduos
que pactuaram para torná-lo soberano, este não pode ser demandado pelos seus súditos a
cumprir esta obrigação de uma determinada forma específica. No contrato social hobbe-
siano, a representação é construída de modo a excluir a tensão entre soberano e súditos
(representantes/representados). Os indivíduos, ao aderirem ao contrato, concordam com
em abrir mão dos seus direitos em benefício do soberano, autorizando-o a agir em seu
nome em busca da manutenção da paz e da sua segurança. Em sua obra, Hobbes desen-
volve o tema da representação com foco no aspecto da autorização, i.e., a outorga que o
conjunto de indivíduos dá ao soberano para agir em seu nome, suprimindo da equação
quase que na totalidade a questão da responsabilidade (accountability) pelos atos pratica-
dos em nome dos súditos (Pitkin, 1972, cap.1). Apesar de utilizar o termo representação
para definir a relação entre súditos e soberano, Hobbes foca no aspecto formal desta re-
lação, defendendo a assunção de obrigações unilateral pelos representados, já que o re-
presentante está autorizado a agir em nome daqueles e, portanto, tudo aquilo que fizer
também deve ser considerado como ação dos representados.
Nesse sentido, a autorização dos súditos ao soberano para agir em seu nome é
absolutamente irrestrita e possui uma dupla função: criar uma conexão entre o soberano
e seus súditos e garantir a sua independência da vontade daquela comunidade. A conexão
decorre da transferência dos direitos ao soberano, o que implica em uma autorização dos
súditos para que ele aja amplamente em seu nome, tornando seus atos, atos dos próprios
súditos (Martinich, 2016). Já a independência é fruto tanto dessa autorização quanto da
não participação do soberano no contrato social. Como age em nome dos súditos, estes
jamais podem questionar os atos do soberano pois são seus próprios atos. Paralelamente,
por não ser parte contratante no pacto social, é impossível opor ao soberano as limitações
impostas aos súditos por aquele pacto (Skinner, 2008, cap. 5). A vontade da comunidade
passa a ser a do seu legítimo representante, que age em seu nome por autorização, mas
não é obrigado a consultá-la para agir (Hobbes, 1998, cap. XVIII).
A autorização dos súditos, como formulada no raciocínio de Hobbes, exclui o
problema da formação de um consenso político acerca da vontade daquela comunidade
no desenvolvimento de uma teoria da representação (Pitikin, 1972, cap. 1). A vontade da
comunidade é a vontade do seu soberano que a representa, inexistindo qualquer espaço
para dissidência ou conflito. Ribeiro (2003, p. 29), defende que essa formulação do con-
ceito de representação de Hobbes gerado pelo contrato social é planejada para resolver o
problema da igualdade absoluta e da ausência de um critério externo para as ações dos
indivíduos. O soberano é único indivíduo a possuir direito a todas as coisas, sem qualquer
obrigação para com seus súditos, enquanto estes lhe devem obedecer às obrigações que
aquele lhes impor. Dessa forma, o contrato social coloca o soberano em absoluta desi-
gualdade com relação a seus súditos. Ao mesmo tempo, porém, essa absoluta desigual-
dade impõe a igualdade entre os próprios súditos, que devem igual obediência ao sobe-
rano.
Paralelamente, essa desigualdade instaurada entre soberano e súditos garante a
criação de um critério externo para julgar as suas ações (Runciman, 2016). Não estando
obrigado a obedecer a vontade dos seus súditos, que lhe devem obediência, o soberano é
livre para agir e julgar as suas ações da maneira que entender melhor, já que eles assim
os autorizaram. Dessa forma, ele se torna o único capaz de exigir legitimamente que ou-
tros indivíduos ajam ou deixem de agir de determinada maneira, criando-se assim um
critério externo para julgar as suas ações. Agir de maneira justa/boa é agir conforme os
ditames do soberano, agir de forma injusta/má é ir contra as normas estabelecidas por ele,
tornando-se passível de punição. Há em Hobbes, portanto, um esvaziamento do conteúdo
político da justiça e das normas que regem a vida em comunidade, em favor de uma es-
pécie de formalismo jurídico-filosófico que estabelece ser a justiça a obediência àquilo
que o soberano, receptáculo dos direitos e representante dos súditos, lhe impor como regra
(Ferreira, 2013).
Desse modo, na formulação de um contrato social para garantir a autopreserva-
ção dos indivíduos, Hobbes parece aniquilar por completo a possibilidade de resistência
legítima ao poder soberano pelos indivíduos que pactuaram para criá-lo, inexistindo es-
paço para a desobediência ou questionamento das suas determinações. Dessa forma, não
é possível fundamentar uma desobediência conjunta dos súditos das disposições do sobe-
rano que seja legitimada em um julgamento daquilo que seria a ação mais justa ou mais
correta a ser tomada pelo soberano (Hobbes, 1998, p. 116-117). A primeira e a segunda
consequência da formação deste pacto de representação é praticamente impedem o indi-
víduo de rompê-lo de forma legítima. Em primeiro lugar, não se pode romper o pacto sem
injustiça, já que os indivíduos são obrigados pela lei natural a permanecerem nele, bem
como não se pode fazer um novo porque haverá sempre o pacto anterior limitando as
ações dos indivíduos. Segundo, não é possível romper o pacto alegando que o soberano
o teria rompido primeiro. Como ele não faz parte do contrato social não se pode imaginar
que lhe foram impostas condições algumas no exercício do seu poder e, portanto, não
pode violar essas condições inexistentes (Hobbes, 1998, cap XVIII).
Contudo, há uma única ressalva a este dever absoluto de obediência, baseado no
único direito que os indivíduos são incapazes de ceder ao soberano e que fundamenta a
sua própria criação: o direito a auto preservação. Antes de explorar esse tema, porém, por
entender que a comparação com Locke é profícua para compreender os limites e condi-
ções da resistência legítima ao soberano em Hobbes, trato na seção de seguinte da cons-
trução da soberania e dos seus limites no Segundo Tratado sobre o governo.
The state of nature has a law of nature to govern it, which obliges every one: and reason,
which is that law, teaches all mankind, who will but consult it, that being all equal and
independent, no one ought to harm another in his life, health, liberty, or possessions: for
men being all the workmanship of one omnipotent, and infinitely wise maker (Locke, p.
09)
O critério desenvolvido por Locke para julgar a conduta humana mesmo no es-
tado de natureza está baseado na existência de um direito natural que vai além da sua
autopreservação (Godoy, 2004). Enquanto ser racional, o indivíduo é senhor de si próprio,
possuindo a propriedade de si mesmo, logo, possui o direito de se preservar. Como con-
sequência, o indivíduo deve buscar meios para se manter vivo e se preservar. Neste pro-
cesso, ao adquirir os recursos necessários para a sua sobrevivência por meio do seu pró-
prio esforço, o indivíduo se mistura a essas coisas e as torna também suas propriedades,
pois sendo dono de si e estando seu eu misturado a elas, elas também são suas:
every man has a property in his own person: this nobody has any right to but himself. The
labor of his body, and the work of his hands, we may say, are properly his. Whatsoever
then he removes out of the state that nature hath provided, and left it in, he hath mixed
his labor with, and joined to it something that is his own, and thereby makes it his prop-
erty. (Locke, XXXX, p. 19)
O objetivo dos dois autores é fazer um exercício teórico para legitimar a existên-
cia do Estado Civil e o fazem justificando o porquê e em quais condições o indivíduo vive
melhor nele do que em sua condição natural. A justificativa apresentada por Hobbes e
Locke para o indivíduo se submeter ao soberano é que no Estado Civil os direitos naturais
do homem estariam melhor protegidos do que eles próprios seriam capazes de fazer no
Estado de Natureza. Em Hobbes esse direito é o de autopreservação do indivíduo, em
Locke é o direito à propriedade em sentido amplo, entendida tanto quanto autopreserva-
ção do indivíduo quanto preservação dos seus bens. Contudo, ambos os autores estipulam
cenários limítrofes ao poder do soberano, em que desobedecê-lo, oferecendo-lhe resistên-
cia, pode ser considerada uma ação legítima.
No Leviatã, Hobbes descreve dois cenários em que a resistência do súdito ao
poder do soberano seria legítima, todos em que o direito à autopreservação é colocado
em risco. O primeiro é quando o soberano decide infligir uma punição ao súdito. A legi-
timidade da resistência nesta condição decorre dos próprios termos e limites do contrato
social. Como visto, na formação do pacto social, o soberano não recebe dos súditos o seu
direito à autopreservação, já que Hobbes entender ser impossível, pela própria natureza
do homem, ceder este direito. Logo, não é possível deduzir o direito do soberano de punir
seus súditos da alienação deste direito. O que fundamenta o direito à punição do soberano
é o seu próprio direito à autopreservação da sociedade civil (Ristroph, 2013). Porém,
como o indivíduo não cedeu o seu direito à autopreservação ao soberano, ele não pode
ser obrigado, ainda que na condição de súdito, a consentir ou assistir o soberano na sua
própria punição. Neste cenário, a obrigação do súdito cessa porque ele e o soberano re-
tornam ao estado natureza um em relação ao outro, existindo apenas a possibilidade de
resistência individual comum a todos os indivíduos na sua condição natural.
For by that which has been said before, no man is supposed bound by covenant, not to
resist violence; and consequently, it cannot be intended, that he gave any right to another
to lay violent hands upon his person. In the making of a commonwealth, every man giveth
away the right of defending another; but not of defending himself. Also, he obligeth him-
self, to assist him that hath the sovereignty, in the punishing of another; but of himself
not [...]. But I have also showed formerly, that before the institution of commonwealth,
every man had a right to every thing, and to do whatsoever he thought necessary to his
own preservation; subduing, hurting, or killing any man in order thereunto. And this is
the foundation of that right of punishing, which is exercised in every Commonwealth
(Hobbes, 1988, pp. 205-206)
then is the commonwealth DISSOLVED, and every man at liberty to protect himself by
such courses as his own discretion shall suggest unto him. For the sovereign, is the public
soul, giving life and motion to the commonwealth; which expiring, the members are gov-
erned by it no more, than the carcase of a man, by his departed (though immortal) soul.
(Hobbes, 1988, 221)
There is therefore, secondly, another way whereby governments are dissolved, and that
is, when the legislative, or the prince, either of them, act contrary to their trust. First, The
legislative acts against the trust reposed in them, when they endeavour to invade the prop-
erty of the subject, and to make themselves, or any part of the community, masters, or
arbitrary disposers of the lives, liberties, or fortunes of the people (Locke, 1980, pp. 112)
In all states and conditions, the true remedy of force without authority, is to oppose force
to it. The use of force without authority, always puts him that uses it into a state of war,
as the aggressor, and renders him liable to be treated accordingly (Locke, 1980, p. 81).
Who shall be judge, whether the prince or legislative act contrary to their trust? [...] To
this I reply, The people shall be judge; for who shall be judge whether his trustee or deputy
acts well, and according to the trust reposed in him, but he who deputes him, and must,
by having deputed him, have still a power to discard him, when he fails in his trust?
(Locke, 1980, p. 123)
5. Bibliografia
BROWN, Stuart. The Sovereignty of the People In: Studies on Locke: sources, contem-
poraries and legacy. Ed. Sarah Hutton e Paul Schuurman. Springer. AA Dordrecht, The
Netherlands: 2008.
EVRIGENIS, Ioannis D. The State of Nature. In: The Oxford Handbook of Hobbes, ed.
Aloyos Martinich e Kinch Hoekstra. Nova York: Oxford University Press, 2016.
LOCKE, John. Second treatise of government. Hackett Publishing Company Inc. Indiana:
1980.
RISTROPH, Alice. The Imperfect Legitimacy of Punishment. In: Hobbes Today Insights
for the 21st Century. Ed. S. A. Lloyd. Cambridge University Press, 2013.
SKINNER, Quentin. Hobbes and republic liberty. Cambridge University Press. Cam-
bridge: 2008, cap. 5 e 6.
SORREL, Tom. Hobbes, Locke and the state of nature. In: Studies on Locke: sources,
contemporaries and legacy. Ed. Sarah Hutton e Paul Schuurman. Springer. AA Dordrecht,
The Netherlands: 2008.