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+ 16/11/2019

Sala: A309

Descrição
sincrónica e
11:30 – 13:00 diacrónica do
Português

Universidade de Cabo Verde 2022/06/15


2021/07/30
Ed. 8 |
Polo da Praia
Auditório 201 às 15:15
16:30 – 19:30

DA ESTRUTURA DA SÍLABA E
DOS TRAÇOS PROSÓDICOS DO PORTUGUÊS EUROPEU
Henrique Barroso © 2022 | CEHUM
Departamento de Estudos Portugueses e Lusófonos (DEPL)
Escola de Letras, Artes e Ciências Humanas (ELACH)
Universidade do Minho (UMinho)
Braga | Portugal
+ Da estrutura da sílaba e dos traços prosódicos do PE

Programa | Sumário
2

1. Introdução
2. Estrutura da sílaba do PE
2.1. Divisão/ Delimitação silábica
2.2. Classificação tipológica da sílaba
2.2.1. Sílaba simples e complexa
2.2.2. Sílaba aberta e fechada
2.2.3. Sílaba crescente, decrescente e crescente-decrescente
2.3. Padrões/ Tipos silábicos
2.3.1. Grupo das sílabas livres
2.3.2. Grupo das sílabas travadas
3. Traços prosódicos (ou suprassegmentais) do PE
3.1. Acento
3.1.1. Esquemas acentuais
3.1.2. O lugar (ou posição) do acento
3.2. Entoação
3.2.1. Contornos (ou configurações entoacionais)
3.2.2. Excerto textual (em transcrição fonológica) com indicação dos contornos
4. Síntese final
5. Referências
+ Da estrutura da sílaba e dos traços prosódicos do PE

1. Introdução
3

o Vamos tratar, nesta aula, de dois assuntos que são também


parte integrante do plano da expressão da língua
portuguesa.
o O primeiro (por ordem de tratamento) diz respeito à
combinação dos segmentos fonológicos (vocálicos e
consonânticos e/ou semivocálicos) em unidades linguísticas
hierarquicamente superiores, isto é, à(s) sílaba(s). Mais
propriamente: ocupar-nos-emos do estatuto funcional da
sílaba portuguesa, insistindo de modo particular na sua
estrutura.
+ Da estrutura da sílaba e dos traços prosódicos do PE

1. Introdução
4

o O segundo, por seu turno, tem que ver com as propriedades


de natureza suprassegmental (sempre associadas às
segmentais, seja ao nível da sílaba, seja ao do vocábulo
fonológico, seja ao do enunciado, etc.) de que se destacam,
pelo seu papel de relevo na língua portuguesa de hoje, as que
desempenham uma função distintivo-contrastiva, ou seja:
o acento (melhor: o seu lugar dentro da unidade acentual) e
a entoação.
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2. Estrutura da sílaba do PE
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o Apresentar, do ponto de vista fonético, uma definição de sílaba,


não tem sido uma tarefa fácil. Todavia, agora (já o referi), não é do
seu estatuto fonético, mas sim do fonológico, que nos vamos
ocupar. E, deste ponto de vista, apesar de tudo (subsistem alguns
problemas, como abaixo se verá), é mais fácil não só definir como
também identificar a unidade linguística em causa.
o Antes de mais nada, temos de chamar a atenção para o facto de a
sílaba ser uma evidência intuitiva para qualquer falante de
qualquer língua (recorde-se, por exemplo – funcionando, pois,
como prova do que acabou de se afirmar –, a existência de escritas
de tipo silábico, linguagens secretas de base silábica e de certas
propriedades da linguagem infantil). Para além disso, é a primeira
unidade linguística rítmica a ser manipulada na produção da fala.
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2. Estrutura da sílaba do PE
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o Do ponto de vista fonológico, a sílaba é «uma unidade


rítmica, constituída por uma sequência de segmentos que se
agrupam em torno de um segmento a que está associado
maior grau de proeminência» (MATEUS, Mª H. M. et al.:
1990).
o Podemos concluir, do exposto, que toda a sílaba é constituída
obrigatoriamente por um centro, o seu núcleo (ou crista ou,
ainda, ápice), o constituinte silábico mais proeminente, e
facultativamente por elementos marginais (o ataque – se o
precedem – e a coda – se o seguem –), os constituintes
silábicos menos proeminentes.
+ Da estrutura da sílaba e dos traços prosódicos do PE

2. Estrutura da sílaba do PE
7

o O segmento fonológico que ocupa o núcleo da sílaba e que


tem, por consequência, a capacidade de, por si só, formar
uma unidade linguística desta natureza recebe o nome de
silábico. As vogais (ou fonemas vocálicos) são os segmentos
que desempenham quase exclusivamente esta função em
todas as línguas do mundo. Em português, ao falar-se em
vogais, está-se automaticamente a falar de fonemas
silábicos. Isto quer, pois, significar que, na nesta língua,
apenas os fonemas vocálicos podem ocupar o núcleo da
sílaba.
+ Da estrutura da sílaba e dos traços prosódicos do PE

2. Estrutura da sílaba do PE
8

o Por sua vez, ao segmento fonológico que não ocupa o núcleo


da sílaba e que não tem, por conseguinte, a capacidade de,
pelos seus próprios meios, constituir uma unidade
linguística deste tipo dá-se o nome de assilábico. As
consoantes e as semivogais (ou fonemas consonânticos e
semivocálicos) são os segmentos que têm essa função nas
línguas do mundo. Em português, as consoantes e as
semivogais são sinónimos de fonemas assilábicos, ou seja:
são segmentos que só se encontram nas margens (ou
encostas) da sílaba.
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2. Estrutura da sílaba do PE
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o A sílaba caracteriza-se por um movimento ascendente (o ataque),


um momento de plenitude (o núcleo) e por um movimento
descendente (a coda). Cada uma destas fases de formação/
constituição silábica (com exceção do núcleo, que está sempre
representado por um segmento vocálico) pode
o a) ou não estar representada por nenhum segmento
o b) ou estar representada por um, por dois ou mais segmento(s), e
todos de natureza consonântica e/ou semivocálica (como vamos
ver daqui a pouco).
o A estrutura da sílaba portuguesa (bem como a de outras línguas)
vai, portanto, resultar deste “jogo”, ou seja, das relações que se
estabelecem entre o constituinte mínimo e obrigatório (núcleo) e
os constituintes facultativos (ataque e coda).
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2. Estrutura da sílaba do PE
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o Assim, se estivermos na presença de uma sílaba constituída apenas


pelo núcleo, temos a Estrutura Silábica III (cf. Fig. 1c); se pelo
núcleo precedido pelo ataque, a Estrutura Silábica I (cf. Fig. 1a);
se pelo núcleo simultaneamente precedido pelo ataque e seguido
pela coda, a Estrutura Silábica II (cf. Fig. 1b); se, finalmente, pelo
núcleo seguido pela coda, a Estrutura Silábica IV (cf. Fig. 1d).
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2. Estrutura da sílaba do PE
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+ Da estrutura da sílaba e dos traços prosódicos do PE

2. Estrutura da sílaba do PE
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o As quatro estruturas silábicas acabadas de identificar representam


dois tipos universais de sílaba, a saber:
o 1º) Ataque + Rima (compreende as Estruturas Silábicas I e II) e
o 2º) Rima (inclui as Estruturas Silábicas III e IV).

o O primeiro tipo está mais representado nas línguas do mundo do


que o segundo e também ostenta o maior número de padrões
silábicos (oito, no primeiro, contra apenas três, no segundo), pelo
menos em português (como veremos daqui a pouco).
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2.1. Divisão/ Delimitação silábica


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o À evidência intuitiva da sílaba por parte do falante comum opõe-se


a dificuldade do investigador na delimitação, com rigor e exatidão,
das suas fronteiras.

o E isto acontece, particularmente, quando se está na presença dos


chamados grupos (e/ou encontros) consonânticos, sobretudo no
interior de unidade acentual.

o Em alguns destes casos, não há certezas quanto à sua interpretação


ou como coda da sílaba anterior, ou como ataque da seguinte, ou
como uma e outro ao mesmo tempo (uns segmentos constituindo
uma, outros segmentos formando outro).
+ Da estrutura da sílaba e dos traços prosódicos do PE

2.1. Divisão/ Delimitação silábica


14

o Para além disso, também há flutuações na interpretação silábica


quando /i/ e /u/ estão
o a) precedidos e seguidos de outra vogal (exs.: vaidade, ansiedade,
saudade, suavidade),
o b) seguidos de outra vogal em sílaba acentuada (exs.: suar, fiel, miolo)
o e, ainda, c) seguidos de fonema vocálico não acentuado em posição final
de unidade acentual (exs.: glória, níveo, fátuo, amêijoa).

o Fazendo corresponder ao centro da sílaba (realizado sempre, como vimos, por uma
vogal) o símbolo V e às suas margens (realizadas sempre, como também se viu, por
consoantes e semivogais) o símbolo C, vejamos alguns exemplos de divisão
silábica da variedade culta do português europeu (outros hão de aparecer mais à
frente, como ilustração/documentação das afirmações feitas nesses lugares):
+ Da estrutura da sílaba e dos traços prosódicos do PE

2.1. Divisão/ Delimitação silábica


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• (agrupar) /A.gRu.'pAR/ /V.CCV.CVC/


• (abster) /AbS.'teR/ /VCC.CVC/
• (cardo) /'kAR.du/ /CVC.CV/
• (calma) /'kAL.ma/ /CVC.CV/
• (canto) /'kAN.tu/ /CVC.CV/
• (níveo) /'ni.vi.u/ /CV.CV.V/
• (lírio) /'li.ri.u/ /CV.CV.V/
• (amêijoa) /A.'mAj.Zu.a/ /V.CVC.CV.V/
• (água) /'a.gu.a/ /V.CV.V/
• (partia) /pAR.'ti.a/ /CVC.CV.V/
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2.1. Divisão/ Delimitação silábica


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o Eis agora, num diagrama arbóreo, que evidencia claramente a sua


estrutura interna, a divisão/delimitação silábica da unidade
acentual /pAR.'ti.a/ (Fig. 2):

Fig. 2: Representação diagramática (em árvore) da divisão silábica


de uma unidade acentual da variedade culta do PE
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2.2. Classificação tipológica da sílaba


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o De acordo com a sua estrutura, as sílabas podem ser simples ou


complexas, abertas/ livres ou fechadas/ travadas, crescentes ou
decrescentes ou, ainda, crescentes-decrescentes.

2.2.1. Sílaba simples e sílaba complexa

o A sílaba simples caracteriza-se por ser constituída única e


exclusivamente pelo núcleo que, conforme já sabemos, está
sempre representado por uma vogal (ou fonema vocálico).

Exs.: /V/ /E/ (é)

/V/ /a/ (há)


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2.2. Classificação tipológica da sílaba


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o A sílaba complexa, pelo contrário, é aquela cujo núcleo está a) ou


precedido, b) ou seguido c) ou, ainda, precedido e seguido ao
mesmo tempo por um (ou mais) fonema(s) assilábico(s):
consoante(s) e/ou semivogal(ais).
Exs.: /CV/ /la/ (lá)
/CV/ /sE/ (sé)

/VC/ /AR/ (ar)


/VC/ /ES/ (és)

/CVC/ /pAR/ (par)


/CVC/ /maS/ (más)
+ Da estrutura da sílaba e dos traços prosódicos do PE

2.2. Classificação tipológica da sílaba


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2.2.2. Sílaba aberta e sílaba fechada

o A sílaba aberta (ou livre) caracteriza-se por não terminar em


consoante e/ou semivogal, isto é, por o núcleo não estar seguido
por um (ou mais) fonema(s) assilábico(s).

Exs.: /V/ /a/ (há)

/CV/ /la/ (lá)

/CCV.CV.CV/ /'pRa.ti.ku/ (prá-ti-co)


+ Da estrutura da sílaba e dos traços prosódicos do PE

2.2. Classificação tipológica da sílaba


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o Ao invés, sílaba fechada (ou travada) é aquela cujo núcleo está


seguido por um (ou mais) fonema(s) assilábico(s), ou seja, aquela
que termina por uma (ou mais) consoante(s) e/ou semivogal(ais).

Exs.: /VC/ /ES/ (és)

/CVC/ /pAR/ (par)

/VCC.CCV.CVCC/ /iNS.tRu.'sAwN/ (ins-tru-ção)

/CVCC.CV.CV.CV/ /pERS.pE.'ti.va/ (pers-pe-ti-va)


+ Da estrutura da sílaba e dos traços prosódicos do PE

2.2. Classificação tipológica da sílaba


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2.2.3. Sílaba crescente, sílaba decrescente e sílaba crescente-decrescente

o A sílaba crescente caracteriza-se pelo facto de os fonema(s)


assilábico(s) preceder(em) o núcleo.
Exs.: /CV/ /la/ (lá)
/CCV.CV.CV/ /'pRa.ti.ku/ (prá-ti-co)

o Por sua vez, a sílaba decrescente é aquela cujo(s) fonema(s)


assilábico(s) segue(m) o núcleo.
Exs.: /VC/ /ES/ (és)
/VCC/ /ajS / (ais)
/VCC.CCV.CVCC/ /iNS.tRu.'sAwN/ (ins-tru-ção)
+ Da estrutura da sílaba e dos traços prosódicos do PE

2.2. Classificação tipológica da sílaba


22

2.2.3. Sílaba crescente, sílaba decrescente e sílaba crescente-decrescente

o Por fim, se um (ou mais) fonema(s) assilábico(s) preceder(em) e


seguir(em) simultaneamente o núcleo, estamos na presença de
uma sílaba crescente-decrescente.
Exs.: /CVC.CVC/ /’kAR.taS/ (car-tas)
/CCVC.CVC/ /’bRiN.kuS/ (brin-cos)
/CVCC/ /pAjNS/ (pães)
+ Da estrutura da sílaba e dos traços prosódicos do PE

2.3. Padrões/ Tipos silábicos


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o Os diferentes padrões (ou tipos) silábicos resultam não só


da estrutura da sílaba mas também do número de segmentos
assilábicos que constituem as suas margens. De acordo com
este princípio, são 11 (onze) os padrões silábicos
documentados na variedade culta do português europeu: 3
(três) ostentam as Estruturas Silábicas I e III (estruturas sem
coda, isto é: sílabas livres) e 8 (oito), as Estruturas Silábicas
II e IV (estruturas com coda, ou seja: sílabas travadas) (cf.
Fig. 1).
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2.3. Padrões/ Tipos silábicos


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2.3.1. Grupo das sílabas livres

o As sílabas que não terminam em consoante (mesmo as que


apresentam a forma de semivogal) (sílabas abertas/ livres)
apenas estão representadas por 3 (três) tipos, a saber:
1. /V/ /E/ (é)

2. /CV/ /ma/ (má)

3. /CCV/ /kRu/ (cru)


+ Da estrutura da sílaba e dos traços prosódicos do PE

2.3. Padrões/ Tipos silábicos


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2.3.1. Grupo das sílabas travadas


o Por seu turno, as sílabas que terminam em consoante e/ou
semivogal (sílabas fechadas/ travadas) estão representadas por 8
(oito) tipos. Ei-los, pois:
1. /VC/ /ES/ (és)
2. /VCC/ /AjS/ (eis)
3. /CVC/ /mAR/ (mar)
4. /CVCC/ /pajS/ (pais)
5. /CVCCC/ /mAwNS/ (mãos)
6. /CCVC/ /kwAL/ (qual)
7. /CCVCC/ /kwajS/ (quais)
8. /CCVCCC/ /-'dROjNS/ (la-drões)
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2.3. Padrões/ Tipos silábicos


26

o Uma vez que só /S/, /R/, /L/, /N/ (os arquifonemas


“sibilante-chiante”, “vibrante”, “lateral” e “nasal”,
respetivamente) e /j/ e /w/ (os fonemas “espirantes”
“palatal” e “velar labializado”, também respetivamente) po-
dem fechar/ travar sílaba, é natural que em português (pelo
menos na variedade que estamos a considerar) predominem
as sílabas abertas (basta recordar que em início de sílaba,
em posição intervocálica, ocorrem dezanove unidades
fonemáticas de natureza consonântica contra apenas seis,
como acabámos de ver, em final de sílaba). Daí que /CV/ seja,
pois, o padrão silábico canónico do português.
+ Da estrutura da sílaba e dos traços prosódicos do PE

2.3. Padrões/ Tipos silábicos


27

o Os fonemas com realizaçã o oclusiva, com exceçã o dos que


representam as onomatopeias, també m nã o podem fechar sı́laba
em portuguê s. Para corroborar esta aEirmaçã o, servem de exemplo
as palavras importadas (= empré stimos) que terminam em
segmento oclusivo que, nã o sendo permitidas em portuguê s,
recebem (por essa mesma razã o), quer foné tica, quer fonoló gica,
quer ainda graEicamente, um ‘elemento atualizador’: [-ˆ], /-e/ e -e,
respetivamente, como os exemplos infra documentam:
Inglê s: Portuguê s: Transcr. Foné tica: Transcr. Fonoló gica:

Exs.: "ilm &ilme ̴ ɨ]


[ˈEilm /'EiLme/
club clube [ˈkluβɨ] /'kLube/
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3. Traços prosódicos (ou suprassegmentais) do PE


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o As propriedades de variação da fala que envolvem mais do


que um segmento (sílaba, pé, vocábulo fonológico, frase
fonológica, enunciado, etc.) e que implicam distinções e
contrastes vários, com maior ou menor incidência nas lín-
guas do mundo, recebem a designação de traços prosódicos
(ou suprassegmentais).

o Entre estes destacam-se, pela sua relevância funcional, o


acento, a duração, o tom e a entoação. Todos resultam da
variação relativa dos parâmetros acústicos característicos da
fala, a saber: frequência fundamental (ou altura), energia,
tempo de emissão (ou duração) e intensidade.
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3. Traços prosódicos (ou suprassegmentais) do PE


29

o Do acento e da entoação e respetivas funções (linguísticas


ou não) que estes traços prosódicos têm na variedade culta
do português europeu, falaremos daqui a pouco.

o Quanto à duração e ao tom, apesar de serem traços que


entram na caracterização de todos os sons de todas as
línguas do mundo (todos os segmentos fonéticos podem ser
– e são, de facto – produzidos com maior ou menor duração e
com maior ou menor altura: valores relativos, portanto), não
serão considerados porque o português é apenas uma língua,
entre muitas outras, que não se serve linguisticamente
(distintiva e/ou contrastivamente) destes parâmetros
acústicos.
+ Da estrutura da sílaba e dos traços prosódicos do PE

3. Traços prosódicos (ou suprassegmentais) do PE


30

o Linguisticamente, sublinho. Porque, tal como o acento e a entoação


(como se vai ver a seguir) que, para além das funções que
habitualmente expressam (umas sistematicamente determinadas,
outras não), têm ainda a capacidade de servir a outros fins (não
sistematicamente determinados), assim também a duração e o tom
(sobretudo a primeira), apesar de não funcionarem
linguisticamente em português, desempenham nesta língua papéis
ilocutórios/ pragmáticos/ afetivos de uma certa relevância.
o As funções resultantes dos contrastes prosódicos provocados pelo
acento estão ligadas aos níveis fonológico e/ou morfológico; por
sua vez, as que resultam dos contrastes prosódicos criados pela
entoação, aos níveis sintático, semântico e pragmático. Vejamos,
ainda que sumariamente, uns e outros e respetivas funções na
variedade do português que estamos a considerar.
+ Da estrutura da sílaba e dos traços prosódicos do PE

3.1. Acento
31

o O acento consiste no grau de proeminência/ destaque de


uma sílaba
o a) entre duas ou mais das que constituem uma unidade
acentual (fala-se, neste caso, de acento de palavra),
o b) entre várias acentuadas das que formam um grupo
acentual (temos, agora, o acento nuclear) ou, por último,
o c) entre várias também acentuadas das que compõem um
grupo entoacional (acento de frase).
+ Da estrutura da sı́laba e dos traços prosó dicos do PE

3.1. Acento
32

o O grau de proeminência das sílabas que permitem identificar


os três tipos de acento acabados de mencionar resulta, como
já sublinhámos, dos parâmetros acústicos próprios da fala,
mas aqui com predominância de um deles. Assim,
o se se aumentar a amplitude e a frequência de vibração,
temos o chamado acento de intensidade;
o se a duração, o acento de quantidade;
o se, por fim, a frequência fundamental (F0), o acento de
altura.
o O acento em português é fundamentalmente de intensidade
(quer dizer: é este aspeto que predomina). Todavia, como é
natural, quando os valores de intensidade aumentam, sobem
também proporcionalmente os valores de duração e altura.
+ Da estrutura da sílaba e dos traços prosódicos do PE

3.1. Acento
33

o Por conseguinte, e como corolário do que acabamos de


expor, podemos concluir que o português é uma língua de
icto (ou língua acentual [Língua acentual opõe-se a língua tonal porque a
primeira, ao contrário do que faz a segunda, não distingue significados usando apenas a
variação da frequência fundamental.]). Quer isto, portanto, significar que é
uma língua cujo acento e respetiva posição desempenham
funções linguísticas (e também não linguísticas) da maior
relevância: sobretudo a distinção de significados, mas
também a marcação de unidades rítmicas. Antes, porém, de
as considerarmos, recordemos que é com base neste parâ-
metro que se distingue entre sílaba acentuada e sílaba(s)
não acentuada(s), distinção fundamental que subjaz à
inventariação dos diferentes subsistemas que caracterizam o
vocalismo da variedade culta do português europeu.
+ Da estrutura da sílaba e dos traços prosódicos do PE

3.1. Acento
34

o O acento desempenha nas lı́nguas uma trı́plice funçã o: duas sã o de


natureza linguı́stica (a função distintiva e a função demarcativa/
delimitativa) e uma, nã o linguı́stica (a função enfática).

o No que à lı́ngua portuguesa diz respeito, a função distintiva


apresenta um grau de produtividade razoá vel, sobretudo no nı́vel
morfoló gico (vai ver-se daqui a nada); a função demarcativa (ou
delimitativa) nã o tem grande relevâ ncia, porque nã o é produtiva;
por Lim, a função enfática (com certeza, por nã o ser mesmo de
natureza linguı́stica) apresenta uma “cobertura pragmá tica” de
uma relevâ ncia considerá vel: aqui se integram, por exemplo, o
acento afetivo (destaque emotivo de uma palavra) e o acento
intelectual (ê nfase de uma palavra).
+ Da estrutura da sílaba e dos traços prosódicos do PE

3.1. Acento
35

3.1.1. Esquemas acentuais

o De acordo com MATEUS, Mª H. M. et al. (1989: 338-343 e 1990:


353-360), a atribuição do lugar do acento em português parece
estar ligada à estrutura interna da palavra, ou seja, à sua
constituição morfológica.
[Segundo as AA., nos nomes e adjetivos, o acento recai na última vogal
(sílaba) do Radical, e, nos verbos regulares, na última vogal (sílaba) do Tema.]

o Deste facto decorre ser o português uma língua de acento


maioritariamente livre.
[Digo maioritariamente porque há línguas cuja atribuição do lugar do
acento se faz de modo completamente livre (lembremos que em português
predomina o esquema acentual paroxítono). O russo, por exemplo, é uma língua de
acento livre porque esta propriedade prosódica pode incidir sobre qualquer uma
das sílabas das unidades acentuais/ palavras, apenas tem que atender à sua consti-
tuição morfológica.]
+ Da estrutura da sílaba e dos traços prosódicos do PE

3.1. Acento
36

3.1.1. Esquemas acentuais

o Para além da (desta) determinação morfológica do acento,


podemos e devemos falar mesmo de uma “motivação fonológica” (e
– atenção! – não de uma “determinação fonológica”: a propriedade
que caracteriza as línguas de acento fixo). Com efeito, observando
bem o léxico (e todas as formas determinadas flexional e/ou
derivacionalmente) português, verifica-se que há um predomínio
de vocábulos acentuados na penúltima sílaba (a contar do fim).
Continuando a observar, constatamos que o acento pode a) ou
avançar b) ou recuar uma posição/ sílaba (está aqui, pois, a origem
da função distintiva do acento na nossa língua). Deste modo,
temos (e respetivamente) o esquema acentual paroxítono
(esquema acentual canónico), o esquema acentual oxítono e o
esquema acentual proparoxítono,
+ Da estrutura da sílaba e dos traços prosódicos do PE

3.1. Acento
37

3.1.1. Esquemas acentuais


o que podemos representar/ visualizar (devidamente caracterizados
e acompanhados de um exemplo) da seguinte maneira:
1. /– '– –/: esquema acentual paroxítono (o acento recai
sobre a penúltima sílaba da unidade acentual):
Ex.: /iS.tu.'da.muS/;
2. /– – '–/: esquema acentual oxítono (o acento recai sobre
a última sílaba da unidade acentual):
Ex.: /iS.tu.'dAR/;
3. /'– – –/: esquema acentual proparoxítono (o acento
recai sobre a antepenúltima sílaba da unidade acentual):
Ex.: /iS.tu.'da.va.muS/.
+ Da estrutura da sílaba e dos traços prosódicos do PE

3.1. Acento
38

3.1.2. O lugar (ou posição) do acento


o Contrariamente ao checo e ao francês (por serem, como já se viu,
línguas de acento fixo), o português (língua maioritariamente
de acento livre, como também já se assinalou) possui a
capacidade de, exatamente por fazer oscilar o acento nas três
posições permitidas pelas regras do seu sistema fonológico,
distinguir significantes (e, claro, significados).
o Assim, por exemplo, fazendo-o oscilar nas três últimas sílabas de
uma unidade acentual (ou palavra), constituída parcialmente pelos
mesmos segmentos fonológicos, identifica 3 (três) significantes
pertencentes a classes morfológicas distintas: exs.: /'sabia/ (sábia -
adjetivo), /s!'bia/ (sabia - forma verbal) e /sabi'a/ (sabiá - nome);
+ Da estrutura da sı́laba e dos traços prosó dicos do PE

3.1. Acento
39

3.1.2. O lugar (ou posição) do acento

o apenas nas antepenúltima e penúltima sílabas, também de uma


mesma unidade acentual (nesta situação, os exemplos abundam),
distingue 2 (dois): exs.: /'fabRika/ (fábrica - nome) e /f!'bRika/
(fabrica - forma verbal), /'duvida/ (dúvida - nome) e /du'vida/
(duvida - forma verbal), etc.; e, ainda, nas duas últimas sílabas,
também 2 (dois): exs.: /'kONtajN/ (contem - 3ª pessoa do plural do
presente do conjuntivo de contar) e /kON'tAjN/ (contém - 3ª
pessoa do singular do presente do indicativo de conter).

o Como se pode verificar, o lugar (ou a posição) do acento é, pois,


um prosodema do português, isto é, uma unidade
linguisticamente distintivo-contrastiva, e com um elevado
rendimento funcional (ou, noutros termos: bastante produtivo).
+ Da estrutura da sílaba e dos traços prosódicos do PE

3.2. Entoação
40

o A entoação é o traço prosódico que resulta da organização


rítmica [o ritmo é a propriedade resultante da duração dos sons e da alternância
entre sílabas acentuadas e sílabas não acentuadas (MATEUS, Mª H. M. et al.: 1989,
347)] dos tons (ou seja, da evolução no tempo da frequência
fundamental ao nível da frase ou do enunciado) e/ou da
inter-relação entre as unidades acentuais ao nível do
discurso.

o Entonacionalmente, e segundo BARBOSA, J. M. (1963 e


1994), um texto português pode segmentar-se em frases
entonacionais, e estas em cláusulas entonacionais, e estas
últimas, por fim, em medidas entonacionais.
+ Da estrutura da sílaba e dos traços prosódicos do PE

3.2. Entoação
41

o Por frase entonacional entende-se um enunciado completo,


isto é , fechado, do ponto de vista da entoaçã o. Ao invé s, a
cláusula e a medida entonacionais sã o dependentes, ou
seja, nã o fechados (situam-se dentro daquela), també m do
ponto de vista entonacional.

o A sua delimitaçã o faz-se por meio de pausas, a saber:


o a pausa longa (/||/) delimita a cláusula entonacional;
o a pausa breve (/|/), a medida entonacional;
o e a combinaçã o de pausa longa (/||/) + fechamento (#), a frase
entonacional.
+ Da estrutura da sílaba e dos traços prosódicos do PE

3.2. Entoação
42

o A entoação tem nitidamente uma função contrastiva. Nalguns


casos, é o único instrumento que dá acesso à informação que se
quer transmitir naquele preciso momento, sobretudo quando se
trata de enunciados linguísticos constituídos exatamente pelos
mesmos segmentos. A Fig. 3 (de)mo(n)stra claramente isso, ou
seja, a diferença, entonacionalmente conseguida, entre uma afir-
mação (curva descendente), uma interrogação (curva ascendente
e descendente-ascendente) e uma dúvida (curva ascendente e
descendente).
+ Da estrutura da sílaba e dos traços prosódicos do PE

3.2. Entoação
43

3.2.1. Contornos (ou configurações entoacionais)

o Embora nos sirvamos praticamente das mesmas terminologia e


simbologia usadas por BARBOSA, J. M. (1963 e 1994), não
procedemos exatamente da mesma maneira. Em vez de operarmos,
como faz o A., em termos de unidades entonacionais discretas (isto
é, tonemas: signos mínimos da entoação) e não discretas, apenas –
porque todo o texto apresenta obrigatoriamente uma configuração
entonacional enunciativa ou interrogativa e concluída ou suspensa
(CARVALHO, J. G. HERCULANO de: 1984) – temos em consideração
os contornos (ou curvas de entoação). Uma vez que também
ocorre frequentemente no discurso, vamos acrescentar às quatro
configurações entonacionais referidas mais uma, que se caracteriza
por depender de outra(s) e que, por isso mesmo, recebe a
designação de contorno dependencial.
+ Da estrutura da sílaba e dos traços prosódicos do PE

3.2. Entoação
44

3.2.1. Contornos (ou configurações entoacionais)

o Eis, em síntese, os contornos mais frequentes (acompanhados


todos do respetivo símbolo):
1. contorno de fechamento (/#/),
2. contorno enunciativo (/¯/),
3.contorno interrogativo (/ /),
4. contorno de suspensão (/®/),
5. contorno dependencial (/¬/).

o Para além destes, existem vários outros contornos, marcadamente


pragmáticos, que denotam/ expressam ira, ironia, dúvida,
convicção, desprezo, sarcasmo, ênfase, etc., etc..
+ Da estrutura da sílaba e dos traços prosódicos do PE

3.2. Entoação
45

3.2.2. Excerto textual (em transcrição fonológica) com contornos

(ver doc. pdf, em anexo)


+ Da estrutura da sı́laba e dos traços prosó dicos do PE

4. Síntese *inal
46

o Vimos, em relação ao português, que /CV/, /CVC/ e /V/ são os


padrões/ tipos silábicos mais frequentes (do mais para o menos,
respetivamente) e que, juntamente com /VC/, representam as suas
4 (quatro) Estruturas Silábicas (A+N, A+N+Cod, N e N+Cod,
também respetivamente);
o que as sílabas abertas (/CV/ e /V/) são as que predominam
(apenas seis unidades – /S/, /R/, /L/, /N/, /j/ e /w/ – podem
travar sílaba e só as vogais podem, de facto, ocupar o seu núcleo –
daí a designação de fonemas silábicos);
o que o lugar do acento e a entoação são os seus traços prosódicos
mais característicos porque, como ficou expresso, desempenham
funções linguísticas (e não linguísticas) muito relevantes: o pri-
meiro fá-lo distintivo-contrastivamente e o segundo,
contrastivamente.
+ Da estrutura da sílaba e dos traços prosódicos do PE

5. Referências
47

(ver doc. pdf, em anexo)

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