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Entrevista: Os desafios do uso das mídias socIaIs no aprendizado: uma

imagem-síntese do futuro da educação

Se, nas salas de aula presenciais, faltam atenção e entusiasmo aos alunos, os ambientes de
convívio e interação virtuais ganham cada vez mais espaço na vida dos jovens de hoje. Com o uso
crescente das midias sociais em significativa parcela da população brasileira, já é hora de a
educação se apropriar dessas novas ferramentas e fazer avanços nesse universo, onde hoje o
conhecimento circula em todas as direções, não mais apenas do professor para o aluno. Para falar
do grande desafio que é tornar o uso de mídias sociais um instrumento poderoso e eficaz no
aprendizado, convidamos o professor Ronaldo Lemos, coordenador do Centro de Tecnologia e
Sociedade da FGV DIREITO RIO e do projeto Creative Commons no Brasil, a discutir o assunto,
respondendo às perguntas elaboradas pela professora Claudia Capello, coordenadora pedagógica
do FGV Online.

1) Mais de cinco milhões de estudantes brasileiros já pertencem a uma rede social na


internet, como o Facebook ou o Twitter. No entanto, eles não utilizam essas redes
somente para interagir de forma social - esses alunos, agora, já começam a criar grupos
de estudo dentro das redes, muitas vezes, estimulados pela própria instituição de ensino.
O grande desafio para a educação é tomar o uso dessas redes eficaz no que diz respeito à
aprendizagem. Como o senhor avalia o uso dessas redes sociais na educação, no sentido
de sua eficácia?

A educação precisa ir aonde as pessoas estão. Muitas vezes, vejo projetos grandes e
complexos que criam "portais" educacionais na expectativa de que os estudantes
mudarão seus hábitos de uso da rede e passarão a frequentá-los com frequência. Em
geral, não é isso o que acontece. O uso das redes sociais no âmbito educacional aponta
nesse sentido. Pode haver críticas às redes sociais e sobre como elas ocupam o tempo útil
das pessoas, mas é um fato importante hoje, no Brasil, que muitos jovens dedicam sua
atenção e seu entusiasmo para interagir com outras pessoas no âmbito dessas redes. Isso
abre possibilidades educacionais importantes, especialmente porque atenção e entusiasmo
são elementos que andam em falta nas salas de aula.

2) As iniciativas de levar as redes sociais para a sala de aula já são uma realidade, ainda que
nem sempre formalizada pela instituição de ensino. Não é comum, porém, que o uso
dessas redes seja inserido em um projeto pedagógico, o que parece importante que seja
feito, já que a internet, por si, é um meio, mas não um espaço pedagógico por natureza.
O que o senhor acha a respeito da inclusão das redes sociais nos projetos pedagógicos das
instituições de ensino?
Sem dúvidas, em nenhum momento, o professor e um planejamento pedagógico
inteligente podem ser menosprezados. Mas nem sempre isso acontece. É preciso lembrar
que o conhecimento hoje não circula apenas do professor para o aluno, mas acontece
também de aluno para aluno e até de aluno para o professor. É preciso reconhecer isso e
estimular os alunos, de forma inteligente, a serem também produtores do conhecimento.
O maior desafio da educação é justamente este: fazer com que a responsabilidade do
ensino e do aprendizado seja compartilhada entre alunos, professores e outros atores
sociais não envolvidos originalmente no processo educacional.

3) Nem todos os docentes veem com bons olhos o uso da tecnologia e, sobretudo, das redes
sociais, como ferramenta educacional. Para o senhor, qual a melhor forma de integrar o
docente a essa nova realidade?

Esse é outro desafio. Hoje o uso da tecnologia é visto como concorrente da escola. O
tempo da escola é lento, o da tecnologia é rápido. A velocidade de informação da
tecnologia é imediata, da escola é mediata. Isso, e outros fatores, geram tensões entre
professores, alunos e instituições. A meu ver, isso traz um momento de oportunidade. É
uma boa hora para repensar a educação a partir das mudanças de mídia que estamos
atravessando. A escola ainda é excessivamente organizada em torno do "texto". No
entanto, nossa vida é cada vez mais "multimídia". A escola precisa se preparar para se
tornar multimídia também, ensinando habilidades que vão muito além do "texto".

4) Muitos estudiosos abordam o papel do docente na sociedade da informação, mediada pela


tecnologia. A preocupação com o uso adequado das redes sociais em situações voltadas
para a educação levou o Facebook, por exemplo, a criar um guia para educadores,
disponível no endereço http://facebookforeducators.ora/educators-guide. Em sua opinião,
de que maneira o Brasil poderia preparar seus professores para o uso eficaz das redes
sociais no processo educacional?

Essa é uma dupla tarefa. O professor precisa vivenciar, ainda que em parte, o universo
tecnológico em que os alunos estão inseridos. Esse é um problema hoje que possui um
componente geracional. As próximas gerações de professores já irão naturalmente
assimilar melhor os usos da tecnologia, mesmo que demore a haver um planejamento
específico sobre isso. A outra tarefa é não subestimar a capacidade dos alunos de lidar
com a tecnologia. Por exemplo, era comum até pouco tempo laboratórios de informática
trancados, porque os equipamentos eram caros e os alunos não deveriam utilizá-los sem
supervisão.
Gosto do enfoque de projetos com o Hole on the Wall, na índia, desenvolvido pelo
Sugata Mitra , Mas não acho que seja suficiente, Ele representa só o primeiro passo : expor
os alunos à tecnologia, seja ela qual for, dos celulares aos computadores e tablets, Os
passos seguintes são igualmente importantes, como assimilar as novas mídias sociais na
educação. E ainda ensinar os alunos a não tomarem a tecnologia como "dado", isto é,
saber que a própria tecnologia pode ser modificada e reapropriada para outros propósitos
que vão além do que é esperado dela .

5) A professora Arminda Amarante Cruz Panseri, da Universidade Federal de Juiz de Fora,


diz, em seu artigo Uso da TlC na Educação, que o modelo de educação que caracterizará a
sociedade da informação e do conhecimento provavelmente não será calcado no ensino,
presencial ou remoto: será calcado na aprendizagem. Consequentemente, não será um
modelo de Educação a Distância, mas, provavelmente, um modelo de Aprendizagem
Mediada pela Tecnologia. O senhor acha que as instituições de ensino estão preparadas
para essa nova forma de educação?

Gosto da ideia da professora Arminda; a aprendizagem é o elemento essencial. Hoje muita


gente aprende assistindo a tutoriais livremente disponiveis no YouTube, que vão de vídeos
que ensinam a consertar a bicicleta ao ensino de linguagens de programação. No entanto,
como tudo o mais, vivemos em um mundo que tem informação demais. O professor e as
instituições de ensino precisam atuar como "curadoras" desses novos conhecimentos e
dessas novas formas de aprendizado. É preciso assimilá-las, aprendendo seu potencial e
experimentando com seus limites. Mais do que isso, precisam mostrar que os próprios
alunos podem participar desse ciclo. Por exemplo, incentivando que eles mesmos possam
realizar um tutorial sobre um terna que eventualmente dominaram, ajudando a ensinar a
outras pessoas.

6) O uso pedagógico das redes sociais vai além da utilização dessas redes para compartilhar
conhecimento e criar atividades: é preciso ter uma gestão eficiente, que preserve a ética e
os valores da instituição. O que o senhor considera imprescindível para que seja feita uma
gestão competente das redes sociais com fins educacionais?

O primeiro passo é garantir acesso total e ilimitado a elas. Políticas educacionais que
restringem os usos das redes sociais já saem perdendo e são um fator adicional de
desestímulo com relação à educação. Acho que a escola tem muito a aprender com a
forma corno a comunicação acontece nas midias sociais. O desafio é justamente trazer a
vivência expandida que a exposição às redes sociais traz para o contexto educacional,
ampliando os horizontes da educação. A questão da ética é um excelente exemplo: não
vejo forma mais interessante de desenvolver um aprendizado sobre ética do que
discutindo temas que estão presentes no dia a dia das mídias sociais. É um aprendizado
que se desloca da teoria , do plano abstrato dos livros, para uma vivência prática. Essa é
uma imagem-síntese do que penso sobre o futuro da educação.

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