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3.

A relação entre linguagem e pensamento no desenvolvimento da


criança
Você já notou que, por um lado, desde cedo o bebê se comunica com o
adulto. Chora, expressando suas necessidades e desconfortos. Reage de
forma diferente à voz da mãe, se movimenta, sorri. Imita padrões faciais, como
colocar a língua para fora. Aos poucos essa comunicação vai se tornando mais
sofisticada, incluindo gestos, gemidos, balbucios. Enfim, antes da criança falar
suas primeiras palavras, ela já entende bastante a fala dos mais velhos.

Por outro lado, você já deve ter notado que com poucos meses, o bebê já é
capaz de resolver alguns problemas, como, por exemplo, puxar o lençol para
trazer para perto de si um brinquedo que deseja, ou seja, ele é capaz de usar
um meio para alcançar determinado fim e isto é considerado uma conduta
inteligente, um ato de pensamento.

Mas como dissemos, anteriormente, a linguagem não se relaciona com o


pensamento nessa etapa do desenvolvimento da criança. Quando ela começa
a falar, dois processos importantes passam a acontecer. Primeiro, ela começa
a usar a fala durante a solução dos problemas. Por exemplo, se ela quer pegar
uns biscoitos que estão em um lugar alto, fora do seu alcance, ela pode dizer
“cadeira” e ir buscar uma cadeira em outro cômodo, para subir nela e alcançar
sua meta. Segundo, ela começa a pensar ao usar as palavras, pois cada
palavra é uma generalização. Por exemplo, “cadeira” não é o nome próprio de
um objeto específico, mas uma generalização (isto, é, se aplica a todos os
objetos que tem determinadas características, apesar de não serem idênticos)
e uma abstração (isto é, isola dentre várias características que não são
importantes, por exemplo, a cor, a forma, o material de que é feito a cadeira,
aquelas características que são relevantes para a nomeação, como o fato de
servir para um indivíduo sentar e ter um apoio para as costas). Abstrair e
generalizar são atos de pensamento. Assim, surge o pensamento verbal e a
fala racional.

A brincadeira de faz de conta é uma atividade muito importante para o


desenvolvimento da criança. Nessa atividade, a criança desenvolve a
capacidade de dirigir voluntariamente suas ações e o seu pensamento
abstrato. (Se você quiser entender melhor esse processo, leia o capítulo 7 do
livro A Formação Social da Mente, de autoria de Vygotsky, sobre O papel do
brinquedo no desenvolvimento, que está disponível nas leituras
complementares).
De acordo com Vygotsky a linguagem tem duas funções principais. A
primeira é a função comunicativa, pois com ela regulamos as ações dos outros
e a nossa própria ação. A segunda é a função de pensamento generalizante,
pois, como dissemos antes, cada palavra é uma generalização, que implica
uma abstração. As duas funções da linguagem se desenvolvem. Vygotsky
aponta diferenças importantes no desenvolvimento dessas funções na criança
pequena (até, aproximadamente, 3 anos), no pré-escolar (de a 6 anos,
aproximadamente) e no escolar (a partir de 7 anos).

Em relação à função comunicativa, a fala para os outros e para si não se


diferencia na criança pequena. No pré-ecolar já se pode notar uma fala dirigida
aos outros e uma fala, que também é feita em voz alta, mas dirigida a si
mesmo, ao planejamento das próprias ações, no faz de conta, por exemplo. No
escolar essa fala em voz alta que não se dirige a um interlocutor, mesmo que
as vezes ele esteja presente (fala egocêntrica, segundo Piaget) se internaliza e
a criança passa a falar consigo mesmo de forma silenciosa, diferente de como
fala com os outros. (Você entenderá melhor esse processo se assistir a
palestra da Profa. Marta Kohl de Oliveira e se ler o Capítulo 2 do livro
Pensamento e Linguagem de Vygotsky, que encontra-se entre as leituras
complementares).

Fala comunicativa Fala comunicativa


(Função: intercâmbio (Função: intercâmbio
social) social)
Fala Oral (multifuncional)
Fala “Egocêntrica” Discurso Interior
(Função: planejar a (Função: planejar a
própria ação, em voz alta. própria ação, em silêncio.
Estrutura: fragmentada; Estrutura: fragmentada,
incompreensível fora do condensada, predicativa;
contexto. incompreensível fora do
Desenvolvimento: contexto)
internalização)

Em relação à função de pensamento generalizante ou formação de


conceitos, Vygotsky entende que o significado é a unidade do pensamento
verbal, porque, por um lado, sem significado não é possível a comunicação.
Por outro lado, além de servir à comunicação, o significado é um ato de
pensamento, pois envolve abstração e generalização. Uma outra tese de
Vygotsky é que o significado das palavras evolui. Assim, na criança pequena, o
nexo entre os elementos nomeados por uma palavra são subjetivos. No pré-
escolar, tais nexos são objetivos, mas concretos, remetem a uma situação real.
Por exemplo, ele poderia concordar em retirar o armário e deixar junto o prato,
a cadeira e a mesa, pois servem para comer. Já no escolar, os nexos entre os
elementos nomeados pela palavra são objetivos e abstratos. Em nosso
exemplo, a criança poderia justificar ter excluído o prato e deixado juntos, a
mesa, a cadeira e o armário, porque são móveis. A categoria móveis reúne
objetos que podem nunca participar juntos em uma situação real, concreta,
mas possuem um traço abstrato que os diferencia dos imóveis. O quadro, a
seguir, apresenta esquematicamente as características das duas funções da
linguagem em cada etapa do desenvolvimento.
Funções / Intercâmbio Social Pensamento Generalizante
Estágios (Comunicação) (Formação de Conceitos)
Criança pequena fala multifuncional conjuntos sincréticos
(0 a 3 anos) (nexos vagos, subjetivos)
Pré-escolar - fala comunicativa pensamento por complexos
(3 a 6 anos) - fala “egocêntrica” (nexos objetivos, concretos)
Escolar - fala comunicativa pensamento conceitual
(6 anos em diante) - discurso interior (nexos objetivos, abstratos)

A capacidade de dirigir voluntariamente a própria ação por meio do


discurso interior e a capacidade de refletir sobre as próprias ações, que
incluem a própria fala e o pensamento, caracterizam o sujeito consciente. São
capacidade a serem desenvolvidas na escola e são condições para a
aprendizagem de determinados conteúdos científicos. Vygotsky argumentava
que a consciência, especialmente a possibilidade de pensar sobre o próprio
pensamento, chegava para a criança por meio da aprendizagem de conceitos
científicos. Isto porque os conceitos científicos abstraem e generalizam
conceitos cotidianos das crianças. Se alguém pode tomar consciência das suas
ações ao descrevê-las, pode tomar consciência do seu pensamento usando
conceitos que generalizam outros conceitos. Você vai compreender melhor
esses processos assistindo apalestra da Profa. Marta Kohl e lendo o texto de
leitura obrigatória (TUNES, 1995).
Conceitos Científicos
( adquiridos na escola; fazem parte de um sistema organizado de conhecimentos;
seu desenvolvimento começa, geralmente, com sua definição verbal e com sua
aplicação em operações não espontâneas; envolve desde o início uma atitude
‘mediada’ em relação a seu objeto; implicam uma atitude metacognitiva)

Conceitos Cotidianos
(adquiridos nas interações sociais cotidianas; a criança adquire consciência de
seus conceitos espontâneos relativamente tarde)

No plano de nosso tema, recomendamos que você utilizasse 24 das 60


horas para estudar este assunto. Sugerimos que você não ocupe muito tempo
explorando na internete, mas assista o vídeo da palestra, depois leia o texto de
TUNES (1995) e responda as questões de estudo (poste na AVA).
Em seguida, recomendamos que você faça os exercícios relacionados
aos textos de ROJO (1998) e FONTANA (1993). Você não vai precisar ler os
textos, mas as transcrições que estão nesses exercíciosvão lhe dar exemplos
concretos de interação mãe-criança pequena e professora-alunos,
respectivamente. Você vai ter a oportunidade de analisar interações verbais de
uma forma que, provavelmente,nunca fez antes. No episódio transcrito de
Fontana (1993) você vai ter oportunidade de exemplificar conceitos cotidianos
e científicos em formação e apreciar o papel da linguagem no processo de
ensino e aprendizagem (Postar essas atividades na AVA é opcional. Não
postar não vai piorar a tua avaliação, mas postar pode melhorá-la).
Também recomendamos, fortemente, a leitura do capítulo 3 sobre
Pensamento e Linguagem, do livro da Profa Marta Kohl de Oliveira, que se
encontra na pasta, como leitura complementar. O conteúdo deste livro
aprofunda a fala da autora em sua palestra.
Acreditamos que você vai se esforçar para estudar este assunto,
realizando essas atividades, pois vai reconhecer que ele é bem importante para
a tua formação profissional.
Bom trabalho!

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