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Nome: Gabriel Randi Donadelli (RA: 771596)

Data: 15/02/2022
Título: Estrutura e argumentos do capítulo “O mito fundador” do livro Brasil: mito fundador
e sociedade autoritária de Marilena Chauí.
Introdução: Nesta dissertação irei procurar demonstrar os argumentos essenciais e a
estrutura do capítulo O mito fundador do livro de Marilena Chauí chamado Brasil: mito
fundador e sociedade autoritária.
Basicamente, esse capítulo é dividido em 3 partes essenciais que mostram o processo
realizado para a criação do mito fundador no Brasil. Do primeiro ao sexto parágrafo é exposta
a introdução do que será apresentado ao longo dele e, mesmo sendo importante para a
estruturação do texto, não chamarei de parte essencial essa introdução. Agora, do sexto até o
quadragésimo sexto parágrafo1, a autora começa na primeira parte essencial, sendo ela a
questão da natureza sagrada. Enquanto que do quinquagésimo sétimo até o nonagésimo
sétimo parágrafo, é tratada a questão da história sagrada. E, finalmente, do nonagésimo
oitavo ao centésimo vigésimo oitavo chegamos ao governante sagrado.
A sagração da natureza.
Nessa seção do capítulo, Chauí apresenta os argumentos em prol da primeira
característica decisiva para a formação do mito fundador.
Na época do capitalismo mercantil, as grandes navegações eram utilizadas para suprir
as necessidades desse sistema social-econômico em desenvolvimento. No entanto, também
eram uma ótima ferramenta para o “descobrimento” daquilo que os europeus ainda não
sabiam sobre o mundo.
Já existiam, desde os tempos medievais, textos que descreviam terras sagradas ou o
paraíso na terra, que já apareciam nos mapas dos europeus, mesmo sem nunca terem visto
algo parecido, essas terras já estavam presentes em sua cartografia, idealizadas por esses
textos e localizadas na mesma direção em que estavam as américas. Por isso, ao chegarem no
Brasil, tinham razões para acreditar que, aqui, era a terra sagrada a qual tanto procuravam.
Vários fatores serviram, também, para apoiar a crença do paraíso terrestre. O clima
temperado, os rios extensos, a fauna e flora abundante e diversa, os indígenas como a
representação do homem simples, puro e ingênuo, ou seja, prontos para serem catequizados e
subjugados. Tal crença também refletia o sentido simbólico da palavra oriente. Para os

1 Não considero, aqui, a seção sobre os sertões pois, nessa parte do capítulo, a autora está tratando
sobre a questão de Deus e o diabo disputando a terra sagrada, não sendo algo que caracterize a
formação do mito fundador, apenas uma consequência da sagração da natureza no país.
colonizadores, o oriente era a terra prometida, sagrada, é o retorno à origem perdida, ou seja,
ao Jardim de Éden.
Todas essas características da terra “descoberta” serviram para a classificação, vista
pelos escritos dos diários de bordo dos europeus, do Brasil como uma outra e nova terra.
Nova por ser a retomada ao paraíso inicial da criação (Jardim de Éden), não por ter sido vista
pela primeira vez; e outra por possuir nativos tão diferentes e associados à ingenuidade e
simplicidade, não por ser diferente da Europa.
A sagração da natureza pode ser encontrada em poemas, músicas, no hino nacional e
na própria bandeira de nosso país.
“De fato, sabemos que, desde a Revolução Francesa, as bandeiras
revolucionárias tendem a ser tricolores e são insígnias das lutas políticas por
liberdade, Igualdade e Fraternidade. A bandeira brasileira é quadricolor e não
exprime o político, não narra a história do país. É um símbolo da Natureza. É o
Brasil-jardim, o Brasil-paraíso.” (Chauí, 2000, p.62).

A sagração da história.
Depois do primeiro elemento para a construção do mito fundador nos ter jogado para
fora da história, o segundo nos trará de volta para ela. No entanto, não é a história “real”, e
sim a teológica, ou seja, a vontade divina.
O tempo bíblico é diferente do tempo natural e do tempo épico. Enquanto no tempo
natural temos uma eterna repetição de ciclos cósmicos e no tempo épico temos o tempo finito
e retilíneo do ser humano, no tempo bíblico estamos no território sagrado, de profecia, ou
seja, é como a vontade de Deus se tornará real ao longo da história, ela já possui um início,
um meio e um fim.
Existiam duas concepções judaico-cristãs da história nesse tom profético da vontade
divina, a história providencial eclesiástica e a profecia milenarista de Joaquim de Fiori.
Ambas falavam sobre o tempo divino e como ele aconteceria, de acordo com o que foi
interpretado da bíblia. Porém, essas teorias possuíam diferenças, enquanto a providencial
eclesiástica acreditava que a encarnação de Jesus representava a conclusão dos evangelhos e
que o fim dos tempos iria acontecer quando Deus assim quisesse, já que tudo se aparentava
completo perante os planos divinos; a profecia joaquimita acreditava que o Reino de mil anos
de felicidade, antecedente à batalha do fim dos tempos, será o Quinto Império, formado e
regido por um novo e único representante divino na terra e que todos os reinos serão unidos
em apenas um. “Um só rebanho e um só pastor, profetizados por Isaías, são a condição para
realização do futuro.”(Chauí, 2000, p.75).
Baseando-se nessas profecias bíblicas sobre o tempo divino, quando os europeus
chegaram às Américas, a profética joaquimita foi levantada como explicação para a
“descoberta” de nossas terras. Ora, nos relatos dos navegantes era possível ver como todos
acreditavam haver um motivo para o “achamento” desse solo paradisíaco. Como a profecia
de Fiori estava sendo cumprida em partes com o descobrimento da terra e de novos povos,
isso era interpretado como sinal de que o resto estava prestes a se tornar realidade. Uma
nação sem fé, pronta para a evangelização e para se tornar o Quinto Império, todos sob a
vontade de Deus.
“As nações vêm a Deus, e Deus virá a elas: essa vinda divina, restauração
de Sião descrita pelo profeta, será a obra de unificação de todas as nações e línguas,
a unificação do mundo sob um único poder, isto é, por um único cetro e um Único
diadema, o Quinto Império, profetizado por Daniel.”(Chauí, 2000, p.76).
Um último fator importante para a sagração da história de nosso país foi o “reforço”
que o Padre Vieira fez ao interpretar o profeta Isaías. Segundo as interpretações do padre, era
evidente que os portugueses eram aqueles profetizados a encontrar o mundo novo, ou seja, o
Brasil. Portanto, eram eles os destinados a encontrar e pavimentar o caminho para a formação
do Quinto Império, profetizado por Fiori.
A sagração do governante.
Para que fosse possível a manifestação desse Quinto Império, explicitado
anteriormente, era preciso surgir uma forma de governo que permitisse esse governante uno e
absoluto, aquele que unirá todas as nações por um único cetro. “Um só rebanho e um só
pastor”.
Paralela ao capitalismo mercantil, transicionando de um modelo feudal, surgiu a
monarquia absolutista, forma que os governantes encontraram de atender às necessidades
desse sistema econômico e manter seu domínio sobre as classes da base da pirâmide social.
Com isso, esse novo estado incorporou três fatores ao seu funcionamento: o direito romano, a
burocracia de seus funcionários e o direito divino dos reis.
Nesse novo modelo de estado, foram concedidos cargos à burguesia - pois eram
oferecidos a quem pudesse comprá-los - e o direito, entre outros, à propriedade privada para
as classes mais baixas da pirâmide social. Contudo, não eram cobrados impostos do monarca
nem do clero e, com os cargos cedidos, os burgueses também não tinham de pagar quase
nada, ou seja, a base da pirâmide tinha de pagá-los. Portanto, já que uma lei determinava que
o que "o que tange a todos deve ser aprovado por todos”, era necessário a existência de
normas para regularizar os negócios entre as classes “mais altas” ou estamentos (clero,
burguesia e nobreza). Dessa forma, surgiu uma rivalidade entre os estamentos para conseguir
o domínio da clientela.
Portanto, para obter o controle dessa rede de disputas, implicam a teoria do poder
divino, que irá garantir poder e controle supremo ao monarca. Essa teoria advém dos tempos
medievais e sugere que, o representante máximo do estado adquire seu poder pois foi
escolhido por Deus, ou seja, ele não responde a ninguém “de baixo” pois sua autoridade
emana “de cima”, do divino. A partir disso, fica entendido que o rei é o representante de Deus
na terra e, por isso, recebe o corpo político, ou seja, o estado, quase como uma extensão de
sua existência.
Os efeitos da sagração do governante podem ser notados no desenvolvimento do país
ao longo do tempo. As capitanias hereditárias são distribuídas como um favor do rei aos
súditos, já que o território é considerado como parte de seu corpo; a escolha de Tiradentes
como um símbolo de Cristo, não pelo que fez politicamente, apenas como mártir da revolta; a
forma como concebemos nossos representantes, pois o rei sempre foi visto como
representante de Deus e não do povo e, por isso, até hoje enxergamos nossos presidentes
como representantes do estado e não do povo que os elegeu; e
“Um outro efeito pode ser observado se reunirmos a sagração da história e a
sagração do governante. Ao articulá-Ias, notaremos que o mito fundador opera de
modo socialmente diferenciado: do lado dos dominantes, ele opera na produção da
visão de seu direito natural ao poder e na legitimação desse pretenso direito natural
por meio dasredes de favor e clientela, do ufanismo nacionalista, da ideologia
desenvolvimentista e da ideologia da modernização, que são expressões laicizadas
da teologia da história providencialista e do governo pela graça de Deus; do lado
dos dominados, ele se realiza pela via milenarista com a visão do governante como
salvador, e a sacralização-satanização da política.”(Chauí, 2000, p.86).
Enfim, pode-se concluir como se deu a formação do mito fundador na sociedade
brasileira. Pela sagração da natureza, da história e do governante foi construída a ideia desse
mito em nossa nação. A partir da natureza sagrada, reconhecida como o Jardim de Éden, terra
prometida por Deus, foi estabelecido que o Brasil seria a terra onde a profecia de Joaquim de
Fiori iria se concretizar e formaria o Quinto Império especificado pela bíblia, império que
seria governado por um rei uno e único, o qual era escolhido por Deus e governaria de forma
absoluta. O mito fundador, como é colocado por Chauí, vem sendo construído desde o início
da história de nosso país e está profundamente enraizado na forma como compreendemos o
Brasil, pode-se dizer que é responsável e, a própria base de como a nação funciona.

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