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Parecer do Ministério Pú blico

Expediente nº. 2700 9700 5172 – 3


Assunto: art. 28, CPP.
Tratam os presentes autos de um Inquérito Policial instaurado na Delegacia de Polícia da
cidade de Dias D’Á vila, para apurar um fato ocorrido no dia 18 de dezembro do ano de
1995, aproximadamente à s 20h20min, no Km 25 da rodovia estadual BA-093, naquele
município baiano.
O fato consubstanciou-se em um acidente automobilístico envolvendo três veículos, com
uma vítima fatal.
Indo os autos à apreciaçã o da ilustre Promotora de Justiça, esta, em fundamentado parecer,
requereu o arquivamento dos autos, alegando “conduta exclusiva da vítima”, entendimento
do qual discordou o eminente Magistrado, que encaminhou a peça informativa para a
aná lise do Procurador-Geral de Justiça.
Vejamos, inicialmente, os fatos coligidos pela autoridade policial: como se verifica pela
aná lise do procedimento investigató rio, o desastre ocorreu quando o motorista do fusca,
inexplicavelmente, ao transpor uma ponte, invadiu a pista contrá ria, vindo a chocar-se com
o caminhã o acima identificado; atrá s deste veículo trafegava um outro que, apó s o choque,
nã o conseguindo frear a tempo, colidiu com a parte traseira do caminhã o.
As testemunhas ouvidas afirmaram:
“que a batida tinha sido de frente e o fusca tinha saído de sua mã o de direçã o; (...) que no
dia do acidente nã o estava chovendo, o local estava escuro, a pista nã o tinha buracos e nã o
havia nenhuma substâ ncia derrapante ali.” (fls. 32).
“(...) o fusca, de cor vermelha, de placa nã o anotada, estava atravessado no meio da pista
(...) que no dia do evento delituoso nã o chovia, o local estava escuro, a pista asfá ltica tem
poucos buracos mas nã o havia nenhuma substâ ncia derrapante ali.” (fls. 31).
O motorista do segundo caminhã o envolvido no acidente (e nã o o que se chocou contra o
fusca), esclareceu que viajava no sentido Catu/Salvador e à sua frente trafegava o caminhã o
pilotado pelo indiciado, quando, inesperadamente, este veículo parou, sendo inevitá vel a
batida entre os dois caminhõ es, ainda que sem gravidade; ademais, disse que “ouviu
comentá rio de que o motorista deste (a vítima fatal) se encontrava sob efeito alcoó lico, pois
o mesmo tem o costume de ingerir bebida alcoó lica.” (fls. 05). Observa-se que os dois
caminhõ es vinham um atrá s do outro, na mã o de direçã o correta.
O indiciado, ao ser interrogado na Delegacia de Polícia, defendeu-se dizendo que o fusca,
desgovernado, “tomou a contramã o de sua direçã o, vindo a colidir de frente com o
caminhã o em que se encontrava o interrogado”, afirmando, ainda, em consonâ ncia com os
testemunhos já transcritos, “que o local se encontrava iluminado, nã o tinha nenhuma
substâ ncia derrapante na pista asfá ltica, bem como buracos nela.” (fls. 07).
O Relató rio de Acidente de Trâ nsito elaborado pela Companhia de Polícia Rodoviá ria
Militar Estadual, atesta as seguintes características do local onde ocorreu o desastre: pista
asfá ltica reta e seca, com sinalizaçã o e visibilidade regulares e tempo bom; ademais, nã o
havia fumaça, poeira, animais na pista ou qualquer outra circunstâ ncia eventual que
pudesse vir a atrapalhar o trá fego normal (cfr. Fls. 20).
Vejamos, agora, a prova pericial:
Com efeito, o exame laboratorial realizado no sangue coletado do ofendido acusou 2,58
gramas de á lcool etílico por litro de sangue ou 2,39 ml/l (transformando-se uma medida
n’outra).
Com tal concentraçã o sangü ínea do á lcool etílico, é induvidoso que o ofendido nã o tinha
nenhuma condiçã o física de dirigir um veículo, ainda mais em uma rodovia estadual com
tamanho movimento; nã o olvidamos que para tal conclusã o nã o basta apenas o volume de
á lcool ingerido, posto que, outros fatores também, influenciam na constataçã o da
embriaguez, tais como “a constituiçã o física, a idade, o sexo, predisposiçã o neuromental,
quantidade de alimentos no estô mago, etc.” (Dicioná rio de Medicina Legal, de Manif e Elias
Zacharias, 2ª. Ed., 1991).
Atentos a este dado e lendo o Laudo de Exame Cadavérico, observamos que a vítima pesava
45 quilos e media 1,68 cm, ou seja, tinha compleiçã o física pequena e possuía 46 anos de
idade; ademais, o estô mago estava vazio.
Assim, atesta-se que os fatores determinantes da ebriedade (ao lado da altíssima
concentraçã o etílica) nã o favoreciam ao ofendido, ou seja, a par do elevado consumo de
á lcool (como veremos a seguir), fatores outros (indicados pela medicina legal) ensejam a
conclusã o que o ofendido, para a sua infelicidade, dirigia o seu carro em estado de
embriaguez.
Com efeito, o Professor Fernando Manuel de Oliveira de Sá , mestre da Faculdade de
Medicina de Coimbra, citado por José da Silva Loureiro Neto, colocando-se, como ele
pró prio afirmou, em uma posiçã o de benevolência, traçou um esquema, no qual considera
que “a influência alcoó lica existe como regra” quando o resultado laboratorial for de 2,0 a
3,0 g/l (cfr. Embriaguez Delituosa, Saraiva, 1990, p.22).
Estudando o fenô meno, o mestre da Medicina Legal brasileira, o Professor Almeida Jú nior,
afirma:
“Entre os vá rios ó rgã os da economia humana, é o cérebro um dos que, em proporçã o com a
sua massa, mais á lcool recebem.
“Fisiologicamente, atua o á lcool como um anestésico, isto é, como substâ ncia que exerça
açã o depressiva, em sentido descendente, sobre o sistema nervoso central.”
E, conclui o mestre da Universidade de Sã o Paulo:
“Qualquer que seja a dose ingerida, o á lcool, como perturbador, que é, dos fenô menos
oxidativos celulares, tem sempre açã o deprimente sobre os centros superiores do sistema
nervoso.” (in Liçõ es de Medicina Legal, 1961, p. 473).
Para Valdir Sznick, a “influência da embriaguez tolda a visã o, atrapalha a percepçã o e
retarda os reflexos, com conseqü ências bastante graves.” (Delitos de Trâ nsito, 4ª. Ed., p.
163).
Tais consideraçõ es servem para mostrar, ao lado dos depoimentos acima transcritos, que a
vítima nã o poderia estar, em absoluto, em estado de sobriedade satisfatoriamente admitido
para dirigir, posto que, ingeriu bebida alcoó lica em exagero, além de que outros aspectos
orgâ nicos favoreciam à embriaguez.
Esta constataçã o explica, certamente, o fato de que o motorista do caminhã o foi colhido, na
parte dianteira, pelo veículo conduzido pelo morto; estava ele em sua mã o de direçã o e, de
repente, quando transpunha uma ponte, deparou-se com o fusca, sendo inevitá vel o choque
e, ainda mais, o resultado letal.
A esta conclusã o também chegou a autoridade policial que, no seu relató rio, disse:
“Ouvidas as pessoas envolvidas no fato e testemunhas circunstanciais, chegamos à
conclusã o, alicerçada também em laudos periciais, de que o motorista do veículo
Volkswagen, saíra da sua mã o de direçã o normal e colidiu frontalmente com o caminhã o
aqui mencionado, uma vez que se encontrava alcoolizado, com o teor de 2,58 g/l de á lcool
etílico na corrente sangü ínea e, conforme o croqui produzido pelo preposto da polícia
rodoviá ria presente ao local do acidente, aquele veículo colidira frontalmente com o
caminhã o, apó s sair do seu trajeto normal.
“Evidências inequívocas, nos levam à compreensã o de que o motorista (o indiciado) (...),
nã o fora o causador do episó dio sinistro (...).” (fls. 35/36).
Razã o tem o Delegado de Polícia: o croqui traçado à s fls. 22 (naquele mesmo Relató rio
acima mencionado) indica que o veículo conduzido pela vítima saiu de sua trajetó ria e
colidiu de frente com o caminhã o; explicando-o, disse o policial: “Segundo o que foi
observado no local do sinistro, supõ e-se que: o V-1 (o fusca) quando trafegava pela rodovia,
Km e trecho já citados, sem causas definidas, saiu de sua mã o de direçã o, colidindo
frontalmente com o V-2 (caminhã o), que trafegava em sentido oposto.” (fls. 22v).
Culpa stricto sensu, como se sabe, revela-se sempre numa conduta negligente, imperita ou
imprudente (art. 18, II, do Có digo Penal); as três condutas induvidosamente indicam uma
deficiência na aferiçã o de determinada situaçã o por parte do sujeito ativo, sendo que a
negligência induz uma omissã o do agente, havendo culpa in non faciendo, in omittendo, ao
passo que na imprudência e na imperícia há uma atividade sem a necessá ria cautela, seja
do ponto de vista da açã o cotidiana ou leiga (na imprudência), seja do ponto de vista
técnico-profissional (na imperícia).
De ver-se que dois elementos fundamentais para a configuraçã o de um fato típico culposo
nã o se fizeram presentes, quais sejam a inobservâ ncia do cuidado objetivo e a
previsibilidade objetiva.
A previsibilidade objetiva nã o existiu, pois nã o havia nenhuma “possibilidade de antevisã o
do resultado” (Damá sio), considerando-se o estado da pista asfá ltica e as demais condiçõ es
de dirigibilidade (que eram normais); o mesmo se diga quanto à inobservâ ncia do cuidado
objetivo, pois o motorista do caminhã o, em nenhum instante, faltou com o dever de
diligência pró prio de sua profissã o: estava e manteve-se em sua mã o de direçã o, quando foi
surpreendido pela infelicidade da conduta da vítima.
Nã o houve, no caso sob aná lise, nem negligência, nem imprudência ou imperícia por parte
do indiciado, pois este agiu com a precauçã o exigível naquele momento, nã o faltando-lhe a
observâ ncia do cuidado exigido na espécie, tampouco violou-se o dever de cautela.
Este dever de cautela revela-se na preocupaçã o normal que o agente deve ter com possíveis
resultados danosos de sua açã o (ou omissã o), facilmente indicados pela experiência diá ria,
furtando-se de realizar determinados comportamentos que possam ensejar efeitos lesivos,
ou fazê-los com níveis suficientes de segurança.
Acrescente-se que naquela circunstâ ncia, o indiciado, pela sua experiência cotidiana, nã o
tinha razã o suficiente para suspeitar de que algo lesivo poderia vir a acontecer.
Referindo-se a este dever de cuidado, Bacigalupo ensina que “infringe el deber de cuidado
el que no emplea el cuidado que sus capacidades y su conocimiento de la situació n le
hubieran permitido.” (Manual de Derecho Penal, Colombia, 1996, p. 215).
O jurista lusitano Eduardo Correia, Professor Catedrá tico da Faculdade de Direito de
Coimbra, explica “que o dever, cuja violaçã o a negligência supõ e, consiste antes de tudo em
o agente nã o ter usado aquela diligência exigida segundo as circunstâ ncias concretas para
evitar o evento.
“Estes deveres podem estar particularmente ligados pelo uso e pelas normas jurídicas ao
exercício de um certo ofício, profissã o ou actividade. Podem assim ter uma origem legal
autó noma (quando derivam de certas normas ou regulamentos que visam prevenir
perigos) ou derivar dos usos e da experiência comum.” (cfr. Direito Criminal, Coimbra,
1971, p. 425).
De dizer-se, de mais a mais, que nos delitos culposos, a culpa é intrinsecamente ligada ao
tipo; o fato típico culposo só se perfaz quando o evento foi causado por uma conduta
culposa do agente, id est, quando alguém agiu de forma imperita, negligente ou
imprudente, o que nã o foi o caso (apesar de falarmos apenas em culpa, lembramos que,
com Welzel, tanto a culpa quanto o dolo transferiram-se para o tipo legal de crime,
passando este a ser verdadeiro tipo doloso e tipo culposo de crime).
Vejamos, a propó sito, a jurisprudência:
“Nos delitos culposos, a culpa se insere na pró pria descriçã o típica. Assim, quando
demonstrada a sua inexistência, torna-se inadmissível a açã o penal.” (TJSP - Pleno -
Sindicâ ncia - Rel. Maércio Sampaio - RT 393/218).
“Nos delitos culposos, o elemento subjetivo está imanente ao tipo. Assim, a açã o
antijurídica só se enquadra na definiçã o legal do delito quando, além de ser antecedente
material do resultado, o tenha causado por culpa.” (TACRIM-SP - AC - Rel. Toledo
Assumpçã o - RT 398/291).
“A prova nã o permite vislumbre-se culpa do motorista que tripulando sua moto em
velocidade baixa é surpreendido pela vítima que inicia a travessia sem observar o fluxo de
veículos. A circunstâ ncia de nã o estar habilitado para conduzir motocicleta nã o configura
culpa por si só , imprescindível que ao conduzir o veículo o fizesse perigosamente sem
observar as regras de trâ nsito. Negado provimento” (TJRS – 3ª C. – AP 70023449283 – rel.
Elba Aparecida Nicolli Bastos – j. 24.07.2008 – DJU 29.08.2008).
Por outro lado, como já foi dito, a essência da culpa é a previsibilidade; assim,
“Tratando-se de fato imprevisível, acontecimento, aliá s, que também envolveu
perigosamente o pró prio agente, é de se o encarar como fatalidade, que nã o pode autorizar
a incriminaçã o legal.” (TAPR - AC - Rel. Mattos Guedes - RT 536/385).
“Somente se há de reconhecer o crime culposo quando a conduta voluntá ria ligada ao
evento, necessariamente, produzir um resultado danoso nã o previsto, mas previsível.”
(TACRIM-SP - AC - Rel. Manoel Pedro - RT 386/248).
Nã o tendo sido, sequer, previsível o evento, conclui-se pela exclusiva culpa da vítima, o que
elide por completo evento delituoso a punir, considerando-se que aquela já faleceu:
“Manifesta a ausência de culpa na eclosã o do evento lesivo impõ e-se o trancamento da açã o
penal. Assim, é de se interromper a persecutio criminis contra quem, dirigindo em sua mã o
de direçã o e em baixa velocidade, colhe ciclista que, na contramã o, se arremessa contra seu
veículo.” (TACRIM-SP - HC - Rel. Ricardo Couto - JUTACRIM 18/61).
“TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL – EMENTA: TRAVESSIA IMPRUDENTE DE
VIA DE TRÂ NSITO - CONFIGURAÇÃ O DE CULPA EXCLUSIVA. O pedestre que deseja
atravessar via urbana provida de passagem subterrâ nea somente pode fazê-lo por meio
desta, conforme dispõ em os arts. 69 e 70 do CTB. Assim, restando demonstrada a culpa do
autor, que imprudentemente e negligentemente cruzou via de fluxo de trá fego intenso,
quando deveria tê-lo feito por meio de passagem destinada a esse fim, violando um dever
seu de cuidado que lhe era exigível, configura-se a culpa exclusiva, emergindo a
responsabilidade civil de ressarcimento dos prejuízos decorrentes.”
(20050110326175APC, Rel. Des. OTÁ VIO AUGUSTO. Data do Julgamento: 06/06/2007).
Um outro aspecto a ser abordado, especialmente porque se trata de crime culposo
envolvendo acidente de veículo, é o chamado princípio da confiança
(Vertrauensgrundsatz), criaçã o da jurisprudência alemã , segundo o qual os motoristas têm
que contar com que os demais também tenham um comportamento correto, uns com os
outros, atentando-se todos para as mais comezinhas regras de segurança.
Tal princípio é explicado por Assis Toledo, nos seguintes termos:
“Seria absurdo que o direito impusesse aos destinatá rios de suas normas comportar-se de
modo desconfiado em relaçã o ao semelhante, todos desconfiando de todos. Assim, admite-
se que cada um comporte-se como se os demais se conduzissem corretamente. (...) Para a
determinaçã o em concreto da conduta correta de um, nã o se pode, portanto, deixar de
considerar aquilo que seria lícito, nas circunstâ ncias, esperar-se de outrem, ou melhor, da
pró pria vítima.” (Princípios Bá sicos de Direito Penal, Saraiva, 5ª. Ed., p. 302).
Na doutrina, ainda, temos para conferir a respeito do princípio da confiança os seguintes
autores:
Jú lio Fabrini Mirabete, Manual de Direito Penal, Volume 1, Parte Geral, p. 141, Editora Atlas,
7ª. Ediçã o.
Joã o Mestieri, Teoria Elementar do Direito Criminal, Ediçã o do Autor, Rio de Janeiro, 1990,
pá gs. 245/246. Este autor cita como fonte de pesquisa do assunto o livro de Welzel, “El
nuevo Sistema del Derecho Penal, p. 72, Barcelona, 1965.
Heitor Costa Junior, Teoria dos Delitos Culposos, Lumen Juris, 1988, p. 61.
Juarez Tavares, Direito Penal da Negligência, Editora Revista dos Tribunais, 1985, pá gs.
148/151. Este autor, por sua vez, cita Johannes Wessels, “Direito Penal” (traduçã o em
português), Sergio Antonio Fabris Editor, 1975, p. 150.
Luiz Regis Prado, Curso de Direito Penal Brasileiro, Editora Revista dos Tribunais, 1999, p.
193.
Afrâ nio Silva Jardim, Direito Processual Penal, Editora Forense, 7ª. Ediçã o, p. 389.
Este preceito é majoritariamente adotado por nossos Tribunais, como vê-se pelos julgados
a seguir escritos:
“Embora, em termos absolutos, tudo o que nã o seja fisicamente impossível é previsível, no
que respeita ao trâ nsito a previsibilidade há de ser temperada pelo princípio da confiança
recíproca em razã o do qual cada um dos envolvidos no trá fego tem o direito de esperar que
os demais se atenham à s regras e cautelas que de todos sã o exigidas. Assim, nã o há
condenar motorista que ante conduta disparatada da vítima, colhe-a em inevitá veis
condiçõ es de atropelamento.” (TACRIM-SP - AC - Rel. Dínio Garcia - JUTACRIM 30/330).
“Em matéria de circulaçã o de veículos, como fundamental deve ser tido o princípio de
confiança, segundo o qual o usuá rio do caminho tem direito a contar que os demais
usuá rios se comportem igualmente de maneira correta, a menos que as circunstâ ncias
particulares sejam de tal natureza que lhes permitam reconhecer que nã o é assim.”
(TACRIM-SP - AC - Rel. Geraldo Pinheiro - JUTACRIM 56/375).
“Nã o é possível exigir de um motorista que se acautele contra o que nã o é previsível. Em
matéria de trâ nsito em vigência o princípio da confiança, em razã o do qual cada um dos
envolvidos no trá fego tem direito de esperar que os demais se atenham à s regras e cautelas
que de todos sã o exigidas.” (TACRIM-SP - AC - Rel. Cunha Camargo - RT 425/349).
“Apelaçã o criminal. Homicídio culposo na direçã o de veículo automotor. Absolviçã o. Nã o
existem provas de ter o acusado concorrido para o crime. Conjunto probató rio confirma
ausência de culpa – Se o condutor do veículo automotor, a todo momento, teve domínio de
seu veículo, dirigindo-o com atençã o e cuidados indispensá veis à segurança do trâ nsito,
nã o há como residir a conceituaçã o da culpa penal.” (TJ-GO – 2ª C. – AP 200701654281–
rel. Prado – j. 19.07.2007 – DJE 06.08.2007).
Ora, nã o havendo fato típico, inviá vel se torna o oferecimento da denú ncia, à vista dos arts.
395 e 397 do Có digo de Processo Penal, é dizer, pelo fato de que a açã o do agente nã o
constituiu crime (tendo em vista a ausência de culpa), faltando, ademais, uma condiçã o da
açã o, como veremos a seguir.
É induvidoso, que nã o havendo crime pode e deve o Promotor de Justiça requerer o
arquivamento do Inquérito Policial, por faltar-lhe uma das condiçõ es da açã o penal, qual
seja, o interesse de agir, visto que, o fato apurado nã o foi delituoso e, portanto, nã o se
poderia pleitear a puniçã o de alguém que nã o praticou uma açã o típica; neste caso,
havendo denú ncia, esta deve ser rejeitada ou o réu absolvido sumariamente (arts. 395 e
397 do CPP); em sendo recebida, a açã o penal deve ser trancada, via Habeas Corpus.
Relembra-se que os pressupostos de uma peça acusató ria, citando Tourinho Filho, a partir
da liçã o de Florian, sã o “autoria conhecida, fato típico e provas mais ou menos idô neas a
respeito da relaçã o da causalidade.” (in Processo Penal, Vol. I, p. 352); assim, presentes
estes elementos viá vel é o início da persecutio criminis.
Destarte, data venia do entendimento em contrá rio do eminente Magistrado, entendemos
indiscutível nã o haver, in casu, justa causa para a açã o penal, pois inexiste lastro probató rio
suficiente na respectiva peça informativa indicador de culpa do agente; este suporte
probató rio é fundamental para a instauraçã o da instâ ncia.
A respeito, ouçamos o insigne Afrâ nio Silva Jardim, professor da UERJ:
“Desta maneira, torna-se necessá ria ao regular exercício da açã o penal a só lida
demonstraçã o, prima facie, de que a acusaçã o nã o é temerá ria ou leviana, por isso que
lastreada em um mínimo de prova. Este suporte probató rio mínimo se relaciona com os
indícios da autoria, existência material do fato típico e alguma prova de sua
antijuridicidade e culpabilidade. Somente diante de todo este conjunto probató rio é que, a
nosso ver, se coloca o princípio da obrigatoriedade da açã o penal pú blica.” (Direito
Processual Penal - Estudos e Pareceres, Forense, 1986, p. 96).
Assim, havendo obstá culo que impede o Ministério Pú blico de atuar, nã o é obrigató ria, in
casu, a propositura da respectiva açã o penal, nã o podendo se falar no princípio da
obrigatoriedade, pelo qual a açã o ministerial deve ser exercida sempre que existirem
“concretos indicios fá cticos de un hecho punible”, pois meras “suposiciones vagas no son
suficientes para una inculpació n jurídico-penal”, como ensinam os mestres alemã es Claus
Roxin, Gunther Arzt e Klaus Tiedemann (in Introducció n al Derecho Penal y ao Derecho
Penal Procesal, p. 170, trad. De Luis Arroyo Zapatero e Juan-Luis Gó mez Colomer,
Barcelona, Editora Ariel S/A, 1989).
Sendo certo que dos presentes autos emergem, nada mais nada menos, do que “vagas
suposiçõ es” para a imputaçã o de um crime, e que, pelo contrá rio, o acidente foi causado por
culpa exclusiva da vítima, somos pela confirmaçã o do pedido de arquivamento.
É o parecer.

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