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1 Outros Ingredientes

1.1 A Farinha

A farinha é o ingrediente mais importante na indústria de panificação em geral e um


ingrediente essencial na produção de pão. A farinha pode ser produzida a partir de diferentes
grãos - por exemplo, centeio, arroz, cevada ou milho – embora a importância do trigo seja
largamente superior à dos outros cereais, devendo-se sobretudo aos seguintes aspectos:

 Excelente adaptação aos climas e solos que predominam nas


regiões temperadas da Terra.
 Elevado rendimento e cultivo relativamente fácil.
 Os grãos maduros têm excelente conservação em armazenagem.
 É um produto com alto valor nutritivo (50 a 80% das necessidades
humanas, em 50% dos países).

A excepcional aptidão do trigo para panificação deriva do facto de ser o único cereal a
possuir a capacidade de formação de glúten, o que permite a produção de uma massa
elástica e obtenção de um pão volumoso, leve, de textura alveolada e macia e boa
digestibilidade.

O trigo é cultivado quase em todo o mundo e as condições


climáticas da cada região influenciam declaradamente a
qualidade da colheita.
Por sua vez, a farinha de trigo pode apresentar diferentes
tipos e qualidades e estas dependem, em grande parte, da
qualidade e composição da matéria prima, o grão.

Observando um grão de trigo, reconhecem-se 4 partes


distintas: - o endosperma, miolo ou albúmen no interior, a
casca castanha chamada farelo, a escova ou barbas no
topo e o gérmen, a nova planta do trigo, em baixo.

A composição morfológica média do grão é a seguinte:


 Endosperma 80 - 82 %
 Casca / farelo 16 - 18 %
 Gérmen 2%

No que respeita à composição química típica, os valores médios são:


 Amido 63 a 71%
 Proteína 8 a 17%
 Açúcar 2 a 5%
 Gordura 1,5 a 2%
 Matérias minerais 1,5 a 2%
 Humidade 8 a 17%
1.1.1 A Moagem

A farinha é o produto da moenda do interior do grão, o endosperma.


As outras partes - o farelo, a escova e o gérmen - são removidas por peneiração. Se o farelo
é de novo adicionado à farinha, o produto chama-se farinha integral (que pode ou não conter
também o gérmen).

O processo de moagem é formado por um número muito elevado de operações e a sua


finalidade é a de tornar o cereal mais adequado e mais desejável como alimento; todavia, o
valor nutricional do produto decresce.
Na moenda a seco consideram-se várias fases:
 Limpeza
 Loteamento
 Condicionamento
 Moenda propriamente dita

A fase de Limpeza visa eliminar as impurezas que acompanham o grão; é o caso de


partículas metálicas, pequenas pedras, terra, palhas, grãos de outros cereais, etc.
Na altura da recepção do trigo são colhidas amostras para determinação do “peso
específico” (peso por 100 litros de cereal), bem como do número de grãos partidos,
germinados, resíduos de pesticidas e demais testes tecnológicos com vista ao cálculo do
loteamento a efectuar.

A operação de Loteamento é feita com base nos resultados obtidos nos ensaios tecnológicos
efectuados à recepção e é função da qualidade dos trigos em stock; tem como objectivo
manter a uniformidade da qualidade da farinha a fornecer às padarias.
Desta forma, trigos de diferentes tipos e zonas de produção são misturados em
percentagens calculadas para a obtenção do desejado teor protéico e qualidade panificável.

Finalmente, a fase de Condicionamento (que antecede a moagem propriamente dita)


consiste na adição de água ao grão de cereal na quantidade necessária para lhe conferir a
humidade correcta e adequada a uma boa moenda.

Na Moenda, os objectivos são


separar o miolo da casca e
gérmen e, seguidamente, Limpeza e Remoção de objectos
estranhos, outros grãos e
preparação
reduzir o miolo a finas partículas areias. O teor de humidade é
condicionado.
de farinha. Isto consegue-se por
utilização de três grupos de
máquinas:
- os cilindros trituradores
- os peneiros Moenda O grão é, em várias etapas,
fragmentado.
- os cilindros desagregadores

Finalmente, a farinha obtida é Peneiração Após cada operação de moenda


conduzida aos chamados silos as diferentes fracções são
separadas.
de ensaque, a partir dos quais é
embalada, normalmente em
sacos de papel multifolhas com
50 kg (actualmente também em
quantidades menores), ou Um período de descanso de,
encaminhada a granel para Maturação pelo menos, 2 semanas melhora
silos nas padaria. e a qualidade panificável da
farinha.
embalagem

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A farinha de trigo não é um produto simples, mas sim composto por vários componentes
individuais em que cada um deles tem uma função diversa na massa.
Indica-se seguidamente uma composição típica:

Componente % Notas Função

Gelatiniza durante a cozedura para dar ao pão a sua


Hidratos de Carbono 70-75% Amido, do qual 5-10% amido lesionado
forma final.
dos quais
Absorção de água. Reduz as propriedades elásticas
0.2-2% Celulose e hemicelulose
- Fibras da massa.

- Açúcares 1-2% Glucose, frutose, maltose Alimento da levedura; cor da côdea.

Elevada percentagem de proteína


Proteinas 8-14% geralmente conduz a melhores Serve como indicação da qualidade da farinha.
das quais propriedades de panificação
Formam o glúten durante a amassadura, o qual
- Proteinas insolúveis 80-85% Glutenina e Gliadina confere à massa a sua elasticidade e
extensibilidade.

- Proteinas solúveis 15-20% Albumina, Globulina Cor da crosta, sabor e aroma.

Influencia a conservação e condiciona a


Água 13-15%
contaminação microbiológica da farinha.

Gordura 1-2% Influencia a cor da massa.

Também chamados de cinzas.


Serve como indicador da qualidade da farinha.
Minerais 0.4-0.7% Tipicamente, baixos níveis de cinzas
Contribui para o valor nutricional do pão.
indicam boas propriedades panificáveis

Vitaminas Vestígios Vitaminas Compl. B , Vitamina E etc. Contribui para o valor nutricional do pão.

Hidrolizam o amido lesionado em maltose e garantem


Enzimas Amilases a necessária produção de açúcar para o trabalho da
Vestígios
levedura; influenciam a macieza e cor da côdea.

Hidrolizam as proteinas e ajudam ao


Vestígios Proteases
desenvolvimento da massa.

1.1.2 Qualidade da Farinha

Quando se abordam questões relacionadas com a qualidade da farinha, normalmente citam-


se as percentagens de proteínas e de cinzas. De uma forma geral, diz-se que quanto maior o
teor proteico, melhor a farinha e, por outro lado, quanto maior o conteúdo em cinzas, mais
fraca será a farinha.
De referir que o farelo é mais rico que a farinha muito branca, em:
- Proteína cerca de 40% mais
- Matérias minerais cerca de 10 a 15 vezes mais
- Celulose teor de 10% (na farinha apenas vestígios)
- Gorduras cerca de 3 a 4 vezes mais

O Teor Proteico da farinha varia de acordo com a variedade de trigo, as características do


solo e modo de cultivo, as condições climatéricas e, por último, com a taxa de extracção na
moagem. É fundamentalmente a partir da quantidade e qualidade das proteínas presentes
na farinha que se pode fazer uma ideia do tipo de trabalho mecânico – amassadura – que
essa farinha necessita para produzir bom pão.

A Gordura (ou Lípidos) presente na farinha provém, quer do gérmen, quer das camadas
internas da casca. As gorduras são de ocorrência baixa na farinha; todavia, o seu teor pode
elevar-se, quer por efeito do aumento da taxa de extracção (logo, aumento da incorporação
de gérmen na farinha), quer por a farinha ser proveniente de moagem de ramas, que não
separa o gérmen.

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As Enzimas aparecem na farinha de forma vestigial. São substâncias de natureza proteica e
as mais conhecidas em panificação são: amilase, protease e lipase.
A Amilase actua sobre o amido produzindo dextrinas e maltose (açúcares), sendo de
extrema importância na manutenção de uma quantidade adequada de açúcar directamente
fermentescível para a levedura; o seu teor excessivo, porém, provoca massas muito húmidas
e descaídas pelo que, em anos em que a farinha provém de trigos com teores de
germinação elevados, dever-se-á trabalhar as massas mais frias para reduzir a actividade
enzimática e melhorar o produto final.
A Protease actua sobre as proteínas, designadamente o glúten, destruindo as cadeias
proteicas e colocando vários problemas no caso de se estar em presença de farinhas fracas.
No entanto, com farinhas muito fortes (caso das americanas) é, por vezes, necessário
adicionar proteases para melhorar as características panificáveis da farinha.

Os Açúcares existentes na farinha numa forma directamente assimilável pela levedura não
atingem quantidades apreciáveis (2% no máximo). Apesar disso, são extremamente
importantes para assegurar o arranque fermentativo da massa enquanto maiores
quantidades são produzidas por acção das enzimas amilolíticas sobre o amido lesionado. Os
açúcares mais importantes para garantir uma correcta marcha fermentativa são a maltose,
frutose e glucose.

O Amido é o elemento de maior peso na composição da farinha, cerca de 70%.


Proveniente do miolo (ou albúmen) do grão de trigo, o amido encontra-se em grânulos de
diâmetro variável (10 a 40 milésimos de milímetro), os quais, durante as várias operações da
moenda, são mais ou menos danificados (o chamado amido lesionado) e vão constituir o
substracto para obtenção de açúcares.
O grânulo de amido é formado por longas cadeias de amilose e amilopectina, sendo a
segunda altamente ramificada e a primeira, helicoidal simples. São estas cadeias que,
mediante o ataque enzimático, vão fornecer dextrinas, maltose e glucose para a levedura
fermentar e produzir gás, o dióxido de carbono (CO2).
Assim, é muito importante a quantidade de amido lesionado presente numa farinha, pois só
com os grânulos lesionados as cadeias de amilose e amilopectina ficam à disposição das
enzimas.

As Substâncias Minerais que no grão de trigo se encontram até 2%, passam à farinha uma
percentagem que, na grande maioria dos casos, não ultrapassa os 0,75%. Esta quantidade
está relacionada, naturalmente, com os limites legais que regulamentam os diversos tipos de
farinha; no caso das farinhas integrais toda a matéria mineral passa do trigo para a farinha.
Em termos tecnológicos, a quantidade de substâncias minerais (cinzas) presentes na farinha
varia com a taxa de extracção na moagem.

Ao longo do tempo, a indústria de moagem tem procurado produzir e comercializar farinhas


com qualidade panificável constante. Por isso as características dos trigos são ensaiadas
nos laboratórios e são definidas as formas mais correctas de loteamento com vista a oferecer
um produto de qualidade superior e constante. As duas principais limitações são a qualidade
da matéria prima e o diagrama do processo de fabrico.
Ao receber um lote da farinha na padaria, o padeiro poderá realizar alguns testes expeditos
para estabelecer comparações com a farinha com que vem trabalhando; o teste mais
adequado é, sem dúvida, o de panificação por ser o mais económico e dar resultados mais
evidentes, embora o grau de risco seja algum. Com este teste o padeiro ficará a saber qual a
melhor hidratação, qual o tipo de amassadura (tempo / intensidade) e quais os tempos de
estanca e fermentação.

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1.2 A Água

Juntamente com a farinha, a levedura e o sal, a água é uma das matérias primas básicas;
numa massa ela exerce várias funções. Eis alguns exemplos:

 A água facilita o desenvolvimento do glúten, a rede proteica que se forma durante a


amassadura e que dá à massa as suas características de elasticidade.
 A água dissolve os vários componentes da receita e permite a sua dispersão na massa;
por exemplo, o açúcar, o sal e até o gás carbónico formado na fermentação.
 A água facilita a disponibilização dos nutrientes essenciais à levedura.
 A água permite controlar a temperatura da massa, sendo adicionada mais quente ou
mais fria.
 A água contribui para a consistência desejada da massa.
 A água contribui para a conservação do pão.

A água (da torneira ou de outra fonte diversa) que é usada em panificação não é 100% pura;
diferentes minerais e outros componentes podem encontrar-se dissolvidos na água e
conferir-lhe alguma dureza (presença de certos carbonatos e sulfatos), acidez (pH) e
salinidade (teor em sais). Cada uma destas características tem o seu efeito próprio na
actividade da levedura e nas características da massa.
 Águas Duras – endurecem excessivamente o glúten e atrasam a fermentação, sendo
aconselhável aumentar a dose de levedura e a temperatura da massa, diminuir o sal e
aumentar os tempos de fermentação;
 Águas Moles – produzem massas descaídas e pegajosas, pelo que se aconselha reduzir
a água, aumentar o sal e a dosagem do melhorante;
 Águas Alcalinas (baixa acidez, pH alto) – diminuem a actividade enzimática e
fermentativa e dissolvem o glúten, sendo recomendável acidificar a massa (com vinagre
ou Ferment Sauer), usar “massa velha” e aumentar os tempos de fermentação.

A Temperatura da Massa
A água permite controlar a temperatura da massa no final da amassadura. Este aspecto é muito importante
dado que, quer a actividade da levedura, quer as características da massa, dependem da temperatura. A
temperatura (desejada) da massa depende do processo de fabrico e da composição da massa (receita),
podendo ser ajustada através da temperatura da água. Por sua vez, a temperatura da água pode ser
calculada para o fim em vista.
Para calcular a temperatura necessária da água precisamos saber a temperatura desejada da massa
(TDM), a temperatura da farinha (TF) e o aquecimento durante a amassadura. Este aquecimento, também
chamado de tolerância ou t (diz-se: Delta t) é o calor libertado por fricção entre a massa, as paredes da
amassadeira e o garfo da amassadeira e pela incorporação de ar à temperatura ambiente da padaria (TP).

A Tolerância pode ser determinada assim:


a. Iniciar a amassadura com a farinha, água e os outros ingredientes até obter uma massa ligada;
b. Medir a temperatura;
c. Completar o processo de amassadura;
d. Medir novamente a temperatura;
e. A diferença é a Tolerância.

A temperatura desejada da água (TA) pode ser calculada por várias formas incorporando numa fórmula
toda a informação necessária::

TA = (TDM – t) x 2 – TF

TA = (TDM – t) x 3 – (TF + TP)

TA = (3 x TDM) – (TF + TP + t)

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1.3 Ingredientes Opcionais na Receita

Para além dos constituintes obrigatórios numa receita de panificação típica, outros existem de
utilização mais esporádica mas que, apesar de tudo, podem desempenhar funções apreciáveis.

Na tabela abaixo encontra-se uma selecção dos ingredientes mais comuns numa receita, as
dosagens mais utilizadas, as respectivas funções e alguns efeitos secundários na massa.

Ingrediente Exemplo Dosagem típica Funcões primárias Outros efeitos

 Nutriente da levedura
1-6%  Aumenta a actividade da levedura
 Cor da côdea
Sacarose  Aumenta a cor da côdea
 Nutriente da levedura
Açúcar Mais de 6%  Sabor
 Massa mais macia
 Reduz a actividade da levedura
 Nutriente da levedura
Dextrose 1-5%  Aumenta a actividade da levedura
 Cor da côdea

 Reduz a actividade da levedura


Sal 1-2%  Sabor do pão
 Fortalece o glúten

Desnatado 1-4%  Cor da côdea  Sabor e aroma do pão


Leite em pó
 Cor da côdea
Inteiro 1-4%  Amaciamento
 Sabor e aroma do pão

 Estabilidade da massa
Glúten Glúten vital de trigo 0.5-2%  Tolerância da massa
 Maior volume do pão

 Volume  Textura do miolo


Gordura, Óleos, Shortenings 1-5%
 Macieza  Características da côdea

 Macieza
Gordura, Óleos, Shortenings 5-20%  Sabor e aroma
 Conservação
Gorduras  Macieza
Manteiga 1-20%  Sabor e aroma  Volume
 Textura
 Volume  Textura do miolo
Banha 1-5%
 Macieza  Características da côdea

 Cor da côdea
Inteiros 5-10%  Macieza
 Cor do miolo (amarelado)
Ovos
 Cor da côdea
Egg yolk 5-10%  Macieza
 Cor do miolo (amarelado)

Propionato de Cálcio (ácido  Atrasa o desenvolvimento de  Prolonga a conservação microbiológica


0.1-0.3%
propiónico) fungos  Reduz a actividade da levedura
Conservantes
Acetato de Cálcio (ácido  Atrasa o desenvolvimento do
0.4-0.5%  Prolonga a conservação microbiológica
acético) filante
2 O Processo de Fabrico

Durante o processo de panificação, a massa (e respectivos ingredientes) passa por várias


fases de processamento – amassadura, estanca, pesagem / tendedura, fermentação e
cozedura. Globalmente, todos os métodos de fabrico contêm estas fases; as diferenças entre
eles dependem apenas do número e duração dos períodos de fermentação e do momento
em que tais fermentações ocorrem. Os períodos de fermentação são intercalados por algum
tipo de processamento (de manipulação ou tendedura); o tipo de manipulação e tendedura
da massa condiciona em larga medida o aspecto do pão, não só exterior, mas também
interior.

2.1 A Amassadura

A amassadura pode ser considerada a parte mais importante de todo o processo de fabrico,
não desconsiderando a cozedura. Uma amassadura deficiente conduz, sem sombra de
dúvida, a um pão de inferior qualidade; a este propósito, há um ditado muito conhecido dos
padeiros que ilustra este facto – “O forno não é um hospital”. Assim sendo, é da maior
importância assegurar uma correcta operação de amassadura.

A amassadura tem 4 funções fundamentais:


 Mistura dos ingredientes
 Hidratação dos ingredientes 1a Velocidade:
 Desenvolvimento do glúten
 Incorporação de ar Mistura e Hidratação dos
Ingredientes

2a Velocidade:
2.1.1 As fases da amassadura
Incorporação de ar
O processo de amassadura passa por várias
fases sem uma transição muito distinta. Desenvolvimento do glúten

Podem-se assinalar (figura ao lado):


1. Fase de Mistura (amarelo claro)
2. Fase de Desenvolvimento (amarelo) 2a Velocidade (cont.):
3. Fase Final (verde)
4. Excesso de amassadura (vermelho) Atinge-se o nível óptimo de
amassadura. Pode-se desligar a
mecânica.
A figura ao lado mostra o diagrama do processo (período de tolerância)
passo-a-passo; o tempo necessário para uma boa
amassadura depende principalmente da força da
farinha e da intensidade / energia posta no 2a Velocidade (cont.):
processo. Fica claro que deverá evitar-se atingir a
parte vermelha do diagrama, sob pena de Excesso de amassadura !
produzir uma massa excessivamente
desenvolvida que irá ter problemas de
manipulação e produzir pão de qualidade inferior. Diagrama do processo de amassadura
2.1.2 Determinação da amassadura óptima

Saber quando deve interromper ou continuar a amassadura é uma das mais importantes
(quiçá a mais importante) atribuições de um bom amassador.
O nível óptimo de desenvolvimento da massa pode ser reconhecido por várias formas. Em
primeiro lugar, por observação directa da massa durante a amassadura.

Verificar se a massa:
 Atinge um bom nível de consistência
 Mostra pouca humidade
 Está macia
 Deixa de se agarrar às paredes da amassadeira.

Estes aspectos indicam que a massa está a atingir um bom nível de desenvolvimento e que
está prestes a atingir-se o nível óptimo de amassadura.

Procede-se então ao “Teste do Véu” para avaliação final.

O Teste do Véu

Procedimento:
1. Destacar uma pequena porção de massa da amassadeira.
2. Esticar a massa cuidadosamente em todas as direcções (usando a ponta dos dedos) até formar um véu ou
membrana fina.
3. Avaliar o estado de elasticidade / resistência da massa.

Continuar a amassadura, quando a massa


 Parte facilmente
 Não está suficientemente macia e mostra filamentos.

Parar a amassadura, quando o véu formado com a massa:


 Está macio e homogéneo
 É suficientemente fino e
 Não parte facilmente.

2.1.3 Factores determinantes do tempo de amassadura

A tabela abaixo dá uma indicação dos aspectos que influenciam o tempo de amassadura.

Tempo de amassadura: Curto Longo

Qualidade do Glúten Fraco Forte

% do Glúten Baixa Alta

Agentes de Oxidação (%) Baixa Alta

Agentes de Redução (%) Alta Baixa

Hidratação Baixa Alta

Intensidade da amassadura Alta Baixa

Tipo de amassadeira Rápidas Lentas

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2.1.4 Tempo de amassadura versus Qualidade do pão

A falta de amassadura ou a amassadura excessiva, ambas originam uma série de


deficiências no produto final; veja-se a tabela abaixo.

Desenvolvimento do Glúten

Durante a amassadura a massa torna-se elástica por efeito de algumas proteínas presentes
na farinha e que são responsáveis pela formação do glúten; estas conseguem absorver água
até cerca de 2 vezes o seu peso (1,5 a 2,5 vezes, consoante a sua qualidade).

Na farinha, as proteínas encontram-se “enroladas”. Quando em contacto com a água


“incham”, “desenrolam” e, com a continuação do trabalho mecânico da amassadura, tomam
uma forma mais distendida (1). Os blocos constituintes de uma cadeia proteica são os
aminoácidos; estes contêm uns grupos químicos chamados grupos-SH, os quais reagem
facilmente entre si formando ligações chamadas de pontes S-S (2). A massa começa então a
ganhar consistência mas falta-lhe ainda a extensibilidade.

A continuação da amassadura (e a
consequente transmissão de energia) leva a
que as cadeias proteicas se distendam
completamente, ao mesmo tempo em que
absorvem cada vez mais água.
Paralelamente, a temperatura da massa
sobe.
As ligações existentes entre os diversos
filamentos de glúten, as pontes S-S,
desfazem-se nuns locais e voltam a refazer-
se noutros; lenta e seguramente a massa
torna-se mais elástica e extensível (3). Assim
se vai construindo e fortificando a rede de
glúten.

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2.2 A Fermentação

Os objectivos básicos da fermentação são os seguintes:


 Produzir gás carbónico e aumentar o volume das bolhas de ar retido.
 Desenvolvimento da rede de glúten (e maturação da massa).
 Converter uma massa densa e inerte em uma massa arejada com a elasticidade e
extensibilidade correctas e com boas propriedades de retenção de gás.
 Desenvolvimento dos componentes de sabor e aroma.

A duração dos períodos de fermentação depende de vários factores:


a. Qualidade da farinha
b. Temperatura da massa
c. Temperatura da fermentação / Humidade relativa
d. Tipo de pão
e. Consistência da massa
f. Percentagem de levedura
g. Selecção e percentagem dos outros ingredientes
h. Tipo de processo

Desenvolvimento da massa e Retenção de gás


2.3
Quando a Levedura começa a produzir gás carbónico, este gás deve ficar retido no interior da massa, i.e. no interior da rede
de glúten. Como consequência, a massa aumenta de volume, o que é visto pelo padeiro como uma boa levedação.
A rede de glúten distende-se por forma a conseguir reter todo o gás produzido. Como resultado desta distensão os
filamentos tornam-se mais finos e mais extensíveis; é a este processo que ocorre durante a fermentação que se chama
desenvolvimento e maturação da massa.

Um glúten bem desenvolvido terá mais capacidade de distensão e, logo, de retenção de gás. Quanto melhor a capacidade
de retenção de gás da massa, mais rapidamente a massa leveda. Alguns componentes dos melhorantes têm esta função
específica de desenvolvimento do glúten, tornando-o forte e estável e permitindo a obtenção de pão com bom volume e
textura fina e regular.

Mudanças durante a fermentação

O fenómeno mais importante e mais visível que ocorre durante a fermentação é a levedação
da massa por efeito da actividade da levedura; esta consome os açúcares da massa e
produz gás carbónico, álcool e substâncias aromáticas. A quantidade crescente de gás faz a
massa expandir e o glúten distender. Todo este processo de desenvolvimento da massa
depende parcialmente da qualidade da farinha.
Farinhas fortes produzem massas fortes e elásticas com pouca extensibilidade. Durante a
fermentação a massa pode relaxar um pouco, tornando-se menos elástica e mais extensível.
Esta evolução é devida à distensão lenta do glúten e à actividade de enzimas presentes na
farinha e nos melhorantes.
Tipicamente uma fermentação com uma farinha forte pode ser relativamente longa (de 2 a 4
horas); tempos curtos de fermentação resultam em massas apertadas, demasiado elásticas
e com falta de extensibilidade.

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Farinhas fracas são menos elásticas após a amassadura e podem mesmo ser demasiado
extensíveis; durante a fermentação podem ganhar alguma elasticidade. Quando a massa
atinge o seu nível óptimo de maturação o processamento continua: - ou com o “abaixamento
dos empelos” e enroladura / tendedura, ou com a pesagem / divisão / enroladura e
tendedura.
O processamento da massa torna-a menos extensível e mais elástica. De uma forma geral,
uma farinha fraca requer menores tempos intermédios de fermentação (30 – 45 minutos), já
que tempos mais longos que o necessário resultam numa textura demasiado aberta e perda
de volume; a massa não aguenta ser distendida e fica com excesso de maturação (passada).

2.3.1 Nível de Fermentação e Controle da Temperatura

O controle da temperatura é importante porque dois processos cruciais em panificação – a


maturação / desenvolvimento da massa e a produção de gás carbónico – têm as suas taxas
máximas a diferentes temperaturas; a temperatura óptima para a actividade da levedura é
superior à temperatura óptima para a maturação da massa.

Temperatura de Fermentação
A temperatura de fermentação é uma ferramenta importante para controlar a actividade da Levedura, cujas células são
sensíveis a este parâmetro. Uma subida de temperatura de 25 para 35°C quase duplica a velocidade de produção de gás;
no entanto, a temperatura realmente óptima de fermentação está apenas ligeiramente acima dos 25ºC.

Se bem que uma temperatura elevada reduza por si só o tempo de fermentação, um aumento excessivo deve ser evitado,
pois conduz invariavelmente a deficiências no pão: - uma temperatura de fermentação alta enfraquece o glúten e reduz a
capacidade de retenção de gás. Aquilo que o padeiro pensa ganhar ao aumentar a temperatura, vem a ser perdido por
redução da retenção de gás. Isto é especialmente verdade em farinhas fracas.
Uma farinha forte com uma receita rica pode facilmente ser sujeita a 35°C ou mais. No entanto, os prejuízos serão mais
tarde evidentes na falta de sabor e aroma do pão após cozedura.

Uma diminuição de temperatura deve também ser evitada.


Em geral, pode dizer-se que quanto mais fraca a farinha, melhor será manter a temperatura de fermentação relativamente
baixa (e.g., 26-28°C) enquanto que farinhas fortes aguentam temperaturas altas (e.g. 30-35°C).

Como regra simples, as indicações seguintes podem ajudar a definir e controlar a temperatura mais correcta:
1. Evitar o arrefecimento brusco da massa e as correntes de ar.
2. Para o pão pequeno é possível recorrer a temperaturas mais altas desde que a fermentação final leve cerca de 1
hora e a farinha seja suficientemente forte. Em todas as outras circunstâncias manter a temperatura da câmara
não mais que 5°C acima da temperatura da massa (ideal 2ºC) e nunca acima dos 34°C.
3. Temperaturas moderadas dão melhor aroma de pão que temperaturas altas.

Se a massa arrefece bruscamente – como resultado, por exemplo, de temperatura baixa na padaria ou correntes de ar
inesperadas – terá tendência para desidratar e formar pele; massas com pele conduzem a problemas de textura (quando a
pele se forma nas fermentações imtermédias) e a problemas de fermentação e cor de côdea (se for na fermentação final).

Quando a temperatura na câmara de fermentação é alta (de 35°C ou mais) a levedura fica
extremamente activa, produz grandes quantidades de gás (CO2) e a levedação dá-se mais
rapidamente.

Porém, a massa não faz o seu desenvolvimento (maturação) à mesma cadência. Isto
significa que no momento em que a massa atinge a altura ou o volume requerido para ir ao
forno não está ainda suficientemente desenvolvida até ao nível óptimo de maturação. O
mesmo acontece quando se adiciona demasiada levedura; dá-se uma fermentação
extemporânea, forma-se uma textura irregular e perde-se volume e macieza.

Por outro lado, quando a temperatura da massa é demasiado baixa (ou diminui durante o
processo) a produção de CO2 pela levedura abranda comparativamente com a velocidade de
maturação da massa e atinge-se a maturação óptima sem que o volume necessário tenha
sido atingido.

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Neste caso o padeiro é obrigado a esperar um pouco mais até atingir o volume ideal, o que
pode resultar numa maturação excessiva da massa. Se isso acontece o pão vai apresentar
algumas deficiências como resultado de uma expansão excessiva do glúten e consequente
ruptura das bolhas de ar no interior da massa; dá-se a libertação do gás carbónico e forma-
se um alveolado irregular do miolo.

Quando a receita é equilibrada e a temperatura bem controlada, a massa desenvolve até ao


seu nível de maturação adequado em simultâneo com a produção de gás (e aumento de
volume) e ambos de acordo com as expectativas do padeiro, relativamente ao momento do
enfornamento. Por seu lado, a qualidade final do pão é a melhor.

Para avaliar do grau de maturação da massa, o padeiro tem que confiar na sua experiência e
esta baseia-se em algumas características típicas:
 Aspecto da superfície da massa
 Alterações da forma da massa durante a fermentação final
 Volume
 Resistência da massa ao toque

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2.4 A Cozedura

A cozedura é a última fase do processo de panificação e é aqui que o produto sofre a maior
metamorfose. Pela cozedura, a massa pastosa e moldável transforma-se num produto
estável, digestível e muito saboroso; a massa levedada vai transformar-se no miolo
alveolado e a parte exterior dá origem à côdea dourada e estaladiça. O cheiro característico
da fermentação muda para o agradável aroma do pão cozido.

Após a cozedura, o pão pode ser manipulado, fatiado, embalado, armazenado e


transportado sem sofrer danos físicos.
A fase de cozedura tem uma influência significativa na qualidade do produto final. Pequenas
oscilações podem fazer a diferença entre uma boa e má qualidade e, por isso, é muito
importante compreender os pequenos processos individuais que acontecem durante a
cozedura; por exemplo, o “oven-spring”, a formação do miolo, a formação da côdea e a
coloração exterior.

2.4.1 O “Oven spring”

A levedação da massa e, logo, o seu aumento de volume continua no forno durante a fase
inicial da cozedura até que a massa atinja o seu volume máximo e a rede de glúten a sua
extensibilidade máxima. Este crescimento é causado pelo aumento de actividade da
levedura, pela evaporação da água e pela expansão dos gases, fenómenos provocados pelo
aumento da temperatura na cozedura. A isto se chama o “oven spring”.

2.4.2 O Vapor

Na fase inicial da cozedura a crosta começa a formar-se nas partes mais superficiais da
massa, como resultado da evaporação da água e do aumento da temperatura. Devido ao
aumento de volume a côdea em formação pode romper (rebentar) o que, em certas ocasiões
e em certos tipos de pão, até é desejado; por exemplo, a “abertura” das carcaças ou o
“escanar” da regueifa.
É sabido que uma massa rebenta sempre na parte mais fraca. Um pão grande pode rebentar
pelo vinco da tendedura ou por uma das partes laterais; um cacete rebentará pelos cortes;
um pão de forma rebentará pela aresta.
Na maior parte das vezes o padeiro injecta vapor na câmara com os seguintes objectivos:
 Aumentar o volume do pão
 Evitar que a côdea rebente ou controlar o sítio do rebentamento
 Obter uma boa cor e brilho

2.4.3 A Formação do Miolo

Após o enfornamento a temperatura da massa aumenta rapidamente e iniciam-se vários


fenómenos. Por volta dos 50°C o glúten começa a coagular e a água que tinha sido
absorvida durante a amassadura é expelida. Esta água vai ser absorvida pelo amido, o qual
começa a gelatinizar aos 55°C. Os grânulos de amido, em presença da água e da
temperatura, começam a inchar e alteram completamente a sua estrutura. Esta mudança de
estrutura completa-se por volta dos 65°C, altura em que o amido está completamente
gelatinizado.

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Ainda como resultado do aumento de temperatura as enzimas também aumentam a sua
actividade. As amilases da farinha são capazes de transformar o amido lesionado e
gelatinizado em dextrinas (mais macieza) e maltose (cor da côdea e aroma). A partir dos
75ºC todas as enzimas são inactivadas e cessa a actividade enzimática na massa.

A temperatura do forno influencia principalmente a intensidade da cor da côdea. O


crescimento mais ou menos rápido da temperatura no interior da massa depende do seu
volume / peso e não chega a atingir os 100°C; a presença de água, que ferve e evapora aos
100°C, evita que a temperatura da massa suba acima desse valor.

2.4.4 A Formação da Côdea

O exterior da massa atinge temperaturas muito mais altas, podendo atingir os 150 a 190ºC.
A crosta forma-se como resultado da total desidratação da superfície exterior da massa.
Por causa das altas temperaturas e da alta humidade inicial na crosta, as proteínas e os
açúcares redutores reagem entre si e adquirem uma cor castanha. Este processo tem o
nome de “Reacção de Maillard”.
Durante a Reacção de Maillard são também produzidos alguns componentes do aroma e por
isso um pão com uma forte cor de côdea terá um melhor (ou, pelo menos, mais forte) aroma.

2.4.5 Temperatura de Cozedura versus Tempo de Cozedura

O pão é cozido a uma certa temperatura durante um certo tempo. Na práctica, é importante
saber a que temperatura e por quanto tempo um determinado produto deve ser cozido.
A fim de determinar os tempos e temperaturas mais correctos, os seguintes factores devem
ser tidos em consideração:

Factor Considerar
 Pão estaladiça ou de côdea macia
Requisitos do Produto
 Cozido no lar, em lata ou tabuleiro
 Pão grande ou Pão pequeno
Peso do Produto
 Leve ou compacto
 Percentagem de açúcar
Composição da massa  Percentagem de gordura
 Leite, leite em pó, ovos, etc.
 Arredondado ou cacete
Formato do Produto
 Simples ou com recheio
 Com ou sem pintura (ovo)
Processo de cozedura  Com ou sem vapor
 Unidades separadas ou juntas
 Forno de lares, rotativo ou ciclotérmico
O Forno  Aquecido a lenha ou a gás
 Aquecimento directo ou indirecto

Algumas linhas de orientação

- Quanto maior o tempo de cozedura, menor a temperatura.


- Quanto maior o tempo de cozedura, mais água vai evaporar e menor a macieza do produto.
- Quanto maior o tempo de cozedura, mais estável o produto final e menor risco de transporte.
- Quanto maior o tempo de cozedura e / ou mais alta a temperatura, mais escura a cor da côdea.
- Quanto mais baixa a temperatura, maior o “oven spring” e maior o volume do pão.

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3 Diversos processos de fabrico

A produção de pão pode obedecer a qualquer um dos três seguintes métodos de fabrico:
1. Método “Verde”
2. Método Directo
3. Método Indirecto (Fermento e Massa)

Estes diferentes processos (sistemas, métodos) têm as suas vantagens e desvantagens


próprias e podem mesmo ser usados em combinação. As diferenças básicas têm que ver
com o número de períodos de fermentação e o momento em que ocorrem.

3.1 Vantagens e desvantagens dos mais importantes métodos de fabrico

Método Verde Mét. Directo Mét. Indirecto


 Maior flexibilidade  Bom sabor e aroma  Bom sabor e aroma
 Menos equipamento e  Tempo médio de  Óptima tolerância à
espaço produção fermentação
 Maior resistência da  Boa tolerância à  Produto de alta qualidade
levedura ao frio (em massas amassadura  Manipulação muito fácil
Vantagens congeladas)  Melhor conservação  Melhor conservação
 Amassadura muito rápida e
menor tempo de produção
 Requer mão-de-obra menos
especializada

 Menos sabor e aroma  Mais tempo de  Menos tolerância à


 Menos conservação amassadura amassadura
 Custo mais alto dos  Tolerância à  Tempo de fabrico bastante
ingredientes fermentação mais longo
Desvantagens dependente dos  Requer mais espaço e
melhorantes mais equipamento
 Requer mão-de-obra  Requer mão-de-obra mais
mais especializada especializada

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