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Dano extrapatrimonial e a Justiça do Trabalho


A inconstitucionalidade da limitação ao arbitramento do dano
extrapatrimonial na esfera trabalhista

Dano extrapatrimonial e a Justiça do Trabalho: A inconstitucionalidade da


limitação ao arbitramento do dano extrapatrimonial na esfera trabalhista

Fernanda Prata Moreira Ribeiro| Amanda Ramos| Raquel Oliveira Santos

Publicado em 04/2021. Elaborado em 04/2021.

Qual o sentido de arbitrar a indenização dos danos


extrapatrimoniais de acordo com um escalonamento dado a partir
do salário pelo ofendido?

RESUMO: O presente artigo acadêmico visa promover uma análise legislativa e


comparativa, técnico/teórica acerca da (in)constitucionalidade do dano extrapatrimonial
na justiça do trabalho, no que tange à limitação no momento de arbitramento por parte
do magistrado. Com o advento da reforma trabalhista, foram estabelecidos parâmetros e
limites à aplicação do dano extra patrimonial, sendo que esta será considerada, nos
termos da Lei, a reparação por ofensa moral ou existencial à pessoa física e jurídica,
abandonando, desde já, a tutela ao dano estético. Assim, este estudo acadêmico procura
a compreender de forma detalhada e pormenorizada o instituto do dano
extrapatrimonial na esfera trabalhista e sua aplicação na justiça do trabalho, quais seus
conceitos e aplicabilidades, traçando, ainda, um paralelo entre o texto positivado pela
reforma trabalhista e os preceitos e garantias constitucionalmente estabelecidos no
ordenamento jurídico brasileiro, procurando definir a (in)constitucionalidade da
mensuração do dano extrapatrimonial estabelecido nos moldes dos artigos 223 e
seguintes da Lei 13.467 de 2017.

Palavras-chave: Dano extrapatrimonial. Direito do trabalho. Reforma Trabalhista.

SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO; 2 O DANO EXTRAPATRIMONIAL ANTES E APÓS


REFORMA TRABALHISTA E SUA APLICAÇÃO NA JUSTIÇA DO TRABALHO; 3
PONDERAÇÕES ACERCA DA (IN)CONSTITUCIONALIDADE DO DANO
EXTRAPATRIMONIAL; 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS; 5 REFERÊNCIAS.

1 INTRODUÇÃO
A Lei 13.467, também conhecida como “reforma trabalhista” entrou em vigor em 11 de
novembro de 2017 e promoveu diversas alterações na CLT – Consolidação das Leis do
Trabalho (Lei 5452/43). As mudanças ocorreram tanto em matérias de direito material
quanto em direito processual. Dentre estas alterações, foi adicionada a redação do art.
223 – A a 223 – G, que passou a tutelar de forma específica o dano extrapatrimonial nas
relações de trabalho.

  A complexidade da sociedade atual requer a amplitude de interpretações e de tutelas.


Assim, o novo texto legislativo busca ao amoldamento da Lei à sociedade tutelada, na
tentativa de promover melhor adequação e aplicabilidade legal. Contudo a tutela
taxativa e a parametrização do dano extrapatrimonial se transformaram em posterior
problematização, quando de sua aplicação na justiça do trabalho, sobretudo em razão da
aludida inconstitucionalidade dos artigos agora vigentes acerca do tema.

Acerca do tema, o parágrafo 1º do art. 223-G promove clara limitação ao quantum


indenizatório, obrigando o julgador à aplicação de uma espécie de tabela de
indenizações, em que ao valor de indenização se relaciona a salários da pessoa ofendida,
retirando do juiz a possibilidade de aperfeiçoar e amoldar a aplicação da Lei ao caso
concreto. Esta atadura diminui a eficácia da prestação jurisdicional e, ao mesmo tempo,
acalora a discussão acera da inconstitucionalidade do artigo, dada a clara afronta ao
disposto no art. 5º, V e X da Constituição da República.

Neste contexto, o presente estudo acadêmico procura debruçar-se em uma análise


teórico-dedutiva acerca do dano extrapatrimonial legalmente estabelecido na CLT e sua
aplicação na justiça do trabalho. Em segunda momento, e valendo-se do conhecimento
construído anteriormente, promover-se-á o estudo acerca da (in)constitucionalidade do
dano extrapatrimonial, analisando a responsabilidade civil no âmbito constitucional,
bem como os demais preceitos e princípios do direito constitucionalmente positivados.

Diante da atual discussão acerca do tema, este artigo acadêmico busca o


aprofundamento no conhecimento acerca do dano extrapatrimonial aplicado às relações
trabalhistas regidas pela CLT, bem como acerca da inconstitucionalidade das limitações
impostas à quantificação de danos extrapatrimoniais aplicadas pela justiça do trabalho.

2 O DANO EXTRAPATRIMONIAL ANTES E APÓS REFORMA


TRABALHISTA E SUA APLICAÇÃO NA JUSTIÇA DO TRABALHO

O dano extrapatrimonial, também conhecido em outras esferas do direito como dano


moral, possui proteção e previsão constitucional. O art. 5º[4] (#_ftn4) da Constituição
Federal, em seus incisos “V” e “X”, confere aos cidadãos o direito à justo e certa
indenização pelos danos materiais e morais/extrapatrimoniais sofridos. Neste sentido,
salienta-se ainda que o Código Civil de 2002 também prevê a possibilidade de
ressarcimento por danos morais sofridos. Assim, para melhor compreensão da aplicação
na esfera trabalhista, cumpre-nos primariamente entender o que é o dano moral.

Acerca do tema, Yussef Said Cahali[5] (#_ftn5) ensina que Dano Moral é “tudo aquilo
que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os
valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela
sociedade em que está integrado”.
Em complemento, Ingo Wolfgang Sarlet explica a extrapatrimonialidade decorre da
subjetividade do titular de direitos, pois afeta direitos de personalidade como a honra ou
imagem da pessoa. Nas palavras do autor:

O caráter extrapatrimonial dos direitos de personalidade diz respeito ao seu


respectivo objeto, que, diferentemente do que ocorre com o direito de
propriedade, não é um bem patrimonial economicamente apreciável, mas sim
um valor, bem ou interesse ligado à subjetividade de cada pessoa, ainda que a
lesão do direito seja reparável economicamente, no sentido de se admitirem
reflexos patrimoniais (econômicos) dos direitos pessoais. (SARLET, 2017, p.563

Deste modo, tem-se que o dano moral ou dano extrapatrimonial não é, e nem poderia,
ser caracterizado de forma absoluta, objetiva e fria, pois carece de análise específica e em
relação ao valor indenizatório, pois relaciona-se, à extensão, profundidade e gravidade
do dano sofrido pela vítima.

É nítido, portanto, que a indenização por danos extrapatrimoniais visa a reparação de


danos sofridos na esfera não material, pois protege direitos de personalidade como
nome, imagem e integridade.  Não quer dizer, porém, que o valor arbitrado reparará o
exato valor do dano sofrido, tendo em vista que o objetivo aqui é a reparação razoável do
dano, de forma material (pecúnia). Neste sentido, Fabio Ulhoa Coelho ensina que:

A extrapatrimonialidade do direito não impede que o titular, quando lesado,


seja ressarcido em dinheiro. Toda indenização, aliás, é feita necessariamente
dessa forma. Assim, se o consumidor tem seu nome inscrito indevidamente em
cadastro de restrição de crédito (Serasa, SPC), ele pode não sofrer nenhum
prejuízo patrimonial, mas certamente sentirá a amarga dor da injustiça. Diz-se
que, nesse caso, terá direito à indenização pelos danos morais sofridos. O juiz
arbitrará uma quantia qualquer, norteado pelo critério da razoabilidade. Note-
se que o consumidor sofreu lesão em seu direito à honra, que tem natureza
claramente extrapatrimonial, e a indenização terá de ser paga forçosamente em
dinheiro: este, porém, não é uma medida daquele. O direito à honra continua
sendo pecuniariamente imensurável; quer dizer, o dinheiro que o consumidor
receberá a título de indenização pelo dano moral não equivale ao valor do
direito lesionado. É apenas uma quantia arbitrada para fins de tentar atenuar a
agressão moral havida. COELHO, 2012 p.105).

Nesta ordem de ideias, não resta dúvidas acerca das variadas possibilidades de aplicação
da justiça para a reparação de danos de esfera não patrimonial e que, essencialmente,
afetam a personalidade e os bens inerentes à pessoa humana.

Na esfera do direito do trabalho, antes mesmo da promulgação da reforma trabalhista,


sempre se fez possível a reparação de danos morais/extrapatrimoniais decorrentes da
relação de trabalho, em razão da previsão constitucional já estudada, sendo certo que a
limitação à reparação do dano feriria preceitos constitucionais, considerando a
competência  da justiça do trabalho para processamento e julgamento de ações que
versem sobre danos morais e patrimoniais decorrentes da relação de trabalho, nos
termos do art. 114[6] (#_ftn6) da Constituição Federal.
Contudo, o grande objeto de discussão se assenta não na possibilidade de reparação dos
danos, mas sim na forma de mensuração do dano. De acordo com a alteração legal
promovida pela Lei 13.467 de 2017, em seu art. 223 – G, §1º[7] (#_ftn7) o juiz deverá,
atendendo aos critérios pré-estabelecidos, arbitrar a indenização dos danos
extrapatrimoniais de acordo com os parâmetros trazidos pelo artigo que promove o
escalonamento da indenização, relativamente ao valor salarial percebido pelo ofendido.

Antes do advento da reforma trabalhista, a justiça do trabalho se utilizava dos valares


constitucionais e cíveis para a mensuração de danos morais, com aplicação subsidiária
de outros diplomas, tendo em vista a omissão da CLT acerca do assunto. Neste sentido,
utilizava-se a previsão legal dos artigos 186 e 927 do Código Civil como fundamento de
decisão. Porém, a promulgação da Lei 13.467/2017 rompeu a lacuna existente na
legislação trabalhista quando nos artigos 223-A a 223-G, passou a tutelar
especificamente o dano extrapatrimonial decorrente das relações de trabalho,
apresentando informações detalhadas quanto a aplicação do instituto do dano
extrapatrimonial no âmbito da justiça do trabalho.

O artigo 223-A[8] (#_ftn8) determina de forma expressa que, a partir da promulgação da


Lei, apenas se aplicarão os artigos deste título em reparação de danos extrapatrimoniais,
o que nos parece temerário, pois procura afastar a aplicação subsidiário de outros
dispositivos legais, que poderiam ter aplicação subsidiária no processo do trabalho.

Acerca do artigo supra e da problematização ocorrida pela limitação, Vólia Cassar e


Leonardo Borges entendem que:

A expressão “apenas” contida no caput do art. 223-A da CLT deixa clara a


intenção do legislador da não aplicação de outras normas de mesma hierarquia
acerca do dano extrapatrimonial trabalhista. Por esse motivo, a reparação de
dano decorrente de responsabilidade objetiva, que está regulada genericamente
no Código Civil, não será aplicada por alguns. Muitos defenderão que as lesões
morais trabalhistas ocorridas após a vigência da Lei 13.467/2017, decorrentes
de responsabilidade objetiva, não comportam reparação. (CASSAR, BORGES,
2018, p.204)

O Artigo 223-B[9] (#_ftn9) , conforme se vê, procurou estabelecer que só é titular do


direito a reparação do dano o próprio ofendido, não podendo mais os seus sucessores
pleitearem o objeto em eventual ação judicial. Contudo, a doutrina hodierna diverge de
deste pensamento.

O autor Mauricio Godinho Delgado afirma que o art. 223-B da CLT carece de
interpretação extensiva, pois não se pode limitar que sucessores possam promover ação
judicial pleiteando indenização pela perde de seu familiar por acidente de trabalho. Tal
limitação, para o autor, acarretaria em clara afronta ao direito constitucional (art. 5º, V e
X) à reparação por danos sofridos. (DELGADO, 2019. P.788)

Mesmo posicionamento possui Rodolfo Pamplona Filho e Tercio Roberto Peixoto


Souza[10] (#_ftn10) ao afirmarem que:
Quanto aos denominados acidentes do trabalho, uma vez ocorrido o acidente,
evidente que dele podem resultar danos de ordem material e moral, não apenas
para o trabalhador, mas igualmente em relação a seus herdeiros – na hipótese
de falecimento, de responsabilidade do empregador. (PAMPLONA; SOUZA,
2020, p. 1008)

Ademais, ainda acerca do art. 223-B, cumpre trazer à baila a explicação de Vólia Cassar e
Leonardo Borges de que a mudança legislativa não altera o direito ao dano
extrapatrimonial por ricochete ou reflexo, pois permite até mesmo a responsabilização
fracionada do dano aos autores. Destarte, os autores entendem ainda que o art. 223-B
excluiu a possibilidade de reparação por danos à coletividade, pois afirmou
expressamente que a titularidade do direito à reparação é exclusiva da pessoa física ou
jurídica vitimada, ficando, assim, prejudicado eventual direito à indenização por danos
contra a coletividade. (CASSAR; BORGES, 2018. p.204)

Em continuidade, os artigos 223-C[11] (#_ftn11) e 223-D[12] (#_ftn12) estabelecem de


forma taxativa os bens jurídicos que a norma busca tutelar, informando categoricamente
quais os direitos serão alcançados pela reparação dos danos.

O artigo 223-E[13] (#_ftn13) informa quem são os responsáveis pela eventual reparação
do dano, definindo ainda a possibilidade de responsabilização subsidiária e solidária,
preconizando razoabilidade e proporcionalidade entre a conduta do ofensor e o dano
suportado pelo ofendido.

Já o artigo 223-F[14] (#_ftn14) prevê a possibilidade de cumulação do pedido de


reparação de dano extrapatrimonial à reparação por danos morais, ainda que
decorrentes da mesma conduta lesiva. O artigo informa ainda como se dará a referida
cumulação, determinando ao juízo a obrigação de discriminar os valores relativos à cada
verba indenizatória.

Acerca dos artigos 223-E e 223-F, Carlos Henrique Bezerra Leite afirma que:

Os novos arts. 223-E e 223-F devem ser interpretados à luz dos princípios da
razoabilidade e da proporcionalidade, de modo a se fixar valores indenizatórios
conforme o grau de participação de cada ofensor no ato lesivo aos direitos da
personalidade das vítimas, sendo permitida – como já vem decidindo os
tribunais – a cumulação dos danos morais e materiais oriundos do mesmo ato
– omissivo ou comissivo – lesivo. (LEITE, 2018, p63)

Por fim, o art. 223-G[15] (#_ftn15) informa quais os critérios deverão ser utilizados pelo
órgão julgador para a mensuração da extensão do dano, informando ainda que, caso
procedente o pedido, o juiz deverá adotar as regras do §1º do aludido artigo como
parâmetro indenizatório, fixando graus de natureza de ofensa, entre leve e gravíssima,
correlacionando-o com o recebimento de números de salário, ceifando, assim, a
discricionariedade do poder judiciário na estipulação do quantum indenizatório devido à
vítima.

Tal limitação é objeto de constante desaprovação, tendo em vista a latente


inconstitucionalidade apresentada pelo texto. Destarte, considerando a problematização
trazida à baila, reside aqui o cerne de estudo deste trabalho, os artigos 223-A a 223-G
evidenciam inconstitucionalidades que, considerando a importância e profundidade que
o estudo merece, passaremos a esmiuçar o assunto no próximo capítulo.

3 PONDERAÇÕES ACERCA DA (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA


LIMITAÇÃO DO DANO EXTRAPATRIMONIAL

Conforme amplamente demonstrado, a limitação ao arbitramento do dano


extrapatrimonial na esfera trabalhista, trazido pelo §1º do art. 223 da CLT apresenta-se
inconstitucional, tendo em vista que não coaduna com os preceitos constitucionais de
proteção à pessoa e aos direitos e garantias individuais garantidos pelo art. 60 §4ª da
CF/88.

O artigo 223 recebeu, desde a promulgação da reforma trabalhista, diversas críticas


quanto ao seu conteúdo e aplicação. Diante disto, em 2019, o Tribunal Regional do
Trabalho da 23ª Região editou a sumula 48[16] (#_ftn16) , vejamos:

SÚMULA Nº 48  -  ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE.


CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE. ART. 223-G, §
1º, I A IV, DA CLT. LIMITAÇÃO PARA O ARBITRAMENTO DE
INDENIZAÇÃO POR DANO EXTRAPATRIMONIAL.
INCOMPATIBILIDADE MATERIAL COM A
CR/88.INCONSTITUCIONALIDADE. É inconstitucional a limitação
imposta para o arbitramento dos danos extrapatrimoniais na seara trabalhista
pelo § 1º, incisos I a IV, do art. 223-G da CLT por ser materialmente
incompatível com os princípios constitucionais da isonomia e da dignidade da
pessoa humana, acabando por malferir também os intuitos pedagógico e de
Reparação integral do dano, em cristalina ofensa ao art. 5º, V e X, da CR/88.
TRT ArgInc 0000239-76.2019.5.23.0000
(https://portal.trt23.jus.br/portal/sites/portal/files/groups/stp/trt_arginc_000239-
76.2019.5.23.0000.pdf)

No voto de composição da súmula, no mesmo contexto e sentido, Carlos Leite corrobora


a inconstitucionalidade da tarifação determinada pelo art. 223, afirmando ainda que:

O novo art. 223-G da CLT revela a intenção do legislador ao impor verdadeira


capitis diminutio na competência dos magistrados do trabalho em fixar o valor
dos danos morais. Além disso, o dispositivo em causa é flagrantemente
inconstitucional, porquanto a fixação do dano moral é tipicamente um
julgamento por equidade e com equidade, ou seja, o magistrado deve adotar a
técnica da ponderação com base nos princípios da razoabilidade e da
proporcionalidade. (LEITE, 2018, p.63)

Ora, não é penoso entender que a limitação à fixação de indenização extrapatrimonial


nas relações de trabalho é incompatível com os princípios democráticos constitucionais.
A Carta Magna brasileira confere igualdade/isonomia aos cidadãos, brasileiros ou não.

Neste sentido, em exemplo, dois trabalhadores poderiam receber indenizações


semelhantes, mesmo que os danos sofridos sejam tangencialmente distintos, isso
ocorreria pelo fato de o juízo não poder conferir ao trabalhador mais lesado a
indenização que lhe seria correta, afastando, assim, a atividade jurisdicional do ideal de
justiça.

Exemplo diferente e amplamente didático apresentou o Tarcísio Régis Valente[17]


(#_ftn17) , Relator do procedimento que originou a súmula supra. Nas palavras do
magistrado,

um dano de natureza grave causado a um empregado cujo último salário


contratual fosse de R$ 1.500,00 seria fixado em, no máximo, vinte vezes tal
montante, resultando em uma indenização máxima de R$ 30.000,00. Lado
outro, o mesmo dano, acaso ocorrido com um trabalhador cujo último salário
contratual fosse de R$ 4.000,00, poderia acarretar a fixação de uma
indenização máxima de R$ 80.000,00, sendo inegável a disparidade entre os
montantes ora exemplificados. (VALENTE TRT 23: ArgInc 0000239-
76.2019.5.23.0000
(https://portal.trt23.jus.br/portal/sites/portal/files/groups/stp/trt_arginc_000239-
76.2019.5.23.0000.pdf) )

Não obstante os argumentos elencados, se escancara a injustiça ao se analisar o exemplo


demonstrado pelo magistrado. Caso se aplique a regra tal qual vige, será possível
determinar valores absolutos pela vida de uma pessoa, afirmando ainda que a vida de
um tem mais valor que a de outro, tudo com base no salário auferido pelos
trabalhadores.

Jorge Neto e Cavalcante testificam o posicionamento da incompatibilidade do art. 223


em relação à Constituição, para os autores, “Seguramente, não se pode admitir o
“tabelamento” (“tarifação”) dos danos morais pela lei, cabe ao magistrado fixar a
indenização considerando o caso concreto”. (NETO; CAVALCANTE, 2019. P.685)

Nesta toada, também é argumento de inconstitucionalidade a ausência de atendimento


ao princípio da dignidade humana, de modo que a fixação tabelada e baseada no salário
do trabalhador se mostra afrontosa aos direitos e garantias individuais.

Semelhantemente, o célebre doutrinador Mauricio Godinho corrobora a opinião pela


inconstitucionalidade do art. 223 da CLT ao afirmar que

O tarifamento está explicitado no art. 223-G, § 1º, incisos I, II, III e IV, a par
dos §§ 2º e 3º do mesmo art. 223-G. Se não bastasse a incompatibilidade desse
critério de fixação da indenização com a Constituição de 1988 — conforme
exaustivamente explicado -, o diploma legal agregou fator adicional de
incompatibilidade, ou seja, o parâmetro do salário contratual do ofendido como
regra geral para cômputo da indenização. Tal parâmetro propicia injusta
diferenciação entre o patrimônio moral de seres humanos com renda diversa -
circunstância que acentua o desajuste da lei nova à matriz humanista e social da
Constituição e da ordem jurídica internacional regente dos Direitos Humanos
no País. (GODINHO, 2019. p.789)

Por fim, tem-se o argumento da ausência da proporcionalidade, tendo em vista que,


conforme visto nos exemplos anteriores, o arbitramento tabelado não se demonstra
proporcional e justo no que tange à reparação integral dos danos eventualmente sofridos
durante a relação de trabalho.

Atualmente, encontra-se pendente de julgamento no Supremo Tribunal Federal 03


ações diretas de inconstitucionalidade, sendo: A ADIn 5870, impetrada pela Associação
Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho; a ADIn 6082, apresentada pela
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria - CNTI; e, a ADIn 6069,
promovida pelo Conselho Federal da OAB, de modo que todas elas buscam a declaração,
pelo STF, da inconstitucionalidade da tarifação do dano extrapatrimonial e do art. 223 e
seus consectários.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após todo debruçamento e estudo acerca do tema, o que se pode afirmar é, de fato, pelo
teor inconstitucional apresentado pelo artigo 223 da CLT. Em seus incisos e parágrafos o
dispositivo determina o tabelamento do dano extrapatrimonial decorrente das relações
de trabalho.

A tarifação ocorre no momento em que a legislação determina o quantum indenizatório


de forma absoluta, afastando do magistrado a discricionariedade para amoldar a
aplicação da Lei ao caso concreto, em busca da equidade e da justiça. O que se percebe é
o claro teor inconstitucional do dispositivo ao vincular a eventual indenização ao salário
do trabalhador lesado, de modo que a aplicação do artigo, tal qual se encontra
positivado, levaria a flagrantes e absurdas possibilidades de indenizações diferentes por
danos análogos, exclusivamente em razão do salário do trabalhador.

Ademais, é conclusiva a incompatibilidade dos artigos da CLT em relação aos princípios


constitucionais da equidade/igualdade e da proporcionalidade, pois, ao retirar do juiz a
possibilidade de arbitramento adaptável ao caso, forçando-o a aplicar o valor tabelado, o
dispositivo afasta a justiça no que tange a proporção da indenização em relação ao dano
causado, ferindo os preceitos da Carta Magna de direito à justa e correta indenização
pelos danos sofridos.

Em relação à aplicação dos dispositivos flagrantemente inconstitucionais, o que se


espera é a sensatez dos magistrados quanto à sua inaplicabilidade, enquanto o processo
legislativo não se ocupa em reanalisar e em reverter o retrocesso causado pelo artigo em
voga ou, no mínimo, adaptá-lo aos ditames constitucionais.

REFERÊNCIAS

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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm
(http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm) . Acesso em nov. 2020.
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Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero. – 6. ed. – São Paulo: Saraiva, 2017

TRT 23: ArgInc 0000239-76.2019.5.23.0000


(https://portal.trt23.jus.br/portal/sites/portal/files/groups/stp/trt_arginc_000239-76.2019.5.23.0000.pdf) .
Relator: Tarcísio Valente. Publicado DEJT 01/10/2019, Disponível em
https://portal.trt23.jus.br/portal/sites/portal/files/groups/stp/trt_arginc_000239-
76.2019.5.23.0000.pdf
(https://portal.trt23.jus.br/portal/sites/portal/files/groups/stp/trt_arginc_000239-76.2019.5.23.0000.pdf)
acesso em mar. 2021.

[4] (#_ftnref4) CF/88. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade,
nos termos seguintes:
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização
por dano material, moral ou à imagem;

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,


assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente
de sua violação; (grifo nosso)

[5] (#_ftnref5) CAHALI, Yussef Said. Dano Moral, 2ª ed., Revista dos Tribunais,
1998, p. 20)

[6] (#_ftnref6) CF/88. Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: (...) VI
as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de
trabalho;

[7] (#_ftnref7) CLT. Art. 223-G. § 1o    Se julgar procedente o pedido, o juízo fixará a
indenização a ser paga, a cada um dos ofendidos, em um dos seguintes parâmetros,
vedada a acumulação: I - ofensa de natureza leve, até três vezes o último salário
contratual do ofendido;  II - ofensa de natureza média, até cinco vezes o último salário
contratual do ofendido; III - ofensa de natureza grave, até vinte vezes o último salário
contratual do ofendido; IV - ofensa de natureza gravíssima, até cinquenta vezes o último
salário contratual do ofendido. 

[8] (#_ftnref8) CLT. Art. 223-A.   Aplicam-se à reparação de danos de natureza


extrapatrimonial decorrentes da relação de trabalho apenas os dispositivos deste Título.

[9] (#_ftnref9) Art. 223-B.   Causa dano de natureza extrapatrimonial a ação ou omissão
que ofenda a esfera moral ou existencial da pessoa física ou jurídica, as quais são as
titulares exclusivas do direito à reparação.

[10] (#_ftnref10) PAMPLONA FILHO, Rodolfo; SOUZA, Tercio Roberto Peixoto. Curso
de direito processual do trabalho. 2. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.1008
p.

[11] (#_ftnref11) Art. 223-C.   A honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a


autoestima, a sexualidade, a saúde, o lazer e a integridade física são os bens
juridicamente tutelados inerentes à pessoa física.

[12] (#_ftnref12) Art. 223-D.  A imagem, a marca, o nome, o segredo empresarial e o sigilo
da correspondência são bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa jurídica.

[13] (#_ftnref13) Art. 223-E.   São responsáveis pelo dano extrapatrimonial todos os que
tenham colaborado para a ofensa ao bem jurídico tutelado, na proporção da ação ou da
omissão.

[14] (#_ftnref14) Art. 223-F.   A reparação por danos extrapatrimoniais pode ser pedida
cumulativamente com a indenização por danos materiais decorrentes do mesmo ato
lesivo.

§ 1o    Se houver cumulação de pedidos, o juízo, ao proferir a decisão, discriminará os


valores das indenizações a título de danos patrimoniais e das reparações por danos de
natureza extrapatrimonial.
§ 2o  A composição das perdas e danos, assim compreendidos os lucros cessantes e os
danos emergentes, não interfere na avaliação dos danos extrapatrimoniais.

[15] (#_ftnref15) Art. 223-G.  Ao apreciar o pedido, o juízo considerará: I - a natureza do
bem jurídico tutelado;  II - a intensidade do sofrimento ou da humilhação; III - a
possibilidade de superação física ou psicológica; IV - os reflexos pessoais e sociais da
ação ou da omissão; V - a extensão e a duração dos efeitos da ofensa; VI - as condições
em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral; VII - o grau de dolo ou culpa; VIII - a
ocorrência de retratação espontânea; IX - o esforço efetivo para minimizar a ofensa; X -
o perdão, tácito ou expresso; XI - a situação social e econômica das partes envolvidas;
XII - o grau de publicidade da ofensa.

§ 1o  Se julgar procedente o pedido, o juízo fixará a indenização a ser paga, a cada um
dos ofendidos, em um dos seguintes parâmetros, vedada a acumulação:

I - ofensa de natureza leve, até três vezes o último salário contratual do ofendido; II -
ofensa de natureza média, até cinco vezes o último salário contratual do ofendido; III -
ofensa de natureza grave, até vinte vezes o último salário contratual do ofendido; IV -
ofensa de natureza gravíssima, até cinquenta vezes o último salário contratual do
ofendido.

§ 2o  Se o ofendido for pessoa jurídica, a indenização será fixada com observância dos
mesmos parâmetros estabelecidos no § 1o  deste artigo, mas em relação ao salário
contratual do ofensor.

§ 3o    Na reincidência entre partes idênticas, o juízo poderá elevar ao dobro o valor da
indenização.

[16] (#_ftnref16) TRT 23: ArgInc 0000239-76.2019.5.23.0000


(https://portal.trt23.jus.br/portal/sites/portal/files/groups/stp/trt_arginc_000239-76.2019.5.23.0000.pdf) .
Relator: Tarcísio Valente. Publicado DEJT 01/10/2019, Disponível em
https://portal.trt23.jus.br/portal/sites/portal/files/groups/stp/trt_arginc_000239-
76.2019.5.23.0000.pdf
(https://portal.trt23.jus.br/portal/sites/portal/files/groups/stp/trt_arginc_000239-76.2019.5.23.0000.pdf)
acesso em mar. 2021.

[17] (#_ftnref17) TRT 23: ArgInc 0000239-76.2019.5.23.0000


(https://portal.trt23.jus.br/portal/sites/portal/files/groups/stp/trt_arginc_000239-76.2019.5.23.0000.pdf) .
Relator: Tarcísio Valente. Publicado DEJT 01/10/2019, Disponível em
https://portal.trt23.jus.br/portal/sites/portal/files/groups/stp/trt_arginc_000239-
76.2019.5.23.0000.pdf
(https://portal.trt23.jus.br/portal/sites/portal/files/groups/stp/trt_arginc_000239-76.2019.5.23.0000.pdf)
acesso em mar. 2021. Pág. 07.

Autores
Fernanda Prata Moreira Ribeiro
Advogada e Consultora Jurídica em Direito Público, com ênfase em
Direito Tributário. Especialista e Mestra em Direito Público.
Professora de Direito Tributário e de Direito Processual Tributário
em cursos de Pós-Graduação e preparatórios para carreiras
jurídicas. Professora de Direito Tributário, Direito Constitucional e Direito
Administrativo do Curso de Graduação em Direito do Centro Universitário Newton
Paiva e do Centro Universitário UNA – Belo Horizonte/Contagem, em Minas
Gerais.

Amanda Ramos

Advogada, Pós graduada em direito tributário, MBA em Gestão,


Finanças, Contabilidade e Auditoria tributária.

Raquel Oliveira Santos

Graduanda do curso de Direito da Faculdade UNA – Unidade


Aimorés.

Informações sobre o texto


Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Fernanda Prata Moreira; RAMOS, Amanda et al. Dano extrapatrimonial e a


Justiça do Trabalho: A inconstitucionalidade da limitação ao arbitramento do dano
extrapatrimonial na esfera trabalhista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862,
Teresina, ano 26, n. 6516, 4 maio 2021.
Disponível em:
https://jus.com.br/artigos/90192. Acesso em: 24 ago. 2022.

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