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AVALIAÇÃO EM GRUPO:
A constitucionalidade da Declaração de Direitos de Liberdade Econômica
INTEGRANTES DO GRUPO:
Isabel de Tássia Fontes Souza
Nathalia Gonzalez Scheltinga
Paulo Martins Neto
Sabline Carvalho Colu Mohamad Salama
Suyhanne de Oliveira Monteiro Moraes
JATAÍ
2022
1. INTRODUÇÃO
As alterações do Código Civil de 1916 ao de 2002 tentaram propor soluções que
levassem em conta não apenas os interesses das entidades que formam uma relação
contratual, mas também os grupos sociais que também são afetados, ainda que indiretamente,
pelos efeitos dos negócios jurídicos.
Antes o direito civil dava ênfase nas herança e nos vieses individuais; as alterações do
código combinam os ideais de direitos coletivos e distribuídos, um reflexo do conteúdo da
atual constituição. A constitucionalização do direito civil trouxe consigo aspectos de maior
equilíbrio entre as relações particulares e o âmbito social.
A lei 13.874/2019 de Liberdade Econômica modificou alguns artigos do Código
Civil de 2002 com a iniciativa de criar certos mecanismos legais que garantissem uma menor
burocracia e maior segurança nas relações jurídicas. A partir disso, surgiram certas críticas
com relação à validade constitucional dessa normativa, como veremos a seguir.
1
TEPEDINO, Gustavo. Marchas e contramarchas da constitucionalização do direito civil: a
interpretação do direito privado à luz da Constituição da República. Revista [Syn]Thesis, Rio de
Janeiro, vol. 5, n. 1, p. 15-21, 2012.
2
Guilherme, Luiz Fernando de Almeida. Manual do Direito Civil: Tabelas com resumos e questões da
Ordem. 2 Edição, 2019. Barueri.
O Código Civil de 1916, que era baseado na teoria liberal clássica, limitava o alcance
dos direitos fundamentais, pois o exercício do poder estatal não se projetava no cenário das
relações jurídico-privadas. Hoje, em conformidade com a doutrina da eficácia horizontal dos
direitos fundamentais3, sabe-se que a opressão e a violência contra o indivíduo não provêm
apenas do Estado, mas de vários atores privados que podem estar presentes no mercado, na
família, na sociedade civil e na empresa, de forma que a incidência dos direitos fundamentais
na esfera das relações entre particulares é imprescindível.
O princípio da socialidade, acolhido pelo novo Código Civil, busca a prevalência dos
valores coletivos sobre os individuais. O princípio da eticidade prioriza a equidade e a boa-fé
nos contratos. Nesse sentido, busca-se o princípio do equilíbrio econômico dos contratos
como base ética de todo o direito obrigacional. Conforme o art. 478 do CC/02, reconhece-se,
assim, a possibilidade de se resolver um contrato em virtude do advento de situações
imprevisíveis, que inesperadamente venham alterar os dados do problema, tornando a posição
de um dos contratantes excessivamente onerosa. 4
Em conformidade com o que dispõe o art. 421 do novo Código Civil (“A liberdade
contratual será exercida nos limites da função social do contrato”), e como complementa o
art. 422 (“Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em
sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”), embora o legislador constituinte tenha
mantido a iniciativa econômica privada, atentou-se para que esta não fosse desenvolvida de
maneira prejudicial à dignidade da pessoa humana e à justiça social, incorporando ao texto
civil vários preceitos estampados como direitos fundamentais no texto constitucional.
Dessa forma, é direita a relação presente entre o princípio da eticidade e o da boa-fé
no que diz respeito a manutenção da lealdade e comprometimento entre as partes. Cabe a tal
instituto, portanto, reprimir e barrar condutas que estejam em desacordo com o ético, justo,
correto, e que ofenda os valores de uma sociedade.
Com o Código Civil de 2002, buscou-se atender não só ao interesse dos indivíduos
que compõem a relação contratual, mas ao conjunto social, ou seja, a nova legislação incluiu
ideais de direitos coletivos e difusos. Outro exemplo de constitucionalização do Direito
Privado, é o § 4º do Art. 173 da Constituição, que não admite negócio jurídico que implique
abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência
e ao aumento arbitrário dos lucros.
3
SARMENTO, Daniel; GOMES, Fábio Rodrigues. A eficácia dos direitos fundamentais nas relações
entre particulares: o caso das relações de trabalho. Revista TST, Brasília, v. 77, n. 4, p. 60-101, 2011.
4
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, Volume 1: Parte Geral. São Paulo: Saraiva,
2012.
A função social do contrato, criada pela constitucionalização do Direito Civil, também
busca estabelecer que o contrato não pode ser transformado em um instrumento para
atividades abusivas causando danos a uma das partes ou a terceiros, fazendo-se necessário,
que ele seja concluído em benefício dos contratantes sem conflito com o interesse público.
A boa-fé no código civil de 1916 era relacionada a intenção do sujeito de direito, ou
seja, a boa-fé subjetiva, no entanto, com o Código Civil de 2002, passou a vigorar a boa-fé
objetiva, que estabelece que durante o negócio contratual, mesmo que não esteja expresso, os
contratantes devem ter uma conduta pautada no dever de cuidar, cooperar, informar, ser
confiável, probo, e agir com razoabilidade, e equidade. Segundo Maria Helena Diniz,
“o princípio da boa-fé objetiva está intimamente ligado não só à interpretação do
negócio jurídico, pois, segundo ele, o sentido literal da linguagem não deverá
prevalecer sobre a intenção inferida da declaração de vontade das partes, mas
também ao interesse social da segurança das relações jurídicas, uma vez que as
partes devem agir com lealdade, retidão e probidade durante as negociações
preliminares, a formação, execução e extinção do ato negocial, e também de
conformidade com os usos do local em que o ato negocial foi por elas celebrado.”5
Os princípios sociais dos contratos, portanto, protegem os interesses sociais e levam a
uma valorização da confiança e da boa fé na relação contratual. O Estado deve atuar para
amenizar os abusos, equilibrar situações desiguais, e impedir que os interesses individuais se
sobreponham aos coletivos.
O Direito deve ser criado para produzir efeitos. Ou seja, o Direito deve ser eficaz para
proporcionar uma mudança no plano social – e não ser apenas uma norma positivada sem
aplicabilidade. Esse princípio também trouxe uma mudança de perspectiva em relação ao
Código Civil de 1916, que abordava vários institutos de maneira obscura, como, por
exemplo, a prescrição e a decadência.
Dessa forma, constata-se que os princípios são a sustentação para uma argumentação
sólida no Direito Civil. Eles auxiliam de forma imprescindível para a construção de jurisdição
no seu nome como operador de fato do Direito6.
7
DE SOUZA MENEGASSI, João Alexandre. A LIVRE INICIATIVA NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 E
NA LEI DE LIBERDADE ECONÔMICA. Direito Público em Debate: Constituição, Estado e
Instituições, v. 1, p. 33.
8
OLIVEIRA, Rafael Niebuhr Maia de; MELO, Naiara Viana de; PIFFER, Carla. Lei da Liberdade
Econômica e a mitigação dos princípios sociais dos contratos e seus reflexos na covid-19 sob a
perspectiva da vedação do retrocesso social. Disponível em:
https://revista.pgm.fortaleza.ce.gov.br/revista1/article/view/388/328.
Embora a Constituição, de fato, promova o livre exercício da atividade econômica,
também é verdade que o texto constitucional prevê certas condições em que a intervenção do
Estado na economia é válida – principalmente quando se trata de direitos fundamentais.
A concepção de função social do contrato, e a constitucionalização do Código Civil,
nunca tiveram como propósito a restrição da liberdade contratual e da autonomia da vontade
privada. A ideia desses princípios é a de promover o equilíbrio entre a autonomia contratual e
a dignidade da pessoa humana, promovendo a possibilidade de mitigação em casos concretos.
Até mesmo porque, desde a edição do Código Civil de 2002, a ideia de autonomia contratual
e o princípio da pacta sunt servanda nunca deixaram de ser a regra no âmbito das relações
privadas, eles apenas passaram a serem sujeitos a princípios sociais – em especial o princípio
da boa-fé objetiva e o da função social do contrato.
“Sem dúvida não há uma receita exata para a análise dos casos em que há a
colisão de direitos fundamentais nas relações privadas, devendo cada caso ser
avaliado em sua concretude e especificidades. Todavia, é necessário
compreender que, para se alcançar uma solução nestes casos, a manutenção da
autonomia da vontade jamais deve sobrepujar a dignidade da pessoa humana. Ao
contrário, a solução justa destes conflitos deve, obrigatoriamente, conciliar
a proteção dos direitos fundamentais e a manutenção da autonomia
9
privada”
Apesar de a livre iniciativa ser um tópico defendido pela Constituição Federal
Brasileira de 1988, através de uma análise mais aprofundada, há de se perceber que a livre
iniciativa prescrita no ordenamento constitucional não é necessariamente compatível com a
legislação abordada.
“Enquanto a Constituição de 1988 busca tornar a livre iniciativa um valor social que
fundamenta a ordem econômica, a LLE almeja transfigurar a livre iniciativa a um
direito fundamental quase que monolítico, dispensando, de certa forma, os demais
fundamentos e princípios da ordem econômica que não integralmente concatenados
com a livre iniciativa.”10
9
SILVA LIMA, C.; PEREIRA SOUSA, L. A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL COMO
GARANTIA DE EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. Caderno
Virtual, [S. l.], v. 1, n. 36, 2016. Disponível em:
https://www.portaldeperiodicos.idp.edu.br/cadernovirtual/article/view/2810.
10
DE SOUZA MENEGASSI, João Alexandre. A LIVRE INICIATIVA NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 E
NA LEI DE LIBERDADE ECONÔMICA. Direito Público em Debate: Constituição, Estado e
Instituições, v. 1, p. 43..
4. CONCLUSÃO
A Constituição Federal de 1988 estreia uma perspectiva social do Estado brasileiro, em
decorrência disso, desde a edição da atual Constituição ocorre a constitucionalização do
Direito Civil, um fenômeno cada vez mais presente na realidade jurídica brasileira.
A lei 13.874/19, a Lei da Liberdade Econômica, foi criada com a intenção de estimular a
livre iniciativa e o livre exercício econômico, assegurando a autonomia privada,
desburocratizando processos e garantindo maior segurança jurídica aos contratantes. A partir
da análise desta lei, nota-se que mesmo que essa lei possa assegurar mais segurança jurídica,
há a pressuposição da imposição da sua execução nos exatos termos pactuados. Portanto, o
cumprimento deste contrato não pode ser visto isoladamente, como se os interesse individuais
sobreporem os coletivos.
Há um regresso ao direito pré-constitucional, buscando os interesses neoliberais. Assim,
por modificar a intenção dos artigos 421 e 422 do Código Civil, deve ser feita uma análise
mais profunda com relação a sua validade frente à Constituição. Há uma fortificação da
autonomia de vontade e o pacta sunt servanda, em detrimento dos princípios fundamentais da
Carta Magna relacionados ao sistema econômico brasileiro.
Nesse sentido, o conteúdo de “livre iniciativa” presente na Lei de Liberdade Econômica,
versa sobre muito mais do que a criação de uma norma infraconstitucional que beneficie o
liberalismo econômico. A lei revela também uma política econômica que não é de todo
compatível com a Constituição de 1988, e sim um rompimento com o programa social
transformador presente no texto constitucional.