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Tacio Rafael S. Batista – Medicina, 01.10.

2022

HEPATITES

Descrevem quadros inflamatórios hepáticos de origem diversa, sendo a


medicamentosa, alcoólica e infecciosa as mais comuns. A depender do patógeno, no caso das
infecciosas, tipo e quantidade do medicamento, tempo de exposição, volume ingerido de
álcool e outros fatores, a hepatite, inicialmente aguda, pode cronificar-se e, até mesmo, levar
ao depósito de colágeno, fibrose e redução da função hepática – cirrose. Em alguns casos,
pode induzir displasia, atipia e formação de carcinoma hepatocelular.

Diferentemente dessa sequência temporal, hepatites agudas podem agravar-se,


levando à insuficiência hepática aguda grave (IHAG – antigamente chamada de hepatite
fulminante). Sinais como encefalopatia (lembrar do “flapping”), coagulopatia (redução da
produção hepática dos fatores de coagulação) e icterícia (às custas da não excreção de
bilirrubina direta), na ausência de cirrose, costumam indicar IHAG.

1. Insuficiência Hepática Aguda Grave

Na ausência de cirrose e em um tempo menor que 26 semanas desde o


diagnóstico da condição, o paciente apresenta rebaixamento do nível de
consciência e evoluindo com encefalopatia (especialmente pela redução da
metabolização de escórias nitrogenadas), coagulopatia e icterícia.

Pode ser causada por vírus, tanto aqueles hepatotrópicos (A, B, C, D e E)


quando por aqueles de acometimento sistêmico, como Epstein-Barr Virus
(EBV), Citomegalovírus (CMV), varicela e outros. Medicamentos como
paracetamol, antibióticos utilizados no esquema RIPE da tuberculose,
especialmente rifampicina e isoniazida, amoxicilina e outros podem causar
lesão hepática aguda. Não esquecer também de causas vasculares e doenças
metabólicas, estas menos frequentes.

Hepatites virais
Nunca esquecer da clínica! Anamnese e exame físico, além dos exames laboratoriais e
sorologias, são indispensáveis para o início do raciocínio diagnóstico.
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Por se tratar de víscera abdominal e inervação sensitiva visceral, os sintomas tendem a


ser menos específicos: sintomas gerais como cefaleia, fadiga e mialgia; gastrointestinais como
náusea e dor abdominal difusa; sintomas colestáticos como leve icterícia, hepatomegalia
dolorosa à palpação, por exemplo; e sintomas extra-intestinais.

No laboratório, tende-se a evidenciar elevação das transaminases hepáticas – TGO e


TGP costumam estar 10x acima do limite superior da normalidade (LSN), elevação da
fosfatase alcalina (FA) e gama glutamil transferase (GGT) em 2 a 3 vezes do LSN e aumento do
RNI (indicando uma piora da função de coagulação do paciente). As provas sorológicas,
explicadas a diante, ajudam a diagnosticar a hepatite viral e seu estado no tempo (hepatites
agudas são quadros com menos de 6 meses).

HISTÓRIA NATURAL DAS HEPATITES:

Desde a infecção até o início dos sintomas, o vírus passa por um período de incubação
– a depender, obviamente, do tipo de vírus causador da infecção e de fatores intrínsecos do

indivíduo. Após isso, iniciam-se a fase clínica (presença de sintomas), chamada de prodrômica.
Racionalmente, pelos vírus serem parasitos intracelulares obrigatórios, os sintomas só
aparecerem quando o corpo consegue elaborar anticorpos contra as células infectadas,
atacando o patógeno e causando morte celular concomitante. Neste momento a destruição
dos hepatócitos começa a se intensificar e as transglutaminases tendem a aumentar
relativamente; enquanto isso, os sintomas continuam sendo mais generalizados.

A depender do paciente, ele pode ou não entrar na fase ictérica, representada pelo
aumento agudo da destruição celular hepática e elevação em 10x do LSN das
transglutaminases, icterícia às custas de elevação de bilirrubina direta. Apesar do fígado ter a
função de converter BI em BD, ele gasta pouca energia em tal processo: o que fica mais
prejudicada é a excreção ativa desta BD recém-formada para as vias biliares, que demanda
bastante ATP. Com isso, ocorre icterícia por acúmulo sérico de BD. Igualmente, com pouca
bilirrubina direta na via biliar, sua concentração estará diminuída nas fezes, com redução de
urobilinogênio fecal (fezes pálidas – acolia fecal). A BD sérica será filtrada no sangue e
excretada pela urina, levando ao escurecimento desta e causado colúria.
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Após isso, o paciente costuma curar-se do quadro infeccioso. Este é o período de


convalescência. Porém, alguns quadros cronificam, como hepatites B e C (Hepatite A N-U-N-C-
A

cronifica).

Hepatite A
Maioria é assintomática. Minoria costuma apresentar sintomas (e quando apresentam,
costumam ser pessoas adultas infectadas. Crianças infectadas raramente desenvolvem
sintomas). Minoria da minoria apresenta IHAG decorrente de infecção pelo vírus A.

Sua transmissão é fecal-oral, geralmente por água e/ou alimentos contaminados –


direta correlação com saneamento básico, destino das fezes, tratamento de esgoto e afins.

No quesito sorológico, podemos identificar


apenas o anticorpo feito contra o vírus da hepatite A
(anti-HAV). Podemos interpretar o tempo de início do
quadro através de suas formas sorológicas IgM e IgG.

O tratamento abarca sintomáticos e repouso


das atividades laborais por 2 semanas.

A profilaxia é feita através da vacinação em


dose única durante o calendário infantil, normalmente
aos 15 meses. Em não vacinados que desenvolveram a
infecção, pode-se fazer a vacinação e a administração concomitante de imunoglobulina
pronta, especialmente em imunocomprometidos. Se menor que 1 ano de idade, faz-se apenas
administração de imunoglobulina.

ELA NUNCA CRONIFICA.

Hepatite E
Similar à Hepatite A, sendo que a maioria dos casos (cerca de 20%) que desenvolvem
IHAG, são em gestantes. Lembre-se: gEstantEs, hepatite E.

Hepatite B
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O meio de transmissão mais comum é o sexual. Porém, vertical e percutânea também


podem acontecer.

HBV é um vírus de DNA. Ele possui uma proteína (antígeno) de Superfície em seu envelope
viral – o HBsAg. Nosso sistema imune é capaz de reconhecer este antígeno de superfície e criar
um anticorpo contra o Hbs – o Anti-HBs.

O HBcAg é uma proteína presente no interior do vírus. Portanto, todas as pessoas que
tiveram Contato com o HBV terão sido expostas à essa proteína. Nosso corpo também produz
um anticorpo contra o HBcAg – o Anti-HBc. Este, possui frações IgM e IgG (secretados em
momentos diferentes da infecção: aguda e crônica, respectivamente). Logo, os Anti-HBc são
anticorpos de contato anterior – recente ou distante, a depender da fração elevada.

O HBeAg é uma proteína também do interior do vírus. Ela é secretada quando o vírus
está se rEplicando, portanto, altos níveis de HBeAg indicam alta replicação viral. Quando nosso
corpo apresenta uma resposta imunológica competente contra a infecção, somos capazes de
frear essa replicação: isso é marcado pela produção de Anti-HBe.
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Desde o contato com o vírus e durante o período de incubação, ele é capaz de se


multiplicar livremente devido à inexistência de resposta imune. Logo, conseguimos dosar sua
proteína de superfície – HbsAg ou até mesmo quantificar sua carga viral pela dosagem direta
do HBV-DNA, igual é feito no acompanhamento de pacientes portadores de HIV. Neste
momento, ainda não existe resposta imune.

Com a formação de anticorpos e destruição celular/viral, iniciam-se os sintomas.


Neste caso, o anticorpo produzido é o Anti-HBc, geralmente a sua fração IgM – caracterizando
infecção aguda. Presença da fração IgG indicam infecção prévia ou início da translocação de
uma infecção aguda tardia para uma infecção crônica.

Com a resolução da infecção e desaparecimento dos sintomas, é marcada a produção


imunológica do Anti-HBs (s de Super anticorpo, pois é ele quem confere imunidade. O Anti-
HBc não protege porra nenhuma), configurando a cura. Veja o quadro abaixo:

IMPORTANTE: Pacientes previamente vacinados, nunca infectados pelo HBV, não se


pode ter presença de Anti-HBc. Apenas o Anti-HBs lhe conferindo proteção. Pacientes que
foram infectados e foram curados, além do Anti-HBs, possuem o Anti-HBc fração IgG
residual.

Agora (rs), vamos falar sobre aspectos clínicos importantes:

Crianças infectadas possuem mais de 90% de chance de cronificarem a infecção,


quando comparado a menos de 5% de chance de cronificação em adultos. Quando a
transmissão é vertical, ela pode ocorrer independente da via de parto; não há restrição à
amamentação. Ao nascimento, faz-se a vacinação e a aplicação de Imunoglobulina até 12
horas do parto.

Curiosidade: alguns HBV replicam sem aumentarem o HBeAg, marcador típico de


replicação viral, porém continuam a causar lesão hepática e aumento progressivo das
transaminases. Estes são os chamados mutante pré-core. A confirmação vem pela dosagem do
HBV-DNA. É uma variante mais agressiva, com maior risco de IHAG e cirrose.
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Tratamento: esquemas vacinais no recém-nascido, como parte do Programa Nacional


de Imunização (0, 2, 4 e 6 meses de vida).

Hepatite C
É um vírus de RNA, possuindo 6 subtipos mais importantes, sendo o mais prevalente
no Brasil o tipo 1 e o 3. Atualmente, a contaminação parenteral, especialmente por drogas
injetáveis, é o meio mais
comum de transmissão
do HCV.

Inicialmente,
durante o período de
incubação, pode-se
detectar o RNA viral –
HCV-RNA. O aparecimento
de sintomas, portanto,
marca o início da sorologia
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de anticorpos: o anti-HCV. O problema é que ele pode indicar doença em atividade, cura ou
até mesmo ser um resultado falso positivo.

Portanto, com um anti-HCV positivo, deve-se solicitar um HCV-RNA para comprovar a


infecção ativa pelo HCV.

HISTÓRIA NATURAL DA HEPATITE C

Ela raríssimamente fulmina e maioria tende a cronificar, com 6% ao ano evoluindo


para doença hepática terminal e, destes, 4% ao ano para carcinoma hepatocelular (CHC).

Hepatite D
É considerada a hepatite aguda mais grave. O vírus D não consegue fazer doença
sozinho: apenas se o HBV estiver também presente, com HBsAg+. Se, ao mesmíssimo tempo, o
paciente adquirir o HBV e o HDV, chama-se de coinfecção, não aumentando o risco de
cronificação. Nestes quadros, contudo, tem-se uma hepatite aguda bastante acentuada com
uma boa chance de desenvolvimento de IHAG/fulminante. Após isso, maioria tende a se
recuperar completamente (90%).
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Porém, em casos de superinfecção – quando o paciente já possui uma Hepatite B


prévia e, após isso, infecciona-se com o HDV, estes indivíduos tendem a terem prognósticos
piores a longo prazo, com maiores chance de cronificação. A curto prazo, a hepatite aguda
costuma ser um pouco mais leve.

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