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Clínica Médica – SP4

Hepatites Virais
-Hepatite aguda viral pode ser definida como uma infecção que leva a uma necro-inflamação do fígado,
com manifestações clínicas e laboratoriais relacionadas, sobretudo, às alterações hepáticas decorrentes
desse processo inflamatório.
- As hepatites virais causadas pelos vírus hepatotrópicos representam a maioria dos casos de hepatite aguda
e, portanto, a expressão “hepatite viral” habitualmente se refere à hepatite causada pelos vírus da hepatite
A, B, C, D e E.
Vírus hepatotrópicos:
HAV:
-Tipo RNA, família picornavírus;
-Transmissão: fecal-oral (contato com indivíduos infectados, ingestão de água e alimentos contaminados).
Já foram descritas formas de transmissão parenteral e vertical, mas são raras;
-Epidemiologia: Atinge crianças nos países em desenvolvimento e adultos de países desenvolvidos.
-Período de incubação e cronificação: Média de 28 dias (varia entre 15 e 45 dias). Não cronifica.
-Fisiopatologia: São pouco conhecidos os mecanismos de lesão hepática, parecendo ser uma resposta
imunopatológica a antígenos expressos nos hepatócitos, e não a um efeito citopático direto do vírus → o
HAV interfere na função hepática, desencadeando uma resposta imune que leva a inflamação no fígado.
- É a que mais causa hepatite fulminante e autolimitada (tem começo, meio, fim – tem cura) → Quando der
hepatite fora da faixa etária (dar hepatite A em fase adulta), ela costuma ser mais grave e ter exacerbação e
leva a hepatite fulminante.
HBV:
-Tipo DNA, família hepaDNAvírus
-Transmissão: Via parenteral (uso de drogas injetáveis, tatuagens, acidentes ocupacionais ou transfusões),
transmissão sexual (forma mais comum) e transmissão vertical → Está presente no sangue e secreções.
HBV pode sobreviver por períodos prolongados fora do corpo (até 7 dias); Maior potencial de infecção (=
maior virulência) que os vírus da hepatite C (HCV) e do HIV
-Epidemiologia: Predomina na faixa de 20 a 40 anos/adultos, possui endemicidade alta no Norte do país.
Tem alta infectividade
-Período de incubação e cronificação: 45 a 90 dias, mas pode se estender até 180 dias. Cronifica
consideravelmente e pode evoluir para carcinoma hepatocelular (Quando adquirida no período perinatal
ou na infância precoce, a infecção tem mais chance de evoluir para a hepatite crônica).
-Fisiopatologia: O VHB é um vírus não-citopático, e a lesão hepática na infecção aguda é mediada por
reações imunes do hospedeiro. Células T CD8+ dirigidas contra vários antígenos do VHB exercem papel
fundamental na lesão hepática aguda autolimitada, com efeito citolítico e não-citolítico sobre os
hepatócitos. O efeito citolítico por linfócitos T citotóxicos (CTL) é devido à apoptose mediada por
granzimas, perforinas e ligantes Fas (FasL). Por outro lado, CTL ativadas secretam interferongama e fator
de necrose tumoral alfa, que abolem a expressão do VHB e a replicação viral (mecanismos não citolítico).
-Pode ter manifestações extra-hepáticas, como glomerulonefrite
- A presença de urticária, artrite, glomerulonefrite, doença do soro e exantema estão mais associadas à
hepatite B.
HCV:
-Tipo RNA, família hepacivírus
-Transmissão: Via parenteral, via sexual e via vertical.
-Epidemiologia: Baixa endemicidade, 2 milhões de portadores no Brasil. Não tem alta infectividade
-Período de incubação e cronificação: 30 a 180 dias. 80% dos casos cronificam. Pode evoluir com cirrose,
insuficiência hepática e alto risco de carcinoma hepatocelular.
- Fatores de risco para progressão e severidade: Gênero masculino, > 40 anos; Ingesta de álcool; Coinfecção
com HBV e HIV
-Fisiopatologia: Os linfócitos citotóxicos exercem papel essencial na resposta imune do hospedeiro ao
VHC, bem como na lesão hepática. As células T citotóxicas (CTL) podem lesar diretamente os hepatócitos
por apoptose (semelhante ao que se observa na hepatite B). Contudo, a resposta imune é geralmente menos
intensa, sendo rara a hepatite fulminante. Além disso, no caso da hepatite C, a resposta multiespecífica de
células TCD4+ é essencial para o desenvolvimento e a manutenção da resposta das CTL CD8+.
-Pode ter manifestações extra-hepáticas, como glomerulonefrite
HDV:
-Tipo RNA, família deltavírus
-Transmissão: Via parenteral (principalmente pelo uso de drogas injetáveis) ou via sexual. Pode ocorrer
coinfecção (infecção simultânea por HBV e HDV) ou superinfecção (portador crônico de HBV adquire
HDV)
-Epidemiologia: Usuários de drogas injetáveis em países desenvolvidos e habitantes da Amazônia.
-Período de incubação e cronificação: É um vírus defetivo, que depende do HBV para sobreviver.
Cronificam frequentemente.
-Fisiopatologia: A lesão causada pelo VHD é provavelmente devido ao efeito citopático direto do vírus.
HEV:
-Tipo RNA, família hepevírus
-Transmissão: Via fecal-oral. Existe um fenótipo específico do HEV que pode ser transmitido pela ingestão
de carne de porco mal cozida.
-Epidemiologia: Não há relatos de surtos no Brasil, mas sim na Índia, Rússia e México. Gestantes são grupo
de risco – 20% de chances de evoluir para hepatite fulminante.
-Período de incubação e cronificação: 15 a 45 dias. Pode cronificar em pacientes imunossuprimidos.
-Fisiopatologia: O VHE provoca doença aguda autolimitada, semelhante à hepatite A. Entretanto, em casos
graves, principalmente fatais, foram observadas necroses maciça e submaciça.
Manifestações clínicas:
-O quadro clínico das hepatites virais compreende quatro períodos:
1) Incubação: período entre a infecção e o aparecimento do primeiro sintoma; algumas semanas até 6
meses (depende de cada vírus); paciente fica, normalmente, assintomático.
2) Prodrômico ou pré-ictérica: dura de 1 a 3 semanas, apresenta manifestações de quadro viral inespecífico.
Podem ocorrer mal-estar, astenia, febre, anorexia, náuseas, vômitos, cefaleia, desconforto abdominal,
mialgia, diarreia ou obstipação, rinorreia, tosse e artralgia, antes do aparecimento da colúria e
icterícia.
3) Ictérico: sintomas clássicos: anorexia, sintomas digestivos, colúria (precede a icterícia em 1 a 2 dias),
quadro ictérico, fezes descoradas ou acólicas, prurido (às vezes), hepatomegalia dolorosa,
esplenomegalia. Dura de 1 a 8 semanas, em geral.
4) Convalescença: sintomas desaparecem e exames laboratoriais tendem à normalização. Ocorre
normalmente até o 4º mês após a infecção.
- A hepatite aguda viral pode se apresentar como infecção sintomática ou assintomática, ictérica ou
anictérica, ou ainda, como formas colestáticas. Com relação à hepatite sintomática, em geral, o curso clínico
é semelhante a todos os tipos, entretanto algumas peculiaridades podem ser observadas, como artralgia
ocasional no VHB e tendência para a manifestação clínica inicial ser mais aguda na hepatite A e insidiosa
na hepatite C.
Formas especiais de hepatite:
a) Hepatite anictérica: forma mais comum (70%), tendência à cronificação em caso de hepatite B ou C. É
habitualmente assintomática ou se apresenta de modo mais leve, e parece ser mais frequente do que a
forma ictérica. Quando presentes, os sintomas são semelhantes aos da forma ictérica, à exceção da
presença de icterícia. Quando o paciente está assintomático, o diagnóstico é realizado por meio da
observação da elevação das aminotransferases séricas e pela detecção de marcadores sorológicos de
infecção viral aguda. Habitualmente, esse diagnóstico é feito em indivíduos monitorados em
consequência de exposição viral.
b) Hepatite fulminante: menos de 1% dos casos. Elevada taxa de mortalidade (mais de 80%). Associada a
vômitos, sonolência, confusão mental, piora da icterícia e regressão rápida da hepatomegalia. Nos
exames laboratoriais, apresenta queda rápida das aminotransferases e elevação das bilirrubinas. Ocorre
encefalopatia.
c) Hepatite prolongada: fase aguda se arrasta por mais de quatro meses, com sinais de melhora progressiva,
porém lenta. A evolução para cura é regra. Associada principalmente à hepatite A nos adultos.
d) Hepatite colestática: prurido intenso, elevação significativa das enzimas colestáticas e da bilirrubina. Em
geral, a evolução é favorável, com recuperação completa do quadro em 2 a 6 meses
Diagnóstico laboratorial:
- O diagnóstico laboratorial das hepatites agudas virais baseia-se nas alterações das transaminases, que
revelam a lesão dos hepatócitos, associadas a alterações nas dosagens de bilirrubinas e, em algumas
situações, do tempo de protrombina, albumina, fosfatase alcalina, leucograma, sumário de urina, além da
positividade para os marcadores sorológicos dos vírus identificados.
-Níveis de aminotransferases (ALT/TGP e AST/TGO) superiores a 10 vezes o limite superior de
normalidade. Níveis de bilirrubina atingem seu máximo (10 mg/dL) após o pico de aminotransferases. Na
forma colestática, há elevação de bilirrubinas, fosfatase alcalina e gama-GT. Hemograma com leucopenia
e linfocitose.
-Aspectos histológicos: Nas hepatites agudas, as lesões das células hepáticas predominam sobre as reações
mesenquimais e incluem tumefação (degeneração balonizante), apoptose, necrose focal ou confluente e
regeneração hepatocelular. Observa-se infiltrado leucocitário, geralmente mononuclear e atividade
macrofágica, consequentes à resposta imunitária a antígenos virais.
HEPATITE A:
-Anti-HAV IgM (anticorpo): positividade coincide com início do quadro clínico – 1 semana - e dura de 6 a
12 meses.
-Anti-HAV IgG (anticorpo): detectáveis após a fase aguda, perduram pelo resto da vida.
HEPATITE B:
-HBsAg (antígeno de superfície): primeiro marcador a aparecer no soro (antes da elevação das
transaminases), podendo ser detectado 2 a 6 semanas antes do início do quadro clínico. HBsAg positivo
por mais de 6 meses caracteriza fase crônica. Anti-HBs pode indicar infecção ou imunização.
-HBcAg: não circulante. A presença de anti-HBc IgM ou IgG confirma infecção. Tanto IgM quanto IgG
surgem na fase aguda, mas apenas o IgG perdura na fase crônica.
-HBeAg: caracteriza a fase de replicação viral e, quando reagente, indica alta infecciosidade. Anti-HBe
indica melhor prognóstico (sugestiva de parada da replicação viral).
HEPATITE C:
-Anti-HCV: anticorpo de aparecimento tardio (8 a 12 semanas após infecção)
-Pesquisa no soro do HCV RNA por PCR (presença indica replicação viral e infecção ativa; persistência
do RNA viral positivo, 2 a 3 meses após o início do quadro, indica maior chance de evolução para uma
hepatite crônica)
HEPATITE D:
-Presença de antígeno Delta (AgHDV) e anticorpo anti-Delta IgM e IgG (podem indicar infecção em
andamento ou infecção passada)
-Coinfecção: presença dos marcadores agudos de hepatite B (HBsAg e anti-HBc IgM)
-Superinfecção: presença dos marcadores crônicos de hepatite B (HBsAg, anti-HBc IgG e anti-HBe)
HEPATITE E:
- Presença de anti-VHE IgM no soro (presente na fase aguda e permanece por cerca de 3 a 4 meses), depois
dão lugar ao anti-VHE IgG
Tratamento:
- Baseado principalmente em medidas de suporte a nível domiciliar
- É preferível não estimular atividades físicas extenuantes
- Não há uma droga específica que proporcione uma evolução mais curta e cura mais rápida da doença.
- O uso de monoterapia com interferon-alfa na hepatite aguda C parece estar associado a decréscimo
significativo dos índices de evolução para uma infecção crônica
- Evitar o uso de analgésicos, sedativos, narcóticos e de medicamentos em geral durante um quadro de
hepatite aguda viral.
-O uso de álcool, mesmo em doses baixas, deve ser contraindicado.
- Nos casos de hepatite fulminante, o paciente deve ser transferido para uma unidade de terapia intensiva,
preferencialmente em um centro que disponha de transplante hepático.
Profilaxia:
- Avanços com as vacinas seguras e eficazes contra a hepatite A e B, amplamente utilizadas em todo o
mundo
- Na hepatite A, a vacina encontra-se disponível e já faz parte do calendário de vacinação para crianças
entre 12 e 23 meses. É empregada em 2 doses (0 e 6 meses) e confere imunidade duradoura em 97% dos
casos.
- A imunização ativa contra o HBV pode ser feita com vacina obtida por recombinação genética. A
vacinação promove aparecimento de Ac em níveis protetores em cerca de 95% dos indivíduos vacinados
com 3 doses de 20 g de Ag, que devem ser administradas por via intramuscular aos 0, 30 e 180 dias. A
vacina vem sendo utilizada rotineiramente nos programas de imunização de todas as crianças durante o
primeiro ano de vida no Brasil. → nem em todos tem 3 doses só (imunossuprimidos fazem outros esquemas
com mais doses ou duplicadas para tentar atingir a imunidade) →mede anti-HBs para avaliar imunidade.
- Na hepatite C, a obtenção de vacina eficaz parece ser difícil, uma vez que a indução de Ac anti-HCV não
confere proteção à doença, que pode se repetir em um mesmo indivíduo, por meio da infecção por diferentes
cepas do vírus.
OBS:
Hepatites virais crônicas:
-Lesão hepática necroinflamatória que dura mais de 6 meses;
-Diagnóstico histopatológico (biópsia), clínico (doença oligo ou assintomática) e laboratorial (elevação de
aminotransferases e presença de Ag virais no soro);
-Principais complicações são cirrose hepática e hepatocarcinoma;
-Etiologia: hepatites virais B e C, esteato-hepatite alcóolica, hepatite autoimune, lesões tóxicas e
medicamentosas, doença de Wilson, drogas e outros..
Icterícia:
-Conceito: coloração amarelo-alaranjada que pode ser observada nas mucosas conjuntival e sublingual e
na pele, em decorrência da elevação das concentrações séricas de bilirrubina.
-Na pele, o acúmulo de bilirrubina pode causar prurido.
-Detectável a partir de 2,5 a 3,0 mg/dL. A concentração plasmática normal de bilirrubina no adulto é de 1
a 1,5 mg/dL, sendo em sua maioria a forma não conjugada.
-A confirmação de icterícia se dá mediante achado de escleróticas e mucosas conjuntival e sublingual com
tonalidade amarelada.
-Metabolismo da bilirrubina:
1) Fase pré-hepática: hemácias degradadas no fígado e no baço —> liberação do grupo heme —> conversão
em biliverdina pela enzima heme-oxigenase —> conversão em bilirrubina (indireta ou não conjugada)
pela enzima biliverdina-redutase. A bilirrubina indireta é apolar e se liga à albumina para chegar ao
fígado.
2) Fase intra-hepática: bilirrubina captada no fígado fica ligada à proteína glutationa-S-transferase —>
sofre conjugação com o ácido glicurônico pela enzima UGT1A1, formando bilirrubina direta —>
bilirrubina direta é excretada para os canalículos, formando a bile, e essa etapa é dependente de ATP
(transportadores MRP2 e cMOAT). 95% da bilirrubina que forma a bile é direta.
3) Fase pós-hepática: a bilirrubina é conduzida pelos ductos biliar e cístico até a vesícula, onde é
armazenada. Pode prosseguir pela ampola de Vater até a luz do duodeno. Nos intestinos, parte da
bilirrubina é excretada com o bolo fecal (estercobilina, responsável pela coloração das fezes); o restante
é metabolizado pela flora intestinal em urobilinogênios e é reabsorvido. Os urobilinogênios do sangue
são filtrados pelos rins e excretados na urina.
-Exames para avaliação do fígado:
• Exames para verificar lesão hepática: dosagem das aminotransferases AST e ALT (TGO/TGP)
• Exames para avaliar função hepática: dosagem de bilirrubina, tempo de protrombina e albumina
• Exames para avaliar excreção biliar: gama-GT e fosfatase alcalina: proteínas localizadas na superfície dos
canalículos, estão elevadas em casos de aumento de pressão canalicular. Nas formas colestáticas, as duas
proteínas estão elevadas. Gama-GT pode estar elevada isoladamente em casos de cirrose alcoólica,
enquanto fosfatase alcalina pode estar elevada ou diminuída isoladamente em doenças ósseas.
-Causas de icterícia:
a) Causas pré-hepáticas: aumento da produção do heme (por eritropoese defeituosa, aumentando a
disponibilidade do grupo heme, como em anemia megaloblástica, anemia ferropriva grave,
envenenamento por chumbo, doenças mieloproliferativas ou por hemólise, como em defeitos estruturais
de hemácias (esferocitose), de hemoglobina (anemia falciforme e talassemias), hemólise autoimune,
toxicidade por drogas) ou diminuição da captação de bilirrubina pelo hepatócito (associada à inibição
por efeito competitivo de medicamentos).
b) Causas intra-hepáticas: diminuição da capacidade de conjugação da bilirrubina (icterícia neonatal pelos
baixos níveis de UGT1A1, síndromes de Gilbert e Crigler-Najjar, em que a atividade da UGT1A1 é
reduzida, inibição parcial da UGT1A1 por drogas), diminuição da capacidade de excreção da bile
conjugada (síndromes de Dubin-Johnson e de Rotor, com mutação no gene dos transportadores MRP2
e cMOAT), doenças hepatocelulares (hepatopatias por vírus, álcool, medicamentos e autoimunidade),
colestases intra-hepáticas (cirrose biliar primária e colangite esclerosante primária).
c) Causas pós-hepáticas: relacionada à obstrução das vias biliares. Nos adultos, inclui colelitíase, tumores
intrínsecos e extrínsecos, colangite esclerosante primária, infecções parasitárias, linfoma, colangiopatia
da AIDS, pancreatite aguda e crônica e estenoses pós-cirúrgicas. Nas crianças, cistos coledocianos e
colelitíases são mais frequentes, e podem ocorrer compressões extrínsecas por tumores.

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