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IMMANUEL KANT – Primeira Analogia da Experiência 1

Tradução de José Oscar de Almeida Marques

Immanuel Kant
Crítica da Razão Pura
I - DOUTRINA TRANSCENDENTAL DOS ELEMENTOS
Segunda Parte: Lógica Transcendental
Primeira Divisão: Analítica Transcendental
LIVRO II: ANALÍTICA DOS PRINCÍPIOS
Capítulo II: Sistema de todos os princípios do entendimento puro
Seção 3: Representação sistemática de todos os princípios sintéticos do entendimento puro
3. Analogias da Experiência
[Na primeira edição:]
Seu princípio geral é: Quanto à sua existência, todos os aparecimentos estão a priori sob
[A177] regras da determinação de sua relação uns com os outros em um único tempo.
[Na segunda edição:]
Seu princípio é: A experiência só é possível por meio da representação de uma conexão
necessária das percepções.
Prova
<A experiência é uma cognição empírica, isto é, uma cognição que determina um
objeto por meio de percepções. Ela é, portanto, uma síntese das percepções que não está, ela
mesma, contida na percepção, mas contém a unidade sintética do múltiplo das percepções em
uma consciência que constitui o que é essencial em uma cognição dos objetos dos sentidos, isto
é, da experiência (e não [B219] meramente da intuição ou sensação dos sentidos). Ora, é
verdade que, na experiência, as percepções se reúnem apenas de modo acidental, de modo que
nenhuma necessidade de sua conexão se evidencia ou pode evidenciar-se nas próprias
percepções, pois a apreensão é apenas uma justaposição do múltiplo da intuição empírica, e
nela não se encontra nenhuma representação da necessidade da existência combinada dos
aparecimentos que ela justapõe no espaço e no tempo. Mas como a experiência é uma cognição
de objetos por meio de percepções, segue-se que a relação do múltiplo na existência deve ser
nela representada não como surge justaposta no tempo, mas como existe objetivamente no
tempo; contudo, como o próprio tempo não pode ser percebido, a determinação da existência
dos objetos no tempo só pode ocorrer por meio de sua combinação no tempo em geral, e,
assim, apenas por meio de conceitos que conectem de maneira a priori. Ora, dado que estes
sempre carregam necessidade consigo, a experiência é possível apenas mediante uma
representação da conexão necessária das percepções.>
Os três modos (modi) do tempo são persistência (Beharrlichkeit), sucessão (Folge), e
simultaneidade (Zugleichsein). Em consequência, três regras de todas as relações temporais
dos aparecimentos, segundo as quais a existência de cada um deles pode ser determinada com
relação à unidade de todo o tempo, antecedem toda experiência e são o que em primeiro lugar a
torna possível.
[B220] O princípio geral de todas as três analogias repousa na unidade necessária da
apercepção com relação a qualquer possível consciência empírica (da percepção) em todo o
tempo; consequentemente, dado que é um fundamento a priori, [ele repousa] na unidade
sintética de todos os aparecimentos segundo suas relações no tempo. Pois a apercepção original
relaciona-se ao sentido interno (a soma de todas as representações) e, na verdade, relaciona-se
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a priori à sua forma, isto é, a relação da consciência empírica múltipla no tempo. Ora, na
apercepção original, todo esse múltiplo, no que concerne a suas relações temporais, deve ser
unificado, pois é isto que assevera a priori sua unidade transcendental, sob a qual se situa tudo
que deve pertencer à minha cognição (isto é, à minha cognição unificada) e com isso tornar-se
um objeto para mim. Essa unidade sintética na relação temporal de todas as percepções, que
está determinada a priori, é, portanto, a lei de que todas as determinações temporais empíricas
devem estar submetidas a regras de determinações temporais [A178] gerais, e as analogias da
experiência, das quais vamos agora tratar, devem ser regras desse tipo.
Esses princípios têm em si a peculiaridade de que não dizem respeito nem a
aparecimentos, nem à síntese de sua intuição empírica, mas meramente à existência e sua
relação uns com os outros em vista dessa sua existência. Ora, o modo pelo qual algo é
apreendido no [B221] aparecimento pode ser determinado a priori de tal modo que a regra de
sua síntese fornece ao mesmo tempo essa intuição a priori em cada exemplo empírico, isto é,
pode produzi-la a partir deste. Mas a existência de aparecimentos não pode ser conhecida a
priori, e ainda que pudéssemos dessa maneira ter sucesso em inferir qualquer existência, ainda
não seríamos capazes de ter dela uma cognição determinada, isto é, não poderíamos antecipar
aquilo por meio de que sua intuição empírica se distingue de outras.
Os dois princípios precedentes [os axiomas da intuição e as antecipações da percepção],
que denominei princípios matemáticos, considerando que justificam a aplicação da matemática
aos aparecimentos, referiam-se aos aparecimentos segundo sua mera possibilidade, e
mostravam como tanto sua intuição quanto o real em sua percepção podiam ser gerados de
acordo com regras de uma síntese matemática, e, portanto, como em ambos esses casos
magnitudes numéricas e, com elas, a determinação do aparecimento como magnitude,
poderiam [A179] ser usadas. Assim, eu poderei, por exemplo, compor e determinar a priori, ou
seja, construir, o grau de sensação da luz do Sol a partir de aproximadamente 200.000
iluminações lunares. Por isso podemos denominar constitutivos esses primeiros princípios.
Muito diferente deve ser o caso daqueles princípios que devem subsumir a priori a
regras a existência de aparecimentos. Pois, como essa existência não pode ser construída,
[B222], esses princípios dirão respeito apenas à relação da existência, e só podem fornecer
princípios meramente regulativos. Aqui, portanto, não se deve pensar nem em axiomas nem em
antecipações, mas, se nos for dada uma percepção em relação temporal com outra (ainda que
indeterminada), não se pode dizer a priori qual e quão grande é essa outra percepção, mas
apenas como ela está necessariamente combinada com a primeira, segundo a existência, nesse
modo do tempo. Em filosofia, analogias significam algo muito diferente do que representam
em matemática. Nesta última, elas são fórmulas que asseveram a igualdade de duas relações de
magnitude, e são sempre constitutivas, de tal modo que, se dois membros da proporção estão
dados, o terceiro estará, com isso, também dado, isto é, pode ser construído. Em filosofia,
entretanto, analogia não é a identidade de duas relações quantitativas, mas sim qualitativas, em
que, a partir de três membros dados, posso conhecer e fornecer a priori [A180] apenas a
relação com um quarto membro, mas não esse quarto membro ele próprio, embora eu disponha
de uma regra para procurá-lo na experiência e uma marca para descobri-lo ali. Uma analogia da
experiência será, portanto, apenas uma regra segundo a qual a unidade da experiência (mas não
a própria percepção, enquanto intuição empírica em geral) deve brotar das percepções, e,
enquanto princípio dos objetos (das intuições), não terá validade constitutiva, mas meramente
[B223] regulativa. O mesmo valerá também para os postulados do pensamento empírico em
geral, que se referem em conjunto à síntese da mera intuição (isto é, da forma do
aparecimento), da percepção (isto é, de sua matéria), e da experiência (isto é, da relação dessas
percepções), a saber, que eles são apenas princípios regulativos e que diferem dos princípios
matemáticos que são constitutivos, não, de fato, quanto à certeza, que está estabelecida a priori
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em ambos os casos, mas na maneira de sua evidência, isto é, seu caráter intuitivo (e, portanto,
também em sua demonstração).
Mas o que deve ser lembrado acerca de todos os princípios sintéticos, e particularmente
notado aqui, é que essas analogias têm significado e validade [A181] não enquanto princípios
do uso transcendental do entendimento, mas apenas de seu uso empírico, e só podem, portanto,
ser provadas como tais; e que, consequentemente, os aparecimentos não devem ser subsumidos
pura e simplesmente às categorias, mas apenas aos seus esquemas. Pois se os objetos aos quais
esses princípios devessem relacionar-se fossem coisas em si mesmas, seria inteiramente
impossível ter deles alguma cognição sintética a priori. Mas trata-se aqui apenas de
aparecimentos, cuja completa cognição, que é aquilo para que, em última análise, devem
confluir todos os princípios a priori, é a única experiência possível; consequentemente, esses
princípios só podem ter como objetivo as condições da unidade da cognição [B224] empírica
na síntese dos aparecimentos, mas essas condições são pensadas apenas no esquema do
conceito puro do entendimento, e a categoria contém a função, não restrita por qualquer
condição sensível, de sua unidade, como de uma síntese em geral. Assim, por meio desses
princípios, estamos justificados em compor os aparecimentos apenas segundo uma analogia
com a unidade lógica e geral dos conceitos, e, portanto, embora façamos uso da categoria no
próprio princípio, em sua execução (sua aplicação a aparecimentos), colocamos seu esquema
em seu lugar, como chave para seu uso, ou, antes, dispomo-lo ao lado da primeira, como sua
condição restritiva, sob o nome de uma fórmula.

[A182] A. Primeira Analogia


Princípio da persistência <da substância>
Em toda mudança (Wechsel) dos aparecimentos a substância persiste, e seu quantum na
natureza não aumenta nem diminui.
[Na 1ª Edição:
Todos os aparecimentos contêm o permanente (substância) como o próprio objeto, e o mutável
como sua mera determinação, isto é, como um modo de existência do objeto.]

Prova
Todos os aparecimentos estão no tempo, e é apenas nele, enquanto um substrato
(enquanto a forma persistente da intuição interna) que tanto a simultaneidade quanto a
sucessão podem ser representadas. O tempo, portanto, no qual toda [B225] mudança de
aparecimentos deve ser pensada, permanece e não muda, pois só nele a sucessão ou a
simultaneidade podem ser representadas como suas determinações. Ora, o tempo não pode ser
percebido em si mesmo. Consequentemente, é nos objetos da percepção, isto é, nos
aparecimentos, que deve encontrar-se o substrato que representa o tempo em geral, e no qual
toda mudança ou simultaneidade deve ser percebida na apreensão mediante a relação dos
aparecimentos com ele. Contudo, o substrato de tudo que é real, isto é, de tudo que pertence à
existência das coisas, é a substância, da qual tudo que diz respeito à existência só pode ser
pensado como uma determinação. Consequentemente, aquilo que persiste, e unicamente em
relação ao qual todas as relações temporais de aparecimentos podem ser determinadas, é a
substância no aparecimento, isto é, o real deste, que, como substrato de toda mudança,
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permanece sempre o mesmo. Como este, portanto, não pode mudar em existência, seu quantum
na natureza tampouco pode ser aumentado ou diminuído. *
Nossa apreensão do múltiplo do aparecimento é sempre sucessiva, e é, portanto,
sempre mutável. Assim, não podemos jamais determinar, a partir apenas dela, se este múltiplo,
enquanto objeto da experiência, é simultâneo ou sucessivo, se ele não estiver embasado em
algo que sempre existe, isto é, algo duradouro e persistente, do qual toda [B226] mudança e
simultaneidade não passam de modos (modi do tempo) nos quais o persistente existe. Relações
temporais, portanto, são possíveis apenas naquilo que persiste (pois simultaneidade e sucessão
são as únicas relações no tempo), [A183] isto é, o que persiste é o substrato da representação
empírica do próprio tempo, e é unicamente neste que toda determinação temporal é possível. A
persistência dá uma expressão geral ao tempo, enquanto o correlato constante de toda
existência dos aparecimentos, toda mudança e todo acompanhamento (Begleitung). Pois a
mudança não afeta o tempo ele próprio, mas apenas os aparecimentos no tempo (assim como a
simultaneidade não é um modus do próprio tempo, no qual não há partes simultâneas, mas
todas se sucedem umas às outras). Se fôssemos atribuir uma sucessão ao próprio tempo,
teríamos de pensar em um tempo adicional no qual essa sucessão seria possível. É apenas
mediante aquilo que persiste que a existência em diferentes partes da série temporal adquire
uma magnitude que se denomina duração. Pois na mera sucessão a existência está sempre
desaparecendo e começando, e nunca tem a menor magnitude. Sem aquilo que persiste não há,
portanto, nenhuma relação temporal. Ora, o tempo não pode ser percebido por si mesmo;
assim, isso que persiste nos aparecimentos é o substrato de toda determinação temporal,
consequentemente, também, a condição de possibilidade de toda unidade sintética das
percepções, isto é, da experiência, [B227] e nesse persistente toda existência e toda mudança
no tempo podem ser consideradas apenas como um modus da existência daquilo que dura e
persiste. Portanto, em todos os aparecimentos, aquilo que persiste é o próprio objeto, isto é, a
substância (phaenomenon), mas tudo que muda [A184] ou pode mudar diz respeito apenas ao
modo pelo qual essa substância ou substâncias existem, e, assim, às suas determinações.
Descubro que em todas as épocas não apenas o filósofo, mas até mesmo o entendimento
comum pressupuseram essa persistência como um substrato de toda mudança nos
aparecimentos, e também sempre a tomaram como indubitável, com a diferença de que o
filósofo se expressa de maneira mais determinada ao dizer que em todas as alterações
(Veränderungen) no mundo a substância permanece e apenas os acidentes mudam (wechseln).
Mas em parte alguma observo sequer a tentativa de provar esta proposição tão obviamente
sintética; e, de fato, é apenas raramente que ela figura, como merece, no topo das leis puras e
completamente a priori da natureza. De fato, a proposição de que a substância persiste é
tautológica. Pois apenas essa persistência constitui a base de nossa aplicação da categoria de
substância ao aparecimento, e teria sido preciso provar que em todos os aparecimentos há algo
persistente, do qual o mutável é apenas a determinação de sua existência. Mas dado que tal
prova jamais [B228] pode ser conduzida dogmaticamente, isto é, a partir de conceitos, pois diz
respeito a uma proposição sintética a priori, e jamais se considerou que tais proposições só são
válidas em relação à experiência possível, e, portanto, que só podem ser provadas mediante
uma dedução da possibilidade [A185] desta última, não é de admirar-se que ela de fato tenha
fundamentado toda experiência (pois se percebe sua necessidade para a cognição empírica),
mas jamais tenha sido provada.

*
Na primeira edição: “Todos os aparecimentos estão no tempo. Este pode determinar de uma dupla maneira a
relação em sua existência, na medida em que existam uns após os outros, ou simultaneamente. Em relação à
primeira, o tempo é considerado como série temporal; em relação à segunda, como domínio temporal.”
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Perguntou-se a um filósofo: quanto pesa a fumaça? Ele respondeu: retirai do peso da


madeira que foi queimada o peso das cinzas que restaram, e tereis o peso da fumaça. Desse
modo, ele assumiu como incontroverso que, mesmo no fogo, a matéria (substância) nunca
desaparece, mas apenas sua forma sofre uma alteração. Do mesmo modo, a proposição: nada
provém de nada, é apenas mais uma consequência do princípio de persistência, ou, antes, da
perpétua existência do sujeito próprio nos aparecimentos. Pois se aquilo no aparecimento que
se denomina substância deve ser o substrato próprio de toda determinação temporal, então toda
a existência no tempo passado, bem como no tempo futuro, deve ser determinada nele e apenas
nele. Assim, só podemos dar a um aparecimento o nome de substância porque pressupomos sua
existência em todo o tempo, o que nem mesmo está perfeitamente expresso pela palavra
[B229] “persistência”, visto que esta se refere mais ao tempo futuro. Não obstante, a
necessidade interna de persistir está inseparavelmente conectada à necessidade de ter sempre
existido, e a expressão pode, portanto, ser [A186] mantida. Gigni de nihilo nihil, in nihilum nil
posse reverti 1 são duas proposições que os antigos associavam inseparavelmente e que hoje, por
incompreensão, são algumas vezes separadas, porque se imagina que dizem respeito a coisas
em si mesmas, e que a primeira poderia opor-se à dependência do mundo de uma causa
suprema (até mesmo no que se refere a sua substância), uma preocupação desnecessária, pois
estamos falando aqui apenas de aparecimentos no campo da experiência, cuja unidade jamais
seria possível se permitíssemos que novas coisas surgissem (no que respeita a sua substância).
Pois então desapareceria aquilo que, unicamente, pode representar a unidade do tempo, a saber,
a identidade do substrato enquanto aquilo em que e apenas em que toda mudança obtém sua
completa unidade. Essa persistência, portanto, não é nada mais que o modo pelo qual
representamos a existência das coisas (no aparecimento).
As determinações de uma substância que não passam de modos particulares em que ela
existe são chamadas acidentes. Estes são sempre reais, porque concernem à existência da
substância (negações são apenas determinações que expressam o não-ser de algo na
substância). Ora, se alguém atribui a este real [B230] na substância uma existência particular
(por exemplo, o movimento como um acidente da matéria), então essa existência é chamada
inerência, para diferenciá-la da existência da substância, que é chamada subsistência. Contudo,
[A187] brotam disso muitas incompreensões, e fala-se de forma mais exata e acertada quando
se designa o acidente apenas segundo o modo pelo qual a existência de uma substância está
positivamente determinada. Não obstante, graças às condições do uso lógico de nosso
entendimento, é inevitável fazer como que uma abstração daquilo que pode mudar na
existência de uma substância enquanto a substância permanece, e considerá-lo em relação ao
que é realmente persistente e fundamental; assim, também essa categoria cai sob o título de
relações, mas mais enquanto condições destas do que como se ela própria contivesse uma
relação.
Ora, nessa persistência funda-se também a correção do conceito de alteração
(Veränderung). Surgir e desaparecer não são alterações daquilo que surge ou desaparece.
Alteração é um modo de existir que sucede outro modo de existir de um mesmo objeto. Assim,
tudo que se altera é duradouro, e apenas seu estado muda. Como essa mudança, portanto,
refere-se apenas a determinações que podem cessar ou começar, podemos dizer, numa
expressão que parece algo paradoxal, que somente o que persiste (a substância) se altera,
[B231] enquanto o mutável não sofre nenhuma alteração, mas antes uma mudança (Wechsel),
dado que algumas determinações cessam e outras começam.

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“Nada provém de nada, ao nada nada pode reverter”
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[A188] A alteração, portanto, só pode ser percebida em substâncias, e o puro e simples


surgimento ou desaparecimento, sem referirem-se a uma mera determinação daquilo que
persiste, não podem constituir uma percepção possível, pois é a própria coisa que persiste que
torna possível a representação da transição de um estado para outro e do não-ser para o ser, que
só podem ser objetos de cognição empírica enquanto determinações mutáveis daquilo que
perdura. Suponha-se que algo simplesmente começou a existir, seria preciso, então, dispor de
um ponto no tempo em que ele não existia. Mas a que ligaríamos este se não ao que já existe?
Pois um tempo vazio precedente não é um objeto de percepção, mas se conectarmos esse
surgimento a coisas que existiam antecedentemente e que duram até aquilo que surge, então
este último seria apenas uma determinação das primeiras, enquanto persistentes. E o mesmo
vale para o desaparecimento, pois este pressupõe a representação empírica de um tempo no
qual um aparecimento não mais existe.
Substâncias (no aparecimento) são os substratos de toda determinação temporal. O
surgimento de umas delas ou o desaparecimento de outras iriam por si sós remover a única
condição da unidade empírica do tempo, [B232] e os aparecimentos estariam, então,
relacionados a dois tempos distintos, nos quais a existência fluiria lado a lado, o que é absurdo.
Pois há apenas um tempo, no [A189] qual todos os diferentes tempos devem ser colocados, não
simultaneamente, mas apenas um após o outro.
Consequentemente, a persistência é uma condição necessária, unicamente sob a qual
aparecimentos são determináveis como coisas ou objetos em uma experiência possível.
Contudo, quanto a qual seja o critério empírico dessa persistência necessária e, com ele, da
substancialidade dos aparecimentos, o que se segue nos dará a oportunidade de notar o que é
necessário.

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