Você está na página 1de 14

De acordo com a 4ª edição do

dicionário Aurélio, ética é o estudo dos


juízos de apreciação referentes à conduta
humana suscetível de qualificação do ponto
de vista do bem e do mal, seja
relativamente a determinada sociedade,
seja de modo absoluto. Já a moral é o
conjunto de regras de conduta
consideradas como válidas, quer de modo
absoluto para qualquer tempo ou lugar,
quer para grupo ou pessoa determinada.

Sendo assim, o dicionário Aurélio não


deixou claro sobre a ética e a moral qual
delas é absoluta e qual é cultural,
deixando-me abandonado linguisticamente
para expressar minhas ideias. Se eu quero
falar de algo, preciso saber que palavras
usar.

Todo acúmulo de informações da


sociedade é cultura. Regras de conduta são
informações da sociedade. Logo, o acúmulo
de regras de conduta da sociedade é
1
cultura. Se a moral é o conjunto, ou
acúmulo, já que as informações da
sociedade foram acumuladas durante os
tempos, de regras de conduta; então a
moral é cultural. Assim resolvo a
ambigüidade do dicionário Aurélio,
determinando qual das duas palavras
representa algo cultural e determinando
que a outra represente algo que está além
da cultura. O que está determinado como
cultural é a “moral”, restando a “ética”
como o que não é cultural.

O termo “anti-ético” indica que a


palavra “ética” tem um significado relativo
a juízos de valor. Isso estabelece uma
definição de “ética” diferente da de que a
ética seja um estudo, já que o estudo não é
um juízo, pois o estudo precede o juízo.
Para diferenciar essa definição de ética da
definição de moral, se estabelece que a
ética independe da cultura.

2
Tudo o que conhecemos está na
cultura, logo o que está fora da cultura não
conhecemos; então não conhecemos a
ética tomando essa nova definição de ética
que vou estabelecer aqui.

A nova definição de ética será: "A


ética é um corpo de valores de
comportamentos que têm qualidade de
‘certo’ ou ‘errado’”. Um corpo, pois é (uma)
determinada coisa, a qual não se conhece,
já que não é cultural. Não se pode tratar
como múltiplas coisas de um conjunto,
porque se não são conhecidas, não se pode
dizer que há um conjunto de tais coisas.
Portanto a ética deve ser tratada como um
único corpo desconhecido do qual se sabe
a existência, já que não se sabe da
existência de cada coisa separada que se
julga compor a ética. Os preceitos éticos
não formam a ética como um conjunto,
mas como um corpo; já que não podem tais
preceitos serem separados uns dos outros

3
se eles provêm de uma única coisa que se
conhece a existência mesmo sem conhecer
suas as partes. Ou seja, só sabemos da
unidade da ética, não de suas partes.

Tal definição de ética é mais do que


apenas uma definição criada a meu gosto,
sendo também uma definição oriunda do
uso cultural das palavras “ético” e “anti-
ético”, indicando a ética como uma fonte
de valores nos quais as pessoas acreditam,
e não apenas “o estudo da moral”, como
coloca o dicionário Aurélio em mais
palavras.

"Certo" e "errado” podem se tratar


de diversas coisas diferentes, dependendo
sempre dos objetivos de seres conscientes
que agem. Certo e errado podem ser
qualidades técnicas que dependem de um
objetivo que deve ser alcançado através de
técnicas. Certo e errado podem ser
qualidades históricas, se referindo ao que
aconteceu ou ao que está registrado. Se
4
falando de ética ou moral, “certo” e
“errado” têm um significado de acordo com
o que a ética e a moral trata. No caso da
moral, é o que a cultura determina como
conduta a ser seguida; no caso da ética,
algo intangível.

Se a ética na definição que


estabeleci, que é uma definição baseada na
cultura, não é cultural, então não se
conhece a ética, pois todo o conhecimento
está na cultura. Se não se conhece a ética,
não é possível dizer que a mesma é
absoluta, pois não é possível conhecer as
características de algo que não se conhece.
Absoluto é o que não depende de outra
coisa para ser o que é. A ética não depende
de nós a conhecermos para ela ser o que é.
Não é possível dizer que ela não dependa
de outras coisas. Usando o prefixo “ab” de
“absoluto”, que é prefixo de outras
palavras, como “abnegação” ou
“abstenção”, representando um

5
afastamento de algo, vou criar um adjetivo
para o que a ética é. A ética é absciente,
que é aquilo que independe do nosso
conhecimento para ser o que é.

Como a ética é absciente, não é


possível se determinar com certeza o que é
certo ou errado. Portanto não se sabe
quem tem a razão sobre a ética. Todavia é
verdade que ninguém pensa que cada um
pode dizer com razão o que é “certo” ou
“errado” para ele mesmo, pois, caso
contrário, as pessoas poderiam dizer: “para
mim é certo fazer o que tenho vontade”. E
já que o significado das palavras é formado
culturalmente, então temos que aceitar o
fato de a cultura não aceitar a vontade
pessoal como o que vai determinar o que é
ético. Isso está de acordo com o uso das
palavras “ético” e “anti-ético”, portanto
cabe a minha definição de “ética” aqui.
Uma pessoa trapaceira, por exemplo, é
considerada anti-ética, porque é

6
considerado anti-ético alguém se beneficiar
por puro prazer quando o ato dela depende
de fazer o mal para outra pessoa inocente.

Por mais que a ética seja absciente,


na ética entendemos "certo" ou "errado" a
partir da empatia, com ajuda também da
educação (dos pais, por exemplo). O
princípio (do conhecimento indireto da
ética) é a empatia, a educação apenas vai
estimular a empatia e fazer o indíviduo
perceber coisas nas quais anteriormente
não estava prestando atenção.

Se a ética não é cultural, não a


conhecemos. Não conhecemos a ética
diretamente, porém a conhecemos
indiretamente a partir da empatia.
Conhecer indiretamente significa não
conhecer a ética em si, mas conhecer algo
que representa a ética no nosso
conhecimento possível. A moral até seria
algo que representa a ética, essa ética
absciente, porém com vícios culturais, os
7
quais em sua forma mais extrema são
chamados de “moralismo”. Resta então
entendermos indiretamente a ética
tentando ir além da cultura, ou seja,
transcender a cultura. Buscar a ética
transcendente, aquela que transcende a
cultura.

Sendo assim, a empatia não cria a


ética nem é a base da mesma, pois a ética
transcende a possibilidade de estarmos
corretos ao pensar com certeza algo sobre
ela. Dizer que a ética depende da empatia
para ser o que é, é negar a absciência da
ética ao pensar que podemos conhecer a
ética o suficiente para dizer tal coisa.

A empatia é a percepção das


sensações ou sentimentos alheios, os quais
existem independentemente da empatia.
Se os tais independem da empatia, e se a
empatia só existe enquanto aponta para os
mesmos, então toda a importância que a
empatia tenha para a ética, as sensações e
8
sentimentos alheios a tem. Então se
entendemos (indiretamente) a ética a
partir da empatia, entendemo-la a partir
das sensações e sentimentos alheios.
Obviamente, da nossa percepção das
sensações e sentimentos alheios, uma vez
que não é possível ler pensamentos.

Se pensamos em uma representação


da ética, já que a ética transcende nosso
conhecimento, então estamos tratando da
ética como um estudo da mesma. O
importante é saber que por trás dessa ética
há uma ética absciente, e que o estudo da
mesma vai formar múltiplas éticas no
sentido de “estudo”. Algumas éticas
contêm os vícios culturais da moral; por
exemplo, a ética libertária, que considera
as sensações e sentimentos alheios
irrelevantes na determinação do que é
ético e do que é anti-ético. Então há duas
definições de ética: a ética absciente e as

9
múltiplas éticas que tentam representar de
melhor forma a ética absciente.

Quando falamos de ética a principal


sensação a ser considerada é o sofrimento,
por questões práticas, pois é o sofrimento
que vai exigir com urgência que se
descubra o que é certo e o que é errado,
para depois agir se pensando nisso.

A forma como a empatia nos faz


saber que existe a ética é através do
sentimento de querer o bem ou querer
prevenir, retirar ou diminuir o mal de outra
pessoa. A justiça é a principal implicação da
ética, junto também ao cuidado familiar.
Não existe justiça sem ética. Sem ética, o
que existe é defesa de interesses pessoais.

A absciência implica em
subjetividade, uma vez que gera as
múltiplas éticas, que são os diversos
entendimentos da ética única, que é
absciente. Tudo o que podemos fazer para

10
amenizar tal subjetividade é buscar a
coerência entre vários preceitos do nosso
entendimento da ética, pois, logicamente,
a incoerência é um sinal de que algo está
errado. Entretanto não adianta ser
coerente e fugir do princípio do
conhecimento da ética, que é a sensação
humana, principalmente a de sofrimento,
para a qual a empatia aponta, mostrando a
existência da ética.

Não teria como a empatia nos indicar


o que é certo ou errado se não existisse
esse algo que chamamos de ética para
apontar, pois senão apontaria para o nada
e não nos mostraria nada. Como a empatia
nos mostra algo, então esse algo existe,
apenas não é material. A arte pode apontar
para a ficção, mas a ficção existe como
ideia. A ética é a mesma coisa: também não
é material, como a ficção. Se não existisse
ética, não existiria compadecimento com o
outro, que é a empatia. O sofrimento e o

11
prazer continuariam existindo,
teoricamente, mas cada indivíduo se
importaria apenas com suas sensações. É
por isso que a empatia prova a existência
da ética.

A ética é um corpo de valores que


deve ser entendido a partir da empatia,
mesmo que isso tenha absurda limitação.
Esse entendimento é aprimorado através
da exigência de coerência entre os
preceitos éticos.

A ética libertária (a argumentativa,


que é a usada atualmente) está errada, pois
nas culturas onde se usa a palavra “ética”
as pessoas entendem que “ética” tem a ver
com não causar sofrimento nas pessoas.
Um leitor pode dizer: “mas nem tudo o que
causa sofrimento é anti-ético”. Contudo eu
não disse que tudo o que causa sofrimento
é anti-ético. É um sofisma de inversão
transformar a afirmação de que a ética
tenha a ver com sofrimento em: “o
12
sofrimento obrigatoriamente tem a ver
com a ética”. Você inverteu as partes da
afirmação, como se dissesse que todo
mamífero é um cão.

Quando se diz que a ética tem a ver


com não causar sofrimento, não fica claro o
tipo de relação entre a ética e sofrimento,
tendo apenas se afirmado que “tem a ver”.
“Ter a ver” é diferente de “tudo que causa
sofrimento”, uma vez que a primeira
sentença deixa em aberto múltiplas
possibilidades e a segunda já estabelece
uma relação específica de totalidade.

Os libertários alegam que a ética não


pode deixar margem para a subjetividade.
E como eles resolvem isso? Criando uma
ética que despreza os fundamentos da
ética, que são as sensações humanas, seja
o sofrimento, principalmente, seja o prazer.

Os libertários entendem que sua


ética é a única ética e que todo o resto não

13
é ética. O problema que isso causa é que
eles alegam que a ética deve ser seguida,
utilizando-se do sentimento popular de que
ética é algo que deva ser seguido, que é um
sentimento baseado em outras éticas, ou
na moral. Ou seja, tentam usar o
sentimento popular para que o povo
defenda algo diferente do alvo de seus
sentimentos e o povo acha que está
defendendo o alvo, quando não percebe
que está defendendo outra coisa para a
qual se está usando o mesmo nome. Isso é
o que culturalmente se chama de
“trapaça”. Ao fazerem isso, defendem
coisas horrendas como tortura de animais.
Se o fundamento da ética é o sofrimento,
então tortura de animais, por ser horrenda,
é anti-ética.

14

Você também pode gostar