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Sumários desenvolvidos, com notas críticas esparsas, a partir da obra de JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Parte
Geral.TomoI.Questões Fundamentais. A Doutrina Geral do Crime(com a colaboração de MJ Antunes, SA de Sousa, N Brandão
e S Fidalgo), 3ª ed., Gestlegal, 2019
Os tipos justificadores
(= causas de justificação)
TIPO
elementos positivos elementos negativos (tipos
(tipos incriminadores) justificadores)
3.Posição adoptada (Figueiredo Dias): o primado da ilicitude (função do direito penal); os tipos
incriminadores como instrumentos de concretização de um sentido de ilicitude
diversidade estrutural
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II. Sistematização das causas de justificação
- exercício fútil?
- toda a situação de justificação = conflito de interesses; o princípio da prevalência do interesse preponderante
IV. O erro sobre os pressupostos fácticos de uma causa de justificação (art. 16 n.º 2)
- importância da distinção relativamente ao problema anterior!
- exemplo de situação problemática
- a avaliação do erro: em regra, uma perspectiva ex post facto
- distinção do erro sobre a existência, âmbito, limites de uma causa de justificação (erro sobre a ilicitude: art.
17.º)
- consequências: a controvérsia “teorias do dolo” (normativismo) / “teorias da culpa” (finalismo)
- teorias do dolo: consciência do ilícito faz parte do dolo (elemento emocional); erro sobre as causas de
justificação à exclusão do dolo (eventual punição por negligência)
- teorias da culpa:
a) estrita: dolo completa-se com o conhecimento e vontade de realização do tipo incriminador; erro sobre
pressupostos de causa de justificação só pode excluir a culpa
b) limitada: erro sobre os pressupostos de uma causa de justificação exclui o dolo:
- regime: art. 16.º nº 2: exclusão do dolo (na linha das teorias da culpa limitada); mas: diferença estrutural entre o
erro sobre a factualidade típica – que exclui o “dolo do tipo”
– e o erro sobre os pressupostos de uma causa de justificação – que exclui o “dolo da culpa”, rectius, o elemento
emocional do dolo (atitude de inimizade ou indiferença perante o direito)
Consequências: apesar do erro, preenchimento de um ilícito-típico; relevância para a legítima defesa por parte de
terceiros, aplicação de medidas de segurança, etc
- a possibilidade de punição a título de negligência (16º nº 3): condições: (i) punibilidade a título de negligência
do crime em causa; (ii) verificação dos pressupostos da negligência no caso
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- negação da LD contra condutas onde se exclua a imputação do resultado (§ 18, p. 486 Lições):
crítica: exclusão do resultado não significa justificação da conduta à distinguir:
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2. Lado da defesa:
1. Necessidade do meio: a) avaliação ex ante; b) idoneidade (eficácia, adequação); c) meio menos
gravoso (em caso de pluralidade de meios eficazes); recurso à autoridade (art. 21º, 1, CRP); fuga?;
Excesso de meios (excesso intensivo): art. 33º, ilicitude da acção de defesa à avaliação objectiva,
situações de pressão psicológica (subjectiva) são contempladas no plano da culpa (diminuição, ou
mesmo exclusão: 33º, 2) à remissão
Ideia de proporcionalidade só intervém na selecção dos meios, não na ponderação dos concretos
interesses em confronto (com excepções, em especial Lei das Armas).
IV. O direito de legítima defesa jurídico-civil (art. 337.º CCiv) e a sua articulação com o direito penal
1. O problema: mesmo campo de aplicação, mas requisito suplementar: prejuízo causado pela defesa não seja
manifestamente superior ao que a agressão causaria
Consequentemente:
acções justificadas no DP e
ilícitas no Dciv
3. Solução: revogação parcial do CCiv (1966) com a entrada em vigor do CP (1982); regime unívoco da LD
(Conceição Valdágua)
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4. O perigo actual
- perigo como situação cuja persistência ou desenvolvimento conduz a uma lesão de interesses;
- actualidade do perigo: remissão para a LD, com alargamento à potenciação do perigo
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- os casos de “vida contra vida”: a imponderabilidade da vida humana, no plano qualitativo (não há vidas
“melhores”) e no plano quantitativo (muitas vidas não valem mais do que uma): exs. o cientista em perigo de
vida; o agulheiro do comboio; eventual exclusão da culpa se...
- casos de comunidade de perigo: risco generalizado para um certo número de pessoas, que pode ser afastado
com o sacrifício de alguma(s); diferença com o caso do agulheiro (alternatividade): exs.:
+ o caso do barco que está em risco de naufrágio à inexistência de um dto de necessidade dos
passageiros que justifique o homicídio de alguns deles
+ o caso dos alpinistas à bens jurídicos iguais – mas interesses diversos: interesse de não precipitar a
morte de quem já está “condenado pelo destino” contra a preservação da vida dos outros dois; FDias
à direito de necessidade e justificação do homicídio; crítica: sensível superioridade? não é razoável
impor o sacrifício (al. c)).
Solução: direito de necessidade defensivo (remissão)
9. Elemento subjectivo: o conhecimento dos pressupostos do direito de necessidade; o regime aplicável quando
falte esse elemento: remissão (aplicação analógica do art 38º, 4)
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O conflito de deveres (ver sumário específico)
Casos Tipo 1:
- o pai que naufraga com dois filhos pequenos e não pode salvar os dois;
Casos Tipo 2:
- o médico que não pode socorrer dois acidentados, um em risco de vida e outro em risco de perda de um
membro; OU: mesmo risco e prognóstico diferente
Casos Tipo 3:
- o médico que recebe um acidentado em risco de vida, necessitado do ventilador que está aplicado num doente
na mesma situação
Casos Tipo 4:
- o agente que avista a ex-cônjuge, com quem está proibido de contactar (art. 353º do CP), caída na rua,
inconsciente, carecendo imediatamente de manobras de reanimação (dever de salvar / monopólio do facto:
art. 10º/131º)
- o agente cujo filho pequeno entra no recinto de uma central eléctrica, correndo perigo de vida (dever de
salvar: art. 10º/131º versus acesso proibido: 191º)
O conflito de deveres
1. Pressupostos da situação (hipótese): o agente encontra-se sujeito a dois ou mais deveres cujo cumprimento
concomitante é impossível.
2. Regime: art. 36º: o cumprimento do dever mais intenso, ou, sendo os deveres de igual valor, de qualquer um
deles, exclui a ilicitude do incumprimento do(s) restante(s)
3. Enquadramento dogmático: uma forma de estado de necessidade? Crítica
1. Direito (de necessidade) versus dever; liberdade de agir versus dever de agir, e agir em certo sentido
2. Autorização para sacrificar o interesse menos valioso (34º) versus imposição de sacrificar o dever
menos valioso (mesmo que não “manifestamente”) ou igual (36º) (casos Tipo 1)
3. Fundamentos da justificação no conflito de deveres: satisfação na maior extensão possível dos
deveres que incumbem ao agente. Cumprimento do dever preponderante (ou igual) e o sentido do
brocardo ad impossibilia nemo tenetur
Fundamento: (pretensa) prevalência geral do dever geral de não ingerência em bens jurídicos alheios
sobre deveres particulares de agir/salvar – nestes casos, só se poderia invocar o direito de
necessidade, se reunidos os respectivos pressupostos (vg, nos limites da solidariedade que se pode
impor ao terceiro afectado); a doutrina intermédia do “dever-direito” (Taipa de Carvalho)
2. Crítica:
- Expressão literal do art 36º
- Possibilidade de um dever de agir ser concretamente mais intenso do que um dever de abstenção (casos Tipo
4)
- Inadequação da recondução aos quadros de um direito (casos Tipo 4)
4.3. Conclusão: pode haver conflito de deveres, para efeitos do art. 36º, entre deveres de acção e deveres de omissão
Os consentimentos (e o acordo)
Casos Tipo 1: Bárbara “consente” em que Carlos entre em sua casa para jantar (190º); Bárbara e Carlos “consentem”
em ter relações sexuais (164º)
Casos Tipo 2:António “consente” em fazer uma tatuagem (143º); Guilherme consente em doar sangue para o banco
de sangue do hospital (143º)
Casos Tipo 3: Daniel “consente” em que Eduardo o mate (131º); José, de 17 anos, “consente” em ter relações sexuais
com Sandra, de 25 anos, a troco de dinheiro (174º)
Casos Tipo 4: Fernanda “consente” em que lhe amputem um braço para assim poder ganhar um papel num filme
(144º)
Os consentimentos
I. Introdução
1. Consentimento efectivo e consentimento presumido (arts 38º e 39º CP)
2. Natureza pública do DP – disponibilidade individual: contradição?
3. Bens jurídico-penais supra-individuais (incl. colectivos) e bens jurídicos pessoais: a figura do
portador (pessoa humana ou jurídica)
4. Direitos fundamentais, direitos subjectivos e bens jurídico-penais; a valência social / sistémica do
bem jurídico
5. Logo: relevância do consentimento ≠ abandono ou renúncia ao bem jurídico
6. Fundamento da justificação por consentimento: relevância da autonomia pessoal do portador do bem
jurídico; subsistência da lógica da ponderação de interesses
2. Requisitos do facto
- Não contrariedade aos bons costumes (esp. 149.º); as agressões sado-masoquistas; o caso particular do crime
de dano (212º) (Costa Andrade); crítica: distinção entre património como bem pessoal e património cultural
como bem supra-individual;
- As intervenções médico-cirúrgicas em benefício próprio (art. 150º, 1, 156º e 157º do CP): um caso de
acordo; consequência: a diferente solução dada pelos arts. 156º, nº 2, e 39º aos casos em que há dúvidas
- Casos do art. 150º, nº 2, que não se coadunam com as leges artis – necessidade do consentimento para
justificar a lesão da integridade física
3. Requisitos do consentimento
- Capacidade: autonomia e maturidade. O limiar dos 16 anos (desde 2007) + discernimento; representação
legal e suprimento judicial; especialidades (intervenções em benefício alheio)
- Vontade:
- séria – exclusão de declarações não sérias
- livre – exclusão do consentimento obtido com ameaça ou coacção
- esclarecida – informação e autonomia; o art. 157º e o privilégio terapêutico (não aplicável à
experimentação)
- Engano: provocação do erro
a) engano referido ao bem jurídico: ex.; afecta validade do consentimento
b) engano não referido ao bem jurídico: ex.; – consentimento válido
c) engano sobre a finalidade altruísta – em princípio, afecta validade do consentimento
4. O consentimento hipotético: raciocínio semelhante ao que subjaz à regra do comportamento lícito alternativo –
exclusão da responsabilidade pelo crime consumado, possível responsabilidade por tentativa. Distinção do
consentimento prestado e não conhecido e do consentimento presumido. Aplicação residual
V. Elemento subjectivo
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1. Consentimento efectivo: conhecimento das circunstâncias objectivas (38º, 4)
2. Consentimento presumido: conhecimento das circunstâncias objectivas e efectiva presunção de
consentimento por parte do agente
3. Falta do elemento subjectivo: punição por tentativa (regime do art. 38º, nº 4)
c) Posição adoptada: distinção entre duas questões: i) quando existe dever de obediência no direito
administrativo; ii) quais são as consequências do cumprimento de ordens ilegítimas no direito penal; 271º, nº
3, CRP e 36º, n. 2 CP à dever de obediência hierárquica cessa quando conduz à prática de um crime (Ed.
Correia); vd também 31º CP “ordem legítima”; o caso particular das ordens ilegítimas obrigatórias por lei
- autonomia dos outros ramos do direito no desenho do dever de obediência, mas com aquele limite; simples
obediência, por si só, não exclui a ilicitude do facto
Att.: § 13 das Lições, p. 587: “conflito de deveres”, com prevalência do dever geral de abstenção sobre o
dever de cumprir a ordem? Crítica: não existe conflito de deveres porque nunca existe dever de obedecer
quando conduza à prática de um crime (ex.)
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A culpa
I. Doutrina geral da culpa
1. A culpa como princípio fundamental do direito penal (pr. dignidade da pessoa humana: art 1º CRP,
40º, 2, CP); o sentido profundo do princípio: protecção da pessoa contra o poder punitivo do Estado
2. Posição no sistema da construção da infracção e distinção entre culpa e ílícito-típico
II. A evolução do conceito
1. Positivismo naturalista: dolo / negligência (concepção psicológica)
2. Normativismo: juízo de censura por ter agido com dolo/negligência quando podia e devia ter agido
conforme o direito
3. Finalismo: puro juízo de censura
4. Posição adoptada (F. Dias):
a) função do juízo de culpa: juízo de censura e protecção da dignidade da pessoa
b) relevância do dolo/negligência (reflexo proporcional da forma típica do ilícito): tipo- de-culpa (doloso ou
negligente)
c) a necessidade de um conceito material de culpa e o pressuposto da liberdade – remissão
5. Conclusão intercalar: divisão não é “erro sobre a factualidade típica” versus “erro sobre a proibição”, mas sim
erro intelectual (de conhecimento, da consciência psicológica ou intencional), que exclui sempre o dolo,
versus erro moral (de valoração, da consciência ética), que pode excluir a culpa se for não censurável.
6. DISTINÇÃO IMPORTANTE: Erro sobre proibições legais e falta de consciência do ilícito: critério
fundamental: a neutralidade/relevância axiológica da conduta proibida e a consequente falta/presença da
informação necessária para uma correcta orientação do agente para o problema da ilicitude. A censura da
falta de informação no erro sobre proibições legais: a negligência (art. 16º, n.º 3)
7. A afirmação do dolo apesar da falta de consciência do ilícito: o erro censurável (art. 17º, nº 2, CP) à
persistência de uma atitude de indiferença perante o direito. A própria falta de consciência do ilícito, quando
censurável, revela uma personalidade indiferente para com os valores jurídicos, que fundamenta uma culpa
dolosa e não meramente negligente
8. A falta de consciência do ilícito não censurável e a exclusão da culpa (art. 17.º, n.º 1 do CP: remissão)
Exs.: especial censurabilidade ou perversidade do agente (132º), elementos que diminuem a culpa (133º)
Distinção entre estes elementos e os elementos subjectivos da ilicitude (vg., a intenção de enriquecimento
ilegítimo no crime de burla (217º CP)).
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A negação da culpa:
A inimputabilidade
I. Recuperação do pensamento essencial sobre a culpa: um juízo de censura ao agente pela personalidade
documentada no facto
1. A inimputab. como obstáculo à culpa: a impossibilidade de um juízo de censura
2. As formas da inimputabilidade: em razão de anomalia psíquica e em razão da idade
II. Inimputabilidade em razão de anomalia psíquica (art. 20º do CP)
2. O paradigma normativo
1. O movimento mais geral da superação do positivismo; a influência do idealismo e a autonomia do
direito enquanto saber normativo (C. Neves)
2. Retribuição e culpa, como censura pessoal assente no livre-arbítrio
3. Alteração do objecto do juízo de inimputabilidade: imputabilidade torna-se num elemento integrante
do próprio juízo de culpa (podia ter agido de outra maneira com aquela anomalia psíquica?)
4. Mudança do foco da inimputabilidade: do elemento intelectual (capacidade de entender) para o
elemento volitivo (capacidade de actuar)
5. Substrato biopsicológico: de “estado” a “fenómeno” (anomalia psíquica); desvalorização do elemento
biopsicológico como (apenas) um dos factores que pode privar o agente da capacidade de actuar de
outra maneira; perda da autonomia do juízo de inimputabilidade
6. Anomalia psíquica e livre-arbítrio: papel do perito e do juiz
3. O paradigma compreensivo
1. Adaptação do paradigma normativo a um outro conceito de culpa (culpa da personalidade - F. Dias):
“responder por aquilo que se faz na base daquilo que se é”
2. Compreensão ≠ tolerância ou desculpa; antes: entendimento pelo tribunal das conexões de sentido
entre o agente e o seu facto; facto como obra da pessoa enquanto ser-livre
3. Imputabilidade volta à sua função de pressuposto (condição prévia) do juízo de culpa
4. Comunicação entre o juiz e o agente: reconstrução das conexões de sentido entre o facto e a
personalidade do agente que permita compreendê-lo num certo contexto social
5. Os elementos do juízo de inimputabilidade: art. 20º, nº 1 CP
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fadiga extrema, etc.): os problemas da hipnose (ausência de acção típica) e dos estados
intensos de afecto ou estados passionais (em princípio, persistência da imputabilidade)
Determinação retrospectiva pelo juiz, a partir do facto, das conexões de sentido entre o facto e o
agente
c) O elemento fáctico ou típico:
conexão temporal: o momento do facto;
conexão típica: a referência exclusiva ao facto típico sub judice; consequências
Logo: personalidade ainda em formação como suporte insuficiente de um juízo de culpa (não confundir com
incapacidade de avaliação do ilícito) e a protecção do menor contra o sistema penal e a particular dureza das
suas instituições (processo e penas)
6. A responsabilidade dos menores entre 12 e 16 anos: a (antiga) OTM (modelo de protecção) e, desde 1999, a
L 166/99 (LTE) (modelo de responsabilidade, ainda orientada no sentido do interesse do menor) + L 147/99
(protecção); LTE não é direito penal: medidas educativas
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7. Regime especial para os jovens adultos (16-21): DL 401/82; atenuação especial da pena e normas sobre a
execução das penas
A negação da culpa:
As causas de exclusão da culpa (inexigibilidade)
I. Introdução
1. Terminologia: causas de exclusão da culpa/exculpação (evitar “desculpa” = perdão)
2. O sentido do problema da exclusão da culpa
3. A inexigibilidade (cláusula geral) e o poder de agir de outra maneira: duas faces da mesma moeda;
crítica: o amolecimento do DP (incl. in dubio pro reo); a crítica ao próprio conceito de culpa
subjacente (remissão); inadequação do (não) poder agir de outra maneira para caracterizar situações
de inexigibilidade: exemplos; o não poder agir de outra maneira como falta de acção penalmente
relevante
1. Inexigibilidade como culpa muito reduzida (desculpa) e causas de exclusão da culpa
(inimputabilidade, falta de consciência da ilicitude, não censurável); crítica
2. Inexigibilidade como causa de exclusão da responsabilidade pelo facto (Maurach), assente
em critérios gerais e abstractos (“qualquer pessoa…”); só depois se poria a questão da culpa
ou da perigosidade; crítica
3. A inexigibilidade como causa de justificação: crise da própria aplicabilidade da norma.
Crítica: claro que todo o ilícito supõe a exequibilidade do cumprimento do dever (remissão);
mas: problema específico, e diferente, da inexigibilidade como afastamento da culpa em
relação à prática de um facto ilícito: circunstâncias particulares do agente, que a natureza
abstracta da norma e do dever não permite contemplar; sentido da persistência do ilícito: o
caso dos náufragos
4. A inexigibilidade na teoria da responsabilidade de Roxin
Responsabilidade: culpa + necessidades de prevenção; inexigibilidade reduz ou elimina as
segundas; crítica: a heterogeneidade dos elementos
4. Crítica comum às abordagens precedentes: inexigibilidade não pode assentar em critérios gerais e
abstractos, mas tem que dizer respeito à culpa como censura pessoal e concreta dirigida à personalidade
do agente documentada no facto. Consequência: culpa e a sua exclusão têm que funcionar dentro do
mesmo paradigma de racionalidade:
1. Culpa da personalidade referida à atitude interior do agente: facto ilícito pode ainda ser expressão
de uma personalidade fundamentalmente fiel ao direito, de um ponto de vista juridicamente
valioso. Exemplos. Padrão do homem médio não é o critério mas o parâmetro de avaliação da
concreta personalidade. Homem médio e heróis; exigibilidade intensificada
2. Inexistência de uma cláusula geral de exclusão da culpa: princípio da taxatividade; competência
da OJ para definir os pressupostos e os limites da inexigibilidade
3. Diferenças:
a) a ponderação dos interesses; subsidiariedade do art. 35º em relação aos direitos de necessidade (agressivo e
defensivo) como decorrência da construção do conceito de crime; casos de subsunção concomitante:
aplicação da norma justificante
b) a inexistência de uma cláusula de limite do sacrifício (34º, al. c))
4. Requisitos
1. Perigo actual (remissão); “não removível de outro modo”: requisito autónomo?
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2. Limitação da exclusão da culpa ao salvamento de certos interesses (não necessariamente no sentido
de bens jurídicos em sentido técnico: p. ex.: vida abrange vida intra-uterina; liberdade abrange a
liberdade e autodeterminação sexual); interesses próprios ou de terceiro (integração com o requisito
da inexigibilidade)
3. Cláusula de inexigibilidade: padrão do homem médio colocado na posição concreta do agente: nem
herói nem cobarde. A exigibilidade intensificada (perigos específicos)
4. A causação voluntária do perigo pelo agente: tratamento análogo ao direito de necessidade: pré-
ordenação exclui a inexigibilidade
5. Elemento subjectivo é fundamental: conhecimento da situação de perigo e acção dirigida à
preservação do mesmo; em caso de desconhecimento da situação de necessidade, não se aplica o art.
38º, nº 4 (por analogia): explicação
5. O n.º 2 do art. 35º e a possibilidade de o agente não ser punido: causa de exclusão da culpa?
1. O anteprojecto de Eduardo Correia e a cláusula geral de inexigibilidade
2. A solução diferente acolhida no CP: nº 2 atenua a pena ou dispensa-a (princípio da culpa em sentido
unilateral). A cláusula de inexigibilidade tem o seu campo circunscrito ao nº 1: tratando-se da
protecção de outros interesses, é sempre exigível que o agente actue em conformidade com o direito.
Alternativa: inexigibilidade que não exclui a culpa, o que é uma contradição nos termos.
3. Erro sobre os pressupostos do estado de necessidade desculpante; casos e seu tratamento
a) casos de erro sobre a situação de perigo que, se existisse, levaria à afirmação da inexigibilidade:
aplicação do art. 16º, nº 2 e exclusão do dolo (dolo-da-culpa); eventual punição por negligência;
b) casos de falsa representação de situações que, se se verificassem, não levariam à exclusão da
culpa do agente (por lhe ser exigível conduta diversa): irrelevância do erro e punição pela
conduta dolosa
7. A falta de consciência do ilícito (= erro sobre a ilicitude) não-censurável (art. 17.º, n.º 1) como causa de
exclusão da culpa
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1. O problema geral do erro sobre a proibição, onde se inclui o erro sobre a ilicitude: representação
correcta dos factos típicos (dolo-do-tipo) não leva o agente a actualizar a sua consciência ética,
alcançando o sentido de ilicitude do facto
5. Caracterização da consciência recta: não acede, no momento do facto, ao sentido de ilícito imposto
pela ordem jurídica, mas exprime ainda – apesar do erro – uma atitude de fidelidade e de
correspondência a valores e pontos de vista juridicamente reconhecidos = inexistência de uma
personalidade desconforme com o direito
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4. Enquadramento dogmático:
- F. Dias: forma especial do erro sobre a ilicitude; tratamento mais favorável do funcionário em relação
ao regime geral do art. 17º (que exige a não censurabilidade do erro): basta que não seja evidente
que a ordem conduz à prática de um crime.
Distinção entre o art. 37º e o erro sobre os pressupostos da legitimidade da ordem (art. 16º, n.º 2)
- N. Brandão: art. 37º é uma regulamentação específica do erro sobre os pressupostos da causa de
justificação: norma especial em relação ao art. 16º, nº 2 (e não ao art. 17º); é sempre um erro de
conhecimento, que normalmente cairia no âmbito do art. 16.º nº 2, onde subsistiria a possibilidade de
punição por negligência; art. 37º, ao excluir a culpa, impede a punição por negligência
5. Apreciação crítica:
- Divergência doutrinal existe logo na interpretação da hipótese do art. 37º (“nunca é” – F Dias – versus “é
sempre” – N Brandão – um problema de representação de pressupostos de facto)
- Posição de F Dias: não é consistente com o critério adoptado para as outras causas de exclusão da culpa,
pois aqui apela-se a um critério geral e abstracto (um corpo estranho nas causas de exculpação): não ser
evidente para a generalidade das pessoas que a ordem leva ao cometimento de um crime
- Posição N Brandão: é verdade que a referência ao “quadro das circunstâncias que o agente representou”
indicia um erro sobre factos; porém, alarga desmesuradamente a exclusão da culpa em casos onde o
“quadro das circunstâncias representadas pelo agente” já é fruto de uma negligência grave e grosseira por
parte do agente.
Consequência: quanto maior for a negligência na (não) representação das circunstâncias relevantes, mais
favorável será o tratamento dado pelo art. 37º
6. Posição adoptada: F Dias : leitura dogmaticamente mais congruente e político- criminalmente mais
adequada: distinção entre erros sobre pressupostos do dever de obediência (16º, 2), com subsistência
de eventual responsabilidade negligente (16º, 3), onde se valora a posição de inferioridade
hierárquica; e erros sobre o sentido ilícito da ordem e da conduta, que podem excluir a culpa nos
termos do art. 37º do CP
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4. Dignidade penal e propósitos político-criminais (ex.: desistência da tentativa, art. 227.º, 295º, etc.)
5. Preservação de interesses extrapenais que conflituam com a pretensão punitiva (ex.: em algumas ordens
jurídicas, a impunidade das vítimas de crimes de tráfico de pessoas por certos crimes para as estimular a
procurar o auxílio das autoridades)
6. Irrelevância para o dolo: a afirmação do dolo não depende da representação (e vontade) das condições de
punibilidade
7. Distinção entre punibilidade (do facto), procedibilidade (categoria do processo penal) e carência de pena
(isenções e dispensa de pena: ex., 35º, 2; 374º-B, 1).
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A negligência
1. Negligência como forma típica de aparecimento do crime: evolução: do “tronco comum” (com separação na
culpa: uma “culpa especial) à autonomia completa das duas formas.
2. Punibilidade da negligência: necessidade de previsão expressa (art. 13.º)
3. Critérios de decisão na criminalização da negligência: relevância do bem jurídico; proliferação de actividades
perigosas
4. Tipificação da negligência: doutrina do duplo escalão. Análise do art. 15º:
1. Tipo-de-ilícito: violação do dever objectivo de cuidado
2. Culpa: capacidade pessoal de cumprir o dever de cuidado
3. Modalidades da negligência: consciente (al. a)) e inconsciente (al. b)); natureza fenomenológica (e
não valorativa) da distinção, no quadro do elemento intelectual
5. O tipo de ilícito negligente
1. Diferenças com o tipo doloso no plano da vontade: relevância da vontade depende de uma
comparação com o comportamento juridicamente imposto (exemplos).
2. A especial relevância do resultado nos crimes negligentes:
- A impunibilidade da tentativa
- Crimes materiais e crimes formais
- Na vasta maioria dos casos, punição depende do resultado; uma questão de “azar”?
Excepções:
- Conhecimentos especiais do agente (caso dos controladores de navios);
- Funções de supervisão e fiscalização de actividades de outrem (intervenções cirúrgicas
O caso das intervenções médicas em equipa; erros notórios e supervisão de formandos Aplicação do
princípio da confiança a factos dolosos de terceiro; exemplos
9. O tipo-de-culpa negligente
- Culpa negligente: censura pessoal que se dirige ao agente por ter violado a norma de cuidado que
tinha capacidade para cumprir; atitude de desleixo ou leviandade perante o dever-ser jurídico
Aplicam-se todas as causas de negação da culpa, excepto a falta de consciência do ilícito não
censurável; explicação
- A capacidade para cumprir o dever: a comparação do agente com a pessoa do seu “tipo normal”,
enquadrada no seu contexto sócio-existencial; incapacidade relevante depende de características
pelas quais não é responsável (inteligência, formação, idade, inabilidades físicas, etc); exemplo;
distinção da incapacidade de agir; a capacidade na negligência por assunção do risco
Factor de maior gravidade da pena (v. g., art. 137º CP), ou mesmo de critério de incriminação (v. g.,
art. 156º, nº 3)
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A Omissão
I. Considerações gerais
1. Introdução
1. A omissão como forma inversa da acção penalmente relevante. O dever de agir decorrente
dos tipos omissivos
2. Uma consideração “pré-jurídica” (social) dos crimes de acção e dos crimes de omissão: a
diferença estrutural entre a causação de riscos e a não-remoção de riscos. Os tópicos
conflituantes – e carecidos de justa ponderação – da sociedade de risco, da solidariedade e do
princípio liberal do Estado.
5. A questão da conformidade constitucional (art. 27º CRP) do nº 2 do art. 10º Resposta é afirmativa desde que
as categorias que enformam o dever de garante sejam precisas, claras e exaustivas.
- Representação social da menor gravidade dos crimes de omissão (não causação do risco)
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[para reflexão: a eventual distinção entre a impossibilidade fáctica que exclui o próprio dever (o ilícito-típico)
e a inexigibilidade propriamente dita como exclusão da culpa, subordinada ao art. 35º (p. ex., em caso de
risco para a vida do próprio)]
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a) situação de ingerência: remissão; mas facto criador do perigo não tem de ser ilícito, e pode ser
uma acção ou omissão; distinção entre a imputação “directa” e a situação de ingerência por
acção/omissão anterior (ex.) à daí a autonomia da ingerência
b) dever de fiscalização de fontes de perigo no âmbito de domínio próprio Ubi commoda, ibi
incommoda. Exemplos: propriedade de imóveis, responsabilidade pelo funcionamento de máquinas
perigosoas, responsabilidade do produtor
5. Cumprimento do dever não exige o efectivo salvamento: basta a prática da acção adequada a evitar o
resultado.
6. Posição de garante: pressupostos de facto que integram a factualidade típica dos crimes omissivos
impuros; dever de garante: elemento de caracterização do ilícito da omissão imprópria. Relevância da
distinção em matéria de erro
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