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Apontamentos do Direito Penal II_Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra Jenna Chao Ian Tong

DIREITO PENAL II (2.º SEMESTRE) 2021/2022

Sumários desenvolvidos, com notas críticas esparsas, a partir da obra de JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Parte
Geral.TomoI.Questões Fundamentais. A Doutrina Geral do Crime(com a colaboração de MJ Antunes, SA de Sousa, N Brandão
e S Fidalgo), 3ª ed., Gestlegal, 2019

Os tipos justificadores
(= causas de justificação)

Questões fundamentais (14º Capítulo Lições)


I. Relações entre o tipo (tipicidade) e o ilícito (ilicitude)

1. Tipo indiciador da ilicitude (“ratio cognoscendi”); positivismo; finalismo; Costa Andrade

- tipo como juízo abstracto de danosidade social, independentemente da (concreta) ilicitude da


conduta;

2. Doutrina do “tipo total” (“ratio essendi” da ilicitude); normativismo; Eduardo Correia

TIPO
elementos positivos elementos negativos (tipos
(tipos incriminadores) justificadores)

3.Posição adoptada (Figueiredo Dias): o primado da ilicitude (função do direito penal); os tipos
incriminadores como instrumentos de concretização de um sentido de ilicitude
diversidade estrutural

- tipo incriminador: 1º degrau do método de análise do crime; fundamentação abstracta e provisória de um


juízo de ilicitude: danosidade social é em regra violação do direito
- ilícito-típico: juízo sobre uma conduta concreta
- consequências da diversidade estrutural entre as duas espécies – esp., princípio da legalidade

4. Princípio da unidade da ordem jurídica: art. 31º


- a eficácia, no DP, de justificações provenientes de outros ramos de direito;
- a (ultrapassada) concepção da ilicitude penal como um mero plus sancionatório da ilicitude criada pelos
outros ramos do direito;
- a questão da existência de uma ilicitude especificamente penal (“fragmentariedade / descontinuidade da tutela
penal”): tópicos: a tentativa; (alguns) crimes de perigo; a possibilidade de causas de justificação
especificamente jurídico-penais (v.g., o estado de necessidade defensivo); problemas subsistentes

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II. Sistematização das causas de justificação
- exercício fútil?
- toda a situação de justificação = conflito de interesses; o princípio da prevalência do interesse preponderante

III. Elementos subjectivos dos tipos justificadores


- exemplo de situação problemática
- simetria com tipos incriminadores (p. ex., tipo subjectivo, dolo ou negligência)? não: diversidade estrutural
- desvalor de acção e desvalor de resultado
- logo: elemento subjectivo geral de todos os tipos justificadores: o conhecimento de que se verificam os
pressupostos da causa de justificação (¹ conhecimento de que se está a actuar licitamente); eventuais
elementos especiais em cada causa de justificação
- regime da falta de conhecimento: conduta ilícita e “consumação” do crime;
- porém: o resultado é autorizado ou mesmo querido pela ordem jurídica à neutralização do desvalor de
resultado em virtude da existência objectiva da causa de justificação;
- mas: subsistência do desvalor de acção à consideração explícita do problema no art. 38º, n.º 4
(consentimento); punição com “a pena aplicável à tentativa”
- aplicação analógica (analogia favorável!) do art. 38.º nº 4 a todos os casos de desconhecimento da verificação
dos pressupostos objectivos de uma causa de justificação
- sentido da remissão feita no art. 38.º nº 4: todo o regime da tentativa (incl. art. 23º nº 1: punibilidade da
tentativa) ou somente a pena (art. 23º n.º 2: atenuação especial)? A divergência doutrinal e os argumentos;
posição adoptada
- casos especiais: causas de justificação que exigem a prossecução de um fim determinado (exemplo: art. 192º,
nº 2) à Figueiredo Dias: falta de motivação por esse fim leva à punição por crime consumado (e não por
tentativa); dúvidas

IV. O erro sobre os pressupostos fácticos de uma causa de justificação (art. 16 n.º 2)
- importância da distinção relativamente ao problema anterior!
- exemplo de situação problemática
- a avaliação do erro: em regra, uma perspectiva ex post facto
- distinção do erro sobre a existência, âmbito, limites de uma causa de justificação (erro sobre a ilicitude: art.
17.º)
- consequências: a controvérsia “teorias do dolo” (normativismo) / “teorias da culpa” (finalismo)

- teorias do dolo: consciência do ilícito faz parte do dolo (elemento emocional); erro sobre as causas de
justificação à exclusão do dolo (eventual punição por negligência)
- teorias da culpa:
a) estrita: dolo completa-se com o conhecimento e vontade de realização do tipo incriminador; erro sobre
pressupostos de causa de justificação só pode excluir a culpa
b) limitada: erro sobre os pressupostos de uma causa de justificação exclui o dolo:
- regime: art. 16.º nº 2: exclusão do dolo (na linha das teorias da culpa limitada); mas: diferença estrutural entre o
erro sobre a factualidade típica – que exclui o “dolo do tipo”
– e o erro sobre os pressupostos de uma causa de justificação – que exclui o “dolo da culpa”, rectius, o elemento
emocional do dolo (atitude de inimizade ou indiferença perante o direito)

Consequências: apesar do erro, preenchimento de um ilícito-típico; relevância para a legítima defesa por parte de
terceiros, aplicação de medidas de segurança, etc

- a possibilidade de punição a título de negligência (16º nº 3): condições: (i) punibilidade a título de negligência
do crime em causa; (ii) verificação dos pressupostos da negligência no caso

Prof. Doutor Fernando Rocha Andrade, in memoriam

And death shall have no dominion.


Dylan Thomas

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V. Causas de justificação e imputação objectiva do resultado


- exemplo de situação problemática: consentimento não esclarecido
- necessidade da certeza (possível) de que a situação justificante se teria produzido com o comportamento
alternativo requerido (não basta a probabilidade)
- pensamento analógico em relação à imputação do resultado no âmbito do tipo incriminador; importância da
unidade funcional da categoria da ilicitude para sustentar esse pensamento
- consequência: exclusão da imputação do resultado, subsistência de eventual responsabilidade por tentativa.
ATT.: ≠ art. 38º n.º 4, onde só falta o conhecimento da verificação de uma CJ objectivamente existente!!!

VI. O efeito das causas de justificação


- consequências da licitude da conduta: LD; comparticipação; meds. segurança
- espaço livre de direito? a lógica binária da ilicitude penal (a partir da consequência jurídica)

Legítima defesa: art. 32.º CP (15º Capítulo Lições)


I. Casos
II. Fundamento
Entre a defesa do Direito (objectivismo de raiz hegeliana) e a defesa dos bens jurídicos agredidos (contratualismo
individualista); consequências práticas da opção em dois níveis:
1) (des)necessidade de ponderação dos interesses em conflito;
2) (des)necessidade da defesa de interesses determinados
P. ad. (Stratenwerth): preservação do direito na pessoa do agredido (“perspectiva intersubjectiva” – Kargl);
finalidades de prevenção criminal

III. Situação de legítima defesa: requisitos


1. Lado do agressor:
1. Agressão: comportamento humano voluntário (incl. omissões puras e impuras), mas não
necessariamente doloso; animais?; entes jurídicos (“colectivos”)
2. Contra: a) interesses b) juridicamente protegidos c) do agente ou de terceiro (incl. Estado); interesses
supraindividuais (sem titular determinado): casos de fusão com interesses individuais (exs.); restantes
casos: só excepcionalmente se poderá invocar LD (ex.)
3. Actualidade da agressão: iminente (ameaça imediata) ou em curso (ex.: sequestro); irrelevância dos
critérios do início da execução do crime (tentativa: art. 22º) e da consumação (exs: furto, ofensas
corporais); preparação antecipada da defesa; casos de reacção posterior ao término da agressão (não
cobertos pela LD)
4. Ilicitude da agressão: à luz do ordenamento jurídico global (ilicitude civil, administrativa, etc); o
problema dos procedimentos especiais para a defesa de certos interesses; a inexistência de LD contra
agressões justificadas;

- negação da LD contra condutas onde se exclua a imputação do resultado (§ 18, p. 486 Lições):
crítica: exclusão do resultado não significa justificação da conduta à distinguir:

risco permitido: agressão não é ilícita;


diminuição do risco e comportamento lícito alternativo: ilicitude da acção pode persistir se o agente
não conhecer as circunstâncias (eventual punição por tentativa impossível); nesses casos, não há LD
porque falta uma agressão: trata-se de salvar o mesmo interesse ameaçado pela acção, ou de interesse
que não conflitue com ele (ex. vida / integridade física)

- agressões dolosas / negligentes / ... ou nem isso: basta comportamento voluntário;


- desnecessidade de que a agressão seja culposa: há LD contra agressões de inimputáveis e agentes
que actuam a coberto de uma causa de exclusão da culpa (inexigibilidade: tabula unius capax);
mas à impacto sobre a necessidade da defesa (remissão)

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2. Lado da defesa:
1. Necessidade do meio: a) avaliação ex ante; b) idoneidade (eficácia, adequação); c) meio menos
gravoso (em caso de pluralidade de meios eficazes); recurso à autoridade (art. 21º, 1, CRP); fuga?;

Excesso de meios (excesso intensivo): art. 33º, ilicitude da acção de defesa à avaliação objectiva,
situações de pressão psicológica (subjectiva) são contempladas no plano da culpa (diminuição, ou
mesmo exclusão: 33º, 2) à remissão

Ideia de proporcionalidade só intervém na selecção dos meios, não na ponderação dos concretos
interesses em confronto (com excepções, em especial Lei das Armas).

II.2 Necessidade da defesa (“limites ético-sociais”): deriva do próprio fundamento da LD à


interpretação teleológica; casos de desnecessidade de defesa:
a) o sentido social de certas agressões praticadas por menores, inimputáveis e doentes mentais; agressões
praticadas a coberto de causa de exclusão da culpa?
b) a pré-ordenação da situação de LD à desnecessidade de defesa
c) a provocação da agressão: exclusão da LD? dúvidas
d) crassa desproporção entre o significado da agressão e da defesa (a ideia de “abuso de direito”): um
critério sócio-jurídico
e) relações de proximidade existencial: enfraquecimento/atenuação do direito de defesa (sem o excluir
totalmente)
f) actos da autoridade: DL 457/99 e o uso de armas de fogo (regime especial perante o art. 32º CP): “perigo
iminente de morte ou ofensa grave à integridade física”; pensamento de base: particular perigosidade das
armas de fogo, proporcionalidade da força pública; crítica

3. Limites à defesa com armas na Lei das Armas (L 5/2006)


1. Art. 42º, 1, b): uso de armas de fogo para defesa do património: exclusivamente como meio de
advertência (aplica-se a armas eléctricas e aerossóis – art. 44º, 1? “com as devidas adaptações”).
Proporcionalidade (F. Palma)
2. Art. 42.º, 1, a): advertência prévia e restrição da defesa com armas ao afastamento de “perigo
iminente de morte ou ofensa grave à integridade física” e proibição de “visar zona letal do corpo
humano”. Restrição da norma às acções intencionalmente dirigidas contra zona letal (visar).
Inconstitucionalidade da norma: art. 21.º da CRP à restrição do núcleo essencial de um direito
fundamental

4. O elemento subjectivo da LD: conhecimento da situação justificante

5. Afastamento da LD no caso de lesões de terceiros

III. Auxílio necessário: o problema da relevância da vontade do agredido (art. 38.º)

IV. O direito de legítima defesa jurídico-civil (art. 337.º CCiv) e a sua articulação com o direito penal
1. O problema: mesmo campo de aplicação, mas requisito suplementar: prejuízo causado pela defesa não seja
manifestamente superior ao que a agressão causaria
Consequentemente:

acções justificadas no DP e
ilícitas no Dciv

2. Contradição normativa: haveria LD (também penal!)


contra actos praticados em LD penal (mas ilícitos perante o DCiv)

3. Solução: revogação parcial do CCiv (1966) com a entrada em vigor do CP (1982); regime unívoco da LD
(Conceição Valdágua)
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Direitos de necessidade: art. 34.º CP (16º Capítulo Lições)


I. A situação de necessidade: o perigo actual para um interesse do agente ou de terceiro e a remoção desse perigo
através da prática de um facto típico; exemplos de casos problemáticos
CP 1886: estado de necessidade “subjectivo” (pressão psicológica do agente – exclusão da culpa).

Mas: Eduardo Correia:


Teoria diferenciada do “estado de necessidade” (Hegel): diferença entre o valor relativo dos bens projecta-se na
consequência jurídica (justificação = exclusão da ilicitude /exculpação = exclusão da culpa):
a) estado de necessidade objectivo – exclui a ilicitude:
- direito de necessidade: art. 34º CP
- direito de necessidade defensivo (causa de justificação extralegal)
b) estado de necessidade subjectivo – exclui a culpa (inexigibilidade):
- estado de necessidade desculpante (exclusão da culpa): art. 35º CP

II. Fundamento dos direitos de necessidade: duplo fundamento


- ganho social: ganho objectivo global
- justificação perante o sacrificado: dever mínimo de solidariedade ínsito na convivência comunitária

III. O direito de necessidade do art. 34º


1. Âmbito de aplicação: exclusão dos casos especiais que têm regulamentação específica
2. Conflito de interesses: perigo para um interesse pode ser afastado pelo sacrifício de outro interesse.
- a interferência da regra da diminuição do risco para o bem jurídico (conexão do risco): exclusão da
imputação do resultado, mas persistência da necessidade de aplicar o direito de necessidade para justificar a
acção (senão: tentativa punível)

3. Interesses (e não bens jurídicos):


- remissão para LD: expressão flexível e fluida
- especificidade no direito de necessidade: ponderação faz-se sempre in concreto (podem radicar
no mesmo bem jurídico, que é uma categoria abstracta; e um interesse fundado num bem jurídico
abstractamente menos valioso do que outro pode ser-lhe concretamente superior: remissão)
- interesses do agente ou de terceiro

4. O perigo actual
- perigo como situação cuja persistência ou desenvolvimento conduz a uma lesão de interesses;
- actualidade do perigo: remissão para a LD, com alargamento à potenciação do perigo

5.Não-voluntariedade da criação do perigo: restrição deste requisito às situações de pré-ordenação


(remissão para a LD); exs.: o caso da alergia (291º CP); o caso do vizinho curioso (190º, 212º CP)

- excepção: o salvamento de interesse de terceiro (34º, 1, a) in fine); ex.: alergia 2; fundamento

6. A sensível superioridade do interesse a salvaguardar (34º, 1, b)) – princípio operativo; critérios:


- a comparação das molduras penais previstas para o sacrifício de cada um dos interesses; crítica:
* possibilidade da presença de interesses sem consagração penal;
* consideração nas molduras penais de outros factores para além do valor social dos interesses;
* desconsideração da necessidade de uma valoração concreta

- intensidade e extensão das lesões: exs.: o caso do bombeiro


- grau do perigo: lei tendencial: quanto maior for o perigo, maior será o âmbito dos interesses susceptíveis de
sacrifício; conflito entre interesses individuais e supraindividuais; exs.: a deslocação à farmácia com
condução em estado de embriaguez
- a sensível superioridade do interesse a salvaguardar: o conflito entre interesses de natureza diversa

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- os casos de “vida contra vida”: a imponderabilidade da vida humana, no plano qualitativo (não há vidas
“melhores”) e no plano quantitativo (muitas vidas não valem mais do que uma): exs. o cientista em perigo de
vida; o agulheiro do comboio; eventual exclusão da culpa se...
- casos de comunidade de perigo: risco generalizado para um certo número de pessoas, que pode ser afastado
com o sacrifício de alguma(s); diferença com o caso do agulheiro (alternatividade): exs.:
+ o caso do barco que está em risco de naufrágio à inexistência de um dto de necessidade dos
passageiros que justifique o homicídio de alguns deles
+ o caso dos alpinistas à bens jurídicos iguais – mas interesses diversos: interesse de não precipitar a
morte de quem já está “condenado pelo destino” contra a preservação da vida dos outros dois; FDias
à direito de necessidade e justificação do homicídio; crítica: sensível superioridade? não é razoável
impor o sacrifício (al. c)).
Solução: direito de necessidade defensivo (remissão)

- diferenças entre o caso do barco e o caso do alpinista:


* no caso do barco não há vidas condenadas à partida, é preciso escolher quem vive e quem morre / vida do
alpinista em perigo está perdida por razões alheias aos outros alpinistas; projecção na ponderação de
interesses, ainda que não suficiente para afirmar sensível superioridade
* principal distinção: fonte do perigo é a avaria técnica do barco / fonte do perigo é o próprio alpinista em
perigo / à relevância autónoma do direito de necessidade defensivo
* caso do piloto: remissão para o conflito de deveres (crítica à p. 535 das Lições)

7. A razoabilidade do sacrifício (34º, 1, c))


- não deve incluir-se na ponderação de interesses: as als. a) e b) expressam uma ideia de utilidade social; a al.
c) parte da lógica inversa: a autonomia pessoal do lesado como limite ao proveito social. É um limite externo
que conflitua com a ideia de solidariedade social contida na al. b).
- avaliação da razoabilidade deve por isso ser feita da perspectiva do lesado, e não da perspectiva do sistema
social; embora se deva levar em conta a “natureza ou valor do interesse ameaçado”.
- - Exs.: casos de intervenção médico-cirúrgica (sem consentimento) em benefício de terceiros; o caso
particular da extracção de sangue: standard da pessoa comum: eventual admissibilidade para salvar uma vida,
mas já não para uma experiência científica; standards especiais.

8. O emprego do meio adequado


- os deveres especiais de suportar perigos mais intensos
- simples aptidão/idoneidade ou meio menos gravoso (meio necessário = LD)?

9. Elemento subjectivo: o conhecimento dos pressupostos do direito de necessidade; o regime aplicável quando
falte esse elemento: remissão (aplicação analógica do art 38º, 4)

O direito de necessidade defensivo (DND)


1. Exemplos.
Uma causa de justificação extralegal “a meio caminho” entre a LD (32º) e o DNA (34.º)
2. Pressupostos específicos: o interesse a sacrificar pode ser igual ou até ligeiramente superior ao interesse
salvaguardado; a remoção do perigo é feita à custa da esfera jurídica de onde o perigo provém; prescinde-se
da cláusula da razoabilidade do sacrifício
3. A posição seguida nas Lições: não autonomização do DND à custa de uma interpretação duvidosa do art. 34.º
relativamente à superioridade do interesse a salvaguardar e, sobretudo, de uma recondução da
razoabilidade do sacrifício a critérios objectivos
4. Explicação da necessidade da figura (por inaplicabilidade do art. 34º):
- o caso do alpinista: principal diferença com o caso do barco
- o caso da infiltração de água

O direito de necessidade jurídico-civil (art. 339º CCiv)


Identidade de pressupostos com o direito de necessidade do art. 34º CP à justificação paralela da conduta no direito
civil

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O conflito de deveres (ver sumário específico)
Casos Tipo 1:
- o pai que naufraga com dois filhos pequenos e não pode salvar os dois;

Casos Tipo 2:
- o médico que não pode socorrer dois acidentados, um em risco de vida e outro em risco de perda de um
membro; OU: mesmo risco e prognóstico diferente

Casos Tipo 3:
- o médico que recebe um acidentado em risco de vida, necessitado do ventilador que está aplicado num doente
na mesma situação

Casos Tipo 4:
- o agente que avista a ex-cônjuge, com quem está proibido de contactar (art. 353º do CP), caída na rua,
inconsciente, carecendo imediatamente de manobras de reanimação (dever de salvar / monopólio do facto:
art. 10º/131º)
- o agente cujo filho pequeno entra no recinto de uma central eléctrica, correndo perigo de vida (dever de
salvar: art. 10º/131º versus acesso proibido: 191º)

O conflito de deveres
1. Pressupostos da situação (hipótese): o agente encontra-se sujeito a dois ou mais deveres cujo cumprimento
concomitante é impossível.
2. Regime: art. 36º: o cumprimento do dever mais intenso, ou, sendo os deveres de igual valor, de qualquer um
deles, exclui a ilicitude do incumprimento do(s) restante(s)
3. Enquadramento dogmático: uma forma de estado de necessidade? Crítica
1. Direito (de necessidade) versus dever; liberdade de agir versus dever de agir, e agir em certo sentido
2. Autorização para sacrificar o interesse menos valioso (34º) versus imposição de sacrificar o dever
menos valioso (mesmo que não “manifestamente”) ou igual (36º) (casos Tipo 1)
3. Fundamentos da justificação no conflito de deveres: satisfação na maior extensão possível dos
deveres que incumbem ao agente. Cumprimento do dever preponderante (ou igual) e o sentido do
brocardo ad impossibilia nemo tenetur

4. A natureza dos deveres conflituantes do art 36º


1. Doutrina tradicional: restrição aos deveres de agir (crimes de omissão) (casos Tipo 1 e 2) e
inaplicabilidade aos conflitos entre deveres de agir e de abstenção (3 e 4)

Fundamento: (pretensa) prevalência geral do dever geral de não ingerência em bens jurídicos alheios
sobre deveres particulares de agir/salvar – nestes casos, só se poderia invocar o direito de
necessidade, se reunidos os respectivos pressupostos (vg, nos limites da solidariedade que se pode
impor ao terceiro afectado); a doutrina intermédia do “dever-direito” (Taipa de Carvalho)
2. Crítica:
- Expressão literal do art 36º
- Possibilidade de um dever de agir ser concretamente mais intenso do que um dever de abstenção (casos Tipo
4)
- Inadequação da recondução aos quadros de um direito (casos Tipo 4)

4.3. Conclusão: pode haver conflito de deveres, para efeitos do art. 36º, entre deveres de acção e deveres de omissão

5. Critérios para determinar o valor / intensidade dos deveres


1. A importância relativa dos bens jurídicos protegidos (casos Tipo 2)
2. O grau de perigo (casos Tipo 2; expectativa de êxito da intervenção; critérios puramente clínicos;
irrelevância de factores que não têm implicação directa na expectativa de êxito)
3. Superioridade concreta do dever de não matar (por acção) em relação ao dever de salvar: o caso do
paciente ligado à máquina cardio-respiratória (casos Tipo 3)
6. Casos de pretenso conflito entre deveres de abstenção
1. Caso do navio: dever de salvamento vs dever de abstenção
2. Caso dos impostos / segurança social: causa da impossibilidade de cumprimento
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6.3 Caso do condutor que entra em contramão na auto-estrada: não há correspectiva incompatibilidade dos deveres

Os consentimentos (e o acordo)
Casos Tipo 1: Bárbara “consente” em que Carlos entre em sua casa para jantar (190º); Bárbara e Carlos “consentem”
em ter relações sexuais (164º)

Casos Tipo 2:António “consente” em fazer uma tatuagem (143º); Guilherme consente em doar sangue para o banco
de sangue do hospital (143º)

Casos Tipo 3: Daniel “consente” em que Eduardo o mate (131º); José, de 17 anos, “consente” em ter relações sexuais
com Sandra, de 25 anos, a troco de dinheiro (174º)

Casos Tipo 4: Fernanda “consente” em que lhe amputem um braço para assim poder ganhar um papel num filme
(144º)

Os consentimentos
I. Introdução
1. Consentimento efectivo e consentimento presumido (arts 38º e 39º CP)
2. Natureza pública do DP – disponibilidade individual: contradição?
3. Bens jurídico-penais supra-individuais (incl. colectivos) e bens jurídicos pessoais: a figura do
portador (pessoa humana ou jurídica)
4. Direitos fundamentais, direitos subjectivos e bens jurídico-penais; a valência social / sistémica do
bem jurídico
5. Logo: relevância do consentimento ≠ abandono ou renúncia ao bem jurídico
6. Fundamento da justificação por consentimento: relevância da autonomia pessoal do portador do bem
jurídico; subsistência da lógica da ponderação de interesses

II.Distinção entre consentimento e acordo (Costa Andrade)


1. Os bens jurídicos pessoais que radicam na liberdade / autonomia do portador (liberdade geral,
liberdade sexual, reserva da vida privada, património, imagem, etc): o acordo como causa de
exclusão da tipicidade à casos Tipo 1
Consonância entre a incriminação e o acordo: ambos protegem o mesmo bem jurídico, ou seja, a liberdade e a
autonomia pessoal; conduta praticada com o acordo do portador não provoca dano social
1. Os bens jurídicos pessoais cuja tutela transcende a liberdade do portador (vida, integridade física,
autodeterminação sexual) à produção de um dano social apesar da concordância do portador à
necessidade de ponderação com a autonomia: o consentimento como causa de exclusão da ilicitude
de uma conduta típica à restantes tipos de casos.
Dissonância entre o bem jurídico protegido pela norma incriminadora e a autonomia pessoal: conduta típica provoca
dano social, que pode ou não ser justificado

III. Critérios da relevância do consentimento


1. Bens jurídicos pessoais versus bens jurídicos supra-individuais (impossibilidade de consentimento)

disponíveis: indisponíveis: (vida, autodeterminação sexual)


a) expressões da liberdade/autonomia do portador
(ex., liberdade sexual, imagem, reserva da vida
privada, propriedade): continuidade entre a
autonomia pessoal e o bem jurídico protegido:
acordo realiza o mesmo bem jurídico protegido
pelo tipo: exclusão da tipicidade (ausência de
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dano social);
b) bens pessoais que não se esgotam na
liberdade/autonomia por força da sua ressonância
social (ex., integridade física): conduta causa um
dano social, que, em certas condições, pode ser
justificado, tolerado, em homenagem à
autonomia do portador do bem jurídico
(consentimento e sua regulamentação); conflito
entre a autonomia pessoal e o bem jurídico

2. Requisitos do facto
- Não contrariedade aos bons costumes (esp. 149.º); as agressões sado-masoquistas; o caso particular do crime
de dano (212º) (Costa Andrade); crítica: distinção entre património como bem pessoal e património cultural
como bem supra-individual;
- As intervenções médico-cirúrgicas em benefício próprio (art. 150º, 1, 156º e 157º do CP): um caso de
acordo; consequência: a diferente solução dada pelos arts. 156º, nº 2, e 39º aos casos em que há dúvidas
- Casos do art. 150º, nº 2, que não se coadunam com as leges artis – necessidade do consentimento para
justificar a lesão da integridade física

3. Requisitos do consentimento
- Capacidade: autonomia e maturidade. O limiar dos 16 anos (desde 2007) + discernimento; representação
legal e suprimento judicial; especialidades (intervenções em benefício alheio)
- Vontade:
- séria – exclusão de declarações não sérias
- livre – exclusão do consentimento obtido com ameaça ou coacção
- esclarecida – informação e autonomia; o art. 157º e o privilégio terapêutico (não aplicável à
experimentação)
- Engano: provocação do erro
a) engano referido ao bem jurídico: ex.; afecta validade do consentimento
b) engano não referido ao bem jurídico: ex.; – consentimento válido
c) engano sobre a finalidade altruísta – em princípio, afecta validade do consentimento

- Erro em sentido estrito (espontâneo) – consentimento válido, excepto se conhecido do agente


(ex.) ou se este tem um dever de esclarecimento (ex.)

- Forma: em princípio livre; consentimento expresso e tácito (≠ presumido!)


- Persistência do consentimento no momento da prática do facto e livre revogabilidade; as directivas
antecipadas de vontade (L. 25/2012, “testamento vital”)

4. O consentimento hipotético: raciocínio semelhante ao que subjaz à regra do comportamento lícito alternativo –
exclusão da responsabilidade pelo crime consumado, possível responsabilidade por tentativa. Distinção do
consentimento prestado e não conhecido e do consentimento presumido. Aplicação residual

IV. Consentimento presumido (art. 39º)


1. Necessidade de uma decisão + impossibilidade de averiguar a real vontade do titular
2. Momento da presunção = momento do facto; irrelevância do que se apura ex post
3. Não se trata de proteger o “verdadeiro bem” do titular, mas sim a sua vontade real; presunções de acordo com
a normalidade e razoabilidade (ex.); mas: impossibilidade de presunção se se conhece a vontade real contrária
do titular (ex.)
4. Regime: equiparação ao consentimento verdadeiro

V. Elemento subjectivo
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1. Consentimento efectivo: conhecimento das circunstâncias objectivas (38º, 4)
2. Consentimento presumido: conhecimento das circunstâncias objectivas e efectiva presunção de
consentimento por parte do agente
3. Falta do elemento subjectivo: punição por tentativa (regime do art. 38º, nº 4)

Os tipos justificadores (= causas de justificação)


Outras causas de justificação
I. Introdução: o carácter não-taxativo do art. 31º (princípio da unidade da OJ)
II. Actuação oficial: conduta típica ao abrigo de um poder-dever de intervenção estatal
1. Exemplo: o magistrado que ordena a detenção de um suspeito; o oficial da polícia que ordena uma
carga para dispersar uma manifestação ilegal
2. Justificação depende da (integral) legitimidade da actuação da autoridade
3. Actuação ilegítima: Do lado dos particulares: atenção à necessidade de defesa (meios específicos de
reacção); direito de resistência
4. Cumprimento de um dever ou exercício de um poder-dever e não “direito” da autoridade
III. Ordens oficiais ou de serviço
1. Ordem legítima do superior hierárquico à justificação da conduta do subordinado em virtude da obediência
devida. Exemplo
2. Ordem ilegítima (por erro ou até com dolo): perspectivas possíveis:
a) Dever de obediência por parte do subordinado – justificação em qualquer caso
b) Avaliação do dever de obediência à luz do direito administrativo: dever e justificação existem quando a
ordem seja formalmente regular; em caso de dúvida: solicitação da confirmação da ordem por escrito e
exclusão da responsabilidade

c) Posição adoptada: distinção entre duas questões: i) quando existe dever de obediência no direito
administrativo; ii) quais são as consequências do cumprimento de ordens ilegítimas no direito penal; 271º, nº
3, CRP e 36º, n. 2 CP à dever de obediência hierárquica cessa quando conduz à prática de um crime (Ed.
Correia); vd também 31º CP “ordem legítima”; o caso particular das ordens ilegítimas obrigatórias por lei

- autonomia dos outros ramos do direito no desenho do dever de obediência, mas com aquele limite; simples
obediência, por si só, não exclui a ilicitude do facto

Att.: § 13 das Lições, p. 587: “conflito de deveres”, com prevalência do dever geral de abstenção sobre o
dever de cumprir a ordem? Crítica: não existe conflito de deveres porque nunca existe dever de obedecer
quando conduza à prática de um crime (ex.)

d) Casos de erro do funcionário sobre a legitimidade da ordem (remissão)

IV. Autorizações oficiais


1. Autorizações (certificações) para exercer uma actividade socialmente adequada. Exemplos. Exclusão da
tipicidade.
2. Autorização do sacrifício do bem jurídico em homenagem a outros interesses. Exemplos. Exclusão da
ilicitude (conflito e ponderação de bens)
3. Reflexos das invalidades administrativas das autorizações no direito penal: distinção entre nulidades
(afectam a justificação) e anulabilidades (não afectam a justificação). Caso especial: o envolvimento do
particular na invalidade do acto (exemplo): conduta típica continua a ser ilícita

V. Agere pro magistratu


1. Detenção em flagrante delito por crime punível com pena de prisão (255º, 1, al. b) CPP)
2. Provisoriedade e subsidiariedade

VI. Acção directa (jurídico-civil)


1. Indispensabilidade do recurso à força
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2. Necessidade e proporcionalidade do meio
3. Proporcionalidade dos interesses

VII. Poder paternal (incl. “direito de correcção”)


1. Problema é mais amplo do que a correcção (“castigo”)
2. Condutas típicas mais comuns: ofensas corporais, ameaças, coacção, injúrias, violação do segredo da
correspondência e das comunicações
3. Todo o exercício do poder paternal tem que servir uma finalidade educativa
4. Proporcionalidade
5. Moderação (núcleo essencial dos direitos em causa não pode ser atingido)
6. Titulares: pais e tutores (não outros encarregados de educação, vg, professores)
7. Castigos corporais: evolução – patria potestas do direito romano (ius vitae ac necis sobre os alieni iuris); o
“verdadeiro bem” do menor (tough love); contributo da psicologia do desenvolvimento e negação de qualquer
efeito positivo da violência – banimento dos castigos corporais. Excepções: as “agressões” simbólicas e a
cláusula de insignificância – intensidade do gesto, idade da criança. Não abrange causação de dor (doutrina
dominante)
8. Outras condutas típicas: restrição da liberdade, supervisão de correspondência e utilização de meios
informáticos. Adequação social (exclusão da tipicidade) ou justificação? Posição adoptada: ponderação de
interesses (justificação)

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A culpa
I. Doutrina geral da culpa
1. A culpa como princípio fundamental do direito penal (pr. dignidade da pessoa humana: art 1º CRP,
40º, 2, CP); o sentido profundo do princípio: protecção da pessoa contra o poder punitivo do Estado
2. Posição no sistema da construção da infracção e distinção entre culpa e ílícito-típico
II. A evolução do conceito
1. Positivismo naturalista: dolo / negligência (concepção psicológica)
2. Normativismo: juízo de censura por ter agido com dolo/negligência quando podia e devia ter agido
conforme o direito
3. Finalismo: puro juízo de censura
4. Posição adoptada (F. Dias):
a) função do juízo de culpa: juízo de censura e protecção da dignidade da pessoa
b) relevância do dolo/negligência (reflexo proporcional da forma típica do ilícito): tipo- de-culpa (doloso ou
negligente)
c) a necessidade de um conceito material de culpa e o pressuposto da liberdade – remissão

II. Culpa e liberdade


1. A culpa da vontade, baseada no livre-arbítrio do concreto agente: o “poder-de-agir de outra maneira”.
Crítica: a indemonstrabilidade do livre-arbítrio; consequências jurídicas: in dubio pro reo e agentes
especialmente perigosos
2. A culpa da vontade assente numa presunção geral de liberdade: o postulado da capacidade geral de
responder ao “apelo normativo”. Crítica: o hiato entre uma suposição abstracta e o necessário juízo
concreto; impossibilidade de servir de limite da medida da pena concreta
3. A culpa do carácter: o objecto da censura desloca-se do facto para o carácter/personalidade do agente,
a quem se reprova ter agido contra o direito quando podia ter agido de outra maneira. Crítica:
persistência do fundamento do livre-arbítrio
4. F. Dias: a liberdade como característica do “ser-total-que-age”. A herança da filosofia existencialista:
ser pessoa é ser-livre e decidir-se a si próprio, continuamente, em infinitas decisões existenciais. A
acção como expressão concreta da personalidade: “ter de responder pelas qualidades desvaliosas da
personalidade que fundamentam um ilícito-típico e que nele se exprimem”. Mas: não é um “DP do
agente”
5. Culpa da personalidade (F. Dias) e culpa pela não formação da personalidade (E. Correia). Liberdade
de consciência, direito à diferença e dever de não ofender, com a sua acção, bens jurídicos
penalmente protegidos

III. Tipo de culpa doloso e consciência da ilicitude


1. O dolo (e a negligência) como categoria(s) heterogénea(s).
2. O tipo de culpa doloso (“dolo da culpa”): o terceiro elemento do dolo à elemento emocional: atitude íntima de
contrariedade ou indiferença ao direito
3. Maior gravidade do dolo: sobreposição consciente dos próprios interesses aos interesses juridicamente
protegidos
4. Consciência de agir ilicitamente como elemento necessário do dolo?
a) “Erro sobre a factualidade típica” e “erro sobre a proibição”
b) Exemplos de erro sobre a proibição: impossibilidade de agir dolosamente?
c) O art. 29º do CP de 1886 e o princípio de que a ignorância da lei não desculpa; a interpretação de
Beleza dos Santos e de Eduardo Correia e o art. 44º, n.º 7 do CP de 1886
d) teoria do dolo estrita: consciência actual do ilícito é elemento do dolo; crítica: a contrariedade ou
indiferença não exige consciência actual do ilícito (remissão); inconveniência político-criminal
e) teoria do dolo limitada: as teses da “equiparação” ao dolo; fórmulas hipotéticas e ficções de dolo
(“cegueira aos valores jurídicos”); crítica: personalidade e limites postos pelo facto; auto-contradição e
violação do princípio da culpa
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f) teoria da culpa estrita (finalismo): dolo esgota-se na representação e vontade de praticar o facto; falta de
consciência do ilícito é um problema de culpa. Crítica: ignora a distinção entre culpa dolosa e culpa
negligente; equipara inadequadamente as duas formas de erro sobre as causas de justificação: exemplo
g) Posição adoptada: teoria da culpa limitada: distinguir três espécies de “erro sobre a proibição”:
a) erro sobre os pressupostos de facto de uma causa de justificação (art. 16º, nº 2, CP: remissão) à
exclusão do dolo: falta o elemento emocional
b) erro sobre certas proibições legais axiologicamente neutras (art. 16º, nº 1, 2ª parte: “erro sobre
proibições legais”) à exclusão do dolo: falta o elemento emocional (≠ posição actual de F. Dias:
p. 423-427 Lições)
c) falta de consciência do ilícito, ou erro sobre a ilicitude (art. 17.º) à deixa o dolo intacto,
exclusão da culpa se o erro não for censurável

5. Conclusão intercalar: divisão não é “erro sobre a factualidade típica” versus “erro sobre a proibição”, mas sim
erro intelectual (de conhecimento, da consciência psicológica ou intencional), que exclui sempre o dolo,
versus erro moral (de valoração, da consciência ética), que pode excluir a culpa se for não censurável.

6. DISTINÇÃO IMPORTANTE: Erro sobre proibições legais e falta de consciência do ilícito: critério
fundamental: a neutralidade/relevância axiológica da conduta proibida e a consequente falta/presença da
informação necessária para uma correcta orientação do agente para o problema da ilicitude. A censura da
falta de informação no erro sobre proibições legais: a negligência (art. 16º, n.º 3)

7. A afirmação do dolo apesar da falta de consciência do ilícito: o erro censurável (art. 17º, nº 2, CP) à
persistência de uma atitude de indiferença perante o direito. A própria falta de consciência do ilícito, quando
censurável, revela uma personalidade indiferente para com os valores jurídicos, que fundamenta uma culpa
dolosa e não meramente negligente

8. A falta de consciência do ilícito não censurável e a exclusão da culpa (art. 17.º, n.º 1 do CP: remissão)

9. Matéria de pp. 644-652 só será questionada em orais de melhoria de nota


10. 10. Elementos especiais dos tipos de culpa dolosos:

Exs.: especial censurabilidade ou perversidade do agente (132º), elementos que diminuem a culpa (133º)

Distinção entre estes elementos e os elementos subjectivos da ilicitude (vg., a intenção de enriquecimento
ilegítimo no crime de burla (217º CP)).

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A negação da culpa:
A inimputabilidade
I. Recuperação do pensamento essencial sobre a culpa: um juízo de censura ao agente pela personalidade
documentada no facto
1. A inimputab. como obstáculo à culpa: a impossibilidade de um juízo de censura
2. As formas da inimputabilidade: em razão de anomalia psíquica e em razão da idade
II. Inimputabilidade em razão de anomalia psíquica (art. 20º do CP)

Antecedentes; os três paradigmas e a sua sucessão

1. O paradigma biopsicológico e a “doença mental”


1. As “ciências do Homem” (psicologia, psiquiatria, criminologia) e o seu horizonte epocal: o
positivismo do séc. XIX e o modelo determinista; a racionalidade mecanicista das ciências
naturais e a negação do livre-arbítrio
2. A culpa como relação psicológica entre o agente e o seu facto (remissão); imputabilidade
como pressuposto da culpa: o impacto da doença mental sobre o elemento intelectual da
culpa: só quem entende ou tem capacidade para entender o facto que pratica pode agir,
respectivamente, com dolo ou negligência.
3. Inimputabilidade (doença mental) como estado; CP 1886: os “loucos que não tiverem
intervalos lúcidos” ou “praticarem o facto no estado de loucura”; a extensão: privação
acidental do exercício das faculdades intelectuais no momento do facto
4. Os fins das reacções criminais (prevenção especial) e a prevenção da perigosidade
5. As funções do perito (médico, psiquiatra) e do juiz

2. O paradigma normativo
1. O movimento mais geral da superação do positivismo; a influência do idealismo e a autonomia do
direito enquanto saber normativo (C. Neves)
2. Retribuição e culpa, como censura pessoal assente no livre-arbítrio
3. Alteração do objecto do juízo de inimputabilidade: imputabilidade torna-se num elemento integrante
do próprio juízo de culpa (podia ter agido de outra maneira com aquela anomalia psíquica?)
4. Mudança do foco da inimputabilidade: do elemento intelectual (capacidade de entender) para o
elemento volitivo (capacidade de actuar)
5. Substrato biopsicológico: de “estado” a “fenómeno” (anomalia psíquica); desvalorização do elemento
biopsicológico como (apenas) um dos factores que pode privar o agente da capacidade de actuar de
outra maneira; perda da autonomia do juízo de inimputabilidade
6. Anomalia psíquica e livre-arbítrio: papel do perito e do juiz

3. O paradigma compreensivo
1. Adaptação do paradigma normativo a um outro conceito de culpa (culpa da personalidade - F. Dias):
“responder por aquilo que se faz na base daquilo que se é”
2. Compreensão ≠ tolerância ou desculpa; antes: entendimento pelo tribunal das conexões de sentido
entre o agente e o seu facto; facto como obra da pessoa enquanto ser-livre
3. Imputabilidade volta à sua função de pressuposto (condição prévia) do juízo de culpa
4. Comunicação entre o juiz e o agente: reconstrução das conexões de sentido entre o facto e a
personalidade do agente que permita compreendê-lo num certo contexto social
5. Os elementos do juízo de inimputabilidade: art. 20º, nº 1 CP

a) O elemento biopsicológico: a anomalia psíquica (avaliação do perito)

psicoses (processos orgânicos deficientes, incl. esquizofrenia), oligofrenia, psicopatias,


neuroses e transtornos parafílicos (zonas cinzentas e necessidade de restrição do conceito),
perturbações profundas da consciência (intoxicações não completas por álcool ou drogas,

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fadiga extrema, etc.): os problemas da hipnose (ausência de acção típica) e dos estados
intensos de afecto ou estados passionais (em princípio, persistência da imputabilidade)

b) O elemento normativo/compreensivo: os efeitos da anomalia psíquica: a “incapacidade de avaliar


a ilicitude do facto ou de se determinar de acordo com essa avaliação”
Compreensibilidade externa e social do facto (exs.); sentido do facto do inimputável: explicação
e compreensão.

Determinação retrospectiva pelo juiz, a partir do facto, das conexões de sentido entre o facto e o
agente
c) O elemento fáctico ou típico:
conexão temporal: o momento do facto;
conexão típica: a referência exclusiva ao facto típico sub judice; consequências

III. O problema da imputabilidade diminuída


1. A questão à luz das concepções de culpa fundadas no livre-arbítrio: consequências político-criminais
2. Posição de F. Dias: imputabilidade e culpa agravada ou atenuada (consoante as circunstâncias); verdadeiro
problema seria não a gradação da capacidade mas sim a gradação da compreensibilidade do facto
-“imputabilidade duvidosa” (dúvidas sobre o sentido dos factos): art. 20º, nº 2 e sujeição a uma medida de
segurança
3. 3. Posição adoptada: dúvidas sobre a compreensibilidade do facto devem ser resolvidas nos termos gerais
(eventualmente com recurso ao in dubio pro reo). A gradação da capacidade ainda é compatível com uma
concepção de culpa fundada na personalidade; daí: menor capacidade de cumprir a norma; o sistema
tendencialmente monista das reacções criminais: art. 20º, 2 e 3, e 83º (PRI): síntese e remissão

IV. A actio libera in causa (20º, nº 4)


1. Acção que não é livre no acto mas sim na causa: colocação pré-ordenada em estado de inimputabilidade para
cometer determinado crime; meios e motivos. Exemplos.
2. Consequências político-criminais (incl. ausência de perigosidade)
3. Ficção de imputabilidade? Não: o enunciado do art. 20º, nº 4: imputabilidade como conceito normativo aberto
à definição do legislador. Possibilidade de uma redefinição da inimputabilidade logo no nº 1.
4. Situação diferente: a colocação dolosa ou negligente em estado de inimputabilidade e o cometimento (não
pré-ordenado) de um ilícito-típico em estado de inimputabilidade: o art. 20º, nº 1 e a possibilidade de
aplicação de medidas de segurança; o crime do art. 295.º e a condição de punibilidade aí prevista (prática de
um facto ilícito-típico); o bem jurídico protegido.
5. Exemplos para distinção das duas situações

V. A inimputabilidade em razão da idade (art. 19.º)


1. O limiar dos 16 anos
2. Evolução: os critérios quantitativos (variáveis) e o critério do discernimento (CP de 1886); os critérios mistos
(A. R. Alfaiate)
3. Maturidade na avaliação do ilícito? Crítica
4. Analogia com a anomalia psíquica? Crítica
5. Posição adoptada: a definição da inimputabilidade é uma tarefa essencialmente normativa, dirigida a uma
função político-criminal, dentro dos limites de possibilidade do Ser – não é um conceito ontológico, ou
antropológico, que o direito tenha de receber (remissão).

Logo: personalidade ainda em formação como suporte insuficiente de um juízo de culpa (não confundir com
incapacidade de avaliação do ilícito) e a protecção do menor contra o sistema penal e a particular dureza das
suas instituições (processo e penas)

6. A responsabilidade dos menores entre 12 e 16 anos: a (antiga) OTM (modelo de protecção) e, desde 1999, a
L 166/99 (LTE) (modelo de responsabilidade, ainda orientada no sentido do interesse do menor) + L 147/99
(protecção); LTE não é direito penal: medidas educativas
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7. Regime especial para os jovens adultos (16-21): DL 401/82; atenuação especial da pena e normas sobre a
execução das penas

A negação da culpa:
As causas de exclusão da culpa (inexigibilidade)
I. Introdução
1. Terminologia: causas de exclusão da culpa/exculpação (evitar “desculpa” = perdão)
2. O sentido do problema da exclusão da culpa
3. A inexigibilidade (cláusula geral) e o poder de agir de outra maneira: duas faces da mesma moeda;
crítica: o amolecimento do DP (incl. in dubio pro reo); a crítica ao próprio conceito de culpa
subjacente (remissão); inadequação do (não) poder agir de outra maneira para caracterizar situações
de inexigibilidade: exemplos; o não poder agir de outra maneira como falta de acção penalmente
relevante
1. Inexigibilidade como culpa muito reduzida (desculpa) e causas de exclusão da culpa
(inimputabilidade, falta de consciência da ilicitude, não censurável); crítica
2. Inexigibilidade como causa de exclusão da responsabilidade pelo facto (Maurach), assente
em critérios gerais e abstractos (“qualquer pessoa…”); só depois se poria a questão da culpa
ou da perigosidade; crítica
3. A inexigibilidade como causa de justificação: crise da própria aplicabilidade da norma.
Crítica: claro que todo o ilícito supõe a exequibilidade do cumprimento do dever (remissão);
mas: problema específico, e diferente, da inexigibilidade como afastamento da culpa em
relação à prática de um facto ilícito: circunstâncias particulares do agente, que a natureza
abstracta da norma e do dever não permite contemplar; sentido da persistência do ilícito: o
caso dos náufragos
4. A inexigibilidade na teoria da responsabilidade de Roxin
Responsabilidade: culpa + necessidades de prevenção; inexigibilidade reduz ou elimina as
segundas; crítica: a heterogeneidade dos elementos

4. Crítica comum às abordagens precedentes: inexigibilidade não pode assentar em critérios gerais e
abstractos, mas tem que dizer respeito à culpa como censura pessoal e concreta dirigida à personalidade
do agente documentada no facto. Consequência: culpa e a sua exclusão têm que funcionar dentro do
mesmo paradigma de racionalidade:
1. Culpa da personalidade referida à atitude interior do agente: facto ilícito pode ainda ser expressão
de uma personalidade fundamentalmente fiel ao direito, de um ponto de vista juridicamente
valioso. Exemplos. Padrão do homem médio não é o critério mas o parâmetro de avaliação da
concreta personalidade. Homem médio e heróis; exigibilidade intensificada
2. Inexistência de uma cláusula geral de exclusão da culpa: princípio da taxatividade; competência
da OJ para definir os pressupostos e os limites da inexigibilidade

II. O estado de necessidade desculpante (art. 35.º)


1. A presença explícita da ideia de inexigibilidade
2. Solução diferenciada do “estado de necessidade”: justificação e exculpação (remissão)

3. Diferenças:
a) a ponderação dos interesses; subsidiariedade do art. 35º em relação aos direitos de necessidade (agressivo e
defensivo) como decorrência da construção do conceito de crime; casos de subsunção concomitante:
aplicação da norma justificante
b) a inexistência de uma cláusula de limite do sacrifício (34º, al. c))

4. Requisitos
1. Perigo actual (remissão); “não removível de outro modo”: requisito autónomo?
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2. Limitação da exclusão da culpa ao salvamento de certos interesses (não necessariamente no sentido
de bens jurídicos em sentido técnico: p. ex.: vida abrange vida intra-uterina; liberdade abrange a
liberdade e autodeterminação sexual); interesses próprios ou de terceiro (integração com o requisito
da inexigibilidade)
3. Cláusula de inexigibilidade: padrão do homem médio colocado na posição concreta do agente: nem
herói nem cobarde. A exigibilidade intensificada (perigos específicos)
4. A causação voluntária do perigo pelo agente: tratamento análogo ao direito de necessidade: pré-
ordenação exclui a inexigibilidade
5. Elemento subjectivo é fundamental: conhecimento da situação de perigo e acção dirigida à
preservação do mesmo; em caso de desconhecimento da situação de necessidade, não se aplica o art.
38º, nº 4 (por analogia): explicação

5. O n.º 2 do art. 35º e a possibilidade de o agente não ser punido: causa de exclusão da culpa?
1. O anteprojecto de Eduardo Correia e a cláusula geral de inexigibilidade
2. A solução diferente acolhida no CP: nº 2 atenua a pena ou dispensa-a (princípio da culpa em sentido
unilateral). A cláusula de inexigibilidade tem o seu campo circunscrito ao nº 1: tratando-se da
protecção de outros interesses, é sempre exigível que o agente actue em conformidade com o direito.
Alternativa: inexigibilidade que não exclui a culpa, o que é uma contradição nos termos.
3. Erro sobre os pressupostos do estado de necessidade desculpante; casos e seu tratamento
a) casos de erro sobre a situação de perigo que, se existisse, levaria à afirmação da inexigibilidade:
aplicação do art. 16º, nº 2 e exclusão do dolo (dolo-da-culpa); eventual punição por negligência;
b) casos de falsa representação de situações que, se se verificassem, não levariam à exclusão da
culpa do agente (por lhe ser exigível conduta diversa): irrelevância do erro e punição pela
conduta dolosa

6. O excesso de legítima defesa desculpante (art. 33.º, n.º 2).


1. O excesso intensivo ou excesso nos meios: a ausência do requisito “meio necessário” e, portanto, a
ilicitude da acção de defesa. Exemplos
2.

3. A exigibilidade intensificada na avaliação da censurabilidade do medo ou susto


4. A explicação do regime à luz da noção de culpa da personalidade acolhida
5. Exclusão da culpa funciona mesmo que o agente tenha consciência do excesso

7. A falta de consciência do ilícito (= erro sobre a ilicitude) não-censurável (art. 17.º, n.º 1) como causa de
exclusão da culpa

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1. O problema geral do erro sobre a proibição, onde se inclui o erro sobre a ilicitude: representação
correcta dos factos típicos (dolo-do-tipo) não leva o agente a actualizar a sua consciência ética,
alcançando o sentido de ilicitude do facto

2. O critério da relevância/densidade ética/axiológica das condutas e a sua repercussão no


enquadramento dogmático:
- Erro sobre proibições legais: erro intelectual (de conhecimento), falha da consciência psicológica
(intencional) à afastamento do dolo da culpa, mas possibilidade de negligência (dever de
informação); ex.: obrigações declarativas
- Erro sobre a ilicitude: erro moral (de valoração), falha da consciência ética à não afecta o dolo,
mas pode excluir a própria culpa (em globo) se não for censurável
3. A possibilidade do erro sobre a ilicitude de condutas com relevância axiológica
- em geral: a fundamentação ética das proibições penais
- mas: zonas onde não existe consenso social sobre a criminalização (exemplos); casos de neo-
criminalização; erro culturalmente determinado; etc. Erro sobre a ilicitude pode não exprimir
uma personalidade juridicamente censurável

4. A distinção entre consciência vera (verdadeira) e consciência recta

5. Caracterização da consciência recta: não acede, no momento do facto, ao sentido de ilícito imposto
pela ordem jurídica, mas exprime ainda – apesar do erro – uma atitude de fidelidade e de
correspondência a valores e pontos de vista juridicamente reconhecidos = inexistência de uma
personalidade desconforme com o direito

6. Critérios da não-censurabilidade do erro


- questão do ilícito é discutível, controvertida e conflitual (sociedades plurais e complexas);
- expressão de um ponto de vista juridicamente valioso (mesmo que diferente do sentido imposto pelo
direito);
- propósito de exprimir esse ponto de vista e de assim actuar de maneira conforme com o direito

7. Situações de conflitos de valores:


- erro culturalmente determinado (apesar da maior homogeneidade actual das regras culturais: o
exemplo do “atentado ao pudor”)
- erro sobre o âmbito ou a existência de uma causa de justificação: exemplos: o exercício abusivo
do poder paternal; a ameaça de tortura pela polícia; o médico que cumpre o dever menos intenso,
sacrificando a filha
- avaliação da censurabilidade do erro

8. Processos de neo-criminalização: a atribuição de vantagem indevida

9. Referência à possibilidade de atenuação da pena do nº 2 do art. 17º quando não se aplique o nº 1

8. Obediência indevida desculpante


1. Obediência devida (como causa de justificação) e obediência indevida (como possível causa de
exculpação: art. 37º)
2. O problema: o dever de obediência cessa quando conduz à prática de um crime (36º, nº 2 CP e 271º,
nº 3 CRP)
3. Círculo de agentes: os funcionários (art. 386.º do CP)

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4. Enquadramento dogmático:
- F. Dias: forma especial do erro sobre a ilicitude; tratamento mais favorável do funcionário em relação
ao regime geral do art. 17º (que exige a não censurabilidade do erro): basta que não seja evidente
que a ordem conduz à prática de um crime.

Fundamentação: a posição subalterna e a preservação do funcionamento eficaz da administração.

Distinção entre o art. 37º e o erro sobre os pressupostos da legitimidade da ordem (art. 16º, n.º 2)

- N. Brandão: art. 37º é uma regulamentação específica do erro sobre os pressupostos da causa de
justificação: norma especial em relação ao art. 16º, nº 2 (e não ao art. 17º); é sempre um erro de
conhecimento, que normalmente cairia no âmbito do art. 16.º nº 2, onde subsistiria a possibilidade de
punição por negligência; art. 37º, ao excluir a culpa, impede a punição por negligência

5. Apreciação crítica:
- Divergência doutrinal existe logo na interpretação da hipótese do art. 37º (“nunca é” – F Dias – versus “é
sempre” – N Brandão – um problema de representação de pressupostos de facto)
- Posição de F Dias: não é consistente com o critério adoptado para as outras causas de exclusão da culpa,
pois aqui apela-se a um critério geral e abstracto (um corpo estranho nas causas de exculpação): não ser
evidente para a generalidade das pessoas que a ordem leva ao cometimento de um crime
- Posição N Brandão: é verdade que a referência ao “quadro das circunstâncias que o agente representou”
indicia um erro sobre factos; porém, alarga desmesuradamente a exclusão da culpa em casos onde o
“quadro das circunstâncias representadas pelo agente” já é fruto de uma negligência grave e grosseira por
parte do agente.
Consequência: quanto maior for a negligência na (não) representação das circunstâncias relevantes, mais
favorável será o tratamento dado pelo art. 37º

6. Posição adoptada: F Dias : leitura dogmaticamente mais congruente e político- criminalmente mais
adequada: distinção entre erros sobre pressupostos do dever de obediência (16º, 2), com subsistência
de eventual responsabilidade negligente (16º, 3), onde se valora a posição de inferioridade
hierárquica; e erros sobre o sentido ilícito da ordem e da conduta, que podem excluir a culpa nos
termos do art. 37º do CP

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A punibilidade (referência geral)


1. Última categoria da construção jurídica do crime:
2. Heterogeneidade dos elementos da punibilidade: condições objectivas de punibilidade presentes na parte
especial, a “não-desistência” da tentativa, etc.
3. Fundamento: a falta de dignidade penal do facto típico, ilícito e culposo
A punibilidade como momento privilegiado de cristalização da dignidade penal

4. Dignidade penal e propósitos político-criminais (ex.: desistência da tentativa, art. 227.º, 295º, etc.)
5. Preservação de interesses extrapenais que conflituam com a pretensão punitiva (ex.: em algumas ordens
jurídicas, a impunidade das vítimas de crimes de tráfico de pessoas por certos crimes para as estimular a
procurar o auxílio das autoridades)
6. Irrelevância para o dolo: a afirmação do dolo não depende da representação (e vontade) das condições de
punibilidade
7. Distinção entre punibilidade (do facto), procedibilidade (categoria do processo penal) e carência de pena
(isenções e dispensa de pena: ex., 35º, 2; 374º-B, 1).

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A negligência
1. Negligência como forma típica de aparecimento do crime: evolução: do “tronco comum” (com separação na
culpa: uma “culpa especial) à autonomia completa das duas formas.
2. Punibilidade da negligência: necessidade de previsão expressa (art. 13.º)
3. Critérios de decisão na criminalização da negligência: relevância do bem jurídico; proliferação de actividades
perigosas
4. Tipificação da negligência: doutrina do duplo escalão. Análise do art. 15º:
1. Tipo-de-ilícito: violação do dever objectivo de cuidado
2. Culpa: capacidade pessoal de cumprir o dever de cuidado
3. Modalidades da negligência: consciente (al. a)) e inconsciente (al. b)); natureza fenomenológica (e
não valorativa) da distinção, no quadro do elemento intelectual
5. O tipo de ilícito negligente
1. Diferenças com o tipo doloso no plano da vontade: relevância da vontade depende de uma
comparação com o comportamento juridicamente imposto (exemplos).
2. A especial relevância do resultado nos crimes negligentes:
- A impunibilidade da tentativa
- Crimes materiais e crimes formais
- Na vasta maioria dos casos, punição depende do resultado; uma questão de “azar”?

3. Violação do dever de cuidado (desvalor de acção) + (eventual) imputação do resultado típico.


4. Violação do dever de cuidado não se esgota na criação de um risco proibido de produção do
resultado: argumentos: crimes formais; violação de deveres de informação que não se referem à
produção do resultado (ex.: negligência no erro sobre proibições legais e no erro sobre pressupostos
de c.j.); negligência por assunção do risco
5. Critérios do cuidado devido: critério geral e abstracto ou individualizado?
a) limiar mínimo: padrão geral e objectivo em função da protecção do bem jurídico; fundamento;
casos de incapacidade concreta de cumprimento do dever – problema de culpa, e não de
preenchimento do ilícito-típico;
b) casos de capacidade pessoal superior à média: critério individualizado, que toma em atenção a
maior capacidade; exemplo e fundamento da maior exigência - “quem pode mais deve prestar
mais”: consonância com a protecção do bem jurídico. Limites (em sede de culpa)
6. Fontes do dever de cuidado
- Cuidado geral nas relações sociais e cuidado tipicamente referido (“segundo as circunstâncias do
caso”)
- Normas jurídicas de comportamento (leis e regulamentos); exemplos
- Normas técnicas de regulação de actividades profissionais (médicos, desportistas, etc.); costumes
profissionais (baby-sitting);
- Regras de imputação do resultado (conexão do risco) são uma categoria autónoma em relação ao
cuidado devido: exemplo (atropelamento)
- Negligência na aceitação ou assunção do risco; justificação político-criminal: a incapacidade de
cumprir o dever de cuidado referido ao facto e as lacunas de punibilidade que daí decorreriam
7. O princípio da auto-responsabilidade e o princípio da confiança: quem actua em conformidade com
a regra de cuidado relevante deve poder confiar que as outras pessoas fazem o mesmo; exemplos; a
necessidade de atentar na regra de cuidado relevante

Excepções:
- Conhecimentos especiais do agente (caso dos controladores de navios);
- Funções de supervisão e fiscalização de actividades de outrem (intervenções cirúrgicas

O caso das intervenções médicas em equipa; erros notórios e supervisão de formandos Aplicação do
princípio da confiança a factos dolosos de terceiro; exemplos

8. O problema da existência de um tipo subjectivo negligente


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- Roxin: distinção entre negligência consciente e inconsciente
- Paula Ribeiro de Faria: inexistência de um tipo subjectivo negligente
- Figueiredo Dias: representação imperfeita ou pura não representação do facto são um substrato
normativamente relevante para caracterizar o tipo subjectivo
- - Posição adoptada:
 negligência inconsciente: = Figueiredo Dias (lógica paralela à falta de consciência do ilícito
censurável como suporte normativo (“substrato”) da culpa dolosa)
 negligência consciente: entidade autónoma entre o dolo e a negligência stricto sensu?
Elemento intelectual = dolo eventual; distinção: atitude de indiferença perante a possível
ocorrência do facto (dolo eventual) versus confiança positiva (mas errónea) na não
verificação do facto (negligência consciente). Conclusão provisória: entre dolo eventual e
negligência consciente há apenas uma diferença de culpa?

9. O tipo-de-culpa negligente
- Culpa negligente: censura pessoal que se dirige ao agente por ter violado a norma de cuidado que
tinha capacidade para cumprir; atitude de desleixo ou leviandade perante o dever-ser jurídico

Aplicam-se todas as causas de negação da culpa, excepto a falta de consciência do ilícito não
censurável; explicação

- A capacidade para cumprir o dever: a comparação do agente com a pessoa do seu “tipo normal”,
enquadrada no seu contexto sócio-existencial; incapacidade relevante depende de características
pelas quais não é responsável (inteligência, formação, idade, inabilidades físicas, etc); exemplo;
distinção da incapacidade de agir; a capacidade na negligência por assunção do risco

10. A exigibilidade na culpa negligente


- A não censurabilidade da perturbação medo ou susto no excesso intensivo asténico de legítima
defesa: maior amplitude da exculpação nos factos negligentes?
- A exclusão da culpa no art. 35º: mais fácil afirmar a inexigibilidade em relação a factos
negligentes (maxime, com negligência consciente) do que em relação a sacrifícios dolosos de
interesses superiores
11. A negligência grosseira

Factor de maior gravidade da pena (v. g., art. 137º CP), ou mesmo de critério de incriminação (v. g.,
art. 156º, nº 3)

Maior gravidade do ilícito e maior gravidade da culpa (solução cumulativa).

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A Omissão
I. Considerações gerais
1. Introdução
1. A omissão como forma inversa da acção penalmente relevante. O dever de agir decorrente
dos tipos omissivos
2. Uma consideração “pré-jurídica” (social) dos crimes de acção e dos crimes de omissão: a
diferença estrutural entre a causação de riscos e a não-remoção de riscos. Os tópicos
conflituantes – e carecidos de justa ponderação – da sociedade de risco, da solidariedade e do
princípio liberal do Estado.

2. Distinção entre acção e omissão


1. Casos “normais” e casos problemáticos
2. Critérios de distinção:
a) Ilicitude típica / imputação objectiva: criação versus não remoção do risco para o bem jurídico
b) Sentido social do comportamento: regresso ao exemplo do “acto” de desligar a máquina do
paciente que dela carece para viver

3. Distinção entre omissões puras (próprias) e omissões impuras (impróprias)


1. Omissões puras: crimes formais (ao lado dos crimes de mera actividade): arts 200º, 284º, 190º, nº 1,
2ª parte)
2. Omissão impura: crimes materiais ou de resultado. O princípio de equiparação da omissão à acção
nos crimes materiais: art. 10º, nº 1. Os casos de equiparação promovida no próprio tipo de crime: a
infidelidade patrimonial (224º)

4. A equiparação da omissão à acção nos crimes materiais (omissão impura)


1. Fundamento; a doutrina de Eduardo Correia; a perspectiva mais restrita de Figueiredo Dias:
correspondência essencial do sentido social (desvalor) da omissão à causação do resultado por acção.
2. O carácter fulcral da posição de garante e do específico dever que daí resulta e que obriga
“pessoalmente” o agente a evitar o resultado. Consequência: a diversidade da estrutura típica dos
crimes de acção e de omissão impura
3. A ressalva da parte final do nº 1 do art 10º: (i) a restrição introduzida no nº 2; (ii) restrição da
punibilidade de certos crimes aos comportamentos activos (Parte Especial); exs. discutidos: a burla; o
emprego de “meios especialmente perigosos” do art. 132º, al. h). Critério é sempre o da similitude do
desvalor.

5. A questão da conformidade constitucional (art. 27º CRP) do nº 2 do art. 10º Resposta é afirmativa desde que
as categorias que enformam o dever de garante sejam precisas, claras e exaustivas.

- Teoria material-formal: equivalência do desvalor entre ataque e não-salvamento do bem jurídico


com apoio em circunstâncias formais e positivas que ofereçam a necessária segurança jurídica
aos cidadãos

6. Possibilidade de atenuação da pena

- Representação social da menor gravidade dos crimes de omissão (não causação do risco)

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II. O tipo de ilícito dos crimes de omissão


1. O ilícito-típico como lugar privilegiado da especificidade dos crimes de omissão
2. Tipo objectivo: elementos comuns a todas as formas de omissão
a) Situação típica que exige uma actuação do agente (omitente)
(i) omissão pura: descrição no tipo legal de crime (PE)
(ii) omissão impura: situação de risco de ocorrência do resultado típico de um crime descrito na PE +
equiparação do desvalor da omissão à acção (10º nº 1 e nº 2)
b) Ausência da acção devida ou esperada (conteúdo da conduta típica, substrato da punição)
c) Possibilidade fáctica de agir: a impossibilidade de agir implica a inexistência do dever (ad impossibilia nemo
tenetur; remissão: a inexigibilidade lato sensu como categoria geral do dever e do ilícito); mas: atenção à
possibilidade de salvamento por meios alternativos

[para reflexão: a eventual distinção entre a impossibilidade fáctica que exclui o próprio dever (o ilícito-típico)
e a inexigibilidade propriamente dita como exclusão da culpa, subordinada ao art. 35º (p. ex., em caso de
risco para a vida do próprio)]

2. Tipo objectivo: elementos específicos da omissão impura


a) Imputação objectiva: diferença com os crimes de acção: não existe o “primeiro degrau” (da causalidade real /
natural); pura imputação normativa: doutrinas da adequação (omissão da acção adequada) e da conexão do
risco.
b) Existe imputação sempre que a acção esperada /omitida fosse apta a diminuir o risco de produção do
resultado (att: in dubio pro reo).
c) Aplicação das regras de exclusão da imputação do resultado (esp. comportamento lícito alternativo)

3. Tipo objectivo: elementos específicos: a posição e o dever de garante


1. Posição: substrato fáctico; dever: jurídico e pessoal (por oposição a um dever geral de prevenção de
perigos e de auxílio mútuo: princípio da legalidade)
2. Densificação do dever de garante
1. Teoria formal: três “fontes”: lei, contrato e situação de ingerência; vantagens (segurança
jurídica) e insuficiências (conexão entre fontes e o fundamento da omissão; conteúdo dos
critérios)
2. Teoria das funções:
a) guarda de um bem jurídico concreto: deveres de protecção contra qualquer perigo
b) vigilância de uma certa fonte de perigo: deveres de controlo
c) c) Importante legado para a compreensão do problema. Mas: insuficiência da teoria
das funções na conexão com o fundamento da incriminação da omissão; insuficiente
vinculação jurídica positiva do dever de garante

3. Posição adoptada: a teoria material-formal: desvalor equivalente + reflexo em circunstâncias


positivas:
4. (cont.) Teoria material-formal
1. Deveres de protecção e assistência a um bem jurídico / pessoa delas carecida
a) relações familiares e análogas (ex., 1.874 CC);
b) assunção de funções de guarda / assistência (relação de confiança positivada num
contrato)
c) comunidade de vida e de perigos:
(i) autonomização da comunidade de vida? Sim: casos paradigmáticos de
proximidade existencial
(ii) comunidade de perigos: partilha dos riscos; necessidade de situações concretas de
perigo

2. Deveres de vigilância e de segurança em face de uma fonte de perigos

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a) situação de ingerência: remissão; mas facto criador do perigo não tem de ser ilícito, e pode ser
uma acção ou omissão; distinção entre a imputação “directa” e a situação de ingerência por
acção/omissão anterior (ex.) à daí a autonomia da ingerência

b) dever de fiscalização de fontes de perigo no âmbito de domínio próprio Ubi commoda, ibi
incommoda. Exemplos: propriedade de imóveis, responsabilidade pelo funcionamento de máquinas
perigosoas, responsabilidade do produtor

c) dever de garante face a actuações de terceiro: Princípio da auto-responsabilidade; mas: actos


praticados por inimputáveis com violação de deveres de vigilância

d) posições de monopólio de facto


i. o problema: exemplos; o enquadramento da doutrina tradicional
ii. hoje: função subsidiária em situações-limite; a desproporção entre o valor do bem jurídico e
o esforço pedido ao agente; desnecessidade de que uma só pessoa tenha o poder de salvar
(ex.)

5. Cumprimento do dever não exige o efectivo salvamento: basta a prática da acção adequada a evitar o
resultado.
6. Posição de garante: pressupostos de facto que integram a factualidade típica dos crimes omissivos
impuros; dever de garante: elemento de caracterização do ilícito da omissão imprópria. Relevância da
distinção em matéria de erro

III. O tipo de ilícito subjectivo nos crimes de omissão


1. Admissibilidade do dolo (várias modalidades) e da negligência (nos termos legais)
2. Erro sobre a posição de garante versus erro sobre o dever de garante
1. Erro sobre a posição de garante (ex.) à erro sobre a factualidade típica: 16º, nº 1, 1ª parte; erro de
conhecimento, falta de representação de elementos do tipo à exclusão do dolo, subsistência da
eventual punibilidade por negligência
2. Erro sobre o dever de garante (ex.) à erro sobre a ilicitude: art. 17º (1 ou 2); erro de valoração, erro
moral à eventual exclusão da culpa se o erro não for censurável

IV. O tipo de culpa nos crimes de omissão


1. Característica particular: maior frequência da falta de consciência do ilícito: a natureza controversa da
proibição como elemento essencial da falta de consciência do ilícito (remissão) e a sua verificação particular
nos crimes de omissão (discussão sobre as posições de garante); recuperação do critério da personalidade
recta
2. Particular relevo da dupla projecção da ideia de inexigibilidade:
- como exclusão da tipicidade (afastamento do próprio dever), ex.: art 200º, nº 3;
- como exclusão da culpa, nos termos gerais (ex. art. 35º)

--- FIM DO PROGRAMA E ENCERRAMENTO DO CURSO ---

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