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DIREITO E JU RISPRUDÊNCIA

DOUTRINA
Crimss contra a administração pública
Prof. R o b e r t o L y r a
(Membro das Comissões elaboradoras dos Códigos Penal,
de Processo Penal, Penitenciário e de Menores)

V III

I — Extravio, sonegação ou inutilização de livro gou ou inutilizou, por outro para cuja falsificação
ou documentos. 11 — Concurso de crimes. III — concorreu de qualquer modo (art. 25).
Sujeito ativo. IV — Sujeito passivo. V — Elemento
objetivo. V I — Elemento subjetivo. V II — Penas. Ver, também, os arts. 151, § 1.°, n.° I, e 3.°
(destruição de correspondência com abuso de fun­
O art. 314 do Código Penal define o crime de ção em serviço postal, telegráfico, radioelétrico, ou
extravio, sonegação ou inutilização de livro ou telefônico); 163, § único, n.° I I I (dano contra o
documento (vide a ementa), nos seguintes têrmos: patrimônio da União, de Estado ou de Município);
art. 165 (dano em cousa de valor artístico, ar­
“Extraviar livro oficial ou qualquer do­ queológico ou histórico); art. 336 (inutilização
cumento, de que tem a guarda em razão do de edital ou de sinal); 337 (subtração ou inutili­
cargo; sonegá-lo ou inutilizá-lo, total ou par­ zação de livro ou documento); 356 (sonegação
cialmente” . de papel ou objeto de valor probatório); etc.
Sôbre o concurso material e o concurso formal
A pena principal (art. 28) respectiva é reclusão, de crimes, vide os arts. 51 e 51 § 1.°.
de um a quatro anos, se o fato não constitui crime O livro oficial e o documento, como bens móveis,
mais grave. podem ser objeto material do crime de peculato,
A previsão visa, genèricamente, à tutela da or­ mais grave do que o dio art. 314.
dem e do prestígio da administração pública, san­ O art. 221 da antiga Consolidação das Leis Pe­
cionando, especificamente, a violação de dever es­ nais referia-se, expressamente, a documentos.
pecial e direto de guarda, conservação e vigilância.
I I I — O sujeito ativo do crime do art. 314 só
Não se cuida, na espécie, da lesão patrimonial, pode ser funcionário público (art. 327).
nem do fim de lucro estranho à existência do crime.
IV — O sujeito passivo do crime é diretamente
Trata-se de norma subsidiária, que opera em a administração pública, mesmo quando o do­
ordem de interêsses genéricos quando desfalcadas cumento foi confiado à guarda da administração
tipicidades mais importantes. pública.
II — A ressalva — se o fato não constitui crime V •— E ’ pressuposto do crime do art. 314, nas
mais grave — abonada pelos padrões da técnica suas três modalidades, isto é, extravio, sonegação
jurídica — exclui o concurso do crime do art. 314 ou inutilização, a circunstância de estar o livro
com outro de maior gravidade pelo critério da oficial ou o documento sob a guarda do sujeito
apenação (p. ex., o do art. 305). ativo que, como vimos, é sempre funcionário pú­
E ’ possível o concurso, se o outro crime se inte­ blico.
gra por fatos diversos, mesmo conexos, como, por Não basta a posse como no crime de peculato,
exemplo, quando o funcionário público substitui reclamando-se a obrigação funcional de guarda.
o livro oficial ou documento, que extraviou, sone­ Nem de outrem podia partir sonegação.
D I R E I T O E J U R I S P R U D Ê N C I A 113

V I — O elemento objetivo do crime do art. 314 juntos e lhe tivessem ido às mãos ou poder, em
pode consistir em : razão do emprêgo.
Na primeira parte, temos o extravio e, na se­
а) extravio de livro oficial; gunda, a sonegação.
б) extravio de documento; A discriminação do art. 314 esgota a fôrça de
c) sonegação de livro oficial; compreensão do preceito, mas as conseqüências
d) sonegação de documento; penais são idênticas para o extravio e para a so­
negação .
e) inutilização de livro oficial;
Em última análise, basta que o funcionário não
/) inutilização de documento.
apresente, quando reclamado por quem de direito,
o livro oficial ou o documento sob sua guarda,
E ’ irrelevante, para a existência do crime, que
não dê conta dêle, coloque-o em condições de não
o sujeito ativo pretenda, ou obtenha proveito.
poder ser achado ou encaminhado, deixe de men­
Trata-se de crime de dano, que, portanto, admite cionar a sua existência em caso de pedido de con­
tentativa (art. 12, n.° II) , consumando-se com o sulta, cancele-o (vide o art. 208 da Consolidação
extravio, a sonegação ou a inutilização, mesmo das Leis Penais), para que, provado o do/u, se
parcial. verifique o crime.
Não há necessidade de outro dano do que o ine­ Vimos que a inutilização, mesmo parcial, inte­
rente ao fato. gra a materialidade do crime do art. 314.
O crime é instantâneo, mas pode ter efeitos E ’ o que acontece nas hipóteses de riscar o fun­
permanentes. cionário o livro oficial ou documento (vide o ar­
O objeto material do extravio, da sonegação ou tigo 208 da antiga Consolidação das Leis Penais;
da inutilização há de ser: ou de, por qualquer meio ou modo, torná-lo im­
l.o — iivro oficial; 2° — qualquer documento. prestável ou ilegível, ainda em parte mínima.
Como se vê, o livro há de ser oíicial, mas o A discriminação é taxativa.
documento pode ser particular, desde que se ache Portanto, o sujeito ativo há de extraviar, so­
sob a guairda do sujeito ativo, em razão do cargo. negar ou inutilizar, mesmo parcialmente, livro ofi­
Livro do serviço público, ainda sem fôrça legal, cial ou documento.
e não livro de biblioteca pública, por exemplo. Não importa quem seja o proprietário do do­
Como de boa técnica legislativa, sobretudo em cumento. Indiferentes, também, a duração e o local
matéria penal, as expressões — extraviar, sonegar, da custódia do livro oficial ou do documento.
inutilizar — foram empregadas no sentido comum Vimos que o Código alude a qualquer do­
que permitiu a tradicional distinção entre o ex­ cumento .
travio e a sonegação e, assim, deixando claro o Não interessam à existência do crime a natureza,
alcance de ambas as situações. a eficiência ou a validade, quer se trate de original
Assim, as palavras — extraviar e sonegar foram ou de cópia.
usadas, não no sentido de subtrair, comum a am­ As circunstâncias e conseqüências do crime in­
bas, mas interessando à materialidade de outras in­ fluem somente na pena (art. 42).
frações, e sim em acepções integrantes, respectiva­ VI — O crime do art. 314 do Código Penal é
mente, de forma comissiva e de forma omissiva sempre doloso.
do crime. Extravio corresponde a descaminho (ar­ E ’ preciso, pois, que o sujeito ativo queira o
tigo 381 do Código Penal). Os arts. 1.780 e se­ resultado, ou, pelo menos, assuma o risco de pro-
guintes do Código Civil bem esclarecem o conceito duzí-lo, isto é, de extraviar, sonegar ou inutilizar.
de sonegação. Não sendo expressa a modalidade culposa, não
O art. 208 da antiga Consolidação das Leis Pe­ se pune o crime a título de culpa (art. 15, §
nais definia, como modalidade do crime de pre­ único), como no caso de negligência, em que o
varicação, o fato de não dar conta o funcionário funcionário perde ou manda o livro oficial ou o
de autos, documentos, ou papéis que lhe fôssem documento.
entregues em razão do ofício, ou os tirar de autos, A atividade culposa permanece, exclusivamente,
requerimentos ou representações a que estivessem na esfera administrativa ou civil.
114 R E V I S T A D O S E R V I Ç O P Ú B L I C O

Mas, po4e haver incúria dolosa, isto é, crime O Código brasileiro, em medida de política cri­
comissivo por omissão. minal, interessa o sujeito ativo na diminuição do
Os motivos e os fins não têm fôrça vital na mal, mandando atenuar a pena, se o agente “pro­
incriminação, mas atuam na pena (art. 42 e se­ cura, por sua espontânea vontade, e com eficiên­
guintes) . cia, logo após o orime, evitar-lhe ou minorar-lhe as
V II — Vimos a pena principal cominada ao conseqüências” (art. 48, n. IV, letra b ) .
crime do art. 314: reclusão, de um a quatro A qualidade de funcionário é elemento consti­
anos. tutivo, determinando o título do crime para todos
O Código italiano cominou a pena de morte os concorrentes, mesmo particulares.
para o mesmo crime, quando afetada a segurança Quanto às penas acessórias, a situação é a mesma
nacional (art. 255). estudada anteriormente.

PARECERES
E XE R C ÍC IO PELA M U LH E R CASADA DE 3 — O direito marital não é, pois, absoluto; está su­
CARGO OU FUNÇÃO PÚBLICA — INS­ jeito ao controle judicial, em processo regular. Não fica
a mulher, ante a recusa do marido, sem remédio eficaz.
CRIÇÃO EM CONCURSO — AUTORIZA­
Pode recorrer à autoridade do juiz que, à vista dos fatos
ÇÃO DO M A R ID O
e das provas produzidas, decidirá se a rcusa é legítima ou
— O que depende de autorização marital infundada.

— presumida, expressa ou suprida judicial­ 4 — A autorização marital se presume quando a mulher

m ente — é o exercício do cargo e não a sim­ ocupa cargo público (art. 247, parágrafo único) e daí o
costume de não se exigir manifestação inequívoca do ma­
ples inscrição em concurso. rido antes de se dar posse à mulher. No caso, porém, a
— Habilitada em concurso pedirá a mulher, presunção cederia à prova em contrário, fornecida em
querendo, o suprimento judicial e, à vista do tempo oportuno ao órgão da administração pública com­
respectivo alvará e do título de nomeação, os petente para a seleção de pessoal.

órgãos da administração não poderão legitima­ 5 — Mas, como ficou dito, o que depende de autorização

mente negar-lhe a posse e o exercício do cargo — presumida, expressa ou suprida judicialmente — é o


exercício do cargo
e não a simples inscrição em concurso.
ou iunção pública. Com relação a esta o poder marital não tem ingerência.
— Interpretação do art. 122, n. 3, da Cons­ 6 — Dir-se-á que a administração não deve recrutar
tituição. pessoal cujo aproveitamento é aleatório, dependente de con­
— Idem dos arts. 233, 242, n.° IV, 245, cordância de outrem, ou de suprimento judicial. Mas
n.° II e 247 § único do Cód. Civil. acolher o argumento é prejulgar um a desinteligência entre
cônjuges, para solução da qual há uma instância judicial
D E P A R T A M E N T O A D M IN IS T R A T IV O D O S E R V IÇ O preconstituída, e admitir, de plano, que a recusa é fundada.
P Ú B L IC O Os cargos públicos são igualmente acessíveis a todos os
PARECER brasileiros, observadas as condições de capacidade previstas
nas leis e regulamentos, diz a Constituição (art. 122, n.° 3).
1 — E m petição dirigida ao Presidente do D . A . S . P .
nega o marido à sua espôsa autorização para exercer qual­ Habilitada em concurso pedirá a mulher, querendo, o
quer cargo ou função pública e requer seja também “ne­ suprimento judicial e, à vista do respectivo alvará e do
título de nomeação, os órgãos da administração não poderão
gada à sua espôsa inscrição no concurso para operadores
de serviço de mecanização ou outro qualquer, bem como legitimamente negar-lhe a posse, o exercício do cargo ou
admissão em qualquer emprego, cargo ou função pública” . função pública.
Não juntou certidão de seu casamento, mas admitindo a Terá preenchido, assim, nos têrmos da lei magna, os
sua vigência, a questão jurídica a esclarecer é a seguinte : requisitos legais pasa o exercício do cargo; a atitude do
2 — O art. 233 do Código Civil investe o marido na marido ante o poder público ficâ destituída de sentido, e
chefia da sociedade conjugal. E m razão dêste encargo nenhuma conseqüência poderá acarretar.
compete-lhe, entre outros direitos, “o de autorizar a pro­ E m conclusão: penso que a negativa do marido não
fissão da mulher” (n.° I V ) . No art. 242 n.° IV , com obsta a inscrição em concurso; impedirá, salvo suprimento
remissão ao dispositivo citado, se declara também que a judicial, o exercício do cargo.
mulher não pode, sem autorização do marido, exercer
E ’ o meu parecer.
profissão.
S. M . J .
A autorização marital, neste caso, se o marido não m i­
nistrar os meios de subsistência à mulher e aos filhos, pode R io de Janeiro, 12 de maio de 1944. — Carlos Medeiros
suprir-se judicialmente (art. 245 n.° I I ) . Silva, Consultor Jurídico do D . A . S . P .

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