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Crimes contra o Patrimônio

UNIDADE VIII – Dos Crimes contra o Patrimônio

A partir do Título II, passa o legislador a tratar dos crimes contra


o patrimônio. A primeira pergunta que vem à mente é: o que se deve
entender, no campo específico do Direito Penal, por patrimônio? A
expressão confunde-se, popularmente, com o conceito de propriedade, só
que é bem mais abrangente. Para o Código Civil, propriedade é o direito que
tem a pessoa de usar, gozar e dispor de seus bens, reavendo-os de quem
quer que injustamente os detenha. Vale dizer: é o poder de dispor de uma
coisa e de suas utilidades. É a plena potestas dos romanos; direito real, que
une uma pessoa à coisa. Mas não é essa propriedade que recebe, em
primeiro plano, a tutela penal, e sim o direito de posse - uso e gozo da coisa,
ou seja, o jus utendi et fruendi, componente do patrimônio da pessoa física ou
jurídica.
O patrimônio, segundo a doutrina clássica, é o próprio
desdobramento da personalidade; é a irradiação da pessoa, possuindo
características próprias e especiais, que não se confunde com os elementos
que a compõe. Trata-se de uma abstração legal, como se vê da leitura do art.
57, do Código Civil.
O conteúdo do patrimônio, no Direito Penal, não coincide
necessariamente com o do Direito Civil. A res que a integra pode nem ter
expressão econômica, mas apenas valor afetivo; mesmo assim recebe a
tutela penal.
Os direitos reais e os direitos obrigacionais constituem bens
jurídicos integrantes do patrimônio, representando as duas grandes classes
de direitos: os primeiros vinculam a pessoa a uma coisa certa e determinada,
originando um vínculo jurídico oponível erga omnes; os segundos vinculam
uma pessoa a outra pessoa, criando um complexo de relações que se
consubstanciam nas obrigações de dar, fazer ou não fazer. Os direitos reais
são enumerados taxativamente no art. 674, do Código Civil, compreendendo:
propriedade, enfiteuse, servidões, usufruto, uso, habitação, rendas
constituídas sobre imóvel, penhor, anticrese e hipoteca; os direitos
obrigacionais, também chamados direitos pessoais são muito mais
numerosos e não estão descritos na lei.
Para o Direito Penal, a posse inclui-se no patrimônio, embora
não seja direito real, mas uma das qualidades desta, estando conceituada na
doutrina como sendo “a visibilidade do direito real a exteriorização da
propriedade“ (Bevilacqua). Também integram o patrimônio, sendo alvo da
tutela penal, os chamados direitos intelectuais, decorrentes da criação do
espírito humano: o privilégio de invenção ou de criação de obra artística,
literária ou científica, que se reveste de alguns aspectos de direito pessoal,
não obstante seu real conteúdo econômico. As relações econômicas
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decorrentes do direito de família e as ações relativas a esses direitos estão,


de igual forma, ao abrigo da norma penal.
Via de regra o patrimônio deve possuir um substrato físico. Não
tendo, contudo, podem constituir ser objeto de crimes patrimoniais, como por
exemplo, no estelionato.
A característica fundamental dos crimes patrimoniais é a
diminuição do patrimônio da vítima, distinguindo-se suas várias modalidades
pelo objeto material, pela complexidade do elemento subjetivo ou pela
ação física do agente, recebendo, em face de cada um desses elementos,
com maior ou menor intensidade, tratamento penal diversificado. Por
exemplo: no art. 155, do Código Penal, o legislador ocupa-se do furto, tendo
por objeto coisa alheia móvel (res furtiva). O mesmo propósito leva-o a
tipificar o roubo (art. 157), de forma muito mais gravosa, e a apropriação
indébita (art. 168) . O imóvel e os direitos obrigacionais são tutelados em
outros artigos do Código Penal (Crimes contra a propriedade imaterial – Título
III, arts. 184 a 196).

Do Furto – Art. 155

Consiste na subtração de coisa alheia móvel,


para si ou para outrem. É a forma mais
CONCEIT

elementar dos crimes patrimoniais,
distinguindo-se do roubo porque não há
O violência ou grave ameaça contra pessoa

Imediato: a posse; mediato: a propriedade. A


OBJETO

lei protege, em primeiro plano, a posse; em
segundo, a propriedade, não exigindo ligação
JURÍDIC entre uma e outra. Ladrão que rouba ladrão
O comete crime.

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Qualquer pessoa. Quem subtrai, para si ou para


outrem, coisa alheia móvel. Quem tem em seu poder
coisa alheia móvel não pode subtraí-la; se dela
resolver apropriar-se, comete apropriação indébita
(art. 168). Simples posse ou detenção da res não
constitui crime, se não existir animus domini, pois não
implica redução do patrimônio da vítima. É furto
doméstico ou famulato (Carrara) aquele praticado
pelo operário da obra ou pela empregada doméstica.

SUJEITO ATIVO

É a pessoa física ou jurídica que perdeu a


posse do objeto, sofrendo desfalque no seu
patrimônio. Sujeito passivo direto é o possuidor da
coisa; indireto é o proprietário, que perdeu seu
patrimônio. Não o é quem simplesmente detém a
coisa sem ânimo de posse.

SUJEITO PASSIVO

O tipo objetivo é indicada pelo verbo


subtrair, que significa tirar ou retirar alguma
coisa da esfera de proteção e disponibilidade
da vítima; apossar-se de algo pertencente a
outrem É crime instantâneo, que se exaure
com o apossamento da res furtiva. A execução
e a consumação, via de regra, ocorrem
simultaneamente, sendo mister a posse
tranqüila da res furtiva.

Ação Física = inversão de posse

2) ablatio: remoção da
coisa do lugar de onde 3
estava.

Ação Física = Inversão de Posse


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3) amotio: acopla-se
1) apprehensio rei: Teorias da outro elemento,
quando se toca no consumação do exigindo-se a remoção
objeto com o intuito de furto da coisa para o lugar
apossar-se. desejado pelo agente
(eo loco quo
destinaverat);

4) Concretactio: teoria predominante


desde o Direito Romano, até hoje.
Reúne as teorias precedentes: o furto
começa com a apprehensio e termina
com a ablatio, quando a coisa fica
indisponível para seu possuidor.

É “toda substância corpórea, material,


O que se deve ainda que não tangível, suscetível de
entender por apreensão e que tem um valor qualquer”
coisa alheia (Noronha). A ação física importa numa
móvel? alteração da realidade, com remoção da
coisa alheia, que é retirada da esfera de
disponibilidade e proteção do possuidor e
transferida para o agente. Pode efetivar-se
por meio de ação direta ou indireta, valendo-
se o autor do concurso de terceiro inciente,
animais adestrados ou meios mecânicos. A
remoção pode ser feita por ação do próprio
agente ou utilizando tração mecânica ou
biológica do objeto material, como ocorre no
furto de automóvel e no abigeato (furto de
gado).

Coisa alheia é aquela que está na posse de outrem,


proprietário ou possuidor. No Direito Civil, os bens
são públicos, particulares ou fora do comér-cio. Para
o Direito Penal, essa distinção é relativa: Toda coisa
de valor economicamente apreciável, suscetível de
apropriação e transporte, pode ser objeto de furto.
Assim, o ar, a luz, terra, a água dos mares e dos rios
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podem ser objeto de furto, quando destacados e
colocados em recipientes, (ar comprimido, água
engarrafada, etc.).
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OBJETO
MATERIAL

Não há furto no apossamento de coisas que


nunca tiveram dono (res nullius, art. 592, CC)
ou de coisas abandonadas (res derelicta, art.
592, parágrafo único). O apossamento de coisa
perdida (res deperdita), constitui o tipo próprio
do art. 169, II.

Títulos Corpos
gasosos
Árvores

Papel moeda,
Incluem- ouro, jóias,
Energia Elétrica etc.
(Art. 155, §3°) se no
conceito
de coisa
Navios e
aeronaves

Ar, água, partes do solo,


acondicionadas em recipi- Máquinas e
entes, tendo valor econo- Instrumentos
micamente apreciável

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R
D
A res sacra, ou Só são objeto de furto coisas que têm
coisas destinadas ao O
valor econômico ou afetivo para a vítima
culto religioso (fotografias, cabelos, cartas de amor, etc.).
constituirão objeto Coisas comuns ou de uso comum (art. 66,
material do crime do art. P I, CC), como ar, luz e água, podem ser
208 ou do furto, objeto do crime se colocadas em
conforme o elemento S recipientes e tenham de valor econômico.
subjetivo. Se a finalidade
da conduta é impedir ou
prejudicar a realização
de culto religioso, incide
o tipo do art. 208; São, também, objeto material de furto,
havendo intuito de lucro coisas dos cemitérios e túmulos. Partes do corpo
na subtração, teremos o humano vivo podem se prestar ao furto: cortar os
furto. cabelos de uma mulher, para vendê-los. Quanto
ao cadáver, há divergências na doutrina e
jurisprudência (v. arts. 211 e 212). Furtar água
encanada, mediante desvio do hidrômetro
constitui o crime de usurpação de águas (art.
161, I).

Excluem-se do conceito legal coisas incorpóreas ou imateriais, que só


podem ser percebidas pela inteligência humana. Os direitos, por serem
intangíveis, não podem ser objeto de furto, podendo sê-lo os títulos que os
representam (por nota promissória, cheque, etc.). Os instrumentos ou títulos
representativos de direito, normalmente se prestam à execução de práticas
delituosas como estelionato, extorsão, falsificação, e muitas outras.

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Dolo genérico, representado pela intenção de


apropriar-se, subtrair de outrem coisa móvel + dolo
específico ou elemento subjetivo do injusto, que é o
fim especial de agir: subtrair, com o intuito de ter
para si ou para terceiro a res furtiva, como se fosse
seu dono (animus furandi).
O dissenso da vítima está implícito na descrição
do tipo, com o verbo subtrair, pressupondo a
contrariedade do possuidor da res furtiva. O TIPO SUBJETIVO
consentimento exclui o delito. Se não existe, mas o
agente tem sincera convicção de que lhe fora dado,
não há crime, pois a boa fé exclui o dolo.

Excludentes de criminalidade: 1) ESTADO DE


NECESSIDADE, no chamado furto famélico (furtar para
saciar a fome); 2) LEGÍTIMA DEFESA, ao tomar a arma
do agressor; 3) ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER
LEGAL, Oficial de Justiça, ao realizar penhora e
remoção de bens por determinação judicial.

A consumação ocorre quando a res sai da posse


da vítima para entrar na posse do agente. Ocorre a
CONSUMAÇÃ inversão de posse, perdendo o possuidor a dispo-
nibilidade sobre a coisa retirada da sua órbita de
OE vigilância, custódia ou guarda. Exige-se, ainda, que o
TENTATIVA sujeito ativo detenha a posse tranqüila da coisa, nem
que seja por alguns instantes.

Não se trata, assim, de delito formal ou de simples atividade, conforme sus-


tentam alguns, mas delito material, constituído por uma ação (subtrair) e evento
(apossamento da coisa), com alteração da realidade, resultando dano efetivo ao
patrimônio da vítima. Assim, é possível a tentativa, v.g., se o agente cessa sua
atividade antes que a res furtiva saia definitivamente da esfera de vigilância da
vítima. Não se pune a tentativa na ineficácia absoluta de meio ou impropriedade do
objeto (punguista que não encontra dinheiro no bolso da vítima).

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CONCURSO E DISTINÇÃO Furto de uso.


Exercício Apossar-se da
Arbitrário das Receptação res alheia
Favorecimento
próprias dolosa ou para usar e
Real
razões culposa devolvê-la
(art. 349)
(art. 345) (art. 180). depois. Não é
crime.

É possível o concurso material Há controvérsia


entre furto e estupro; há admite-se quanto à absorção do
concurso formal se subtraídas continuidade estelionato, no furto de
coisas pertencentes a várias delitiva, entre cheques. Discutível a
pessoas; A violação de furto e roubo, por tese de concurso
domicílio e o dano são se tratar de material se o talão de
absorvidos, no furto qualificado crimes da mesma cheques é utilizado
pela ruptura de obstáculo. espécie (há depois para fraude.
controvérsia).

FURTO NOTURNO:
NOTURNO causa especial de aumento ou qualificadora (art.
155, §1º). Furto praticado na ausência de luz solar ou do período de repouso
noturno, proporcionando maiores facilidades para o agente e dificultando a
defesa da vítima. O repouso noturno é variável de acordo com os costumes
locais. Nesse caso, a pena é aumentada em um terço.

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Furto Privilegiado: sendo o criminoso primário e de pequeno valor a res


furtiva (art. 155, §2º), o juiz pode substituir a pena de reclusão por detenção,
diminui-la de um a dois terços, ou aplicar somente a multa. Pequeno valor é
entendido como sendo o equivalente ao valor de até um salário mínimo. Embora
falho, esse é o critério usado pela jurisprudência.

I) “DESTRUIÇÃO
OU ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO À
SUBTRAÇÃO DA COISA”. Neste caso, o agente inutiliza,
destrói, desfaz, desmancha, arrebenta, rasga, fende, corta
ou deteriora trincos, portas janelas, fechaduras, cerca de
tela ou arame, vidros ou qualquer outro obstáculo que
impeça o acesso à coisa que pretende subtrair.

II) ABUSO DE CONFIANÇA: é o furto praticado pelo


vigia ou empregada doméstica (famulato); FRAUDE:
caracteriza-se pelo embuste, ardil ou outro meio enganoso
do agente para consumar a subtração; ESCALADA:
utilização de acesso não convencional para adentrar na
casa ou local da subtração; DESTREZA: consiste na
FORMAS habilidade física ou manual do agente;
QUALIFICADAS
(§ 4°) III) EMPREGO DE CHAVE FALSA: consiste na utilização
de cópia da chave original, chave micha, gazua, grampos,
tesoura, arame ou qualquer outro tipo de instrumento que
atue no mecanismo da fechadura, possibilitando sua para
abertura.

IV) CONCURSO DE DUAS OU MAIS PESSOAS: a


participação de duas ou mais pessoas denota maior
periculosidade do agente e mais facilidade para
cometimento do delito, diminuindo as possibilidades de
defesa. Daí o acréscimo da pena.

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