Você está na página 1de 42

Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre

Departamento de Ciências Básicas da Saúde


Curso de Medicina – Disciplina Microbiologia Médica

Neisseria gonorrhoeae

Profa. Juliana Caierão

Abril, 2011
INTRODUÇÃO

 Gonorréia: Bíblia e escrituras chinesas

 Galen (século XIII): gono (sêmen) rhoia (fluxo)

 Neisser (1879): exsudatos purulentos ⇒ Neisseria gonorrhoeae

 Leistikow e Lower (1882) ⇒ cultivo in vitro

 Bumm (1885) ⇒ relação causal entre microrganismo e doença


GONORRÉIA - EPIDEMIOLOGIA

 Doença de grande impacto na saúde pública mundial

 Sulfonamidas (1936) e penicilina (1943) ⇒ redução drástica na


prevalência da doença

 Décadas de 60 e 70 ⇒ aumento na incidência: 1975, EUA – 460


casos/100000 habitantes

 Comportamento sexual

 Melhoria nas técnicas de detecção

 Ocorrência de amostras resistentes

 1976, EUA ⇒ primeira cepa produtora de penicilinase


GONORRÉIA - EPIDEMIOLOGIA
 Década de 80 e 90 ⇒ queda na incidência
 HIV

 Uso de preservativos
 Atualmente
 Aumento da incidência das DSTs, em geral ⇒ resistência
 Incidência elevada de gonorréia em grupos específicos ⇒
adolescentes e adultos jovens
 CDC: 700000 casos/ano (MMWR, 2010)
 Brasil: Barbosa et al, 2010 ⇒ prevalência: 18,4%
MS: 1.541.800/ano
GONORRÉIA - EPIDEMIOLOGIA
 Fatores de risco para aquisição:

 Baixo nível sócio-econômico

 Residir em áreas urbanas

 História passada de gonorréia ou outra DST

 Transmissão: contato sexual íntimo, canal de parto

 Homem para mulher ⇒ 50 a 73% de probabilidade,


independente do número de exposições

 Mulher para homem ⇒ 20 a 35% de probabilidade


Tempo de exposição do microrganismo à mucosa – diferenças
anatômicas
N. gonorrhoeae - CARACTERÍSTICAS

 Gênero Neisseria

 Cocos Gram-negativos

 Oxidase positivos

 Arranjados aos pares

 Forma de “grão de feijão”

 São imóveis, não formadores de esporos

 Fastidiosos

 Temperatura ótima de crescimento: 35 a 37°C


N. gonorrhoeae - CARACTERÍSTICAS

 Habitam mucosas de animais de sangue quente

 Gênero composto por:

 Microrganismos patogênicos: N. meningitidis e N. gonorrhoeae

 Microrganismos saprófitas (orofaringe)

 Endocardites e bacteremias – raro, pacientes específicos

 Neisseria gonorrhoeae:

 Patógeno estritamente humano – bem adaptado e versátil

 Infecções assintomáticas: reservatório do microrganismo na


população
N. gonorrhoeae - FATORES DE VIRULÊNCIA

FÍMBRIA OU PILI
 Fixação dos microrganismos às mucosas

 Ajudam a superar a repulsão eletrostática entre a superfície da


célula bacteriana (carga elétrica negativa) e a superfície mucosa
(carga elétrica negativa)

 Anticorpos contra as fímbrias podem inibir a fixação

 Expressão de pili é essencial para a colonização do epitélio


genital

 Variação de fase e variação antigênica


N. gonorrhoeae - FATORES DE VIRULÊNCIA

LIPOOLIGOSSACARÍDEO

 Bactérias Gram–negativas: lipopolissacarídeo (LPS)

 LOS: ausência do antígeno O

 Core polissacarídico ⇒ variação antigênica frequente ⇒ exposição


da célula hospedeira a diferentes epítopos

 influência nos processos de adesão e resistência à atividade


bactericida do soro
N. gonorrhoeae - FATORES DE VIRULÊNCIA

LIPOOLIGOSSACARÍDEO

 Algumas estruturas do LOS podem servir como depósito de ácido


siálico

 Pouco imunogênico ⇒ Resistência à atividade bactericida do soro

 Evita entrada em células do hospedeiro mediada pela Opa

 Variação antigênica do LOS ⇒ variação entre os fenótipos


invasivo e resistente ao soro
N. gonorrhoeae - FATORES DE VIRULÊNCIA

LIPOOLIGOSSACARÍDEO

 Atividade importante na resposta inflamatória:

 Ativação do complemento

 Estimulação da produção de citocinas (IL-8 e IL-6)

 Lise dos polimorfonucleares e das células epiteliais

 Indução da produção de TNF-α ⇒ lesões epitélio genital


N. gonorrhoeae - FATORES DE VIRULÊNCIA

PROTEÍNAS DE OPACIDADE (Opa)

 Aumenta a aderência mediada pelas pili às mucosas

 Capacidade de conferir opacidade e mudança de coloração das


colônias in vitro ⇒ opacidade: interação Opa e LOS de células
adjacentes

 São espécie- e cepa- específicas

 Algumas facilitam invasão das células da mucosa

 Contribui para o tropismo tecidual


N. gonorrhoeae - FATORES DE VIRULÊNCIA

PORINAS (Por)
 Microrganismo apresenta PorA ou PorB

 Conferem diversas atividades biológicas

 Indução da resposta imunológica humoral e celular

 Associação leucocitária reduzida

 Resistência ao efeito bactericida do soro

 Contribuição na aderência às células epiteliais

 Evita a fusão fagossomo-lisossomo


N. gonorrhoeae - FATORES DE VIRULÊNCIA

PROTEÍNA Rmp
 Proteína de membrana externa

 Associada à LOS e Por

 Pouca variação inter e intra cepas

 Anticorpos Anti-Rmp bloqueiam a ligação dos anticorpos Anti-LOS e


Anti-Por

 Diminuição substancial do efeito bactericida do soro


N. gonorrhoeae - FATORES DE VIRULÊNCIA

IgA protease
 Todas as cepas produzem IgA 1 protease

 Inativam a IgA 1 nas mucosas

 Permite ligação inicial e posterior invasão

 Aumentam a sobrevida intracelular dos gonococos

 Modificação enzimática da proteína LAMP1, envolvida na fusão


fagossomo-lisossomo
N. gonorrhoeae - FATORES DE VIRULÊNCIA
N. gonorrhoeae - PATOGÊNESE

 Transmissão: contato sexual

 Adesão: pili e Opa

 Alvo: células epitelias colunares

 Invasão

 Multiplicação

 Reação inflamatória

 Sintomas
N. gonorrhoeae – DEFESAS DO HOSPEDEIRO

 Infecção: resposta inflamatória (ambivalente) e produção de IgA

 Produção de anticorpos ⇒ cepa-específica: reinfecção

 Específicos: Opa, Rmp, LOS e Por

 Inespecíficos: Gram-negativos em geral (imunidade cruzada)

 Contato com gonococo ⇒ não ocorre necessariamente infecção

 Tamanho do inóculo

 Virulência

 Resistência natural

 Imunidade específica
N. gonorrhoeae – DEFESAS DO HOSPEDEIRO

 Fatores inespecíficos de defesa

 Mulheres: pH genital e hormônios ⇒ podem aumentar


resistência às infecções em determinados momentos do ciclo
menstrual

 Urina ⇒ componentes bactericidas e bacteriostáticos contra


gonococo

 pH

 osmolaridade

 concentração de uréia
N. gonorrhoeae – SÍNDROMES CLÍNICAS

 Doenças localizadas

 Urogenital

 Retal

 Orofaríngea

 Ocular

 Doenças sistêmicas

 Artrite

 Bacteremia

 Endocardite e meningite – muito raro


N. gonorrhoeae – SÍNDROMES CLÍNICAS
Trato urogenital feminino e masculino

Diferentes origens embriológicas

Diferentes moléculas na superfície das células

Gonococo: diferentes mecanismos de patogenicidade para


sobreviver em ambos os sexos
N. gonorrhoeae – DOENÇA NO HOMEM

 Apresentação mais comum: uretrite aguda

 Sintomas: secreção uretral e disúria

 Secreção uretral: normalmente purulenta

 Resposta inflamatória ao patógeno

 Resposta imune adquirida: não efetiva na diminuição da


progressão da doença e na proteção contra reinfecção

 LOS – produção de IL-6, IL-8 e TNF-α

 influxo de PMN e liberação de células epiteliais infectadas

 Potencialização dos sintomas


N. gonorrhoeae – DOENÇA NO HOMEM

 Incubação: 1 a 10 dias (média 3-5 dias)

 Pequeno número de homens: infecção assintomática

 Fase prodrômica – assintomática

 Após: 95 a 99% apresentam sintomas de infecção

 Se não tratada, complicações raras ⇒ epididimite, orquite do


epidídimo, prostatite, abscesso periuretral

 Homossexuais:

 Infecções retais: proctite aguda, secreção mucopurulenta

 Infecções orofaríngeas: em geral, assintomáticas


N. gonorrhoeae – DOENÇA NA MULHER

 Infecção assintomática mais comum


 Infecção sintomática: após 8 a 10 dias de incubação
 Infecção primária
 endocérvice – sintomas lembram outras condições: cistite ou
infecção vaginal
 Infecção uretral concomitante: 70 a 90% dos casos
 Sintomas:
 Secreção cervico-vaginal (10 a 20%), sangramento anormal
ou intramenstrual e dor pélvica ou abdominal (pode indicar
doença no trato genital superior)
N. gonorrhoeae – DOENÇA NA MULHER

 Infecção das glândulas de Bartholin e periuretrais – 1/3 dos casos

 Infecções orofaríngeas e retais (contato com secreção cervical)

 Infecção gonocócica ascendente

 10 a 20%

 Pode levar à Doença Inflamatória Pélvica (DIP)

 Salpingite Fibrose das tubas uterinas


Gestação ectópica
 Endometrite
Esterilidade
 Abscesso tubovariano Dor pélvica crônica
N. gonorrhoeae
N. gonorrhoeae – DOENÇA SISTÊMICA

 Pequeno número de casos ⇒ gonococo na corrente circulatória

 Febre

 Lesões hemorrágicas de pele

 Poliartralgias

 Artrite

 30 a 40%

 Gonococo nas articulações

 Artrite purulenta e destrutiva

 Acomete normalmente joelhos, cotovelos, pulso e dedos


N. gonorrhoeae – DOENÇA SISTÊMICA

 Complicações da doença sistêmica

 Comprometimento das articulações

 Endocardite

 Meningite

 Perihepatite

 Processo inflamatório intra-abdominal adjacente ao fígado

 Mais comum em mulheres que em homens


N. gonorrhoeae – DOENÇA OCULAR

 Em geral: recém-nascidos em contato com o microrganismo na


passagem pelo canal de parto

 Adultos: contato com secreções genitais contaminadas


N. gonorrhoeae – DOENÇA EM CRIANÇAS

 Historicamente: oftalmia pós natal

 Outras infecções gonocócicas ⇒ abuso sexual

 Semelhante ao adulto com algumas diferenças notáveis:

 Antes da puberdade: vaginite

 Epitélio vagina pré-puberdade: células epiteliais colunares


– preferencialmente atacadas por gonococo

 Normalmente, há presença de secreção vaginal


N. gonorrhoeae – TRATAMENTO

 Após 1940 ⇒ penicilina: tratamento de escolha

 Atualização dos esquemas terapêuticos

 Baixos níveis de resistência às penicilinas, tetraciclinas e


macrolídeos

Mutações em genes cromossômicos

1976, EUA ⇒ amostra produtora de penicilinase


Resistência a níveis elevados
Disseminação horizontal ⇒ surtos
Cepas endêmicas
N. gonorrhoeae – TRATAMENTO

 Década de 80:

 Amostras com níveis elevados de resistência às tetraciclinas

Gene tetM - plasmidial

 Mais recentemente:

 Resistência às quinolonas – disseminação


N. gonorrhoeae – TRATAMENTO
N. gonorrhoeae – PREVENÇÃO E CONTROLE

 Infecção assintomática ⇒ gonococo mantido na população

Populações específicas Triagem de portadores

 Vacinas

 Vários candidatos vacinais

 Problema: variação antigênica

 Não há vacina disponível

 Prevenção

 Preservativos
N. gonorrhoeae – CO-
CO-INFECÇÃO COM HIV

 Infecção com gonococo ⇒ risco aumentado de infecção com HIV-1

 Aumento da expressão local do RNA viral

 Resposta inflamatória aguda causada pelo gonococo ⇒ perda da


integridade da mucosa

Contato sexual ⇒ infecção HIV


N. gonorrhoeae – DIAGNÓSTICO
Coleta da amostra

Tipo de material depende


sexo
prática sexual
tipo de infecção suspeita
Coleta
Swab de Dracon ou Rayon
Algodão e alginato podem inibir o crescimento – usar quando
inoculação instantânea
Dois swabs: esfregaço e cultura
Transporte
Meios de transporte usados quando necessário: swabs não
nutritivos ou meios de cultura
N. gonorrhoeae – DIAGNÓSTICO

Esfregaço com coloração de Gram

Homens: Gram da Secreção uretral: diplococos Gram-negativos


estritamente associados a PMN
Sensibilidade: 90 a 95%
Especificidade: 95 a 100%
Mulheres:
Gram de secreção endocervical (espéculo)

Sensibilidade: 50 a 70%

Varia com qualidade da coleta e população

Infecções faríngeas ⇒ Gram não tem utilidade


N. gonorrhoeae – DIAGNÓSTICO
N. gonorrhoeae – DIAGNÓSTICO
Cultura

Microrganismos fastidiosos
Meios não seletivos: agar chocolate
Meios seletivos e enriquecidos: Thayer-Martin modificado, GC-
Lect, Martin-Lewis

Baseados em agar chocolate + fatores de crescimento para


microrganismos exigentes + antimicrobianos (vancomicina e colistina)

Incubação ⇒ atmosfera de CO2 a 35°C


N. gonorrhoeae – DIAGNÓSTICO

Agar Thayer-Martin Agar Chocolate


N. gonorrhoeae – DIAGNÓSTICO

Testes imunológicos

Imunofluorescência direta – Ac monoclonais contra epítopos da Por


Não realizado direto do material clínico
Teste da co-aglutinação

Testes moleculares

Sondas de DNA – detecção de rRNA espécie-específicos


Hibridização e amplificação de ácidos nucléicos – detecção direta do
gonococo de amostras genitais
N. gonorrhoeae – DIAGNÓSTICO

Testes de susceptibilidade

CLSI, 2010:
Meio: agar CG suplementado
Incubação: 36°C, atmosfera de CO2, 20 a 24 hs
Antimicrobianos:
Penicilina – B-lactamase positiva: resistência à
penicilina, ampicilina e amoxacilina
Cefalosporinas – muito poucos relatos de resistência
Quinolonas
Aminoglicosídeos (espectinomicina)

Você também pode gostar