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Superior Tribunal de Justiça

RECLAMAÇÃO Nº 5.959 - SP (2011/0112540-0)

RECLAMANTE : AGROPECUÁRIA VALE DO ARAGUAIA LTDA - EM


RECUPERAÇÃO JUDICIAL
ADVOGADO : CLÁUDIO ALBERTO FEITOSA PENNA FERNANDEZ E
OUTRO(S)
RECLAMADO : JUIZ DA 14A VARA DO TRABALHO DE SÃO PAULO - SP
INTERES. : VIAÇÃO AÉREA SÃO PAULO S/A - VASP E OUTROS
INTERES. : MCLG ADMINISTRAÇÃO E PARTICIPAÇÕES LTDA E OUTRO
ADVOGADO : DJALMA PEREIRA DE REZENDE

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

Reclamação ajuizada por AGROPECUÁRIA VALE DO ARAGUAIA LTDA.,


contra ato do JUÍZO DA 14ª VARA DO TRABALHO DE SÃO PAULO/SP. Cuida-se de
mais uma das várias reclamações e conflitos de competência envolvendo o grupo econômico da
falida VASP.
A reclamante foi incluída no polo passivo de diversas reclamações trabalhistas
anteriormente movidas em desfavor da VASP, nos termos do art. 2º, § 2º, da CLT, que
determina a responsabilidade solidária “para os efeitos da relação de emprego”. Afirma que esta
situação lhe colocou em grave situação econômico-financeira, cujo fim inevitável foi o
requerimento de sua recuperação judicial, deferida pelo JUÍZO DA VARA DE FALÊNCIAS E
RECUPERAÇÕES JUDICIAIS DO DISTRITO FEDERAL/DF em 13.11.2008.
A despeito disso, alega que o Juízo reclamado não suspendeu o trâmite da ação
civil pública nº 00507-2005-014-02-00-8, da qual é parte, determinando a prática de atos de
execução com reflexo direto na recuperação judicial.
Diante disso, ajuizou o CC 115.261/DF, no qual foi liminarmente deferida a
sustação de quaisquer atos de execução contra si, designando-se o Juízo da Recuperação Judicial
para resolver medidas urgentes.
Todavia, de acordo com a reclamante, o Juízo reclamado descumpriu a
determinação acima, praticando ato de expropriação, motivo pelo qual requer a concessão de

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liminar para “suspensão de todos os atos executórios incidentes sobre o seu patrimônio, em
especial o cumprimento do mandado de busca, conferência e entrega de bens nº 7186/2011”,
reiterando-se ao Juízo Trabalhista “que os bens móveis, imóveis e semoventes da propriedade da
agropecuária reclamante, e que compõem a denominada Fazenda Rio Verde, estão sob a
competência da Vara de Falências e Recuperações Judiciais do Distrito Federal/DF” (fl. 04,
e-STJ).
Entendi por bem deferir a liminar requerida pela reclamante, para suspender o
cumprimento do mandado de busca, conferência e entrega nº 7.186/2011, nomeando
provisoriamente o Juízo da Recuperação Judicial para adoção de todas as medidas urgentes
relativas a todos os semoventes que se encontrem na Fazenda Rio Verde (fls. 79/82, e-STJ).
Conforme ponderado na decisão supra, a determinação inicial do Juízo reclamado
foi de que fossem constritos os bens que guarnecem a Fazenda Piratininga, enquanto que a
recuperação judicial da reclamante compreende apenas a Fazenda Rio Verde.
Diante disso, consignou-se que as diligências a serem realizadas em cumprimento
ao mandado nº 7.186/2011 devem abranger apenas os semoventes arrematados, pertencentes à
Fazenda Piratininga, desconsiderando, pois, se existente, o gado que faz parte da Fazenda Rio
Verde, o qual, além de não ter sido arrematado, tem sua disponibilidade sujeita ao Juízo da
Recuperação Judicial.
Todavia, como a partir dos elementos então existentes nos autos não era possível
determinar se essa controvérsia havia sido levada ao conhecimento do Juízo da Recuperação
Judicial, tampouco se a Fazenda Rio Verde possui gado próprio e se é possível distingui-lo do
gado pertencente à Fazenda Piratininga, determinei fossem solicitadas informações aos juízos
reclamados, para posterior reapreciação do pedido liminar.
Nesse meio tempo, MCLG ADMINISTRAÇÃO E PARTICIPAÇÕES LTDA.,
arrematante da Fazenda Piratininga, ingressou nos presentes autos na condição de terceira
interessada, apresentando agravo interno em que requer a reconsideração da decisão que deferiu
a liminar, sob a alegação de que a reclamação é totalmente infundada, afirmando que, “em
verdade, o pedido formulado objetiva, tão somente, obstaculizar a concretização da entrega dos
semoventes garantidos no edital de venda judicial, não havendo de se cogitar de invasão de
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competência” (fls. 98/126, e-STJ).
Em resposta aos novos ofícios expedidos, o Juízo da Recuperação Judicial prestou
informações complementares, esclarecendo que da relação de bens apresentada por ocasião do
pedido de recuperação judicial da reclamante, “não consta a relação dos semoventes” (fl. 566,
e-STJ) (grifei).
Esclarece, ainda, ter intimado a reclamante a dizer quantas seriam as cabeças de
gado compreendidas na recuperação judicial, não tendo esta apresentado números concretos,
limitando-se a ponderar que o importante é saber a quantidade de semoventes arrematados
juntamente com a Fazenda Piratininga, cabendo o excedente à recuperanda.
Diante disso, o Juiz afirma ser “forçoso concluir que todas as cabeças de gado
existentes nas três fazendas – Piratininga, Rio Verde e Santa Luzia – são abrangidas pela
recuperação, ressalvadas aquelas constantes do auto de penhora”. (fl. 566, e-STJ).
O Juízo Trabalhista também prestou informações, esclarecendo que, como a
alienação judicial da Fazenda Piratininga ocorreu somente 03 anos depois da penhora, “foi
determinada a realização de um auto de constatação ao juízo deprecado”, com base no qual “foi
aviado o edital de venda pública” (fl. 617, e-STJ).
Pondera, ainda, que “a flutuação do rebanho é situação comum nesse ramo de
atividade” e que o interregno de 03 anos “importa morte e nascimentos significativos a ponto de
alterar a quantificação desses bens” (fl. 617, e-STJ).
É o relatório.

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RECLAMAÇÃO Nº 5.959 - SP (2011/0112540-0)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI


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ADVOGADO : CLÁUDIO ALBERTO FEITOSA PENNA FERNANDEZ E
OUTRO(S)
RECLAMADO : JUIZ DA 14A VARA DO TRABALHO DE SÃO PAULO - SP
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ADVOGADO : DJALMA PEREIRA DE REZENDE

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

Cinge-se a lide a determinar se os atos executórios praticados pelo Juízo


Trabalhista usurpam a competência do Juízo da Recuperação Judicial, afrontando a autoridade de
decisão do STJ, proferida no âmbito de conflito de competência.

Inicialmente, noto que, ao contrário do que informa o Juízo Laboral, o auto de


constatação de fls. 674/676, e-STJ, cujos respectivos trabalhos foram iniciados em 14.01.2011 e
concluídos em 10.07.2011, não pode ter servido de base para a elaboração do edital de
alienação da Fazenda Piratininga, na medida em que este é datado de 24.11.2010, ou seja, mais
de 08 meses antes.
A despeito disso, verifica-se que o auto de penhora de fls. 624/625, e-STJ,
relativo aos semoventes pertencentes à Fazenda Piratininga, foi lavrado em 23.11.2007, tendo
sido contabilizadas, naquela ocasião, 32.300 cabeças de gado.
Já o edital de alienação da Fazenda Piratininga, datado de 24.11.2010, menciona
a existência de 87.226 cabeças de gado (fl. 277, e-STJ).
Constata-se, portanto, ter de fato havido a alienação judicial de quantia muito
maior do que as cabeças de gado efetivamente penhoradas. Inclusive, essa diferença já havia sido
frisada na decisão de fls. 553/555, e-STJ, tendo sido um dos fatores a motivar o pedido de

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esclarecimentos complementares.
Sobre essa questão, o Juízo da Recuperação Judicial esclarece que “não foi
informado formalmente acerca da alienação de 87.226 cabeças de gado. Fui informado da
arrecadação/penhora de 32.300 cabeças de gado, autorizando o manejo do excedente a este
número”.
O Juízo Trabalhista, por sua vez, afirma que, como a alienação judicial da Fazenda
Piratininga ocorreu tempos depois da penhora e que, como “a flutuação do rebanho é situação
comum nesse ramo de atividade” (fl. 617, e-STJ), houve a realização de uma nova contagem
para fins de elaboração do respectivo edital.
É inegável que, ao longo dos 03 anos transcorridos entre a penhora e a alienação
judicial, houve a oscilação do número de cabeças de gado constritas, fruto de morte, nascimento
e venda.
Todavia, é impossível saber se as 32.300 cabeças de gado inicialmente
penhoradas realmente correspondem às 87.226 alienadas judicialmente 03 anos depois. Em
princípio, esse expressivo aumento não me parece refletir uma flutuação natural para o período
mas, seja como for, dada a impossibilidade de determinação do número exato de semoventes
derivados da penhora original, a controvérsia deve ser solucionada de modo a assegurar o direito
da arrematante e, mais do que isso, preservar a confiabilidade e segurança das hastas públicas,
chanceladas pelo Poder Judiciário.
Nesse aspecto, há de se considerar que a alienação judicial da Fazenda Piratininga
já foi realizada, tendo o valor total de avaliação do edital e o lance dado para arrematação
contemplado 87.226 cabeças de gado. Assim, tendo pago por essas 87.226 cabeças de gado, é
direito da arrematante recebê-las.
Ademais, o Juiz da Recuperação Judicial informa que, no rol de bens apresentado
por ocasião do pedido inicial, “não constou a relação de semoventes”, acrescentando que
“compulsei detidamente os autos e não encontrei quantas cabeças de gado são abrangidas pela
recuperação” (fl. 585, e-STJ).
Não se pode, portanto, premiar a desídia da recuperanda que, sabedora da
mistura dos rebanhos das duas fazendas – Piratininga e Rio Verde – convenientemente deixou de
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fornecer qualquer dado ou contagem dos seus semoventes. Em contrapartida, é fato certo e
documentado terem sido judicialmente alienadas 87.226 cabeças de gado, de sorte que seria no
mínimo temerário não lhes entregar à arrematante.
Diante disso, com base nos documentos existentes nos autos, exsurge claramente a
competência do Juízo Trabalhista para determinar a busca, conferência e entrega de 87.226
cabeças de gado, descontadas aquelas que já se encontram na própria Fazenda Piratininga.
Desde que os oficiais de justiça se atenham aos limites da ordem judicial contida
no mandado, as diligências ordenadas pela Justiça Laboral, ainda que impliquem realização de
atos no âmbito da Fazenda Rio Verde, não caracterizarão invasão da competência do Juízo da
Recuperação Judicial, tampouco descumprimento de decisão do STJ no âmbito do CC
115.261/DF.
A esse respeito, friso que o auto de constatação de fls. 674/676, e-STJ, evidencia
que boa parte do gado bovino arrematado já foi entregue à arrematante, faltando apenas
5.216 vacas paridas da raça Nelore, acompanhadas de bezerros e bezerras mamando, e 3.136
novilhas da raça Nelore.
Vale salientar que, conforme ressaltado no próprio auto de constatação, os
semoventes conferidos “estavam marcados com a marca V e, na ocasião, foram remarcados para
a marca MJW” (fl. 676, e-STJ). Dessa forma, nas diligências a serem realizadas, não deverão ser
contabilizadas as cabeças de gado com a marca MJW.
A ressalva é de todo importante porque, conforme admite o próprio Juízo da
Recuperação Judicial, “existe manejo do gado entre as fazendas, em especial em virtude de
alterações climáticas e aproveitamento de pastos, o que pode misturar o rebanho” (fl. 585,
e-STJ).
Note-se, por fim, que não se cogita nestes autos de eventual anulação da alienação
judicial da Fazenda Piratininga tampouco de evicção, hipótese em que bens pertencentes à
recuperanda e indevidamente incluídos no edital de alienação haverão de lhe ser restituídos.
Ausente essas circunstâncias, porém, há de se resguardar os direitos da arrematante.
Em suma, não se vislumbra usurpação de competência na determinação de busca,
conferência e entrega do gado em questão, desde que os oficiais de justiça se limitem a apreender
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o saldo remanescente de semoventes, consoante auto de constatação elaborado pela própria
Justiça do Trabalho (fls. 674/676, e-STJ).

Forte nessas razões, julgo IMPROCEDENTE a presente reclamação, tornando


sem efeito a liminar anteriormente concedida e determinando a expedição, com a máxima
urgência, de ofícios ao JUÍZO DA VARA DE FALÊNCIAS E RECUPERAÇÕES JUDICIAIS
DO DISTRITO FEDERAL/DF e ao JUÍZO DA 14ª VARA DO TRABALHO DE SÃO
PAULO/SP, comunicando-os acerca dessa decisão.
Com isso, perde objeto o agravo interno de fls. 98/126, e-STJ, interposto por
MCLG ADMINISTRAÇÃO E PARTICIPAÇÕES LTDA.

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