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PERCEPÇÃO NA INFANCIA: CONCEITOS E APLICAÇOES PRÁTICAS

1. Introdução

O desenvolvimento humano abarca as mudanças ao longo da vida (PAYNE; ISAACS, 2007)


iniciando na concepção e culminando com a morte após sofrer diversos processos adaptativos
(GALLAHUE; OZMUN, 2005). Na área motora a criança adquire funções básicas para a realização
de movimentos eficazes e específicos essenciais para o desenvolvimento motor já nos primeiros
anos de vida (GALLAHUE; OZMUN, 2005). O desenvolvimento motor caracteriza-se por ser
seqüencial e cumulativo, no entanto também é individual, portanto sendo resultado de diversos
fatores individuais e ambientais que se interligam (PAYNE; ISAACS, 2007).

Os movimentos voluntários, presentes desde os primeiros meses de vida e amplamente


utilizados por crianças, adultos e idosos, exigem o envolvimento de um ou mais elementos da
percepção para serem realizados com sucesso (GALLAHUE; OZMUN, 2005; PAYNE; ISAACS,
2007). É importante ressaltar que o desenvolvimento das percepções de forma adequada
depende tanto da maturação, quanto das experiências vivenciadas (GALLAHUE; OZMUN, 2005).
As experiências vivenciadas influenciam positivamente o desenvolvimento das percepções tendo
em vista que sofisticam as capacidades perceptivas, enquanto a maturação é relacionada à
precisão da percepção (GALLAHUE; OZMUN, 2005). O desenvolvimento da percepção depende
de diferentes fatores relacionados ao indivíduo (maturação), ambiente (contexto onde será
trabalhado) e tarefa (sua especificidade), os quais podem alterar o ritmo das aquisições
perceptivas (GALLAHUE; OZMUN, 2005). Tendo em vista, que o desenvolvimento adequado das
funções perceptivas não depende somente da maturação, entender os conceitos perceptivo-
motores e a conseqüente utilização deles de maneira coerente torna-se altamente necessária
para todos que trabalham com o aprendizado e o desenvolvimento infantil, principalmente
quando existem evidências que nos mostram que esta fase é essencial para o desenvolvimento
perceptivo (GALLAHUE; OZMUN, 2005).

Tendo em vista a importância da percepção para o sucesso de nossas ações, buscamos


esclarecer alguns pontos, como: a) a definição de percepção, b) como trabalhar o perceptivo-
motor, c) os fatores que influenciam essa temática, d) os tipos de percepções e a importância de
trabalhá-las em aulas de Educação Física escolar. Dessa forma, o artigo tem como objetivo definir
conceitos relevantes para a compreensão do tema, diferenciar as categorias existentes, fazendo
uma releitura de artigos e livros, bem como proporcionar ao leitor uma apropriação de conceitos
que julgamos ser necessários ao planejamento de aulas de Educação Física.

2. Definindo conceitos
2.1. Estímulo, sensação, percepção

Existem diferentes conceitos para estímulo, sensação e percepção, dependendo dos autores
que conceituam. Para Schmidt e Wrisberg (2001) estímulo são as informações recebidas pelo
indivíduo para serem processadas. Ele primeiramente é sentido para depois iniciar o
processamento de uma resposta para aquele determinado estímulo (SCHMIDT; WRISBERG,
2001). Como exemplos de estímulos, o autor cita uma luz que acende ou apaga ou algum som.
Já para Hurtado (1983) “se caracteriza por ser qualquer fator ambiental, físico, químico ou
mecânico que atua sobre algum órgão sensorial, podendo ser de ordem natural ou social.”

Sensação é a atividade neural disparada por um estímulo que ativa um receptor sensorial que
promove impulsos nervosos sensoriais que chegam ao cérebro através de caminhos nervosos
sensoriais (HAYWOOD; GETCHELL, 2004). Hurtado (1983) define sensação como sendo “o ato
de receber um estímulo”. Para Gallahue e Ozum (2005) sensação é um “estímulo recebido por
várias modalidades sensoriais”.

Percepção é um processo que ocorre no cérebro e possui muitos estágios, envolvendo seleção,
processamento, organização e integração das informações recebidas pelos sentidos (HAYWOOD;
GETCHELL, 2004). Para Hurtado (1983) percepção e o reconhecimento de objetos por meio dos
sentidos, é a organização das sensações registradas pelos órgãos sensoriais, as quais são
causadas por estímulos ambientais.

A sensação envolve um processo passivo dos receptores, os quais detectam um estímulo


ambiental.; ela está relacionada somente com os sentidos (tato, olfato, paladar, audição e visão
(PAYNE; ISAACS, 2007). Já a percepção é um processo mais ativo, no qual há a integração dos
eventos sensoriais externos ao organismo (PAYNE; ISAACS, 2007). A experiência do individuo é
um fator relevante, pois a “nova” informação é comparada com informações do passado (PAYNE;
ISAACS, 2007). A percepção envolve a consciência do que ocorre ao redor do indivíduo através
de duas ou três modalidades sensoriais e ela só poderá ser classificada com tal quando os
estímulos integram-se as sensações já armazenadas, pois nesse momento elas passam a ter um
significado para o indivíduo (GALLAHUE; OZMUN, 2005). Gallahue & Ozum (2005) diferenciam
estímulo de sensação através do exemplo de um bebê que recebe raios de luz (estímulo).
Inicialmente a reação aos raios de luz é a contração ou dilatação das pupilas – reflexo pupilar
consensual (sensação). Após um tempo esse bebê passa a piscar ao receber esse mesmo
estímulo. Com o passar do tempo esse mesmo bebê passa a identificar os objetos pela forma e
dar significado a eles, nesse caso envolvendo a percepção visual.

2.2. Processo perceptivo-motor


O termo perceptivo-motor é adotado quando há a necessidade de obter informações
perceptivas do ambiente para realizar um movimento com eficácia (GALLAHUE; OZMUN, 2005).
O desenvolvimento perceptivo-motor acontece quando há a organização de novas informações
somadas as informações já existentes, sendo imprescindível para que o movimento aconteça
eficazmente (GALLAHUE; OZMUN, 2005). O processo perceptivo-motor ocorre diferentes fases,
sendo elas o estímulo, a recepção de informações ambientais, o processamento dessas
informações, a escolha do movimento mais adequado e a realização do movimento (GALLAHUE;
OZMUN, 2005). Por exemplo, quando um estímulo (ex.: uma bola lançada) é dado, as
informações sensoriais do ambiente são coletadas pelos receptores especializados (ex.: tátil,
auditivo) e são transmitidos ao cérebro como energia neural. Lá ocorre o processamento e a
comparação da informação recebida com a informação já armazenada anteriormente,
possibilitando, então, a escolha da melhor opção de movimento (PAYNE; ISAACS, 2007). Quando
o movimento é realizado, acontece o feedback que realiza, por meio dos receptores
especializados o retorno da informação realizada para ser moldada ou para ser armazenada, em
casos de movimentos mais eficientes do que os anteriormente armazenados (PAYNE; ISAACS,
2007).

2.3. Tipos de percepções

2.3.1. Simples

Percepções simples são as primeiras a se desenvolverem. Elas aparecem desde o nascimento


e vão sendo refinadas até atingirem sua forma madura. O desenvolvimento desse tipo de
percepção é fundamental para a aquisição das percepções complexas. São classificadas como
percepções simples a percepção visual, auditiva, tátil, olfativa e gustativa e proprioceptiva ou
cinestésica.

2.3.1.1. Percepção visual

Percepção visual é a habilidade de reconhecer e discriminar diferentes estímulos visuais,


interpretando-os e, posteriormente, associando-os a experiências prévias. Ao nascer o bebê
possui as estruturas necessárias para a visão quase que totalmente desenvolvidas (GALLAHUE;
OZMUN, 2005). No entanto, o bebê ainda possui a fixação, o foco e a coordenação dos
movimentos visuais deficientes, tendo em vista que a fóvea não está completamente formada,
bem como os músculos oculares são imaturos (GALLAHUE; OZMUN, 2005). Para melhor
compreender o desenvolvimento da visão, é necessário que se comente sobre alguns termos
específicos:

a. Acuidade visual: é a habilidade de distinguir detalhes nos objetos, sendo que quanto mais
delicados forem esses detalhes, maior se considera a acuidade visual (GALLAHUE; OZMUN, 2005).
Podemos classificar a acuidade visual em estática, ou seja, o grau de detalhes perceptíveis
observados quando algo de interesse visual está estacionário; e acuidade visual dinâmica, ou
seja, a habilidade de distinguir detalhes em algo que está se movimentando (GALLAHUE; OZMUN,
2005). Por exemplo, o goleiro de handebol necessita de uma acuidade visual bem madura para
poder distinguir a bola que vem em sua direção quando há arremesso. A acuidade visual dinâmica
foi descrita como diferenciada conforme diferentes idades (5 a 7 anos, 9 a 10 anos e 11 a 12
anos) sendo refinada de maneira crescente durante estas idades (WILLIAMS apud GALLAHUE;
OZMUN, 2005). Ainda mais meninos demonstram melhor acuidade visual do que as meninas,
provavelmente causado por fatores de socialização (menos oportunidade de prática e menos
encorajamento ativo para meninas do que para meninos) (WILLIAMS apud GALLAHUE; OZMUN,
2005).

b. Acomodação visual: é habilidade do límpido de cada olho modular sua curvatura para
poder acomodar qualquer imagem retínica (GALLAHUE; OZMUN, 2005), tornando o foco preciso.
Sabe-se que nos primeiros meses de vida, essa habilidade de focalização ainda não está
totalmente formada (GALLAHUE; OZMUN, 2005).

c. Visão periférica: é a utilização da visão para perceber o campo visual que não pode ser
observado, sendo feito sem alteração na fixação dos olhos (GALLAHUE; OZMUN, 2005). A visão
periférica é muito utilizada para ações como dirigir, onde a habilidade de perceber além da
focalização dos olhos é sempre muito exigida. Nas aulas de educação física a visão periférica é
muito exigida durante os jogos, tendo em vista que os participantes precisam perceber o que
acontece em todo espaço do jogo, não somente na situação em que ele está envolvido. Por
exemplo, em um jogo de futebol o jogador que está com a bola precisa da visão periférica para
ter noção dos adversários que estão ao seu lado e de suas ações para não perder a posse da
bola ou passá-la para um adversário.

d. Binocularidade, fixação e acompanhamento: esses três conceitos são tratados em um


único tópico pela crença de que são dependentes um do outro (GALLAHUE; OZMUN, 2005). A
binocularidade é a utilização em conjunto dos olhos para perceber visualmente um objeto que
está sem movimento, ocorrendo neste momento a fixação, ou com movimento, ocorrendo então
o acompanhamento (GALLAHUE; OZMUN, 2005).

Além dos conceitos relacionados a percepção simples, os conceitos relacionados a percepção


visual também são importantes para o entendimento de como se dá o processo perceptivo. Entre
esses conceitos destaca-se a percepção da cor, da forma, de profundidade e a coordenação visual
motora.
Percepção de cor: é a habilidade do indivíduo em distinguir diferentes tons de cores, desde o
mais claro até o mais escuro (GALLAHUE; OZMUN, 2005). Aos 3 anos essa habilidade já está
definida, sendo refinada com o passar dos anos (GALLAHUE; OZMUN, 2005).

Percepção da forma: é a habilidade de perceber diferentes formas e diferenciar baseado numa


informação pré-estabelecida (GALLAHUE; OZMUN, 2005). Essa é uma habilidade pouco
desenvolvida nos bebês, uma vez que eles somente visualizam em distâncias entre 20 e 30
centímetros (GALLAHUE; OZMUN, 2005). Aos 6 meses essa percepção já está bem desenvolvida
(GALLAHUE; OZMUN, 2005).

Percepção de profundidade: “é a habilidade de julgar a distância de um objeto, tendo como ponto


de partida a si mesmo” (GALLAHUE; OZMUN, 2005). Está intimamente ligada a habilidade de
visualizar tridimensionalmente algo ou alguém (GALLAHUE; OZMUN, 2005). Quando se observa
objetos ou pessoas estáticos utiliza-se a percepção de profundidade estática; quando há
movimentação, trata-se da percepção de profundidade dinâmica (WILLIAMS, apud GALLAHUE;
OZMUN, 2005). Essa percepção é desenvolvida nos dois primeiros anos, observando-se um
grande avanço em seu desenvolvimento entre os 2 e 5 anos (GALLAHUE; OZMUN, 2005).
Esportes onde há necessidade de intercepção de objetos (ex.: com bolas) trabalham muito com
essa percepção, por isso torna-se importante trabalhar com suas diferentes formas em aulas de
Educação Física.

Coordenação visual motora: é parecida com a definição de percepção de profundidade dinâmica,


pois está relacionada à habilidade de seguir e avaliar maneiras eficazes de interceptação de
objetos em movimento (GALLAHUE; OZMUN, 2005).

2.3.1.2. Percepção auditiva

É a capacidade de distinguir sons através do sistema auditivo (GALLAHUE; OZMUN, 2005). Ao


nascer o ouvido já está estruturalmente completo, mas a sensibilidade auditiva só é adquirida e
refinada com a maturidade e por influência ambiental (GALLAHUE; OZMUN, 2005). A acuidade
auditiva desenvolve-se marcantemente até a adolescência (HAYWOOD; GETCHELL, 2004). Os
níveis sonoros pouco discriminados pelos bebês são eficazmente discriminados pelas crianças
mais velhas, sendo capazes de diferenciar sons graves, agudos, estridentes ou suaves (BEE,
1996).

2.3.1.3. Percepção tátil

É a capacidade de reconhecimentos de presença, forma, tamanho e temperatura de diferentes


objetos no próprio corpo (HAYWOOD; GETCHELL, 2004). As primeiras partes do corpo mais
sensíveis e utilizadas para explorar o ambiente em que a criança está inserida são a boca, os
lábios e a língua (PAYNE; ISAACS, 2007). Alguns conceitos são formados a partir desse tipo de
percepção, como suave-áspero, duro-mole, arredondado-pontudo, tornando a percepção tátil
indispensável para as habilidades manipulativas fundamentais, propostas por Gallahue e Ozmun
(2005).

2.3.1.4. Percepção olfativa e gustativa

O olfato é responsável pela percepção de odores pelo nariz e o paladar pela percepção de
sabores pela língua. Destaca-se que essas duas percepções estão intimamente ligadas, sendo
que o estímulo elucidado em qualquer uma delas será estimulador da outra (GALLAHUE; OZMUN,
2005). A percepção olfativa é influenciada pela discriminação de odores e o pelo alcance olfativo
(GALLAHUE; OZMUN, 2005).

2.3.1.5. Percepção Proprioceptiva ou Cinestésica

Cinestesia é a sensação e consciência que o indivíduo tem dos movimentos do seu corpo,
conforme o posicionamento de articulações e tensões geradas pelos músculos (SCHMIDT;
WRISBERG, 2001). A propriocepção é a capacidade em reconhecer a localização espacial do
corpo, sua posição e orientação, a força exercida pelos músculos e a posição de cada parte do
corpo em relação às demais sem utilizar a visão (SCHMIDT; WRISBERG, 2001). Esse
tipo percepção permite a manutenção do equilíbrio e a realização de diversas atividades práticas,
sendo resultado de vários fatores, entre eles a interação das fibras musculares de sustentação,
informações táteis e sistema vestibular (SCHMIDT; WRISBERG, 2001).

2.3.2. Complexas

As percepções complexas são adquiridas mais posteriormente que as percepções simples e


exigem um desenvolvimento cognitivo mais avançado para serem bem interpretadas e utilizadas
em conjunto. São classificadas como percepções complexas a percepção espacial, temporal,
espaço-temporal, figura-fundo e análise-síntese.

2.3.2.1. Percepção espacial

É a percepção do espaço que circunda o indivíduo aliado ao seu funcionamento motor dentro
deste (PAYNE; ISAACS, 2007). Nas aulas de educação física essa percepção é utilizada, por
exemplo, quando há deslocamentos em um espaço em que há objetos distribuídos no espaço da
aula. Nesse sentido, ao se deslocar o aluno precisa adequar a posição dos objetos e de seu corpo
para se deslocar com sucesso. Quando é dado ao aluno uma referência espacial, também é
utilizada a percepção espacial (ex.: a bola que você procura está ao lado da goleira). Na
puberdade, a percepção espacial torna-se um pequeno problema para os adolescentes,
principalmente os meninos, pois há a fase de crescimento rápido, tornando a percepção do
espaço que se ocupa uma difícil tarefa. Nas aulas de educação física as dificuldades encontradas
nessa fase podem ser vistas, por exemplo, ao tropeçar durante corridas ou colidir com obstáculos.

2.3.2.2. Percepção temporal

A percepção temporal engloba características que, unidas ou não, possibilitam ao indivíduo


uma capacidade de formar ou abstrair informações com base nas relações temporais (PAYNE;
ISAACS, 2007). As características que englobam esta percepção velocidade, intensidade, noção
de tempo, seqüência, duração, sucessão e ritmo, sendo este último considerado o mais
importante para a percepção temporal se desenvolver (GALLAHUE; OZMUN, 2005). Essa
percepção pode ser observada em aulas de educação física quando por exemplo, quando o goleiro
precisa perceber a intensidade e velocidade da bola para defender um pênalti.

2.3.2.3. Percepção espaço-temporal

Refere-se à utilização simultânea das percepções espacial e temporal exigindo do indivíduo


uma capacidade de coordenação, adaptação e adequação à mudanças que ocorrem rapidamente.
É habilidade do indivíduo em projetar seu corpo baseado na noção de espaço disponível e tempo
adequado. Por exemplo, em esportes coletivos com bola (ex.: handebol, futebol, basquete) os
jogadores ao realizarem um passe precisam observar a direção e velocidade da bola, a velocidade,
aproximação, posição e dimensão do adversário.

2.3.2.4. Percepção figura-fundo

É aquela na qual a percepção de bordas e limites faz diferenciar um objeto de uma figura
(HAYWOOD; GETCHELL, 2004). Por volta dos 4 anos, esse tipo de percepção começa a melhorar
(WILLIAMS apud HAYWOOD; GETCHELL, 2004) e aproximadamente entre 6 e 8 anos elas tem
um grande avanço relacionado a extração de itens de um fundo (TEMPLE; WILLIAMS; BATEMAN
apud HAYWOOD; GETCHELL, 2004), porém elas apresentam grande dificuldade quando esses
itens são com formas geométricas e abstratas (HAYWOOD; GETCHELL, 2004). Por volta dos 8
anos, essa criança tem grande sucesso na percepção figura-fundo, apresentando as mesmas
condições de um adulto (WILLIAMS apud HAYWOOD; GRETCHELL, 2004).

2.3.2.5. Percepção análise-síntese

Assim como a percepção figura-fundo, a percepção análise-síntese utiliza as bordas e limites


de um objeto, porém esse tipo de percepção caracteriza-se por utilizar esses limites para
diferenciar parte de um objeto do todo desse objeto (HAYWOOD; GETCHELL, 2004). Por exemplo,
no jogo pré-desportivo dos 10 passes o aluno que está com a bola ao enxergar parte do uniforme
de um colega que está sendo marcado não precisa ver o todo o colega para saber que ele está
próximo a ele; somente enxergando a cor de uma parte do uniforme ele consegue distinguir que
naquele local há um colega do mesmo time. Crianças possuem mais dificuldades de perceber
toda a figura, pois elas prestam mais atenção em objetos simples (HAYWOOD; GETCHELL, 2004).
Nesse sentido, elas descrevem apenas parte da situação visualizada e não toda. Por exemplo, ao
visualizar a mesma situação descrita anteriormente, porém com um dos jogadores com a bola,
elas descreverão que tem um jogador com a bola e não que há um jogador com a bola que está
sendo marcado por outro que tenta pegar a bola dele. Já os adultos tem maior facilidade para
perceber as duas situações simultaneamente (HAYWOOD; GETCHELL, 2004).

3. Aulas de educação física e o processo perceptivo-motor

O desenvolvimento do sistema perceptivo está intimamente relacionado ao desenvolvimento


motor (MEDINA; ROSA; MARQUES, 2006). Essa relação se dá uma vez que a percepção resulta
em estímulos sensoriais, que por sua vez desencadeiam em uma ação, a qual pode ser de caráter
cognitivo ou motor (GALLAHUE; OZMUN, 2005). Sendo assim, problemas na percepção podem
afetar o aprendizado de habilidades motoras.

Tendo em vista a relação entre percepção e ação, chama-se a atenção para o planejamento
de aulas de educação física que abarquem os conteúdos perceptivos, tendo em vista que a
qualidade do movimento depende do desenvolvimento perceptivo adequado (GALLAHUE;
OZMUN, 2005). Portanto, é crucial enfatizar o desenvolvimento adequado do sistema perceptivo
e de seus componentes para obter sucesso no planejamento e aplicação das tarefas (MEDINA;
ROSA; MARQUES, 2006).

Tendo em vista que as habilidades perceptivos motoras dependem também das experiências
vivenciadas (GALLAHUE; OZMUN, 2005), as aulas de educação física são um momento oportuno
para desenvolver os diferentes componentes da percepção, através de estímulos adequados. Para
isso é importante considerar a aplicação de um programa adequado ao desenvolvimento infantil
(SANDERS, 2005). Algumas fatores importantes que o professor deve verificar são as condições
da tarefa e do ambiente (especificidade e local apropriado), adaptação de regras de jogos e
utilização de materiais diferenciados (VALENTINI; TOIGO, 2006) com pesos, tamanhos e pesos
diferenciados, variação de ritmos e intensidades, velocidades e direções. Todos estes pontos,
somados a criatividade do professor, são auxiliadores para aquisição e refinamento das diferentes
percepções existentes.

Alguns autores em suas obras exemplificam modelos que auxiliam os professores a planejar
as aulas de forma que estimule a criança de formas diferentes e adequadas ao desenvolvimento.
Sanders (2005) reporta a idéia de círculos conceituais que auxiliam na diversidade dos estímulos
aos alunos. Esse instrumento funciona de maneira bem simples, sendo a parte interior que
contém as habilidades a serem trabalhadas (manipulação, locomoção ou estabilização) fixas. As
partes que se relacionam com o conhecimento (do corpo e espaço) são móveis, e ao serem
alteradas de local, proporcionam ao professor uma enorme variedade de trabalho.

Gallahue e Ozmun (2005) reportam uma idéia mais voltada avaliação e posterior programação
de aulas ou programas interventivos. O instrumento proposto pelos autores refere-se a uma
tabela com uma listagem a ser completada pelo professor, contendo algumas disfunções
perceptivo-motoras que são mais comuns. Ela serve como instrumento individual de avaliação
que pode dar ao professor um feedback de como está a progressão dos conteúdos da aula e da
aprendizagem das percepções pelos alunos. Esse instrumento é interessante tendo em vista que
reporta diferentes fatores relacionados a percepção.

4. Conclusão

Conforme reporta a literatura pesquisada, o desenvolvimento das funções perceptivas são


fundamentais para o desenvolvimento global da criança, sendo utilizada em funções cognitivas
e, principalmente, motoras. Tendo em vista essas relações estimulações não adequadas ao
desenvolvimento da criança afetam o desenvolvimento das diferentes percepções. Nesse sentido,
falhas no processo de desenvolvimento perceptivo, certamente tarefas que são consideradas
simples para a maioria das pessoas podem vir a ser consideradas extremamente complicadas.

Tendo em vista a menor estimulação das crianças para práticas ativas devido a diversos fatores
sociais (ex.: aumento da insegurança), as aulas de educação física são essenciais para o
desenvolvimento e aperfeiçoamento do sistema perceptivo-motor. Destacamos que para obter
sucesso nesse objetivo atividades em que a exploração e a vivência promovam às crianças
diversas possibilidades, visando o favorecimento do desenvolvimento global dos alunos são
essenciais. Nesse sentido, adequar materiais, espaços e planejamentos ao desenvolvimento dos
alunos são fundamentais para o desenvolvimento adequado das crianças. Para isso, salientamos
que o professor tem papel fundamental ao avaliar e programar atividades, levando em
consideração o ganho e as possibilidades, atuando em parceria com criatividade e produção
científica para promover uma prática eficaz de intervenção e progressão de conhecimentos.

Referências bibliográficas

 GALLAHUE, D. L., OZMUN, J. C. Compreendendo o desenvolvimento motor: bebês,


crianças, adolescentes e adultos. 3ª edição. São Paulo: Phorte, 2005.
 HAYWOOD, K. M., GETCHELL, N. Desenvolvimento motor ao longo da vida. 3ª edição.
Porto Alegre: Artmed, 2004.
 HURTADO, J. G. G. M. Glossário básico de psicomotricidade e ciências afins. Curitiba:
Educa/Editer, 1983.
 MEDINA, J. ROSA, G. K. B., MARQUES, I. Desenvolvimento da organização temporal de
crianças com dificuldades de aprendizagem. Revista da Educação Física/UEM, Maringá,
v. 17, n. 1, p. 107-116, 2006.
 PAYNE, V. G., ISAACS, L. D. Desenvolvimento motor humano: uma abordagem
vitalícia. 6ª edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2007.
 SANDERS, S. W. Ativos para a vida: programas de movimento adequados ao
desenvolvimento da criança. Porto Alegre: Artmed, 2005.
 SHMIDT, R. A., WRISBERG, C. A. Aprendizagem e performance motora: uma abordagem
da aprendizagem baseada no problema. 2ª EDIÇÃO. Porto Alegre: Artmed, 2001.
 VALENTINI, N. C.; TOIGO, A. M. Ensinando educação física nas séries iniciais: desafios e
estratégias. Canoas: Unilasalle, Salles, 2006.

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