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Embora tenham ocorrido avanços qualitativos na dieta para DM, alguns alimentos

foram proibidos por muitos anos. A orientação nutricional clássica para a maior parte
das pessoas com DM centrava-se na restrição da sacarose, com a retirada total do
açúcar simples e de doces, tratados como os “vilões” do DM. Essa conduta pode ser
considerada historicamente bem-intencionada, mas é cientificamente infundada na
atualidade. A discussão sobre os tipos de carboidratos para DM ocorre desde as
pesquisas de Elliot P. Joslin em 1935, mas a possibilidade real do uso de todas as
fontes alimentares somente emergiu após o estudo DCCT (Diabetes control and
complications trial), cujos resultados demonstraram que o uso da estratégia da
contagem de carboidratos, que prioriza a quantidade e não o tipo de carboidrato,
apresentou diminuição significativa da hemoglobina glicada (HbA1c), quando
comparada à retirada total da sacarose.
A abordagem nutricional para DM tornou-se mais realista, considerando o contexto do
sujeito e as negociações nas mudanças no estilo de vida, de maneira a atingir metas
compartilhadas com a equipe multiprofissional, composta por médicos, nutricionistas,
enfermeiros, educadores etc. Outras estratégias complementares à contagem de
carboidratos foram mescladas, como o índice glicêmico (IG) e a carga glicêmica (CG), e
passaram também a ser incluídas na prática clínica como adjuvantes, fortalecendo o
conceito da flexibilização do plano alimentar.
O excesso de peso é o principal fator de risco evitável para o desenvolvimento do DM
tipo 2. Dados do Banco Mundial de 2020 ressaltam que a prevalência de obesidade
triplicou desde 1975 e atualmente atinge mais de 200 milhões de pessoas, sendo
responsável por 4 milhões de mortes no mundo. A globalização e a transição
nutricional que ocorreu nas últimas décadas nos países em desenvolvimento
promoveram uma rápida elevação nos casos de sobrepeso e obesidade, com sérias
consequências para a elevação dos casos de DM tipo 2.
A elevada prevalência de excesso de peso pode estar por trás do aumento da
ocorrência do DM tipo 2 em crianças e adolescentes nas últimas décadas no Brasil. A
instalação precoce de alterações metabólicas nos adolescentes com excesso de peso já
tem sido documentada no país há mais de uma década, conforme verificado no estudo
realizado em uma amostra representativa de meninas estudantes de 12 a 19 anos de
escolas públicas de Niterói, no Rio de Janeiro, tendo sido encontradas alterações
metabólicas nas jovens com sobrepeso. Ademais, o estudo transversal Erica (Estudo de
fatores de risco cardiovascular em adolescentes), realizado com 37.504 adolescentes
estudantes brasileiros de 12 a 17 anos em 2016, já havia detectado glicose elevada em
4,5% (IC 95% 3,5-4,8) da amostra, além de 17,1% de sobrepeso e 8,4% de obesidade.

O diabetes mellitus (DM) engloba um grupo de doenças metabólicas caracterizadas


por hiperglicemia, a qual decorre de problemas na ação e/ou secreção da insulina.
DIABETES MELLITUS TIPO 1
O DM tipo 1 caracteriza-se pela destruição das células beta pancreáticas, causando
deficiência na secreção da insulina, o que torna o uso desse hormônio essencial no
tratamento para prevenir complicações e morte. No DM tipo 1, os pacientes
frequentemente passam por sintomas como poliúria, polifagia, polidipsia, visão turva,
fraqueza e perda de peso, embora também possam apresentar cetoacidose diabética,
complicação metabólica aguda caracterizada por elevação dos corpos cetônicos no
sangue (i.e., hipercetonemia) e, consequentemente, acidose metabólica. A
hiperglicemia causa diurese osmótica com perda significativa de líquidos e eletrólitos,
podendo causar náuseas, vômitos, dor abdominal, além de poder evoluir para edema
cerebral, coma e morte.

DIABETES MELLITUS TIPO 2


O DM tipo 2 corresponde a 90 a 95% de todos os casos de DM, acometendo
principalmente indivíduos com mais de 40 anos de idade. Sua etiologia é complexa e
multifatorial, envolvendo fatores genéticos e ambientais. Embora seja uma doença
com forte herança familiar, sua gênese ocorre sobretudo por causa de fatores
ambientais. A alimentação inadequada e o sedentarismo são os principais fatores de
risco para o DM tipo 2. Na maioria das vezes, a doença é assintomática ou
oligossintomática por longo período, sendo o diagnóstico realizado por dosagens
laboratoriais de rotina ou manifestações das complicações crônicas. Indivíduos com
DM tipo 2 apresentam os sintomas clássicos de hiperglicemia (poliúria, polidipsia,
polifagia e emagrecimento) com menor frequência, além de raramente apresentarem
cetoacidose diabética como manifestação clínica.

A resistência à insulina e a disfunção da célula beta pancreática são os principais


processos patológicos que levam à hiperglicemia crônica no DM tipo 2. Tais processos
decorrem principalmente do excesso de tecido adiposo, encontrado no sobrepeso e
na obesidade, e podem ser acentuados pela alimentação inadequada.

A insulina é secretada sobretudo em resposta à glicose, embora também possa ser


secretada em resposta a aminoácidos presentes na circulação.
Em outras palavras, a glicose é o principal secretagogo de insulina, e a secreção do
hormônio ocorre de maneira proporcional à glicemia. Após a secreção, a insulina atua
no metabolismo de carboidratos, proteínas e lipídios. Os tecidos muscular, adiposo e
hepático são os principais alvos da insulina. Além disso, a insulina atua – de forma
parácrina – nas células alfa das ilhotas de Langerhans, inibindo a secreção de glucagon
(hormônio conhecido por desempenhar funções opostas às da insulina). Desse modo,
as ações da insulina são ações de construção (anabolismo) e redução do catabolismo.

Em resumo, resistência à insulina significa redução nas ações fisiológicas da insulina


em tecidos-alvo, ou seja, a glicose não consegue ser captada adequadamente pelos
tecidos. Portanto, considerando que (i) uma das funções da insulina é a captação de
glicose pelo tecido adiposo e muscular e que (ii) o músculo estriado esquelético é o
principal captador de glicose (captando ~80 a 90% da glicose no sangue), a redução na
ação da insulina é a principal causa da hiperglicemia no DM tipo 2.
O tecido adiposo é considerado um órgão metabolicamente ativo capaz de secretar
mensageiros químicos como citocinas (pró e anti-inflamatórias) e hormônios como a
leptina. A produção de citocinas pró-inflamatórias e de leptina está positivamente
correlacionada com a quantidade de massa gorda. Em outras palavras, quanto maior a
massa adiposa, maior a concentração de citocinas pró-inflamatórias na circulação.
Estudos evidenciam que, quanto maior a massa adiposa, maior a infiltração de
macrófagos no tecido adiposo, e que essas células imunológicas também contribuem
para a inflamação e, consequentemente, para a resistência à insulina.
A inflamação crônica de baixo grau encontrada no excesso de peso (sobrepeso e
obesidade) faz com que o excesso de tecido adiposo seja fator etiológico para
diversas doenças, em especial para o DM tipo 2.
Em última análise, a insulite (resposta inflamatória local nas ilhotas do pâncreas) pode
levar à morte de algumas células beta, o que é reconhecido na literatura como perda
da massa funcional do pâncreas e que pode levar à necessidade do uso de insulina
exógena no DM tipo 2.

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