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Aspectos Anatômicos Diretamente Aplicados à Endodontia:

Considerações Iniciais e Peculiaridades dos Pré-Molares


por Eduardo Luiz Barbin e Nádia de Souza Ferreira

Nos dentes anteriores, não há uma divisão nítida entre a câmara pulpar e o canal radicular. Já nos
dentes posteriores multirradiculares, com dois ou mais canais, o assoalho da câmara pulpar e as
embocaduras dos canais radiculares ocorrem quando os canais são completamente independentes o que
facilita a distinção entre câmara pulpar e canal radicular.

1 Do Assoalho da Câmara Pulpar dos Dentes Multirradiculares (Pré-Molares e Molares)

Leonardo (2008), repercutindo a literatura científica, relata as seguintes observações a


respeito do assoalho da câmara pulpar para todos os dentes multirradiculares:
=> a dentina do assoalho apresenta-se mais escura do que a das paredes laterais
- é possível observar a junção da dentina das paredes laterais com a dentina do assoalho;
=> as embocaduras dos canais radiculares estão sempre localizadas na junção das paredes laterais
com o assoalho da câmara pulpar
- ou seja, as embocaduras dos canais radiculares localizam-se no ângulo diédrico formado pela
parede lateral e assoalho da câmara pulpar;
=> a linha de união das raízes, quando presentes, é mais escura do que a cor da dentina do assoalho
da câmara pulpar;
- as linhas de união das raízes são referências para a localização das embocaduras dos canais radiculares;
=> a dentina reacional e as calcificações são mais claras do que o assoalho da câmara pulpar
- a dentina reacional e as calcificações podem ocultar a embocadura dos canais radiculares.

2 Dos Pré-Molares

Os dentes Pré-molares (Pm ou Premol) possuem peculiaridades anatômicas importantes que,


caso não sejam observadas, durante a abertura coronária e preparo biomecânico, oferecem risco
importante de iatrogenia.

2.1 Dos Pré-molares Superiores (PmS ou Premolsup)

Os dentes Pré-molares apresentam características anatômicas que elevam o risco de


iatrogenia durante a abertura coronária e preparo químico e mecânico do canal radicular. As
dimensões da superfície oclusal, maiores que da secção transversal na junção amelo-cementária,
podem conferir uma falsa sensação de segurança (margem de erro) ao operador e o achatamento
mésio-distal e a espessura delgada da parede dentinária do canal, principalmente, nas adjacências da
junção amelo-cementária, reduzem a margem de erro do operador.
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2.1.1 Peculiaridades do Primeiro (1º) Pré-Molar Superior (1º PmS ou 1º Premolsup)

Com relação à câmara pulpar, destacam-se peculiaridades do 1PmS, a saber:


=> forma ovoide irregular, achatada na direção M-D;
=> teto com reentrâncias significativas na vestibular (nos jovens, mais pronunciada) e na lingual;
=> se com dois ou mais canais, ocorre o assoalho logo acima da [ou apicalmente à] junção amelo-cementária.

Com relação ao canal radicular do 1º PmS, observam-se:


=> com maior frequência, os canais apresentam curvatura;
=> apresenta-se com dois canais, um vestibular, outro lingual, na maioria dos casos;
=>pode apresentar uma ou duas raízes;
=> podem ocorrer dois canais em dentes com uma raiz, neste caso, um septo divide os canais que,
geralmente, são arredondados e de igual diâmetro;
=> podem apresentar três raízes e três canais, sendo dois vestibulares e um palatino.

Com relação à análise da secção transversal da raiz do 1º PmS, destaca-se o que segue:
=> a raiz apresenta-se significativamente achatada na direção M-D;
=> se ocorre apenas um canal, este é achatado na direção M-D;
=> se ocorrem dois canais, o que é mais frequente, geralmente são circulares.

Figura. 1º Pré-molar superior: secção transversal circular quando ocorrem dois canais.

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Figura. 1º Pré-molar superior.

Com relação às inclinações do longo eixo do dente, percebem-se:


=> inclinação M-D (coroa para mesial e raiz para distal) de 7 graus;
=> inclinação V-L (coroa para vestibular e raiz para lingual) de 11 graus.

Figura. 1º Pré-molar superior: inclinações.

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Com relação ao comprimento do 1º PmS, observam-se:
=> comprimento médio é de 21,5 mm;
=> variação do comprimento é de 17 a 25,5 mm.

2.1.1 Das Complicações Anatômicas do 1º PmS

A sobreposição das raízes dificulta o exame radiográfico exigindo tomadas com variação do ângulo
horizontal. Segundo Leonardo (1998), a escolha da face proximal de incidência depende do dente e, no caso
do Pré-molar superior: a incidência mais indicada é a mesiorradial.
O achatamento MD da câmara pulpar muitas vezes transforma a anatomia de ovoide para a
aparência de fenda.
As calcificações da câmara pulpar ocorrem com frequência.
A porção apical da raiz, delgada e afilada, requer zelo e alterações no protocolo clínico tanto
com relação à lida com a curvatura quanto com relação ao alargamento do canal (diâmetro cirúrgico)
que pode ser limitado por segurança.

2.1.2 Peculiaridades do SEGUNDO (2º) Pré-molar Superior (2º PmS, 2PmS ou 2 Premolinf)

Com relação à câmara pulpar, é semelhante ao 1º PmS, mas com dimensões maiores,
destacando-se o que segue:
=> forma ovoide irregular, achatada na direção M-D;
=> teto com reentrâncias significativas na vestibular e lingual (dimensões semelhantes).

Com relação ao canal radicular do 2º PmS, observam-se:


=> a frequência de um canal é discretamente maior que a de dois canais sendo, neste caso, um
vestibular, outro lingual;
=> os canais apresentam, com grande frequência, curvatura para vestibular.

Com relação à análise da secção transversal da raiz do 2º PmS, observam-se.


=> a raiz apresenta-se achatada na direção M-D;
=> o canal é, geralmente, achatado na direção M-D.

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Figura. 2º Pré-molar superior.

Com relação às inclinações do longo eixo do dente, percebem-se:


=> inclinação M-D (coroa para mesial e raiz para distal) de 7 graus;
=> inclinação V-L (coroa para vestibular e raiz para lingual) de 7 graus.

Figura. 2º Pré-molar superior: inclinações.

Com relação ao comprimento do 2º PmS, observa-se:


=> comprimento médio é de 21,6 mm;
=> variação do comprimento é de 17 a 26 mm.

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2.1.2.1 Das Complicações Anatômicas (2º PmS)

Além das complicações relatadas para os 1º PmS que podem também ocorrer nos 2º PmS
(ex.: se com dois canais, sobreposição das canais dificultando o exame radiográfico, achatamento MD,
calcificações da câmara pulpar, e porção apical da raiz, delgada e afilada), a possibilidade de
ocorrência de dois canais associada à expectativa de apenas um canal é um aspecto que pode
conduzir a terapêutica ao insucesso.

2.2 Peculiaridades dos Pré-Molares Inferiores (PmI ou Premolinf)

Salienta-se, nos casos dos PmI, que a cúspide vestibular pronuncia-se para lingual. Poder-se-
ia expressar uma versão poética na qual a coroa do PmI inclina-se em direção da língua como se
vivenciasse por ela uma paixão romântica. Concretamente, tal característica anatômica, caso não
seja observada, resulta em risco elevado de iatrogenia na abertura coronária, pois o longo eixo da
coroa pode não estar paralelo ao longo eixo da raiz.

Figura. 2º Pré-molar inferior: cúspide vestibular pronuncia-se para lingual. A esquerda, evidencia-se que o
longo eixo da coroa não está paralelo ao longo eixo da raiz.

Com relação à anatomia interna dos Pré-Molares Inferiores, ocorre elevada variação da
morfologia do canal radicular. Há semelhanças entre o 1º e o 2º Pré-Molares Inferiores, destacando-
se o que segue:
=> com relação à câmara pulpar, há duas reentrâncias, no teto, correspondentes às cúspides, sendo a
vestibular mais pronunciada nos jovens;
=> câmara pulpar achatada na direção mésio-distal;
=> com relação ao canal radicular, as bifurcações podem estar presentes.
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Figura. Pré-molar inferior: bifurcações no terço apical.

2.2.1 Primeiro (1º) Pré-Molar Inferior (1º PmI ou 1º Premolinf)

Com relação ao canal radicular do 1º PmI, observam-se que:


=> geralmente ocorre canal único achatado na direção mesiodistal (MD);
=> ocorre, com frequência reduzida, bifurcação no terço apical;
=> canal mais atresiado e mais achatado (MD) do que o do 2º PmI.

Com relação à análise da secção transversal da raiz do 1º PmI, observa-se, entre outros
achados, achatamento do canal na direção mesiodistal (MD).

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Figura. Análise da secção transversal da raiz do 1º PmI.
Com relação às inclinações do longo eixo do dente do 1º PmI, percebem-se:
=> inclinação M-D (coroa para mesial e raiz para distal) de 5 graus;
=> inclinação V-L (coroa para vestibular e raiz para lingual) de 3 graus.

Figura. Análise das inclinações do 1º Pré-molar Inferior.

Com relação ao comprimento do 1º PmI, observam-se:


=> comprimento médio é de 21,9 mm;
=> variação do comprimento é de 17 (mínimo) a 26,5 mm (máximo).

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2.2.2 Segundo (2º) Pré-Molar Inferior (2º PmI ou 2º Premolinf)

Com relação ao canal radicular do 2º PmI, observam-se:


=> geralmente ocorre canal único e achatado na direção mesiodistal (MD);
=> o canal radicular do 2º PmI apresenta maior [diâmetro] que o do canal do 1º PmI;
=> o canal radicular do 2º PmI possui menor achatamento na direção MD do que o do canal do 1º PmI.

Reiterando-se, o canal radicular do 2º PmI é de forma semelhante ao do 1º PmI, sendo,


porém, maior e menos achatado na direção mesiodistal (LEONARDO, 2008).

Ainda com relação à análise da secção transversal da raiz do 2º PmI, reitera-se o


achatamento do canal, ainda presente, na direção mesiodistal (MD).

Figura. Análise da secção transversal da raiz do 2º PmI.

Com relação às inclinações do longo eixo do dente do 2º PmI, percebem-se:


=> inclinação M-D (coroa para mesial e raiz para distal) de 5 graus;
=> inclinação V-L (coroa para lingual e raiz para vestibular) de 9 graus.

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Figura. Análise das inclinações do 2º Pré-molar Inferior.

Com relação ao comprimento do 2º PmI, observam-se:


=> comprimento médio é de 22,3 mm;
=> variação do comprimento é de 17,5 (mínimo) a 27,5 mm (máximo).
1º PMI 2º PMI

Figura. Análise das inclinações dos Pré-molares Inferiores. À esquerda, 1º PmI e, à direita, 2º PmI. Em ambos os
casos, em A, sentido mesiodistal e, em B, sentido vestibulolingual. Nota-se a inversão da inclinação
vestibulolingual (B) ocorrida no 2º PmI.

2.2.3 Das Complicações Anatômicas dos Pré-molares Inferiores

A frequência razoável de 1) bifurcações dos canais radiculares, de 2) grande variação


anatômica e de 3) alta frequência de agudecimentos de processos patológicos crônicos subsidiam
uma estimativa de extrema complexidade da terapêutica endodôntica nos PmI.
A cirurgia parendodôntica também é dificultada pela proximidade do forame mentoniano. A
imagem radiográfica do Forame Mentoniano pode levar a interpretações equivocadas de lesões
apicais quando da sobreposição com o ápice radicular dos PmI. Nesse caso, quando há dúvidas, a
variação do ângulo horizontal de incidência do RX pode dissociar as imagens do Forame Mentoniano
e do ápice radicular.

3 Bibliografia
ABOU-RASS M, FRANK AL, GLICK DH. The anticurvature filing method to prepare the curved root canal. JADA, v. 101, p. 792-
794. 1980. Disponível em: <http://www.abourass.com/docs/12.pdf>. Acesso em: 26 mar. 2014.

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COHEN, S.; BURNS, R. Caminhos da Polpa. 7ª ed., Rio de Janeiro, Editora Guanabara Kogan, 2000.
COHEN, S; HARGREAVES, K. M. Caminhos da polpa. 9ª ed, Rio de Janeiro, Elsevier, 2007.
DE DEUS, Q. D. Endodontia. 5ª ed., Rio de Janeiro, Editora Médica e Científica, 1992.
ESTRELA, C. Ciência da Endodontia. 1ª ed., Editora Artes Médicas, 2004.
LEONARDO MR, LEONARDO RT. Endodontia: conceitos biológicos e recursos tecnológicos. Artes Médicas (Divisão
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LEONARDO, M.R.; LEAL, J.M. Endodontia. Tratamento de Canais Radiculares. 3ª ed., São Paulo, Editora Panamericana, 1998.
LEONARDO, M.R.; LEAL, J.M. Endodontia. Tratamento de Canais Radiculares. 3ª ed., São Paulo, Editora Panamericana, 2005
(1ª reimpressão 2008).
LOPES, H. & SIQUEIRA JR, J.F. Endodontia: Biologia e Técnica. 2ª ed., Rio de Janeiro, Editora Medsi, 2004.
RAMOS, C. A. S.; BRAMANTE, C. M. Endodontia: Fundamentos biológicos e Clínicos. 2ª ed., São Paulo, Editora Santos, 2001.
TORABINEJAD, M.; WALTON, R. E. Endodontia: princípios e prática. 4ª ed., Rio de Janeiro, Elsevier, 2010.
WALTON, R.E.; TORABINEJAD, M. Princípios e Práticas em Endodontia. 1ª ed., São Paulo, Editora Santos, 1997.

4 Revisão
Revisado pelos Autores, Corpo Editorial (PEE-FO-UFPel) e pela colaboradora Lucieli Andreia Zajkowski (PEE-FO-UFPel).

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