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Aspectos Anatômicos Diretamente Aplicados à Endodontia:

Considerações Iniciais e Peculiaridades dos Molares


por Eduardo Luiz Barbin e Nádia de Souza Ferreira

O tratamento endodôntico dos molares possui peculiaridades que vão além do maior
número de canais. A dupla curvatura dos canais radiculares, as zonas de perigo (ABOU-RASS et al.,
1980; LEONARDO, 2008; LEONARDO; LEONARDO, 2009), a menor amplitude e as variações de
localização dos canais são características que os diferenciam dos demais elementos dentários e que
tornam o tratamento endodôntico, nesses dentes, uma missão desafiadora (LOPES; SIQUEIRA, 2013,
p. 264). Caso tais peculiaridades anatômicas não forem observadas, durante a abertura coronária e
preparo biomecânico, haverá risco significativo de se promoverem iatrogenias.
Leonardo (2008, p. 4) nota que o empirismo e o desconhecimento orientam os
procedimentos endodônticos e afirma que a habilidade manual, a sensibilidade táctil e a delicadeza
não garantem, por si só, o bom desenvolvimento do tratamento endodôntico.
O autor considera que a terapia endodôntica impõe, além do desafio técnico, o desafio
biológico e este é enfrentado com conhecimento técnico e científico que deve ser adquirido,
ampliado e atualizado constantemente.

1 Peculiaridades do Primeiro Molar Superiores (1ºMS)

1.1 Da Câmara Pulpar do 1ºMS

A Câmara Pulpar do 1º MS apresenta as seguintes características:


=> forma irregularmente cúbica;
=> achatada no sentido de mesial para distal;
=> tendência à morfologia triangular nas proximidades do assoalho.

O teto da câmara pulpar do 1ºMS apresenta reentrâncias sob as cúspides como, também, em
alguns casos, pelo lado lingual, sob o Tuberculo de Carabelli.
As paredes laterais são, geralmente, convexas. A acentuada convexidade que ocorre na parede
mesial dificulta a localização, bem como a instrumentação do canal mésio-vestibular. A remoção
cuidadosa desta convexidade apenas com o objetivo de promover-se o acesso retilíneo e livre ao canal
radicular é oportuna e deve ser realizada com critério, prudência e atenção configurando-se como um
desgaste adicional ou desgaste compensatório o qual repercute na forma de conveniência.

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Figura. Convexidade das paredes laterais da câmara pulpar do 1ºMS com ênfase na
convexidade da parede mesial (LEONARDO, 2008).

O assoalho da câmara pulpar também se apresenta convexo e deve ser preservado, pois a
manutenção de sua integridade reduz a chance de ocorrência de iatrogenias, eleva a possibilidade de
se encontrarem as embocaduras dos canais radiculares e facilita a introdução das limas endodônticas
nos canais radiculares durante o preparo biomecânico.
Considerando a análise do corte transversal da câmara pulpar, ao nível do terço coronário médio,
as paredes laterais revelam-se convexas, lisas e polidas. Ao nível da junção entre esmalte e cemento,
observa-se morfologia triangular cuja base do triângulo é voltada para vestibular, sendo que, nos ângulos
desse triângulo, geralmente ocorrem depressões referentes às embocaduras, orifícios ou entradas dos
canais radiculares.
As embocaduras dos canais radiculares podem ser interligadas por sulcos (linhas) no assoalho
com a forma da letra ípsilon "Y", o que pode ocorrer em cerca da metade dos casos e receber a
denominação de “Rostrum Canalium” (LEONARDO, 2008).

Figura. “Rostrum Canalium”: sulcos (linhas) no assoalho com a forma da letra ípsilon "Y" que se estendem de
uma embocadura à outra.

1.2 Do Canal Radicular do 1ºMS

O 1ºMS apresenta-se, em geral, com três raízes separadas contendo, cada uma delas, um canal
radicular; no entanto, a raiz mésio-vestibular pode apresentar, com maior frequência, dois canais
radiculares (LEONARDO, 2008). O 1ºMS pode apresentar, portanto, quatro canais, sendo que os
achados na literatura são conflitantes e dão conta que o quarto canal ocorre em 28 a 70% dos casos.
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1.2.1 Da Anatomia Interna da Raiz Mésio-Vestibular do 1ºMS

Acima da cúspide mésio-vestibular, encontra-se a raiz mésio-vestibular, bem como a


embocadura do canal mésio-vestibular que apresenta morfologia de fenda na direção vestíbulo-
lingual. Nas extremidades da fenda citada, podem ocorrer dois canais com trajetória independente,
neste caso, o canal da extremidade vestibular é denominado de canal mésio-vestibular e o canal cuja
embocadura localiza-se na extremidade lingual da fenda denomina-se canal mésio-palatino (mésio-
lingual) da raiz mésio-vestibular (4º canal do 1ºMS).

Figura. Distribuição das embocaduras dos canais radiculares no 1º MS (LEONARDO, 2008).

Salienta-se que o acesso ao forame apical do canal mésio-palatino da raiz mésio-vestibular é


difícil chegando a ser impraticável. Outro destaque é que os canais da raiz mésio-vestibular podem se
encontrar no terço apical de forma que o canal mésio-palatino possa compartilhar o forame apical
com o canal mésio-vestibular (LEONARDO, 2008).
A raiz mésio-vestibular, bem como sua anatomia interna, apresenta curvatura do terço apical
para distal, ou seja, ápice apontando para a distal. Em adição, ocorre curvatura no terço cervical para
distal, isto é, embocadura do canal radicular apontando para distal ou embocadura apontando para
disto-lingual. Tais ocorrências concomitantes levam alguns autores a afirmarem que a raiz mésio-
vestibular do 1ºMS apresenta dupla curvatura (LEONARDO, 2009; ABOU-RASS et al., 1980). Poder-se-
ia considerar que a anatomia interna da raiz mésio-vestibular do 1ºMS é curvada em toda a sua
extensão configurando morfologia próxima a um arco ou próxima a um segmento de circunferência.

Figura. Curvatura, para distal, do terço apical da raiz mésio-vestibular do 1ºMS. Em detalhe, o risco de
iatrogenia em função de tal curvatura (LEONARDO, 2008).
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1.2.2 Da Anatomia Interna da Raiz Lingual ou Palatina do 1ºMS

O Canal Lingual ou Canal Palatino caracteriza-se pelo que segue:


=> geralmente único, com comprimento e diâmetro maiores que os vestibulares;
=> leve achatamento no sentido vestíbulo-lingual;
=> apresenta-se reto (40%) ou com desvio para vestibular em por volta de 55% dos casos (LEONARDO, 2008).

O canal lingual ou palatino pode apresentar dupla curvatura com o ápice apontando para
vestibular, bem como com a embocadura apontando para vestibular. Em adição, o canal palatino
pode terminar em delta apical, o que dificulta sua completa instrumentação.

1.2.3 Da Anatomia Interna da Raiz Disto-Vestibular do 1ºMS

O Canal Disto-vestibular apresenta-se, como segue:


=> geralmente, é único;
=> geralmente, é o mais atresiado dos canais do 1ºMS;
=> geralmente, é reto e de secção transversal arredondada em 54% dos casos (LEONARDO, 2008);
=> pode apresentar discreta curvatura para mesial em 19% dos casos (LEONARDO, 2008);
=> pode apresentar discreta curvatura para distal em 17% dos casos (LEONARDO, 2008).

Com relação às inclinações do longo eixo do 1ºMS, percebem-se:


=> inclinação M-D de 0 grau;
=> inclinação V-L (coroa para vestibular e raiz para lingual) de 15 graus.

Figura. Inclinações do longo eixo do 1ºMS.

Com relação ao comprimento do 1ºMS, observam-se:


=> comprimento médio é de 21,3 mm;
=> variação do comprimento é de 18 a 25,5 mm.

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1.3 Das Complicações Anatômicas do 1ºMS

Com relação ao Diagnóstico de Urgência, devido à proximidade dos ápices radiculares do


1ºMS com os seios maxilares, as dores originadas por sinusites nos seios maxilares associadas ao
fenômeno da dor reflexa podem ser confundidas com Pulpite Aguda Irreversível.
Com relação às dificuldades e complicações terapêuticas, a proximidade dos ápices radiculares do
1ºMS com os seios maxilares gera dificuldades e complicações para a cirurgia parendodôndica.
A dupla curvatura é frequente no canal mésio-vestibular, mas também pode ocorrer no canal
lingual ou palatino do 1ºMS. Ambas, se não tratas com medidas específicas (técnica apropriada),
considerando a dupla curvatura, podem conduzir às iatrogenias.

1.4 Outras Consideraçõessobre o 1ºMS

A forma da coroa, vista pela oclusal, do 1ºMS, foi relacionada, na literatura, com a incidência
de três ou quatro canais. A forma quadrangular ou poligonal relacionou-se à presença de somente
três canais. O formato trapezoidal relacionou-se com a ocorrência de quatro canais (LEONARDO, 2008).

Figura. Relação da anatomia externa da coroa do 1ºMS com o número de canais radiculares.
À esquerda, morfologia que tende a quadrangular ou poligonal associada à ocorrência de três canais.
À direita, formato que tende a trapezoidal relacionado à presença de quatro canais (LEONARDO, 2008).

1.4.1 Do Enfrentamento da Dupla Curvatura dos Canais do 1ºMS

Segundo Leonardo (2008), no preparo biomecânico dos canais radiculares com dupla curvatura,
deve-se, com prudência e atenção, proceder ao que segue:

=> desgaste compensatório cuidadoso e prudente da convexidade das paredes laterais da câmara
pulpar (principalmente da parede mesial);

=> limagem/preparo anti-curvatura cuidadosa e prudente;

=> a instrumentação (modelagem) do batente apical deve ser realizada somente após o desgaste das
interferências coronárias e atenuação da curvatura da metade coronária ou dos dois terços
coronários do canal radicular;
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=> na instrumentação (modelagem) do batente apical, limitar-se ao uso das limas endodônticas com
flexibilidade ótima (lima menor ou igual a nº 25) e/ou compatível com a curvatura do canal radicular
[nos canais, com dupla curvatura, vestibulares do MS e mesiais do MI, limas nº 30 ou nº 35];

=> atuar somente nas áreas de segurança e evitar as áreas de perigo do canal radicular.

1.4.2 Da Avaliação Radiográfica do 1ºMS

Segundo Leonardo (2008), em alguns casos, durante a odontometria, a observação de uma


linha radiolúcida ao lado da imagem da lima endodôntica na raiz mésio-vestibular pode indicar a
presença do canal mésio-lingual ou mésio-palatino da raiz mésio-vestibular (4º canal).

Figura. Aspectos gerais da anatomia interna do 1ºMS (TORABINEJAD; WALTON, 2010).

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2 Peculiaridades do Segundo Molar Superior (2ºMS)

Os aspectos morfológicos anatômicos do 2ºMS apresentam-se semelhantes ao do 1ºMS, no


entanto,o 2º MS apresenta algumas peculiaridades que devem ser destacadas.

2.1 Peculiaridades da Câmara Pulpar do 2º MS

A Câmara Pulpar do 2º MS apresenta-se semelhante à do 1º MS. As peculiaridades do 2º MS


que o fazem diferente do seu adjacente mesial são as seguintes:
=> a câmara pulpar do 2º MS é mais achatada no sentido de mesial para distal que a do 1º MS;
=> em função do maior achatamento mésio-distal da câmara pulpar
- a embocadura do canal disto-vestibular pode se encontrar na mesma depressão do assoalho em
que se encontra a embocadura do canal mésio-vestibular, a qual se localiza acima da cúspide de
mesmo nome, ou
- a embocadura do canal disto-vestibular pode se encontrar no centro do assoalho;

Figura. Achatamento da câmara pulpar do 2ºMS e proximidade das embocaduras


dos canais mésio-vestibular e disto-vestibular.

2.2 Peculiaridades dos Canais Radiculares do 2º MS

A anatomia interna do 2ºMS apresenta-se semelhante à do 1º MS, excetuando-se algumas


especificidades. Evidenciando, portanto, apenas as peculiaridades do 2ºMS, observam-se:
=>três raízes separadas na metade dos casos;
=> na outra metade dos casos, ocorre o fusionamento das raízes que se expressa de maneira variável;
=> a ocorrência de dois canais na raiz mésio-vestibular é rara, porém pode ocorrer.

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Figura. Aspectos gerais da anatomia interna do 2ºMS com três
raízes (TORABINEJAD; WALTON, 2010).

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Figura. Aspectos gerais da anatomia interna do 2ºMS com raízes
fusionadas (TORABINEJAD; WALTON, 2010).

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2.3 Das Inclinações e dos Comprimentos Médios do 2º MS

Com relação às inclinações do longo eixo do 2ºMS, percebem-se:


=> inclinação M-D de 5 graus (coroa para distal e raiz para mesial);
=> inclinação V-L (coroa para vestibular e raiz para lingual) de 11 graus.

Figura. Inclinações do longo eixo do 2ºMS.

Com relação ao comprimento do 2ºMS, observa-se:


=> comprimento médio é de 21,7 mm;
=> variação do comprimento é de 17,5 a 27,0 mm.

2.4 Das Complicações Anatômicas do 2º MS

O posicionamento da embocadura do canal disto-vestibular do 2ºMS nas proximidades do canal


mésio-vestibular ou, até mesmo, no centro da câmara pulpar, devido ao maior achatamento mésio-distal da
câmara pulpar, pode induzir o profissional que desconhece essas possibilidades, a tentar localizá-lo mais
para distal conduzindo-o à iatrogenia pela trepanação do assoalho.
Embora de ocorrência rara, a raiz mésio-vestibular pode conter dois canais à semelhança do
1ºMS, portanto, o profissional deve focar sua atenção nesta possibilidade para não incorrer em
negligência.
Também rara é a ocorrência do 2º MS com quatro raízes e quatro canais, mas esta
possibilidade também deve ser considerada.

2.4.1 Complicações Radiográficas do 2º MS

A sobreposição de estruturas (ponte zigomática alveolar com os ápices radiculares) pode


dificultar a avaliação radiográfica para fins de diagnóstico e odontometria (dificuldade de avaliação
dos ápices radiculares). Neste caso, Leonardo (2008, p. 428) recomenda a tomada disto-angulada ou

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distalizada. “A técnica de Le Master [também] é muito útil para evitar a sobreposição do processo
zigomático com os ápices radiculares dos molares superiores” (LEONARDO, 2008, p. 554).

3 Da Terapêutica Endodôntica do TERCEIRO Molar Superior

Em linhas gerais, a terapêutica endodôntica do 3ºMS é contraindicada (LEONARDO, 2008) em


função do que segue:
=> dificuldades técnicas;
=> anormalidades anatômicas (fusionamento radicular).

Em planos de tratamento geral de casos especiais, a manutenção do 3ºMS pode ser oportuna
ou desejável justificando a terapia endodôntica. Nesses casos, os exames por imagem são os meios
de se obterem informações clinicamente indispensáveis para o tratamento endodôntico.

3.1 Complicações Anatômicas

Uma das complicações anatômicas presentes no 3ºMS é a acentuada inclinação mésio-distal


que eleva o risco de iatrogenia (trepanação do assoalho) durante a abertura coronária.

4 Peculiaridades do Primeiro Molar Inferior (1º MI)

4.1 Peculiaridades da Câmara Pulpar do 1ºMI

A Câmara Pulpar do 1º MI apresenta as seguintes características:


=> forma aproximadamente cuboide;
=> tendência à morfologia triangular nas proximidades do assoalho.

O teto da câmara pulpar do 1ºMI apresenta reentrâncias sob as cúspides, rememorando, três
cúspides vestibulares e duas linguais.
As paredes laterais são, geralmente, convexas. A acentuada convexidade que ocorre na
parede mesial dificulta a localização, bem como a instrumentação dos canais mesiais. A remoção
desta convexidade é oportuna, deve ser realizada com critério, prudência e atenção configurando-se
como um desgaste adicional ou desgaste compensatório repercutindo na forma de conveniência.

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Figura. Convexidade da parede mesial e assoalho da câmara pulpar do 1ºMI (LEONARDO, 2008).

O assoalho da câmara pulpar também se apresenta convexo e deve ser preservado, pois a
manutenção de sua integridade reduz a chance de ocorrência de iatrogenias, eleva a possibilidade de
se encontrarem as embocaduras dos canais radiculares e facilita a introdução das limas endodônticas
nos canais radiculares durante o preparo biomecânico.
Considerando a análise do corte transversal da câmara pulpar; ao nível do terço coronário
médio, as paredes revelam-se convexas, lisas e polidas. Já, ao nível da junção entre esmalte e
cemento, observa-se morfologia triangular cuja base do triângulo é voltada para mesial, sendo que,
nos ângulos desse triângulo, ocorrem depressões referentes às embocaduras, orifícios ou entradas
dos canais radiculares.
Embora a embocadura do canal mésio-vestibular (m-v) encontre-se abaixo da cúspide m-v, a
abertura do canal mésio-lingual (m-l) localiza-se sobre o sulco central (LEONARDO, 2008). Ou seja, a
embocadura do canal m-l situa-se pela vestibular do vértice da cúspide m-l.

4.2 Dos Canais Radiculares do 1ºMI

O 1ºMI apresenta-se, em geral, com duas raízes separadas, perfeitamente diferenciadas,


sendo uma pela mesial e outra pela distal. Embora raro, pode ocorrer uma terceira raiz disto-lingual.
Em 78% dos casos, o 1ºMI apresenta três canais, sendo dois deles na raiz mesial e um na raiz
distal; no entanto, a raiz distal pode apresentar dois canais radiculares (por volta de 14% dos casos)
denominados de disto-vestibular e disto-lingual (LEONARDO, 2008).

4.2.1 Da Anatomia Interna da Raiz Distal do 1ºMI

Em 73,54% dos casos, o canal distal do 1ºMI apresenta:


=> abertura em forma de funil (infundibuliforme);
=> geralmente achatado mésio-distalmente;
=> amplo, longo e reto.

O canal distal do 1ºMI pode, também, apresentar:


=> desvio para distal em 10,5% dos casos.
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4.2.2 Da Anatomia Interna da Raiz Mesial do 1ºMI

Com relação aos Canais Mesiais do 1ºMI, destacam-se as seguintes características:


=> únicos, atresiados, longos e de secção transversal circular;
=> apresentam dupla curvatura
- curvatura para distal em 79% dos casos,
- ápice apontando para distal,
- embocadura apontada para distal;

Os canais mesiais do 1ºMI apresentam curvatura do terço apical para distal, ou seja, ápice
apontando para a distal. Em adição, ocorre curvatura no terço cervical para distal, isto é,
embocadura apontando para distal. Tais ocorrências concomitantes levam alguns autores a
afirmarem que a raiz mésio-vestibular do 1ºMS apresenta dupla curvatura (LEONARDO, 2009; ABOU-
RASS et al., 1980). Poder-se-ia considerar que a anatomia interna da raiz mésio-vestibular do 1ºMI é
curvada em toda a sua extensão configurando morfologia próxima a um arco ou próxima a um
segmento de circunferência.
Embora com menor frequência, pode ocorrer que os dos canais mesiais encontrarem-se no
terço apical compartilhando o mesmo forame.
É importantíssimo destacar que, com a finalidade de permitir a modelagem do batente apical
nos canais mesiais do 1ºMI, reduzindo o risco de iatrogenias, torna-se necessário remover as
interferências coronárias (convexidade da parede mesial da câmara pulpar) por meio do desgaste
compensatório e atenuar a curvatura da metade coronária ou dos dois terços coronários do canal
radicular por meio da limagem anti-curvatura.

4.3 Das Inclinações e Dos Comprimentos Médios do 1ºMI

Com relação às inclinações do longo eixo do 1ºMI, percebem-se:


=> inclinação M-D de 10 graus (coroa para mesial e raiz para distal);
=> inclinação V-L de 13 graus (coroa para lingual e raiz para vestibular).

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Figura. Inclinações do longo eixo do 1ºMI. À esquerda, vista proximal evidenciando a inclinação
lingual (coroa para lingual). À direita, em A: inclinação mésio-distal (coroa para mesial); em B:
inclinação vestítulo-lingual (coroa para lingual).

Com relação ao comprimento do 1ºMI, observa-se:


=> comprimento médio é de 21,9 mm;
=> variação do comprimento é de 19 a 27 mm.

4.4 Das Complicações Anatômicas do 1ºMI

O canal cavo-inter-radicular (inter-cavo-radicular) que pode ser descrito como uma


ramificação do assoalho da câmara pulpar à furca pode ocorrer e, caso detectado, deve ser
submetido ao preparo biomecânico e obturado.
Também de incidência raríssima, pode acontecer um terceiro canal entre os canais mesiais
do 1ºMI denominado canal mésio intermediário cuja descoberta é facilitada de sobremaneira pelo
emprego da irrigação com ultrassom.

4.4.1 Do Exame Radiográfico do 1ºMI

Ao exame radiográfico, as raízes do 1ºMI apresentam sulcos longitudinais. No caso,


principalmente, da raiz mesial, a imagem radiográfica pode confundir o operador quanto à estimativa
do número de canais radiculares.

4.4.2 Do Enfrentamento da Dupla Curvatura dos Canais Mesiais do 1ºMI

A dupla curvatura, frequente nos canais mesiais do 1ºMI, quando não considerada, pode
levar à iatrogenia. Com a finalidade de modelar o batente apical com menor risco de iatrogenias, a
dupla curvatura dos canais mesiais do 1ºMI deve ser atenuada exigindo ações prudentes, atentas e
criteriosas, a saber:
=> desgaste compensatório da convexidade da parede mesial da câmara pulpar;
=> limagem anti-curvatura;
=> na modelagem do batente apical, limitar-se ao uso das limas endodôntica somente com
flexibilidade ótima e/ou compatível com a curvatura do canal radicular após sua atenuação na
porção coronário do canal radicular.
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Salienta-se, no entanto, que, na superfície distal do terço cervical da raiz mesial do 1ºMI, há
uma concavidade que oferece grande risco à perfuração quando do emprego da broca Gates Glidde
durante a limagem anti-curvatura. De uma maneira geral, cuidados com a cinemática e trajetória de
utilização da broca citada são imperativos, mas, neste caso, a avaliação clínica do risco é
imprescindível para determinação da relação custo/benefício do emprego ou não desse método de
limagem anti-curvatura, bem como do direito de informação do paciente com relação ao risco da
terapêutica, às alternativas de tratamento e ao prognóstico.
A indicação da limagem anti-curvatura, com a finalidade de atenuar a curvatura do canal,
deve-se à necessidade de prevenir iatrogenias nos cinco milímetros apicais (porção nobre do canal
radicular) durante a modelagem do batente apical (LEONARDO, 2008), mas esta ação clínica
apresenta em si um risco inerente à concavidade cervical citada no parágrafo anterior e este fato
deve ser considerado pelo profissional e informado ao paciente, pois ambos influenciam de maneira
determinante o prognóstico.

4.5 Outras Considerações Referentes à Avaliação Radiográfica do 1ºMI

Segundo Leonardo (2008), em alguns casos, durante a odontometria, a observação de uma


linha radiolúcida ao lado da imagem da lima endodôntica na raiz distal pode indicar a presença de
um segundo canal na raiz distal.

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Figura. Peculiaridades anatômicas do 1ºMI direito.

5 Peculiaridades do Segundo Molar Inferior (2ºMI)

A seguir serão descritas as peculiaridades do 2ºMI que o distinguem do 1ºMI.

5.1 Peculiaridades da Câmara Pulpar do 2ºMI

A Câmara Pulpar do 2º MI apresenta-se semelhante à do 1º MI. Uma peculiaridade do 2º MI


que o faz diferente do seu adjacente mesial refere-se ao número menor de reentrâncias no teto da
câmara pulpar, uma vez que o 2º MI apresenta apenas quatro cúspides.

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5.2 Peculiaridades dos Canais Radiculares do 2ºMI

Segundo Leonardo (2008), o 2ºMI apresenta-se, em geral, com duas raízes separadas em
71% dos casos observando as seguintes peculiaridades:
=> raízes perfeitamente diferenciadas a partir do plano cervical em 39,2% dos casos;
=> diferenciação das raízes ocorrendo a partir do terço médio com 32,8% de frequência;
=> raízes fusionadas nos demais casos.

Nos casos de raízes fusionadas, os canais oferecem uma dificuldade adicional, pois são mais
estreitos.
Em adição, destaca-se que os canais do 2ºMI apresentam-se com curvaturas menos
acentuadas quando comparados com os canais dos 1ºMI.

5.3 Das Inclinações e dos Comprimentos Médios do 2ºMI

Com relação às inclinações do longo eixo do 2ºMI, percebem-se:


=> inclinação M-D de 15 graus (coroa para mesial e raiz para distal);
=> inclinação V-L de 12 graus (coroa para lingual e raiz para vestibular).

Figura. Inclinações do longo eixo do 2ºMI. A: inclinação mésio-distal. B: inclinaçãovestítulo-lingual.

Com relação ao comprimento do 2ºMI, observa-se:


=> comprimento médio é de 22,4 mm;
=> variação do comprimento é de 19 a 26 mm.

5.4 Das Complicações Anatômicas do 2ºMI

Segundo Leonardo (2008), o 2ºMI é um dente potencialmente suscetível à fratura vertical.

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O compartilhamento do forame pelos canais mesiais é uma ocorrência que pode gerar
complicações para o profissional que não está preparado para essa variação anatômica.
O 2ºMI pode apresentar apenas dois canais, sendo um por raiz, o que pode gerar alguma
insegurança ou desconfiança no profissional.
Com relação ao 2ºMI, destaca-se a ocorrência de câmara pulpar com a forma da letra “C”
(LEONARDO, 2008).
Outa achado morfológico anatômico importante é denominado de istmo e definido por
Cohen e Hargreaves (2007) como uma comunicação estreita entre dois canais.

Figura. Molar Inferior. Em A, câmara pulpar em forma de “C”. Em B, lesão periapical. Em C, corte
transversal no terço apical, onde a seta evidencia parte do canal sem desbridamento e sem obturação.
Em F, secção transversal do canal radicular em forma de “C”(TORABINEJAD; WALTON, 2010).

Figura. Molar inferior com canal radicular em forma de “C”(COHEN; HARGREAVES, 2007).

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Figura. Peculiaridades do 2ºMI direito (TORABINEJAD; WALTON, 2010).

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Figura. 2ºMI direito com secção transversal do canal em forma de “C” (TORABINEJAD; WALTON, 2010).

Figura. Classificação dos istmos por Cohen e Hargreaves (2007) definido como uma comunicação estreita
entre dois canais.

6 Da Terapêutica Endodôntica do Terceiro (3º) Molar Inferior (3ºMI)

Em linhas gerais, a terapêutica endodôntica do 3ºMI é contraindicada (LEONARDO, 2008) em


função do que segue:
=> dificuldades técnicas;
=> anormalidades anatômicas.

Em planos de tratamento geral de casos clínicos especiais, a manutenção do 3ºMI pode ser
oportuna ou desejável justificando a terapia endodôntica. Nesses casos, os exames por imagem são os
meios de se obterem informações clinicamente indispensáveis para o tratamento endodôntico.

6.1 Complicações Anatômicas do 3ºMI

Por ser um dente com inclinações acentuadas, no caso do3ºMI, corre-se um risco
significativo de iatrogenia (trepanação do assoalho) durante a abertura coronária.

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7 Do Assoalho da Câmara Pulpar em Dentes Multiradiculares

Leonardo (2008), repercutindo a literatura científica, relata as seguintes observações a


respeito do assoalho da câmara pulpar para todos os dentes multirradiculares:
=> cor mais escura do que a das paredes laterais
- é possível observar (discernir) a junção da dentina das paredes laterais com a dentina do assoalho;
=> a embocadura dos canais radiculares estão sempre localizados na junção das paredes laterais com
o assoalho da câmara pulpar
- as embocaduras dos canais radiculares localizam-se no ângulo diédrico formado pela parede lateral
e assoalho da câmara pulpar;
=> a linha de união das raízes, quando presentes, são mais escuras do que a cor do assoalho da
câmara pulpar;
- as linhas de união das raízes são referências para a localização das embocaduras dos canais
radiculares;
=> dentina reacional e calcificações são mais claras do que o assoalho da câmara pulpar
- a dentina reacional e as calcificações podem ocultar a embocadura dos canais radiculares.

8 Das Zonas Seguras e Zonas de Perigo dos Molares

As zonas de dentina delgada, voltadas para a furca dos molares, são consideradas zonas de
perigo para a limagem e/ou desgaste e devem ser evitadas no sentido de reduzir as chances de
iatrogenia. Por outro lado, as zonas de dentina volumosa, opostas à furca, são consideradas seguras
para a limagem e/ou desgaste anticurvatura dentro dos limites de segurança (ABOU-RASS et al., 1980).

Figura 9. Desenho esquemático do preparo do canal radicular por meio da limagem anticurvatura mostrando o
acesso modificado direto (livre e retilíneo) para o ápice, evitando zonas delgadas de perigo, limite apical definitivo
e espaço preparado para ser obturado com guta-percha (ABOU-RASS, 1980).
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9 Bibliografia
ABOU-RASS M, FRANK AL, GLICK DH.The anticurvature filing method to prepare the curved root canal.JADA, v. 101, p. 792-
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4 Revisões

Revisado pelos Autores, Corpo Editorial (PEE-FO-UFPel) e pela colaboradora Lucieli Andreia
Zajkowski (PEE-FO-UFPel).

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