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DOENÇA CÁRIE – PARTE 2

Professora Katlin Darlen Maia

OBJETIVO(S) DE APRENDIZAGEM:

Apresentar como se dá o processo cariogênico e relacionar/discutir parte


das variáveis envolvidas neste processo. Neste bloco apenas o fator rela-
cionado aos fluoretos será apresentado.

INTRODUÇÃO

Continuaremos na apresentação dos diversos fatores envolvidos no


processo saúde/doença cárie. Para tanto, neste módulo, apresentaremos
o papel dos fluoretos no fluido do biofilme, seus mecanismos de ação bem
como sua farmacocinética (sua distribuição no organismo através dos mé-
todos sistêmicos e tópicos) e sua toxicidade aguda e crônica.

CONTEÚDO

O flúor é um elemento químico da tabela periódica, do grupo dos ha-


logênios, e se caracteriza como o mais reativo dos elementos químicos.
Na natureza encontra-se sobre a forma de um íon (F-), prontamente for-
mando sais com cálcio, cálcio-fosfato e alumínio. Assim sendo é preferível
o uso do termo “fluoretos” e não “flúor” como é genericamente denomi-
nado. As reações químicas dos fluoretos são basicamente dependentes do

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pH (potencial de hidrogênio, que corresponde a concentração de hidrogê-
nio (H+) ou hidroxila (OH-) do meio. Uma unidade a menos em pH corres-
ponde a um aumento em 10 vezes na concentração de (H+), favorecendo
a reatividade do fluoreto.
O grande desafio para a odontologia de promoção de saúde é intera-
gir de forma a fazer com que os fatores relacionados ao processo saú-
de/doença cárie possam ser trabalhados de forma a controlar este proces-
so, já que os fenômenos relatados até aqui não podem ser “preveníveis” e
sim “controlados”, e os fluoretos apresentam um papel preponderante
neste processo saúde/doença, cabe ressaltar que a avaliação de todos os
fatores deve ser considerada dentro de seu contexto e o profissional deve
utilizar a ação positiva dos fluoretos, utilizando-o de forma racional.
Pelo fato de seu efeito ter sido descoberto através da ingestão de
água fluoretada, atribuiu-se basicamente a este fator (a incorporação à
matriz do esmalte) razão da diminuição na atividade cariogênica. Hoje sa-
be-se que o fluoreto dinamicamente importante é aquele presente cons-
tantemente na cavidade bucal, participando do processo da cárie, atuan-
do diretamente nos fenômenos da DES-RE (desmineralização e reminerali-
zação). O flúor não pode ser visto como a única forma de controle, pois
ele sozinho não é capaz de agir em outros fatores, também importantes,
no processo cariogênico, como a sucessão, dominância e espessura dos
biofilmes, bem como da transformação do açúcar em ácido.

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Basicamente podemos resumir os mecanismos de ação dos fluoretos,
pois são capazes de promover:
•abaixamento do pH crítico. Na presença de flúor o pH crítico do es-
malte baixa de 5,5 para 4,5, não permitindo a saída de cálcio/fosfato do
fluido do biofilme e com isso ele aumenta a concentração de mineral no
ecossistema e assim reduz a velocidade da perda mineral, e aumenta a
eficiência na redeposição mineral,
•redução na produção de ácidos, pois atua na enolase da via glicolíti-
ca bem como na glicosiltransferase, que influencia na produção dos polis-
sacarídeos extracelulares.
•redução na resistência bactérias cariogênicas aos ácidos, por parti-
cipar na ATPase, uma enzima importante para bactérias que vivem no
meio ácido (acidúricas).
Para que tenhamos os efeitos benéficos do flúor é necessário mantê-
lo constantemente na cavidade bucal. Para tal podemos utilizar métodos
sistêmicos (métodos que utilizamos a ingestão de fluoretos, como água
fluoretada, sal fluoretado, suplementos vitamínicos – pré e pós-natal) e
tópicos (utilizados com aplicação local, podendo ser através de dentifrí-
cios, bochechos e aplicações em consultório dentário por profissional ha-
bilitado através de gel, verniz, espuma, solução e material restaurador).
Quando se utiliza um método sistêmico (método de uso coletivo) o
flúor entra imediatamente em contato com os dentes (promovendo seu
efeito tópico esperado) e é deglutido, sendo absorvido pelo estômago e
imediatamente retorna ao meio bucal através dos fluidos orais. Parte do
flúor absorvido se incorpora nos osso (e a matriz dos dentes em formação)
e depois de certo tempo de ingestão ininterrupta, atinge-se o estado de

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aparente equilíbrio da concentração de flúor no sangue, que depois de
interrompido não é capaz de mantê-lo com a mesma frequência. Por isso,
quando se interrompe a fluoretação da água, pode-se perceber uma dimi-
nuição do efeito “cariostático” do flúor. O flúor incorporado a matriz dos
dentes em formação não confere efeito cariostático, pois o cristal forma-
do possui o mesmo grau de dissolução da hidroxiapatita.
Com relação aos métodos tópicos a manutenção de flúor na cavidade
bucal se faz de maneira análoga aos sistêmicos, com a diferença de que o
flúor solúvel na saliva é eliminado após certo tempo, por isso que sua indi-
cação para uso antes de dormir é aconselhada, pois com a diminuição do
fluxo salivar, este ficará por mais tempo retido na cavidade bucal.
O efeito “duradouro”, para manutenção constante através dos mé-
todos tópicos se dá pela formação de reservatório de flúor, que são os
glóbulos de fluoreto de cálcio (CaF2). Estes glóbulos se rompem diante de
um desafio cariogênco (redução do pH), liberando o flúor para agir, redu-
zindo a desmineralização e ativando a remineralização do esmalte. Assim
que o pH retorna ao normal o que restou de CaF2 pode ser utilizado para
participar de novo ciclo de DES-RE. A ação deste reservatório deve ser
considerada do ponto de vista terapêutico quando de alta atividade cario-
gênica. Nestas condições o uso mais freqüente de flúor permite que sejam
mantidas melhores concentrações sobre o esmalte. À medida que o pro-
cesso cariogênico é controlado (incluindo a abordagem dos outros fatores)
a freqüência de seu uso poderá ser diminuída.
Quanto ao efeito tóxico dos fluoretos, cabe ressaltar que tudo é tóxi-
co. A diferença está na dosagem, parâmetro que diferencia um remédio
de um veneno. A toxicidade é dividida em aguda e crônica. Aguda refere-

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se à ingestão de uma grande quantidade de flúor de uma única vez, e crô-
nica a pequena quantidade durante prolongado período de tempo.
Para a toxicidade aguda os parâmetros de dose para maior seguran-
ça, chamado de dose provavelmente tóxica, que é de 5,0 mg/F/Kg. Os si-
nais e sintomas típicos da intoxicação aguda por flúor são:
• Gastrointestinal: náusea, vômito, diarréia e dor abdominal;
• Neurológico: parestesia, depressão do Sistema Nervoso Central,
coma;
• Sistema cardiovascular: hipotensão, choque, irregularidades cardí-
acas;
• Química sanguínea: acidose, hipocalcemia e hipomagnesemia.
Quanto aos métodos sistêmicos provocarem intoxicação aguda o ris-
co é muito reduzido, porém deve-se sempre ter cautela nas administra-
ções e nas prescrições serão necessárias advertências explícitas tais como
“manter fora do alcance de crianças”.
Para os métodos agudos a preocupação é maior. Em relação aos bo-
chechos toda prescrição deve conter advertências quanto à finalidade, por
exemplo: “Uso exclusivo para bochechos”, principalmente em relação ao
NaF a 0,2%, alertando “manter fora do alcance das crianças”. Para as apli-
cações tópicas em consultório, todo cuidado é pouco! Assim, os sintomas
de náuseas e mesmo vômitos é comum após a aplicação tópica de gel flú-
or fosfato acidulado. Isto ocorre devido ao fato do gel ser ácido, provo-
cando estimulação salivar e portando aumentando as chances de degluti-
ção do mesmo durante a aplicação. O flúor ingerido atinge o estômago e
transforma-se em ácido fluorídrico (HF), ao qual é absorvido pela mucosa
gástrica, alterando a permeabilidade da membrana, provocando irritabili

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dade. Ao se escolher um método tópico para aplicação de fluoretos é ne-
cessário que alguns cuidados sejam considerados: pedir para o paciente
não comparecer a consulta com estômago vazio, colocar o cliente em po-
sição vertical para proceder à aplicação, usar sempre sugador, aplicar, pre-
ferencialmente com pincel, pedir para o paciente cuspir exaustivamente.
Para a toxicologia crônica, o efeito da ingestão de pequenas doses de
flúor ao longo do tempo é conhecido na área da odontologia como fluoro-
se dental. Esta é uma intoxicação que provoca uma anomalia do desenvol-
vimento que afeta a estética dos dentes e sua severidade depende da do-
se de flúor ingerida. Para que isto aconteça a ingestão de flúor deverá
acontecer no período de formação dos elementos dentários, sendo o pe-
ríodo de maior risco compreendido entre os 20 aos 36 meses de vida de
uma criança. A quantidade de flúor para a ingestão diária que provoque
este efeito no dente tem sido estimada acima de 0,07 mg/F/Kg de peso
por dia. Deste modo todas as formas de ingestão devem ser pesquisadas.
O aspecto clínico da fluorose dental se manifesta através de man-
chamentos esbranquiçados dos elementos dentários, afetando grupo de
dentes homólogos (devido ao acontecimento ser em períodos de forma-
ção dentária), aparecerem como linhas horizontais, que não acompanham
o contorno gengival, e em regiões de cúspides pode parecer como um
“capuz de neve”, devido à porosidade do esmalte pode apresentar-se com
manchas marrons (escurecidas) provenientes de pigmentos da dieta.
Como o efeito do flúor no controle da atividade cariogênica não de-
pende de sua ingestão durante a formação dos dentes, devemos nos aten-
tar para a utilização de meios sistêmicos sem impactos em termos de saú-
de pública.

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SÍNTESE INTEGRADORA

Nesta unidade apresentamos a compreensão do processo saú-


de/doença cárie, entendendo o papel relevante e terapêutico dos fluore-
tos como um fator modulador do processo cariogênico, que sozinho não é
capaz de controlar o fenômeno em questão. Podemos atribuir a redução
de lesões de cárie na população aos mais diversos meios de se utilizar os
fluoretos. Por outro lado não podemos negligenciar o seu efeito tóxico,
utilizando-o de forma racional para extrair apenas seu efeito benéfico.

REFERÊNCIAS

ARNEBERG, P. e SAMPAIO, F. C. – Fluoretos. In BUISCHI, Y. P. Promoção de


Saúde Bucal na Clínica Odontológica. São Paulo: Artes Médicas / EAP -
APCD, 2000.
CURY, J. A. – Uso do flúor. In: BARATIERI, Luiz Narciso et al. Procedimentos
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CURY, J. A. – Uso do flúor e controle da cárie como doença. In BARATIERI,
L. N. et al. Odontologia restauradora: fundamentos e possibilidades. São
Paulo: Liv. Santos, 2003.
SILVA, M. F. A. – Flúor sistêmico: aspectos básicos, toxicológicos e clínicos.
in ABOPREV. Promoção de Saúde Bucal. São Paulo: Artes Médicas, 1997.
THYLSTRUP, A.; FEJERSKOV, O. Cariologia clínica. 3. ed. São Paulo: Liv. San-
tos, 2001.
WEYNE, S. C. Informação pessoal.

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