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Ninguém Matou Suhura- O dia do Senhor


Administrador
Autor: Saide Cássimo
Correio electrónico: saidecassimo@gmail.com
Contacto: 849456407

Introdução

O trabalho em alusão é um ensaio da obra Ninguém Matou Suhura, capítulo IV O


dia do Senhor administrador, e tem como objectivo fazer uma análise critica feminista
do capítulo do mesmo capítulo, a imagem da mulher em diferentes aspectos.

No capítulo em análise, pretende-se demonstrar com clareza, a imagem da


mulher, a partir de uma crítica feminista. A obra Ninguém matou Suhura, em geral,
retrata os maus tratos do colono aos negros, especificamente, aos negros
Moçambicanos. Ademais, para além de ser uma história verídica, trata-se de uma
denúncia ao colono. Como se pode ver, a obra Ninguém matou Suhura publica-se apos
a independência de Moçambique, e nela, abordam-se questões de maus tratos aos
negros, e especificamente, a mulher negra, que era reduzida a coisa, a um objecto de
prazer.

Sabe-se que, quase em todas as sociedades, desde as brancas como também, as


sociedades negras, especificamente no tempo colonial, a mulher nunca desempenhou
um papel preponderante na sociedade. A sua imagem construi-se a partir de sofrimento
e estupros em frente ao marido e filhos e por cima, era obrigada a amamentar o filho do
seu senhor só porque a sua esposa não tinha leite no peito. Quando se tratasse da
mulher branca, o seu papel, era circunscrita as paredes de sua casa, e quando se
tratasse da mulher negra, considerada pelos brancos como sendo suja, desarrumada, o
seu lugar era na senzala e na cozinha da casa do branco. O ensaio, por sua vez,
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pretende analisar a imagem da mulher no capítulo O dia do Senhor administrador,


focando-se em coo era vista a mulher no passado, tempo colonial, e actualmente.

Por conseguinte, são esses maus tratos que se pretendem demonstrar com
clareza na obra em análise, especificamente, no capítulo O dia do Senhor
Administrador. Era muito difícil ser mulher, no tempo colonial, e principalmente, nascer
negra, pois, são tantos preconceitos e tabus trazidos pelos colonos que as mulheres
negras deveriam enfrentar.

1. Biografia da autora e sua corrente literária

Para a compreensão do conto que se pretende analisar, é necessário conhecer a


corrente literária, o contexto da publicação da obra e a biografia da autora. Ademais, a
obra que se pretende analisar, é um conto intitulado Ninguém matou Suhura. O conto é
da autoria de Lília Maria Clara Carrièrre Momplé, natural de Nampula, província
nortenha de Moçambique. A sua descendência familiar é uma mistura de vários
elementos étnicos, incluindo macua, francês, indiano, chinês e mauriciano. Frequentou
o Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa e terminou com uma Licenciatura em
Serviço social. Em 1995, tornou-se secretária-geral da Associação Moçambicana de
Autores, cargo que desempenhou até 2001. Representou também Moçambique em
várias reuniões internacionais como Membro do Conselho Executivo da Organização
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (2001-2005).

Quanto ao seu percurso literário, publicou diferentes obras como Ninguém matou
Suhura, Neighbours e Os olhos da cobra verde e diferentes contos, amontoando para a
sua coleção diferentes prémios, como é o caso de Prémio da Novelística e Prémio José
Craveirinha de Literatura em 2011. Nas suas obras, ela tende a enfatizar questões
relacionadas com a Raça, classe, género, e diferenças de cor e origem étnica. E já, no
que se refere a corrente literária, Lília Momplé é influenciada pelo Pós-modernismo,
corrente que vigorou desde 1950 ate hoje, Ademais, para os Pós-Modernistas,
guiavam-se pelos princípios de espontaneidade, liberdade artística, multiplicidade de
estilos e combinação de tendências, explorando sempre o lúdico, o humor, a
metalinguagem, a ironia, e sempre tendo foco no cotidiano banalizado.
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2. Crítica Feminista do Capítulo O dia do Senhor administrador ― A imagem da


mulher

Como se disse a prior, era muito difícil ser mulher negra no tempo colonial. Esse
sentimento de dor e angústia, não era somente reservado para as mulheres, mas
também, para os maridos, que em plena noite, tinham a obrigação de partilhar as suas
esposas com os homens brancos, o colono. As mulheres negras eram reduzidas a
coisas, objectos sexuais que os brancos, sobre o poder que a metrópole lhes incutia,
usavam-nas quantas vezes quisessem, como se pode ver no trecho a seguir, que relata
as conversações entre Abdul Razak, e o Sr. administrador:

[…]. O sipaio entra logo a seguir e aguarda com


ostensivo respeito junto a porta.

 Vem cá! Diz o senhor administrador― Então desta vez já esta


tudo arranjado ou há mais historietas?

O sipaio aproxima-se e declara triunfante:

 Tudo arranjado, senhor administrador. ― Hoje na mesma hora


de costume.
 Rapaz esperto, Razak! (MOMPLE, 1988: 64)

A partir do excerto acima apresentado, percebe-se claramente que os encontros


do senhor administrador de 80 quilos, eram organizados pelo seu sipaio. No entanto,
eram encontros frequentes que o Abdul Razak, sipaio do administrador, organizava.
Levava diferentes mulheres, desde as pretas até as de cor, ou seja, as mulatas. O
senhor administrador, perante as suas passeatas de riquexó, apreciava as mulheres da
ilha, as negras e as brancas, e a quem lhe apetecia, ele escolhia, e por sua vez, o seu
sipaio, encarregava-se pela organização do encontro.

Ninguém se recusava a um pedido do senhor administrador. Ninguém dizia não ao


administrador, pois, isto acarretava numa perseguição. Perante a essa situação, deixa-
se ficar que a imagem da mulher na colonia portuguesa, era simplesmente de agradar
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sexualmente o homem branco, satisfazendo as suas necessidades sexuais. Para além


da imposição de uma cultura, a mulher era trocada de mãos em mãos. Trocavam de
mulher quando lhes aprazia e tinham filhos com quem achavam melhor1, e nenhum
homem se atrevia a proibir a sua esposa.

Antes mesmo da chegada do colono, a mulher negra não era tao estimada pelos
homens negros, mas mesmo assim, tinha uma cubata, uma sua machamba. Mas com a
chegada do homem branco, o colono, as mulheres negras, diante da sociedade serviam
apenas para satisfazer a necessidades do colono. Elas eram procuradas pelos homens
brancos, sempre nas escondidas, em busca do prazer e do divertimento vivamente
desaconselhados dentro do lar.

Diante de toda a humilhação, teriam que suportar caladas e sem ter onde e para
quem reclamar, visto que, os seus encontros eram organizados pelos seus
responsáveis, como é o caso das avós, tios, pais, como a seguir se demonstra:

 Mas custou muito, senhor administrador, a avo da rapariga não


queria mesmo!
 Essa velha merecia umas boas palmatoadas. Onde se viu negar
uma marrusse ao administrador? Esta gente anda com a grimpa
muito levantada.
 Eu falei assim mesmo, senhor administrador, mas aquela velha…
 Ouve la  Interrompe o senhor administrador  A D. Júlia Sá já
esta avisada?
 Esta tudo pronto, senhor administrador. Chega la encontra a
rapariga, tudo pronto  Confirma o outro com um sorriso velhaco,
(MOMPLE, L, 1988:65)

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Realmente, os filhos concebidos fora do casamento, principalmente com mulheres negras, eram considerados como
pecados, crianças amaldiçoadas, os sem cor. Dito doutra forma, a união extra conjugal entre o homem branco e
mulher negra, nasciam os mulatos, que eram uma espécie inferiorizada por sua cor e sua condição racial. Os mulatos
eram rejeitados em todas as sociedades e é associado a todas as cobardias e traições. Uma mulher negra gerar um
filho mulato era norma, diferentemente, uma mulher branca gerar um negro ou mulato, constituía uma polemica e
assunto de conversação nas cafetarias.
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Assumindo uma postura feminista e analisando criticamente as palavras do


extracto acima apresentado, é inegável o facto de que as pessoas responsáveis por
cuidar das suas filhas, netas ou sobrinhas, participavam na negociação das mesmas,
seja por coação ou medo, ou até mesmo, por troca de algumas moedas para a compra
de produtos, já que a vida não era fácil. Antes mesmo do encontro, tudo era planeado
na ausência do homem branco, neste caso, o administrador. As mulheres eram levadas
para os aposentos, onde deveriam ficar a espera da chegada do administrador. Por sua
vez, eram preparadas com banhos para que o senhor administrador se sinta
confortável, e de seguida, acontecia a cópula não consentida, quantas vezes que o
governador quisesse. Seja negra, desde miudinhas até as crescidas, as mulatas
serviam aos homens brancos sem a sua vontade.

Obviamente, no capítulo em análise, a autora usa a literatura como forma de dar a


voz àquelas mulheres que não tinham como denunciar, ou as que, de tanto medo, as
suas vozes foram silenciadas pelo colonialismo português. A mulher era reduzida a
nada, servindo apenas para entreter os brancos, para além das actividades caseiras
que desempenhavam. A sua imagem, praticamente era reduzida a objecto sexual e
uma máquina trabalhadora. São essas malicias que a autora da obra, especificamente,
o capítulo em análise, tenta denunciar, a extrema violência colonial vivida pelo povo
Moçambicano. Pese embora seja narrativas antigas cristalizadas no tempo colonial, a
autora relembra como se fosse ontem, trazendo o papel da mulher atona. Portanto, é
uma realidade superada pela maioria actualmente. Hoje em dia, a mulher já não é
aquela que era assombrada pelo colono. As coisas mudaram drasticamente. Se
antigamente, era vista como uma ama de filhos dos brancos cujas esposas não tinham
leite no peito, hoje ela traça o seu próprio destino, encarra os desafios que a vida lhe
submete e aos poucos ela conquistou o seu lugar no mundo profissional, pese embora
suporte assédios sexuais no seu local de trabalho, simplesmente pelo facto de ser
mulher.
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Considerações

Nas sociedades coloniais, de um modo geral, a discriminação pelos negros,


especificamente pelas mulheres negras era constante, e que a única forma de se livrar
dessa descriminação, maus tratos e abusos sexuais, era a morte. Na obra Ninguém
matou Suhura, principalmente no capítulo em análise, mostra-se claramente o quão o
ser administrador usava as mulheres negras para os seus prazeres.

Apesar do preconceito racial assente na sociedade colonial, os portugueses


satisfaziam as suas necessidades sexuais com as mulheres negras. Todavia, quando
se considera o critério da raça-cor, a grande maioria são as mulheres negras que
sofrem mais, de modo que, não há como negar que estas mulheres são expostas a
uma carga maior de abuso sexual e psicológica, como se observa nos extratos
apresentados.
Quando se tratasse dum homem respeitado daquela região, como é o caso do
senhor administrador, era obrigatório satisfaze-lo as suas necessidades e ninguém
deveria deixa-lo a espera. Não se importava se era uma menininha, como o caso da
Suhura, que se faz referência no capítulo em análise, ou uma mulher de um negro, tudo
o que ele queria, era satisfazer os seus desejos sexuais.
Portanto, conclui-se que a imagem da mulher, especificamente no tempo colonial,
era reduzida a nada. Dito doutra forma, a mulher só servia para satisfazer ao homem
branco, e cuidar das necessidades da senhora do branco, como é o caso de cozinha,
lavagem e cuidar das crianças e da casa. Tinha que satisfazer sexualmente ao homem
branco, sempre nas escondidas e tinha que trabalhar como uma máquina na casa da
mulher branca e sem remuneração, senão as sobras que os patrões deixavam.
Actualmente, superou os seus fantasmas, superou preconceitos e imposições,
machismos e conquistou o seu lugar na sociedade, pese embora com assédios contra a
sua postura feminina.
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Referência Bibliográfica

MOMPLE, L. Ninguém matou Suhura. Maputo. Associação dos Escritores


Moçambicanos, 1988

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