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Superior Tribunal de Justiça

AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.832.139 - RS (2019/0242044-0)

RELATOR : MINISTRO NEFI CORDEIRO


AGRAVANTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO
SUL
AGRAVADO : LEONARA FERREIRA DE MOURA
ADVOGADO : RÔMULO CARON - RS108076
EMENTA

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO. ASSOCIAÇÃO


PARA O TRÁFICO. CORRUPÇÃO DE MENORES. RECEPTAÇÃO. POSSE
IRREGULAR DE ARMA DE FOGO E MUNIÇÕES DE USO PERMITIDO.
SUBSTITUIÇÃO DA CUSTÓDIA PREVENTIVA POR PRISÃO DOMICILIAR.
IMPOSSIBILIDADE. ENVOLVIMENTO DE FILHOS ADOLESCENTES.
TRÁFICO DESENVOLVIDO NA RESIDÊNCIA. FILHA MENOR DE 12 ANOS.
AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO.
1. É possível o indeferimento da prisão domiciliar da mãe de primeira infância, desde que
fundamentada em reais peculiaridades que indiquem maior necessidade de
acautelamento da ordem pública ou melhor cumprimento da teleologia da norma, na
espécie, a integral proteção do menor.
2. É reconhecida a situação de risco por ser apontado que a recorrente exercia a
traficância em sua residência, com o auxílio de seus filhos, dois deles ainda adolescentes,
com os quais se associou para a referida prática, não sendo, portanto, cabível a
concessão de prisão domiciliar em razão de ter uma filha de 5 anos de idade.
3. A substituição do encarceramento preventivo pelo domiciliar não resguarda o
interesse da filha menor de 12 anos de idade quando o crime é praticado na própria
residência da agente, onde convive com a infante.
4. Agravo regimental provido.
ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,


acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos
votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao agravo
regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Antonio Saldanha
Palheiro, Laurita Vaz, Sebastião Reis Júnior e Rogerio Schietti Cruz votaram com o Sr.
Ministro Relator.

Brasília (DF), 18 de fevereiro de 2020 (Data do Julgamento).

MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO

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Presidente

MINISTRO NEFI CORDEIRO


Relator

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AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.832.139 - RS (2019/0242044-0)

RELATOR : MINISTRO NEFI CORDEIRO


AGRAVANTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO
SUL
AGRAVADO : LEONARA FERREIRA DE MOURA
ADVOGADO : RÔMULO CARON - RS108076

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO NEFI CORDEIRO (Relator):


Trata-se de agravo regimental interposto em face da decisão que negou provimento
ao recurso especial.
Afirma a acusação que "Há recentes julgados das Cortes Superiores que respaldam a
tese ministerial, no sentido de ser incabível a concessão da prisão domiciliar prevista no artigo
318-A do Código de Processo Penal nos casos em que a acusada pratica tráfico de drogas
dentro da própria residência, expondo os filhos a constantes atividades ilícitas, como é a
hipótese dos autos" (fl. 205).
Defende a reconsideração da decisão agravada ou a apreciação do recurso pela
Sexta Turma.
Impugnação apresentada.
É o relatório.

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AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.832.139 - RS (2019/0242044-0)

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO NEFI CORDEIRO (Relator):


Consoante relatado, busca o Ministério Público a reforma da decisão que negou
provimento ao recurso especial.
Defende a acusação ser incabível a concessão de prisão domiciliar à recorrida,
porquanto exercia a traficância em sua residência, com o auxílio de seus filhos, dois deles ainda
adolescentes, contexto que evidencia o total descaso da genitora para com a sua prole,
também composta por uma filha de 5 anos de idade, que está exposta a este ambiente
pernicioso, já que a recorrida faz de seu lar um notório ponto de venda de drogas na região"
(fl. 208).
Cita, em prol da tese, recentes julgados proferidos pelo Supremo Tribunal Federal e
pelo Superior Tribunal de Justiça.
No caso, o Tribunal a quo negou provimento ao recurso em sentido estrito interposto
pelo Ministério Público, mantendo, assim, a decisão que substituiu a prisão preventiva por
domiciliar, de LEONARA FERREIRA DE MOURA, acusada da prática de tráfico de drogas,
associação para o tráfico, corrupção de menores, receptação e posse irregular de arma de
fogo e munições de uso permitido.
Acerca desta questão, consta do acórdão recorrido (fl. 92):
Colhe-se que agentes policiais, realizando patrulhamento de rotina, à noite, avistaram
um indivíduo (Caion Mikael de Camargo) saindo de uma residência conhecida
como ponto de tráfico, oportunidade em que resultou aborda-lo e submetido à revista
pessoal, localizando os agentes, em seu poder, cinco buchas de maconha,
pesando aproximadamente 5,9g; uma porção da mesma droga, com peso
aproximado de 18,9g; quarenta e duas pedras de crack, pesando
aproximadamente 4,55g; uma porção de cocaína, com peso aproximado de
0,7g; um telefone celular; e numerário, consistente em cento e setenta e
nove reais.
Na ocasião, questionado pelos agentes policiais, Caion afirmou ter adquirido as
drogas na residência da recorrida Leonara, sendo posteriormente constatado que
Caion também residia no local, pois genro de Leonara e companheiro da corré
Milena Vianini (filha de Leonara).
Ato contínuo, deslocaram-se os agentes ao local indicado, oportunidade em
que localizaram, em poder de Leonara, duzentos gramas de maconha;
cinquenta e um gramas de cocaína; quarenta gramas de crack, uma balança
de precisão; um telefone celular; um revólver, calibre .38, marca Rossi,
número E180109; quinze munições calibre .38; uma motosserra receptada; e
importância em dinheiro, no valor de seis mil, cento e nove reais.
Com Milena, foram encontrados 11g de maconha; 14,6g de cocaína; caderno com
anotações de venda; um rolo de papel alumínio; e a quantia de mil seiscentos e
setenta e oito reais.
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Colhe-se, ainda, que Leonara, Caion e Milena associaram-se entre si e com
os adolescentes Ketlin Damacena e Adauan Damacena (filhos de Leonara e
irmãos de Milena).
Em tal contexto, efetivada a prisão em flagrante de Leonara e Caion e
homologado o auto respectivo, foi a segregação convertida em preventiva
para os flagrados (fls. 22-23).
Posteriormente o magistrado, revendo posição anterior, concedeu a Leonara
a substituição da prisão preventiva pela domiciliar, conforme decisão abaixo
transcrita (fls. 38-39), verbis:
Vistos.
1. Cuida-se de apreciar pedido de substituição da prisão preventiva por prisão
domiciliar apresentado pela defesa de LEONARA FERREIRA DE MOURA,
sob o argumento de que a acusada preenche os requisitos do artigo 318, incisos
III e V, do CPP. O Ministério Público manifestou-se pelo indeferimento do
pedido. É o breve relatório.
DECIDO.
Primeiramente, impõe-se destacar que a Lei n.° 13.257/16 alterou a redação do
inciso IV, do artigo 318 do CPP, além de acrescentar-lhe os incisos V e VI, senão
vejamos: A novel legislação estabelece princípios e diretrizes para a formulação e
a implementação de políticas públicas para a primeira infância em atenção à
especificidade e à relevância dos primeiros anos de vida no desenvolvimento
infantil e no desenvolvimento do ser humano (artigo 1°), com consonância com o
Estatuto da Criança e do Adolescente. Feito esse registro, entendo que a
substituição da prisão preventiva se justifica, pois a acusada possui filhos
menores, dentre eles, uma criança de 05 (cinco) anos, conforme certidão
de nascimento da fl. 289. Frisa-se que é evidente a dependência
econômica e a necessidade dos cuidados maternos nessa idade. Não
obstante a acusada tenha sido presa em flagrante por exercer, em tese,
atividade de traficância em sua residência, onde convivia com seus filhos,
tal fato, por si só, não é suficiente para deixar de conceder o benefício
postulado. Consoante bem delineado pela Defesa, em decisão prolatada no dia
24/10/2018, em sede do Habeas Corpus Coletivo n.° 143.641/SP, ao ser procedida
a análise de casos concretos, entre eles, fatos envolvendo a suposta prática de
tráfico de entorpecentes por mulheres, inclusive no interior das residências, restou
concedida a ordem de ofício para a substituição da prisão preventiva por prisão
domiciliar, sob o argumento de que esse contexto probatório não se afigura a uma
situação excepcionalíssima apta a justificar a manutenção da custódia cautelar.
Isso posto, DEFIRO o pedido efetuado pela Defesa, para o fim de substituir a
prisão preventiva de Leonara Ferreira de Moura por prisão domiciliar, nos termos
do artigo 318, inciso V, do CPP. [ grifei]
Sem razão o Ministério Público.
No tocante à prisão domiciliar, anoto que a alteração produzida no Código de
Processo Penal pela Lei n° 13.769/2018 que acresceu os artigos 318-A e 318-B1
àquele diploma legal assegurou, indiscriminadamente, à mulher gestante ou que for
mãe ou responsável por crianças ou responsável por pessoas com deficiência, a
substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar.
Oportuno consignar que a novel legislação, em casos como o presente, não está,
contrariamente ao que possa parecer, preservando os interesses da prole ou
das pessoas portadoras de deficiência que estão, em hipóteses como a
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vertente, em que se encontrava a recorrida a praticar a narcotraficância na
presença dos filhos que, por óbvio, são atingidos pela atividade criminosa
desenvolvida pela genitora no local onde todos moravam.
Mais, claro está que a colocação em prisão domiciliar em tais casos
permitirá a continuidade da atividade delituosa na presença das crianças que
resultarão, em verdade, sem proteção alguma.
Todavia, tanto assegurou o legislador, com o que mantenho a substituição da
segregação cautelar por prisão domiciliar.
Daí por que estou negando provimento ao recurso em sentido estrito.

Do excerto, observa-se que a recorrida foi presa em flagrante com duzentos gramas
de maconha; cinquenta e um gramas de cocaína; quarenta gramas de crack, uma
balança de precisão; um telefone celular; um revólver, calibre .38, marca Rossi, número
E180109; quinze munições calibre .38; uma motosserra receptada; e importância em
dinheiro, no valor de seis mil, cento e nove reais, sendo acusada da prática de tráfico de
drogas, associação para o tráfico, corrupção de menores, receptação e posse irregular de
arma de fogo e munições de uso permitido.
Ressaltou o recorrente que a ré exercia a traficância em sua residência, com o auxílio
de seus filhos, dois deles ainda adolescentes, com os quais se associou para a referida prática,
não sendo, portanto, cabível a concessão de prisão domiciliar, em razão, inclusive, de ter uma
filha de 5 anos de idade, tendo em vista o ambiente pernicioso por ela criado, onde estão
inseridos seus filhos.
Concluiu o Tribunal a quo que a alteração produzida no Código de Processo
Penal pela Lei n° 13.769/2018 que acresceu os artigos 318-A e 318-B1 àquele diploma
legal assegurou, indiscriminadamente, à mulher gestante ou que for mãe ou responsável
por crianças ou responsável por pessoas com deficiência, a substituição da prisão
preventiva por prisão domiciliar.
A despeito da concessão da ordem para substituir a prisão preventiva por domiciliar,
consignou o Tribunal de origem que, em casos como o presente, não está, contrariamente
ao que possa parecer, preservando os interesses da prole ou das pessoas portadoras de
deficiência que estão, em hipóteses como a vertente, em que se encontrava a recorrida a
praticar a narcotraficância na presença dos filhos que, por óbvio, são atingidos pela
atividade criminosa desenvolvida pela genitora no local onde todos moravam. Mais,
claro está que a colocação em prisão domiciliar em tais casos permitirá a continuidade
da atividade delituosa na presença das crianças que resultarão, em verdade, sem
proteção alguma.
Em recente julgado, a Terceira Seção do STJ adotou a orientação de que a
substituição do encarceramento preventivo pelo domiciliar não resguarda o interesse dos filhos
menores de 12 anos de idade quando o crime é praticado na própria residência da agente,
onde convive com o infante, confira-se a ementa do julgado:
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RECURSO EM HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. TRÁFICO DE
ENTORPECENTES. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. PORTE ILEGAL DE
ARMAS. PRISÃO DOMICILIAR. MÃE DE MENOR DE 12 ANOS. DELITO
PRATICADO NA PRÓPRIA RESIDÊNCIA. ENVOLVIMENTO EM FACÇÃO
CRIMINOSA. SUBSTITUIÇÃO POR PRISÃO DOMICILIAR.
IMPOSSIBILIDADE. IMPROVIDO.
1. É possível o indeferimento da prisão domiciliar da mãe de primeira infância, desde que
fundamentada em reais peculiaridades que indiquem maior necessidade de
acautelamento da ordem pública ou melhor cumprimento da teleologia da norma, na
espécie, a integral proteção do menor.
2. É reconhecida a situação de risco por ser apontado que a recorrente utilizava a
própria residência para realização do tráfico de drogas, expondo sua filha à situação de
risco, porquanto há indicação da acusada como uma das principais responsáveis pelo
armazenamento dos entorpecentes da organização criminosa MPA – Mercado do Povo
Atitude.
3. A substituição do encarceramento preventivo pelo domiciliar não resguarda o
interesse dos filhos menores de 12 anos de idade quando o crime é praticado na própria
residência da agente, onde convive com os infantes, sobretudo quando os delitos estão
ligados à organização criminosa.
4. Recurso em habeas corpus improvido (RHC 113.897/BA, Rel. Ministro NEFI
CORDEIRO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 27/11/2019, DJe 13/12/2019).

Nesse contexto, mostra-se inadequado para os cuidados do incapaz a prisão


domiciliar da recorrente.
Ante o exposto voto por dar provimento ao agravo regimental do Ministério Público
para indeferir o pedido de prisão domiciliar.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTO
SEXTA TURMA

AgRg no
Número Registro: 2019/0242044-0 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.832.139 / RS
MATÉRIA CRIMINAL

Números Origem: 00040388420198217000 00199410820188210013 00580479320198217000


01321800098983 01708640320198217000 1321800098983 1708640320198217000
199410820188210013 40388420198217000 580479320198217000 70080321292
70080861388 70081989550

EM MESA JULGADO: 18/02/2020

Relator
Exmo. Sr. Ministro NEFI CORDEIRO
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. CARLOS FREDERICO SANTOS
Secretário
Bel. ELISEU AUGUSTO NUNES DE SANTANA

AUTUAÇÃO
RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
RECORRIDO : LEONARA FERREIRA DE MOURA
ADVOGADO : RÔMULO CARON - RS108076

ASSUNTO: DIREITO PENAL - Crimes Previstos na Legislação Extravagante - Crimes de Tráfico Ilícito e
Uso Indevido de Drogas - Tráfico de Drogas e Condutas Afins

AGRAVO REGIMENTAL
AGRAVANTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
AGRAVADO : LEONARA FERREIRA DE MOURA
ADVOGADO : RÔMULO CARON - RS108076

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia SEXTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão
realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Sexta Turma, por unanimidade, deu provimento ao agravo regimental, nos termos do
voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Antonio Saldanha Palheiro, Laurita Vaz, Sebastião Reis Júnior e
Rogerio Schietti Cruz votaram com o Sr. Ministro Relator.

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