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Poesia do Ortónimo
Rúben Inocêncio
Setembro 2022
Deste resumo irá constar uma contextualização histórica e literária, assim como do ponto de vista biográfico de
Fernando Pessoa; irá ser abordado o conceito de Ortonímia vs Heteronímia1 e ainda como o autor expressa a sua
poesia (do ortónimo) e uma consequente análise; por fim uma breve análise à sua linguagem e estilo de escrita. A
questão da heteronímia é abordada noutro resumo.
Fernando Pessoa, um pioneiro da poesia moderna que nasce em 1888, fins do século XIX, e que experiencia, em idade
já adulta, o início de um século XX conturbado: Ultimato Inglês (1890) e suas consequências políticas; perda de poder
militar e política nas colónias africanas; 1ª Guerra Mundial (1914); início da ditadura militar 1933 e revoluções culturais
das quais ele próprio faz parte.
Foi no seio destes acontecimentos que Fernando Pessoa e toda uma geração jovem de artistas e literários levou a cabo
a instalação de ideias modernos no cerne da poesia nacional. Revistas como a Orpheu foi o meio mais utilizado para a
divulgação destas ideias, foi também uma das mais desprezadas pelo público, pois estes jovens questionavam os
alicerces da burguesia, provocando os costumes e tradições dogmáticas2 e retrógradas. Ficaram conhecido este
movimento ideológico e transversal na cultura como o Modernismo.
2. Ortonímia vs Heteronímia
No seguimento do Modernismo, Fernando Pessoa é inovador na forma com faz poesia. Abandona a tradição romântica
de se apresentar como uma única personalidade, unificada em um único ser e fragmenta-se em várias personalidades
independentes, com a própria biografia e poesia (heterónimos). No entanto, Pessoa continua a apresentar obras com
o próprio como autor, assim há uma personalidade ativa em nome de Fernando Pessoa (ortónimo).
Assim, existe distinção entre a poesia ortónima e poesia heterónima. Considera-se que os heterónimos são fruto do
fingimento de Pessoa enquanto poeta, procurando representar diferentes aspetos da sua personalidade sob forma de
uma fragmentação nas diferentes personalidades que criou.
Sem perder o “eu” escreve um conjunto de poemas assinadas em seu nome e são estas temáticas que vão aqui ser
abordadas.
Frei Luís de Sousa | Rúben Inocêncio
3. Poesia do Ortónimo
É na sua poesia ortónima que Pessoa apresenta mais explicitamente a explosão do Modernismo e a sua expressão no
próprio estilo literário. Não quer que não existam incursões tradicionais na sua poesia. O Saudosismo e o
Sebastianismo são exemplos muito claros de sentimentos que prevalecem em algumas das suas obras.
Do ponto de vista biográfico, a obra de ortónimo é muitíssimo importante, dado que é daqui que se retira muita
informação fidedigna acerca da forma como vive, pensa e interpreta o mundo.
A poesia do ortónimo assenta em quatro pilares/temáticas, percebendo-as é fácil interpretar a sua poesia
superficialmente, são elas:
Nostalgia de Infância
A infância é o aspeto que desperta maior saudosismo no autor. Pessoa refugia-se nas suas memórias, a infância
representa para ele felicidade inconsciente e inocência que contrasta com a infelicidade e angústia presente, enquanto
adulto. Esta dualidade clara e de impossível conciliação é muito presente e explícita na obra pessoana. A sua infância
é assim lugar de evasão3 da realidade atroz, de terapia num passado utópico onde “as crianças brincam”. Este paraíso
perdido é representado na sua obra, como é exemplo o poema:
Tem consciência que quando era criança é que era feliz e de facto foi quando viveu a melhor fase
da sua vida;
Quando escreve o poema, apenas está a sentir aquilo que outrora viveu, está a relembrar as suas
memórias;
Volta à realidade e tem consciência que a vida real do autor não é mais a sua infância, mas sim
um tédio existencial e inevitável;
Como se de um livro se tratasse, o autor lê as suas memórias e sorri impotente perante quem foi,
perante uma nostalgia de infância.
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Fontes: Preparação para o Exame Final Nacional, Porto Editora; Preparar o Exame Nacional Português 12, Areal Editores.
Frei Luís de Sousa | Rúben Inocêncio
Sonho vs Realidade
Este tema vem no seguimento da nostalgia de infância, mas aplica-se a casos mais abrangentes na vida de Pessoa.
Existe também uma tentativa de evasão do mundo Real para o mundo imaginado, o Sonho, só assim o poeta se
sente verdadeiramente feliz e realizado. A forma com que o poeta referencia este tema nos seus poemas indica que
o sonho é um verdadeiro refúgio do poeta chegando até a questionar-se se o que imagina não será até mais real do
que a própria realidade.
O sonho é a terra onde se sente feliz, mas que “se olvida”(esquece, por ser
memória ou imaginação), acaba por confirmar que é no sonho que a vida é feliz;
Referência à Ilha dos Amores, o paraíso terrestre.
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Fontes: Preparação para o Exame Final Nacional, Porto Editora; Preparar o Exame Nacional Português 12, Areal Editores.
Frei Luís de Sousa | Rúben Inocêncio
Fingimento Artístico
Esta temática é talvez a mais intrigante da poesia do ortónimo. Fernando Pessoa afirma que um poeta, um artista,
não produz os seus poemas de forma espontânea sem passar por um processo de racionalização. Quando o poeta
experiencia algo, todos os sentimentos ficam em memória e só depois de racionalizar as suas experiencias passadas
e de recriar os seus sentimentos é que o poeta faz o poema e coloca as ideias no papel. Assim considera-se que o
poeta é um fingidor no momento em que escreve o poema, pois naquele exato momento ele apenas está a escrever
sobre o que se lembra e o que pensou sobre o aquilo que outrora sentiu. São, por isso, muito raras as obras que não
passam pelo processo de consciencialização. A este processo dá-se o nome de intelectualizar as emoções e chama-se
ao poeta um fingidor artístico4.
O poeta começa por afirmar o seu caráter fingidor, mas ainda sem revelar o porquê;
Passa a explicar: o poeta finge que sente algo (dor) quando redige o seu poema, no
entanto, embora não a sinta naquele preciso momento, ele já a sentiu e por isso diz
que “deveras sente”;
Os leitores ao lerem a expressão dos seus sentimentos, acabam por imaginar que o
autor sente de facto esta “dor”;
Mas os leitores não imaginam/sentem a “dor” que o poeta sentiu e aquela que ele finge
ao escrever, apenas sentem esta última, a “dor” falsa, a que o poeta não sente de facto.
Descrição do coração como se fosse um comboio, uma máquina como de facto é (pois
é capaz de racionalizar todos estes sentimentos e depois os reproduzir). Tudo o que o
coração sente é filtrado pela “razão”.
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Fontes: Preparação para o Exame Final Nacional, Porto Editora; Preparar o Exame Nacional Português 12, Areal Editores.
Frei Luís de Sousa | Rúben Inocêncio
Dor de Pensar
Na sequência da racionalização já abordada, a última temática é a Dor de Pensar. Fernando Pessoa, desde o início, que
defende que o que torna o Homem um ser distinto e elevado é a sua capacidade de consciencialização: saber o que
sente e porque o sente. No entanto, a consciencialização é fruto da constante racionalização dos sentimentos (tal
como na temática do Fingimento). Esta obsessão pela análise sentimental provoca no autor infelicidade e angústia,
pois nunca se permite que ele sinta verdadeiramente, apenas analisa e tenta compreender o porquê de sentir para o
conseguir controlar.
Assim, o poeta conclui que para atingir a felicidade tem de se tornar um ser inconsciente, como um “gato”, mas ao
mesmo tempo ser consciente desta inconsciência. Esta antítese é o grande núcleo desta temática: conciliar a
consciência com a inconsciência. Desenvolve-se uma certa inveja por aqueles seres que são felizes por serem
inconscientes, algo que Fernando Pessoa não consegue alcançar.
Faz referência à inocência do gato e à sua simplicidade ao mesmo tempo que mostra
felicidade;
“Bom servo” significa que o gato é apenas um animal como todos os outros que
obedece às leis da vida (leis biológicas e físicas) sem exceção, e que apenas segue
instintos e não possui consciência;
Aquilo que o gato sente são apenas sentimentos para ele, não sendo racionalizados
depois;
Contrastando com o gato, o autor “vê-se” (tem consciência) e por isso não é feliz.
“Conhece-se” mas, por não sentir, não se identifica.
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Fontes: Preparação para o Exame Final Nacional, Porto Editora; Preparar o Exame Nacional Português 12, Areal Editores.
Frei Luís de Sousa | Rúben Inocêncio
4. Linguagem e Estilo
A linguagem que Fernando Pessoa aplica na sua poesia caracteriza-se pelo recurso à linguagem corrente com
vocabulário quotidiano, portanto considera-se uma linguagem simples.
Apesar de pertencer a uma geração que revoluciona a cultura, Pessoa introduz alguns aspetos tradicionais portugueses
para dar musicalidade e métrica à sua poesia, como por exemplo: recurso às quadras, quintilhas e redondilhas.
Muita da inovação lírica aparece nas temáticas que aborda, transmitindo muito daquilo que o Modernismo tem para
oferecer: Simbolismo e o Intersecionismo, ou simplesmente pela forma irregular que alguns versos e estrofes
apresentam em termos de estrutura.
5. Glossário
”Heteronímia” – Criação ou uso de nomes e personalidades (poderá ser não real) por uma autor para assinar determinada obra.
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Fontes: Preparação para o Exame Final Nacional, Porto Editora; Preparar o Exame Nacional Português 12, Areal Editores.