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O contexto histórico da

psicologia

Considerações gerais
Lígia (3 anos e 2 meses) acompanha a mãe na volta das compras.
Durante o percurso, Cláudia recebe várias solicitações de colo:
— Já disse que não dá pra carregá-la... Anda mais um pouco... a
sacola está pesada. Logo chegaremos em casa.
Num determinado momento, a criança pára:
— Se você me pegar no colo, eu carrego a sacola pra você; daí ela
não fica pesada!
— Fica pesada do mesmo jeito — retruca Cláudia.
— Por que fica pesada?
— Porque a sacola está cheia e eu acabo carregando você e a
sacola.
— Por que a sacola tá cheia?
— Porque compramos muitas coisas.
— Por que precisa comprar muitas coisas?
Cláudia inverte os papéis, retomando a pergunta da filha:
—-Por que precisa comprar muitas coisas, você sabe?
— Sei, é pra comer!
— Por que precisamos comer?

E tudo se transforma numa brincadeira. Cláudia não se irrita de


ouvir perguntas e mais perguntas o dia inteiro, desde "P or que tem
que almoçar? Por que não pode brincar na chuva? O que é isso?" até
"Onde está a torneira que enche o mar de água? Pra onde vai o so­
nho depois que sai da minha cabeça? Por que am anhã não é hoje pra
eu ir na casa da vovó?". A justificativa de Cláudia para o ocorrido é
similar à de muitos adultos: "É a fase dos porquês... logo passa". O
que talvez não seja comum é encontrar reações parecidas às dela; em
vez de transformar o momento dos porquês numa brincadeira, alguns
adultos podem interromper o diálogo com uma reação qualquer, di­
zendo, por exemplo: "Porque sim !... Porque n ão!,.. C hega!... É me­
lhor ficar qu ieta!...". Ao agir assim, esses adultos perdem a oportu­
nidade de conhecer o que as crianças pensam a respeito das pergun­
tas que elas costumam fazer.
Será que o surgimento dos porquês é apenas uma fase passageira,
marcando uma etapa do desenvolvimento? Você já pensou como pode­
remos aprender cada vez mais se não expressarmos nossa curiosidade
de algum modo? Também nós, adultos, não vivemos buscando respos­
tas que nos façam compreender melhor nossos valores e ideais, a forma
como nos relacionamos com os outros, as razões de nossas decisões? O
que nos diferencia da criança, portanto, não é o fato de expressarmos
curiosidade, mas o conteúdo do que questionamos, pois nossas per­
guntas denotam outras preocupações.
Dependendo das circunstâncias que marcaram nosso desenvolvi­
mento, muitas vezes podemos preferir guardar nossas indagações em
vez de expô-las às opiniões alheias. É tolice negar a imensa curiosidade
que o homem tem a respeito de tudo o que o rodeia, incluindo sua pró­
pria natureza. Se, embora renovados e reelaborados, os questionamen­
tos caracterizam a existência humana, isso significa que encontrar res­
postas para as reflexões é tarefa dificílima.

A influência das reflexões filosóficas


sobre a psicologia
Desde que tomou consciência de si, o homem vem tentando com­
preender o mundo. A palavra filosofia (do grego philosophía, desejo de
conhecimento, amor pela sabedoria) foi usada para designar a discipli­
na, que, posteriormente, deveria ser definida. Assim, a questão "o que
é filosofia?" recebe respostas distintas no decorrer da história, de acor­
do com a sociedade, cultura e aspirações da época.
Apesar da ausência de uma definição comum e constante, os estu­
diosos procuraram delimitar a posição da filosofia em relação a outras
maneiras de buscar conhecimentos, de procurar compreender mais a
respeito de tudo o que existe no
universo. Visando aprofundai e
fundamentar o saber humano, os A reflexão filosófica é
estudiosos acabaram favorecendo bastante ampla, incluindo
o surgimento de outras discipli­ questões sobre a gênese do
conhecimento, a concepção
n as, dentre elas a p sico lo g ia.
do universo, o sentido da
Consta que a palavra psicologia foi
vida, a posição do homem
usada pela primeira vez no sécu­ diante do mundo, os com­
lo X&l para designar parte da fi­ promissos e valores assumi­
losofia que estudava a natureza dos, o conceito do eu e assim
da "alm a" ou do "esp írito". À por diante. Esse caráter de
medida que esse ramo da filoso­ universalidade é expresso na
fia foi se estendendo, surgiu a ne­ língua grega pela palavra fi­
cessidade de defini-lo. E, mais losofia. (Hessen, 1976)
ainda, tornou-se importante se­
parar filosofia e psicologia.
A fronteira entre as duas disciplinas é então estabelecida progres­
sivamente ao longo de muita discussão. Aos poucos vai sendo reser­
vado aos filósofos o estudo da essência dos processos psíquicos pre­
sentes no ato de conhecer, enquanto os psicólogos examinam os mes­
mos processos, através de métodos experimentais. Dito de maneira
diferente, as investigações dos psicólogos se concentraram nos aspec­
tos observáveis dos fenômenos mentais, provocados mediante a utili­
zação de técnicas apropriadas.
Antoa do século XVI, a parte da filosofia que tratava da "es­
sência e naturo/a da alma" era chamada "pnaumatologia", do
tirepo pnoumaton (vapor, respiração, espírito). A palavra psico­
logia (do grego psyche, alma) substituiu a expressão anterior.
No Inicio, entendida como o “estudo da alma", a psicologia se
tornou dopois o "estudo da consciência", em seguida, da "men­
te", do "comportamento"... Ainda hoje não existe concordância
n respeito do objeto de estudo da psicologia e, consequentemen­
te, da sua própria definição.
Parece que foi Melanchthon (1497-15601 quem primeiro usou,
em 1550, o novo termo; pouco depois, em 1590, Glõckel (ou
Gocklenius) [1547-1628] deu à sua obra sobre perfeição moral o
titulo Psicologia. Apesar de essa expressão ter aparecido no século
XVI, só foi definitivamente adotada pelo filósofo Kant [1724-1804]
no século XVIII. (Teles, 1990; Henneman, 1989)

A delimitação entre a filosofia e a psicologia se acentua a partir da


criação do primeiro laboratório de psicologia experimental, destinado
ao desenvolvimento de métodos científicos para o estudo dos proces­
sos presentes nas percepções sensoriais, memória, aprendizagem, mo­
tivação e vários outros aspectos do comportamento humano.

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A dissociação entre filosofia e psicologia levou muito tempo.


Contribuíram para ela alguns desenvolvimentos históricos ocorri­
dos no final do século XIX e início do século XX. A ciência havia
progredido bastante, tornando possível a investigação experimen­
tal dos processos psíquicos presentes na percepção que o homem
tem do mundo.
O primeiro laboratório dedicado aos estudos desses processos
foi fundado na Universidade de Leipzig, Alemanha, em 1879, por
Wilhelm Wundt [1832-1920], São considerados igualmenté pionei-
ros das investigações psíquicas Edward B. Titchener [1867-1927],
Ernst H. Weber [1795-1878] e Gustav Fechner [1801-1887],
O estudo dos processos psíquicos já éra realizado pelos filóso­
fos. Mas, ao contrário deles, os psicólogos passaram a valorizar
métodos objetivos de análise e não apenas reflexões. Esses méto­
dos compreendem: observação controlada, quantificação dos re­
sultados, uso de testes e outros instrumentos de investigação.
(Henneman, 1989; Teles, 1989 e 1990; Campos, 1973)

Ao mesmo tempo que as investigações experimentais progridem


vão surgindo sérias divergências entre as diferentes posições da psico­
logia que aparecem. É importante salientar desde já que tais divergên­
cias refletem disputas existentes entre correntes filosóficas que expli­
cam de maneira diferente a evolução do conhecimento. Dentre as cor­
rentes rivais e opostas que mais influenciaram a nova ciência, duas
merecem destaque: o racionalismo e o empirismo.
Déntra as questões fundamentais que foram motivo de reflexão
por parte de filósofos de todos os tempos, destaca-se aquela que
diz rèfepeito áo conhecimento. As perguntas que se fizeram sobre o
assunto sáo bem variadas. Por exemplo, qual a essência do conhe­
cimento, sua origem, a possibilidade de se conhecer alguma coisa,
o que é o'conhecimento, quais as condições para se obter um co­
nhecimento verdadeiro, e assim por diante.
Essa diversidade de perguntas gerou, consequentemente, uma
diversidade de respostas. No momento, aquela que nos interessa
abordar refere-se à fonte ou origem do conhecimento. Essa fonte é
a razão ou a experiência?
Embora a forma mais antiga de racionalismo seja encontrada
em Platão [427-347 a.C.], essa posição só foi definitivamente defen­
dida muito depois pelo filósofo francês René Descartes (1596-1650).
, Descartes negou o papel das experiências, pois pensava que a men­
te humana tem a capacidade inata de formar idéias, de conhecer e
organizar os elementos do mundo. Essa capacidade é dita inata
porque faz parte da natureza humana e independe da experiência
ou de qualquer estimulação sensorial. Para Descartes, a razão hu­
mana seria a fonte do conhecimento.
As idéias empiristas datam da Antiguidade, mas só nos séculos
XVII e XVIII foram sistematicamente desenvolvidas. Ao combater a
posição racjopalista das idéias inatas, John Locke [1632-1704], filó­
sofo inglês/defende que a principal fonte do conhecimento é a ex­
periência; enfatizando o papel da percepção e da aprendizagem no
desenvolvimento da mente. Para justificar a importância das im­
pressões sensoriais do mundo, obtidas através da percepção, Locke
introduz a noção de associação. Eventos vistos ou ouvidos repeti­
damente juntos tornam-se ligados, associados em nosso pensa­
mento, facilitando-nos a recordação.
Essa explicação repercutiu nas discussões filosóficas da época,
favorecendo a defesa do ponto de vista de que a aprendizagem e a
memória evoluem a partir de associações de idéias. Posteriormen­
te, no século XIX, a posição empirista de Locke foi reelaborada e
ampliada por David Hume [1711-1776]. Hume explica todos os pro-
c^gsos intelectuais por meio da noção de associação, sistematizan­
do o associacionismo, movimento que contribuiu para que a psico­
logia se distanciasse ainda mais da filosofia. (Teles, 1989 e 1990;
Campos, 1973; Henneman, 1989; Hessen, 1976)

Filosofias empiristas e racionalistas


Para os empiristas a mente da criança, ao nascer, é uma "tábua rasa", ou
seja, não há nada nela em termos de conteúdo. À medida que as percepções
sensoriais e as experiências vão acontecendo, a mente infantil começa a se
formar. Dito de outro modo, os estímulos que atingem aos poucos os órgãos
dos sentidos caminham através dos neurônios até o cérebro, e o resultado é
a percepção das coisas. Esse conhecimento que vem de fora para formar o
conteúdo mental tem, então, como base as percepções sensoriais.
Os associacionistas transformam em objeto de pesquisa a for­
mação de idéias. Eles defendem que a aprendizagem e a retenção
dós conteúdos se efetivam quando as condições de ensinò favore­
cem as associações entre a novidade ensinada e o material já apren­
dido. Propõem como formas básicas de aprendizagem os condicio­
namentos e a aprendizagem por observação (ligada a outra tradição
psicológica e pedagógica, á Imitação). (Pfromjrn Netto,’ 1987)
Os comportamentos podem ser condicionados a partir do refor­
ço. Reforçador ó qualquer evento'ou estimulo que segue imediata­
mente uma resposta, aumentando (reforço positivo) ou diminuin­
do (reforço negativo) a sua freqüência. A noção de reforço está li­
gada não só a recompensas físicas, mas também a simples gestos
ou expressões verbais (Está certo! Muito bem! Está errado!).
Quando as respostas corretas são reforçadas positivamente e
repetidas várias vezes, o novo comportamento é retido, isto é, tor­
na-se condicionado. O condicionamento é, então, um procedimen­
to de utilização de reforçadores positivos, logo após a emissão de
uma resposta comportamental cuja ocorrência se pretende aumen­
tar. Para os associacionistas, a aprendizagem ocorre devido à utili­
zação de reforçadores. (Moreira, 1985) <■
A aprendizagem por observação tem como essência á imitação,
isto é, a reprodução de um ato observado em outra pessoa (mode­
lo). O valor pedagógico da ímjtação, como um dos processos soci­
ais básicos, é salientado pêlos associacionistas. Para eles, a imita­
ção é uma forma de aquisição'dê novos comportamentos. Os com­
portamentos adquiridos por imitação podem ser ainda mais facili­
tados com a ajuda de pistas, o que justifica a expressão "aprendi­
zagem por observação"". (Pfromm Netto, 1987, p. 35 e 76)

Os elementos desse conteúdo se associam aos poucos, reprodu­


zindo internamente as condições de cada situação de aprendizagem.
Dessa m aneira tudo o que é percebido pelos órgãos dos sentidos
como conseqüência da estimulação am biental constitui réplica in­
terna de ocorrências externas. Ou seja, a base sensorial dos conheci­
m entos é explicada através do processo de associação, sendo tam­
bém esse o processo que interfere na ligação entre conteúdos novos
e os já existentes.
O processo de associação é facilitado quando os estímulos ocorrem
em conjunto ou na seqüência que devem ser apreendidos; a ligação ex­
terna contribui não somente para a aprendizagem, mas também para a
sua memorização e conseqüente recordação. As explicações empiristas
deram origem a um movimento psicológico denominado associacionis-
mo. Tal movimento contribuiu para que a psicologia alcançasse a posi­
ção de ciência e se distanciasse mais ainda da filosofia.
Já os racionalistas apresentam explicações opostas àquelas defendidas
pelos empiristas. A criança nasce com certas capacidades mentais inatas,
que intervêm naquilo que vai ser apreendido num período inicial da sua
existência. Como exemplos dessas formas inatas de conhecimento poderí-
amos citar, entre outros, o reconhecimento e a identificação do rosto huma­
no, distinguindo-o de outros objetos físicos, e a aquisição da linguagem.
Em relação à linguagem, a criança, ao nascer, já contaria com certos
princípios sintáticos e semânticos. No decorrer das interações com o
meio ambiente, tais princípios seriam colocados em funcionamento,
ajudando-a a compreender a falá ouvida e a produzir sua própria fala,
a fim de expressar o pensamento.
De modo geral as formas de conhecimento inato se manifestam
gradativkmènte à medida que a maturação biológica evolui, favorecen­
do o desenvolvimento de tudo o que a mente pode realizar, como, por
exemplo, gerar idéias, perceber, raciocinar e assim por diante. A preo­
cupação dos racionalistas está, portanto, centrada naquilo que a mente
realiza e não no seu conteúdo, como acontece com os empiristas.
Outro ponto de divergência entre as duas posições diz respeito
ao processo de associação. Os racionalistas consideram a atividade
mental algo muito complexo para poder ser explicado através de prin­
cípios associativos. Além de recusarem a interpretação empirista so­
bre a evolução dos conhecimentos, os racionalistas fazem intervir em
toda experiência fatores internos ligados às expectativas e às motiva­
ções do próprio sujeito.
Os estímulos que atingem os órgãos dos sentidos, além de não se­
rem recebidos por uma "tábua rasa", são selecionados em função dos
aspectos mencionados, o que, conseqüentemente, interfere na interpre­
tação e avaliação do que é apreendido.
Assim sendo, o conhecimento não pode ter base sensorial; pelo con­
trário, sua base seria a razão, e esta estaria acima das circunstâncias
presentes nas diferentes experiências.

A influência das pesquisas


psicológicas na educação
No final do século XIX e começo do século XX, o contexto histórico
da psicologia apresenta certos aspectos importantes. Com a conquista
de úfria certa autonomia em relação à filosofia e com o incremento dos
trabalhos de laboratório, gradativamente os conhecimentos psicológi­
cos são trazidos para a área da educação.
A necessidade de evitar discordância entre as sucessivas mudan­
ças sócio-econômicas da época e os sistemas educativos gera outra ne­
cessidade. As pesquisas se multiplicam, só que agora com objetivos
definidos: aprofundar o estudo sobre as crianças.
Para entender o vínculo que se estreita entre psicologia e educação, é
preciso partir das duas concepções de educação que então predominavam,
uma baseada no empirismo-associacionismo e a outra, no raòonahsmo.
A posição empirista-associacionista conceitua a educação como
um processo através do qual a sociedade dos adultos influi sobre o
desenvolvimento infantil, a fim de tornar as crianças adaptadas a essa
sociedade. A determinação dos objetivos pedagógicos se relaciona in­
timamente com os interesses sociais e econômicos existentes.
A segunda metade do século XVIII foi mafcada por uma série de
rovoluções burguesas que consolidaram o capitalismo industrial.
As revoluções na Inglaterra, na América do fíorte e na França exigi­
am grande número de trabalhadores qualificados e com um míni­
mo de instrução para acionar a produção fábril. A nova organiza­
ção social que ia se constituindo, gradativámente, dependia do co­
nhecimento das técnicas de leitura, escrita, contagem e cálculo ele­
mentar. (Jeffreys, 1975; Tobias, 1985; Kohlberg e Mayer, 1972)
Conforme Wallon (1979, p. 10), "foi a necessidade de utilizar raci­
onalmente as aptidões do homem para a industria e desenvolvê-las
na criança que orientou as novas investigações psicológicas e reani­
mou as antigas que, finalmente, encontraram sua razão de ser".
Até o final do século XIX e começo do século XX, predominava,
na pedagogia, a idéia de que a criança tem estrutura mental idênti­
ca à do adulto, porém com um funcionamento diferente. Ela era
vista como um pequeno adulto, um ser que raciocina e pensa como
nós, mas desprovido de conhecimentos e experiências.
A posição empirista fornecia base científica para essas idéias,
argumentando que a mente do recém-nascido é um espaço vazio,
uma "tábua rasa". Aos poucos esse vazio seria preenchido com
conteúdos (imagens, idéias) que têm como. fonte as impressões
sensoriais obtidas através das experiências.
Nem todos eram empiristas; havia aqueles que pensavam a edu­
cação infantil de modo diametraimente oposto. O precursor dessas
idéias foi Jean-Jacques Rousseau 11712-1778]. Opondo-se aos sis­
temas teóricos clássicos, Rousseau achava que a criança, por ser
diferente do adulto, não aprende nada a não ser por uma conquista
ativa. (Reboul, 1984; Kohlberg e Mayer, 1972)
Para Rousseau, a criança não é um adulto em miniatura, pois sen­
te, pensa e raciocina de uma maneira que lhe é própriaJEle enfatiza
fatores de inatismo e de maturação interna, defendendo o pré-
formismo mentai. Os objetivos da educação deveríam estar volta­
dos para o desenvolvimento da natureza e das capacidades infantis.
A sua intuição sobre a infância e as etapas do desenvolvimento
intelectual e moral só inspiraram, efetivamente, novas orientações
na área da educação após investigações realizadas por seus segui­
dores no final do século XIX. Conforme Piaget (1976 a, p. 142-153),
foram Pestaiozzi [1746-1827], discípulo de Rousseau, e. Froebe!
[1782-1852], discípulo de Pestaiozzi, os primeiros a trazer para a
própria escola algumas das idéias defendidas por Rousseau.

Em outras palavras, para os defensores dessa posição, a educação


deve estar subordinada às prioridades que a transcendem. Naquela
época, essas prioridades eram: necessidade de.mão-de-obra para a in­
dústria e formação humana para atender tal demanda.
Como aproveitar melhor o que o indivíduo adulto pode render?
Desenvolvendo, na criança, as aptidões estabelecidas como necessárias.
Dessa maneira, para poder atuar sobre a infância por meio do ato
educativo, elaboram-se pesquisas, e interesses econômicos passam a
dirigir e a justificar estudos sobre o desenvolvimento psicológico Vale
lembrar que, nessa mesma época, começam a proliferar os testes de ln
teligência. Dentre as utilizações possíveis dessa forma de avaliação,
uma seria auxiliar o processo de seleção.
As explicações de que a pressão do meio é determinante em tudo o
que pode ser concebido em termos de comportamento se harmonizam
perfeitamente com as preocupações sociais e econômicas, com as expe­
rimentações dos laboratórios de pesquisas e com as aplicações dos re­
sultados dessas pesquisas na área da educação infantil.
Mais do que simples lista de aptidões, os resultados experimentais
incluem também técnicas de como desenvolvê-las através de transmis­
sões educativas devidamente treinadas. Segundo os defensores dos in­
teresses econôm icos, nada mais justo do que trazer as hipóteses
empiristas para fundamentar objetivos e orientações pedagógicas.
Contrários aos que colocam os interesses econômicos acima da for­
mação humana, alguns estudiosos se voltam para as necessidades da
infância. Eles consideram a educação infantil como um processo que se
efetiva de dentro para fora, pois a aprendizagem depende, basicamen­
te, de um conjunto de características presentes desde o nascimento.
Conforme esse ponto de vista, a educação deve utilizar o que é na­
tural e espontâneo na criança, dirigindo-se a ação pedagógica para o
desabrochar de capacidades inatas.
Para tanto, é essencial fornecer à criança oportunidades para se de­
senvolver por si própria, guiando-se pelas suas potencialidades. Tais
potencialidades se tomariam operantes se fossem deixadas de lado as
listas de aptidões e as técnicas de ensino. Ao mesmo tempo que as condi­
ções de Uberdade da criança são valorizadas, a importância da interven­
ção do professor é reduzida ao mínimo, para que ela possa progredir.
Tendo em vista um conhecimento mais profundo das característi­
cas da infância, começam a ser elaboradas pesquisas sobre a evolução
mental., Os investigadores procuram descobrir em que idades surgem
as principais manifestações psicológicas, bem como as necessidades e
os interesses que as acompanham.
Destinadas a mudar as orientações pedagógicas empiristas, as no­
vas pesquisas sobre a criança partem de questões diferentes daquelas
dirigidas pelas necessidades econômicas. Para exemplificar quais os
** interesses e as necessidades infantis e de que maneira eles se transfor­
mam? Por que etapas a criança passa no decorrer do seu desenvolvi­
mento? Como as influências escolares podem favorecer o desenvolvi­
mento harmônico da personalidade infantil?
A ênfase nos aspectos puramente subjetivos do conhecimento de
cada um encontra fundamento na corrente racionalista e nas explica­
ções de que existem formas inatas de conhecimento.
O antagonismo entre essas duas idéias distintas de educação reflete
posições teóricas também contrárias. Alicerçados nessas posições teóri­
cas opostas, princípios inovadores são trazidos para as escolas infantis,
como resultado do conjunto das investigações feitas. Mas, ao mesmo tem­
po que se aprofunda o conhecimento sobre a infância, gradativamente,
esses princípios inovadores começam a ser transformados.
(PPF~
Para Piaget (1976 a), a influência da psicologia sobro a pe­
dagogia que dela resultou tornou-se mais intensa a partir das
pesquisas psicológicas e do desenvolvimento de métodos de
observação. Estudos mais profundos sobre a criança provoca­
ram mudança radical de pontos de vista, colocando a psicolo­
gia do século XX numa posição diferente daquela do século X IX
o, consequentemente, acarretando transformações na área da
pedagogia. ; V / , • *
A educação começou se opondo à passividade com que as cri­
anças eram ensinadas, aos exercícios de repetição, aos métodos
de ensino da leitura e assim por diante. As rfovas orientações pe­
dagógicas já estavam em germe no fim dó século XIX, mas só
começaram a ser trazidas definitivamente para as salas de aula
no início do século XX.
Contribuíram para essa mudança trabalhos desenvolvidos em
várias áreas do conhecimento. Para exemplificar, Piaget (1976 a)
cita os estudos antropológicos e médico-psicológicos realizados
por Maria Montessori (1870-1952] na Itália.
Dedicando-se à educação de crianças com retardo mental,
Montessori concluiu que a aprendizagem se intensifica quando
há possibilidade de as crianças agirem sojjre o material. Essa
conclusão influenciou a educação infantil em várias partes do
mundo. ......
Foi também através da análise psíquica dos retardos que o
médico Decroly [1871-4932] propôs o método global para a
aprendizagem da leitura e do cálculo, assim como os centros de
interesse e os trabalhos ativos. Enfim, as nòvas orientações pe­
dagógicas surgidas no início do sécuío XX apareceram relacio­
nadas, principalmente, com as pesquisas feitas sobre o desen­
volvimento infantil. '!-•
Pouco a pouco começou a haver uma grande diversidade de
opiniões sobre a melhor forma de educar as crianças. Preocupa­
do com isso, Claparède [1873-1940] (1973) propôs, antes da me­
tade deste século, que fossem realizadas pesquisas, só que ago­
ra dentro das próprias escolas. [i
Os principais objetivos dessas pesquisas seriam: verificação
prática das melhorias e reformas sugeridas na área pedagógica,
>
tendo os próprios professores como colaboradores (no controle de
i documentos ou no controle dos dados); formação especial dos edu­
cadores, tanto no sentido de torná-los ciehtés dos resultados das
i pesquisas psicológicas, como de despertar neles o interesse pela
observação e experimentação científicas, "f
i No início da década de 80, Brandão et alii (1986) fizeram uma
► revisão de pesquisas internacionais e de outras desenvolvidas em
vários estados do Brasil. As autoras mencionam a crescente ten­
> dência de se realizarem pesquisas educacionais dentro de salas
de aula. Embora as pesquisas mais atuais tenham objetivos dis­
> tintos daqueles apresentados por Claparède,. o fato é que as cri­
anças deixaram de ser estudadas apenas em laboratórios, e isso
>
é muito importante para os progressos na área dç educação.
>
Alguns estudiosos passaram a defender a realização de experlmen
tações dentro das salas de aula. Com essas práticas, seria possível al­
cançar maior adequação entre as técnicas educativas e as características
do desenvolvimento infantil, uma vez que poderiam ser avaliadas as
conseqüências práticas das ocorrências em sala de aula.
Segundo o argumento a favor das pesquisas escolares, sem obser­
vações criteriosas a respeito do modo como a criança reage ao que lhe é
proposto enquanto atividade, toma-se difícil analisar cientificamente o
trabalho pedagógico. Além disso, quanto mais amplo for o conhecimen­
to sobre o desenvolvimento infantil, menor será a chance de se estabe­
lecer uma lista de aptidões, talvez até contrárias às características
evolutivas. Por outro lado, sem analisar cientificamente o trabalho pe­
dagógico, a ciência da educação
não pode efetivamente progredir.
A influência da psicologia na
área da ed u cação p ersiste até : Os precursores de idéias
hoje, embora orientando pesqui­ inovadoras na área da edu­
sas e m etodologias que tentam cação em geral e da infantil,
explicar diferentem ente os pro­ em particular, contribuíram
para que a pedagogia alcan­
cessos presentes no desenvolvi­
çasse uma base realmente
mento infantil. Pontos de vista
científica. Essa base se in­
distintos opõem, assim, a psico­
tensificou a partir de pes­
logia atual àquela do início do quisas c o n te m p o râ n e a s ,
nosso século. Há um esforço ge­ fundamentadas em corren­
n eralizad o visando conquistar tes teóricas que explicam o
com p reensão m ais abrangente desenvolvimento da crian­
dessa efetiva construção que é o ça, enfatizando as intera­
desen volvim ento dos conheci­ ções sociais e a gênese da
mentos pela criança. construção dos c o nh eci­
Fazendo uma breve retros­ mentos. Dentre os estudio­
pectiva, vimos que durante lon­ sos que mais têm influenci­
ado a educação, podem-se
go período a psicologia foi con­
m encionar H enri W allon,
siderada um ram o da filosofia.
Lev S. V ygo tsky, Jean
A pesar de ter conquistado aos Piaget, bem como os seus
poucos autonomia e de ser con- seguidores.
( sid e ra d a c iê n c ia , com cam po
próprio de estudo, suas raízes
históricas perm eiam constante­
mente as correntes, embora as conclusões teóricas apresentem ino­
vações. Muitas das divergências atuais refletem, portanto, oposições
filosóficas de séculos anteriores.
É essencial ter sempre presente o contexto histórico da psicologia.
O entendimento das suas raízes favorece a compreensão da relevância
de se estudarem as teorias que fundamentam os princípios básicos apli­
cados à educação.
O cotidiano das salas de aula reflete certas concepções filosóficas
que precisam ser compreendidas se o que se pretende é tornar a atua­
ção do professor crítica, refletida e compromissada com certo ideal de
formação humana.
Vale acrescentar que as con­
trovérsias entre correntes psicoló­
A rivalidade entre os filó­
sofos empiristas e racionalis- gicas distintas não impediram que
tas foi trazida para a psicolo­ a psicologia alcançasse progressos
gia, dando origem a diversas enormes. Esses progressos ampli­
correntes. Entre elas, pode­ am o nosso conhecimento sobre o
mos mencionar: o estrutura- desenvolvimento humano e a vida
lismo desenvolvido nos Esta­ em sociedade, pois a variedade de
dos Unidos por Edward B. problemas pesquisados é muito
T itchner [1867-19271; o grande.
behaviorismo americano fun­ Considerada ciência do com­
dado por John B. Watson
portamento e tendo como objetivo
[1878-1958]; o gestaitismo, ou
pesquisar toda e qualquer ativida­
psicologia da forma, que sur­
ge como reação contra a psi­
de humana, a psicologia se relaci­
cologia associacionista e ona com outras ciências, estenden­
behaviorista; a psicanálise do seu campo de influência para
fundada por Sigmund Freud além da educação.
[1856-19391 (Teles, 1989 e Tanto os interesses como os
1990; Henneman, 1989). métodos e as abordagens teóricas
da psicologia são múltiplos. As te­
orias influem na escolha que os
psicólogos fazem a respeito do
que pretendem estudar, servindo igualmente para organizarem suas
observações em termos de princípios básicos.
Para exemplificar, podemos mencionar os psicólogos que se dedi­
cam ao estudo de animais em laboratório ou õs que se voltam para o
homem, levantando questões a respeito de emoções, sentimentos, per­
sonalidade, percepção do universo, fatores que interferem em decisões,
interesses e motivações. Há ainda aqueles que se preocupam com pro­
blemas práticos dos negócios, do comércio, da indústria, das áreas de
saúde, linguagem, sociologia e assim por diante.
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