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Introdução

Este artigo tem por objetivo analisar, em sentenças isoladas da língua corrente, as
referências de tempo e aspecto dos tempos verbais, utilizando os conceitos de tempo de
fala, tempo de evento e tempo de referência, propostos por Reichenbach (apud ILARI,
1997), que localizam o evento no tempo, e elaborar através de diagramas a representação
temporal das sentenças, utilizando o conceito de intervalo de tempo, que permite calcular o
tempo de duração do evento. Serão analisadas, ainda, as referências de tempo e aspecto dos
adjuntos adverbiais e sua contribuição semântica para o significado da sentença. Para
classificar o valor aspectual dos morfemas verbais e dos advérbios de tempo, serão
utilizados os conceitos propostos por Vendler (apud GODOL, 1997) e TRAVAGLIA
(1994).

Embora se trate de categorias gramaticais diferentes, o tempo e o aspecto serão associados


na análise, já que em português, e em muitas outras línguas, uma mesma forma verbal
exprime, através de seus morfemas flexionais, valores referenciais de tempo e aspecto.

Objectivo Geral:

 Compreender o tempo gramatical e aspecto gramatical.

Objectivos Especificos:

 Conceituar o tempo e aspecto gramatical;


 Diferenciar o tempo e aspecto gramatical;
 Apresentar as categorias do tempo e aspecto gramatical.
Tempo e Aspecto gramatical

Tem sido difícil entender, ou melhor, estabelecer claramente a distinção entre tempo e
aspecto, uma vez que ambos parecem referir-se a um mesmo conceito. Na verdade, eles são
bem distintos

Entretanto, qualquer falante do Português quando ouve ou lé fases como as que se seguem,
interprete-as, obviamente, como descrevendo situações localizadas no passado, no presente
e no futuro:

i. O Presidente visitou a UCM.

ii. O Presidente visita a UCM.


iii. O Presidente visitará a UCM.

Embora a situação descrita por cada uma das frases seja a mesma (a visita do Presidente a
UCM ), as frases podem ter valores de verdade diferentes devido à localização temporal da
situação induzida pelo tempo gramatical utilizado. Em i. a situação está localizada num
intervalo de tempo anterior ao ponto da fala ou momento da enunciação. Em ii. A situação
descrita sobrepõe-se ao ponto de fala, uma vez que o intervalo de tempo em que se localiza
o ponto de evento e o ponto da fala têm momentos comuns. Em iii. a situação descrita está
localizada num intervalo de tempo posterior ao ponto da fala.

Ora, reparemos outra situação:

a) Às nove horas, o João comeu uma maçã.

b) Às nove horas, o João comia uma maçã.

Embora as duas situações descritas se encontrem localizadas no passado é diferente o modo


como são apresentadas a sua estrutura interna. Com efeito, em a) a situação descrita ocorre
no intervalo de tempo denotado por às nove horas localizado no passado. Mas em b) a
situação é descrita globalmente, isto é, incluindo o processo preparatório envolvido (a fase
inicial da situação, ponto de culminação, isto é, a mudança de estado, de lugar ou de posse
de uma das entidades envolvidas) e o ponto resultante (neste caso, a maçã estar comida). A
descrição apresentada em b. focaliza apenas o processo preparatório.

Os casos (i, ii, iii) e (a, b) mostram claramente não só as diferenças entre a categoria
linguística, tempo e a categoria aspecto, mas também os pontos comuns entre elas.

É importante, todavia, perceber que, apesar da diferença entre as duas categorias


linguísticas, elas partilham sempre pontos de contacto, na medida em que podem operar
com o mesmo tipo de conceitos temporais, o de intervalo.

Por outro lado, certos advérbios podem funcionar com valor aspectual ou temporal, o
mesmo acontece com alguns tempos verbais que podem introduzir alterações aspectuais.

Em suma, o tempo e o aspecto são elementos que ajudam a construir um texto ancorado em
pontos de referência temporais e aspectuais. Esse ponto de referência associa-se ao tempo
da enunciação e, assim, poderemos identificar num texto (ou aplicar se formos os autores)
os valores temporais de simultaneidade se o que escrevemos se situa no mesmo tempo que
lhe serve de ponto de referência, de anterioridade e de posterioridade se a situação descrita
não coincide com o tempo da enunciação.

Aspecto (tipologia aspectual)

Em linguística, o aspecto é uma propriedade dos verbos e circunlóquios verbal, para indicar
se a acção que expressam não foi concluída ou no instante indicado na referência de frase,
ou seja, refere-se aos diferentes estágios de desenvolvimento da acção expresso pelo verbo.
(Campos & Xavier, 1991). Ou seja, o aspecto fornece informações sobre a forma como é
perspectivada ou focalizada a estrutura temporal interna de uma situação descrita pela frase,
em particular, pela sua predicação.

Contudo, as gramáticas confluem quanto à importância da necessidade da distinção que há


a fazer entre o evento e estado como base para à compreensão da tipologia aspectual. Em
português, assim como em outras línguas, para além da natureza semântica dos predicados,
as informações aspectuais distribuem-se pelos afixos que contêm também informação
temporal, e também através da combinação de vários elementos associados aos anteriores,
como sejam certos adverbiais e a natureza sintáctico-semântica dos sintagmas nominais, em
particular dos que constituem complementos sub categorizados.

De acordo com Campos e Xavier (1991) eventos (chegar, atingir, nascer, morrer, almoçar,
pintar, etc.) são actividades dinâmicas que têm um fim delimitado, que pode ser instantâneo
(«O João chegou cedo») ou prolongado («O João leu o livro em duas horas»).

Entretanto, os eventos podem ser télicos ou atélicos. Cada tipo pode ter ou não duração. Os
eventos télicos, por seu tumo, podem ser chamados processos culminados e culminações.
Por outro lado, Faria (1996) afirma que estados são situações não dinâmicas que não têm
princípio nem fim («O João está doente»; «A Joana gosta de maçãs»).

E por conseguinte, os estados lexicais têm pontos de contactos com os eventos (processos),
mas se distinguem destes por não serem dinâmicos, não admitem pausa (intervalo) no todo
homogêneo. Os estados podem ser: faseáveis e não faseáveis. Os primeiros podem ocorrer
em construções progressivas (estar a + Infinitivo) e os segundos não.

Todavia, segundo Covane (2017, p.53) “os pontos são eventos temporalmente indivisíveis e
que se distinguem das culminações por não admitirem um estado resultante”. Para
compreender melhor, interprete as frases que se seguem.

i. A Maria escreveu o relatório. (processo culminado)


ii. A Maria ganhou a corrida. (culminação)
iii. A Maria espirrou. (ponto)
iv. A Maria trabalhou. (processo)

Os estados lexicais têm algo em comum com os processos, pois são também atélicos, não
delimitados por natureza e homogêneos. No entanto, distinguem-se dos processos por não.
serem dinâmicos. Acresce que os estados não admitem qualquer tipo de pausa (intervalo)
no todo homogêneo, enquanto os processos as admitem.

i. A Maria trabalhou.
ii. A Maria está doente.

Repare que enquanto estar doente não admite qualquer pausa, sob pena de deixar de ficar
doente, trabalhar admite pequenos intervalos na actividade sem que isso ponha em causa o
próprio processo.

Diferença entre Tempo e Aspecto

 As formas verbais que mostram diferenças no tempo são chamadas de tempo. É


importante saber que os tempos são formados pela mudança do verbo.
 Os tempos também são formados pela adição de verbos auxiliares.
 Por outro lado, aspecto refere-se às mudanças nas formas verbais que expressam
outras ideias além das diferenças de tempo.

Categorias tempo e aspecto.

Pode-se definir tempo linguístico como tempo da situação referida a algum outro tempo,
normalmente, o momento da fala. O tempo não é marcado de forma explícita, pois o tempo
verbal é tomado como indicação de um determinado tempo em relação ao presente.
Podemos verificar esse raciocínio no esquema a seguir:

Figura.1: Representação do tempo

Fonte: Comrie (1985, p. 2).

Nessa figura, podemos observar que o tempo é apresentado como uma linha reta na qual o
passado se encontra à esquerda e o futuro, à direita do ponto (0), sendo que esse ponto zero
representa o presente.

Segundo Travaglia (2006, p. 39), a categoria de tempo situa o momento de ocorrência da


situação a que nos referimos em relação ao momento da fala como anterior (passado),
simultâneo (presente) e posterior (futuro). É considerada uma categoria dêitica pelo autor,
pois serve para expressar distinções que dizem respeito ao tempo em que ocorre o ato de
fala.

Para o autor, tempo é uma categoria dêitica porque estabelece a localização no tempo, e
aspecto é uma categoria não dêitica, pois seu significado não remete ao momento da
enunciação. Na mesma linha de raciocínio, Comrie (1976) indica uma diferenciação entre
tempo e aspecto ao enunciar que a expressão “constituição temporal interna” trata-se de
uma compreensão em termos da oposição proposta entre “tempo interno da situação”, que
diz respeito a aspecto, e “tempo externo da situação”, que se refere a tempo.

A noção de aspecto pode ser tratada pelo menos de dois pontos de vista: o lexical e o
gramatical.

O aspecto lexical, ou aktionsart, de um verbo consiste no modo como se encontra em uma


estrutura e como tal verbo expressa evento, estado, processo ou ação. O aspecto lexical se
distingue do aspecto gramatical porque o aspecto lexical é uma propriedade inerente de
uma eventualidade, já o aspecto gramatical seria uma propriedade de uma realização
sintática ou morfológica. O primeiro é invariável e o segundo é dependente da necessidade
do falante.

Um dos autores que trouxe uma importante discussão a respeito do aspecto lexical é
Vendler (1967), o qual propõe uma classificação para as classes acionais. Segundo o autor,
existem quatro classes:

a) Os verbos estativos, que seriam os verbos em que se observam um evento sem final
evidente, mas com certa duração.

Exemplo: “amar”

b) Os verbos de atividade, que seriam aqueles com final arbitrário atingindo apenas
por meio de intervenção externa.

Exemplo: “caminhar”

c) Os verbos accomplishments, que seriam os verbos que demonstram duração


marcada por fases sucessivas até que o fim seja alcançado.

Exemplo: “pintar uma casa”.

d) os verbos achievements, que são aqueles em que se observa apenas o desfecho final
da ação, alcançado de forma instantânea.

Exemplo: “nascer”.

Outros autores chamam a atenção para a importância do complemento verbal e do papel do


advérbio na determinação do aspecto lexical, tal como Arad (1996). Podemos observar duas
orações como “Luíza corre” e “Luíza corre até a praia”. Na primeira sentença, não
percebemos a finitude do evento, ao passo que, na segunda sentença, o percebemos.
Notadamente, a diferença entre as duas orações ancora-se na natureza do SP “até a praia”.
Na primeira sentença, teríamos associado ao SV, o traço de atelicidade. Na segunda, o traço
de telicidade. Essas noções constituiriam o que denominamos de aspecto lexical.

Além disso, teríamos outra forma de classificarmos o aspecto, que é denominado aspecto
gramatical. Ou seja, ao vislumbrarmos frases como “Eu estudei a matéria” e “Eu estudava
a matéria todos os dias”, percebemos que as duas têm, como tempo, o passado. A diferença
entre elas reside na noção aspectual. Isto é, na primeira frase, a ideia é de que o evento é
findado e, na segunda, há ideia de progressão. Essas noções de eventos acabados e não
acabados estão ligadas a aspecto gramatical e estão reveladas por morfemas. Nos dois
casos, respectivamente, temos: –Ø– no pretérito perfeito (estude–Ø–i), em que –Ø– é um
morfema zero que indica tempo passado e aspecto perfectivo. Já em “estudava”, temos o
morfema –va-, no pretérito imperfeito (estuda –va– Ø), indicando que o tempo está no
passado e o aspecto está no imperfectivo.

Quadro aspectual do Português

Conceituado o aspecto e determinadas as noções aspectuais, é preciso estabelecer um


quadro aspectual, uma taxionomia dos aspectos. Nesta tarefa temos, basicamente, três
possibilidades: estabelecer um quadro de aspectos compostos, um quadro de aspectos
simples ou um quadro misto com aspectos simples e compostos.

Da impropriedade de um quadro de aspectos compostos.

Preliminares

Chamamos de compostos aqueles aspectos que são caracterizados por mais de uma noção
aspectual. É o caso, por exemplo, do Perfectivo e Imperfectivo1 na definição que deles
deram Castilho (1967) e Comrie (1976). Aspectos simples serão aqueles caracterizados por
uma única noção aspectual. No quadro estabelecido por Câmara Jr. (cf. item 1.3.8)
encontramos alguns exemplos de aspectos simples tais como o Inceptivo, o Inconcluso, o
Pontual, entre outros.

Na argumentação a respeito da impropriedade dos aspectos compostos vamos nos valer,


principalmente, do quadro proposto por Castilho (cf. item 1.3.9) não só por ser o único que
fez um estudo mais sério do aspecto em Língua Portuguesa, mas também por ser o único
que estabeleceu um quadro que busca dar conta de todos os casos possíveis em uma análise
aspectual do Português.

Aspectos compostos
Procuraremos demonstrar aqui não só que um quadro de aspectos simples permite uma
análise aspectual melhor, por ser mais simples e completa a análise com um menor número
de elementos; mas também uma série de impropriedades de análise que já deverão ser
consideradas quando da proposição do quadro aspectual e sua aplicação na análise.

Para Castilho (1967), o perfectivo se caracteriza pela noção de completamento que ele
entende como sinônima de acabamento uma vez que diz: “As nuanças decorrentes da ação
totalmente decursa permitem subdividir o perfectivo em três tipos” (CASTILHO, 1967,
p.50). Não há dúvidas quanto a isto já que Castilho o declara em diversas passagens:
“Temos o aspecto perfectivo se se indica uma ação cumprida, contrária à noção de
duração” (CASTILHO, 1967, p.14); “O perfectivo indica processo acabado” (CASTILHO,
1967, p.15). O perfectivo, para ele, também “designa a ação-ponto” (CASTILHO, 1967,
p.54), já que o completamento “implica na indicação precisa do começo e do fim do
processo, polos estes separados por um lapso de tempo extremamente curto e não
significativo.” (CASTILHO, 1967, p.50). Portanto o Perfectivo seria um aspecto composto
caracterizado pelas noções de completamento (= acabamento) e pontualidade.

O imperfectivo é, pelo mesmo autor, caracterizado como sendo marcado pelo valor
fundamental de duração (CASTILHO, 1967, p.49), indicando uma ação que dura
(CASTILHO, 1967, p.41) uma ação-linha (CASTILHO, 1967, p.54). A duração
apresentaria sempre um dentre três matizes (cf. item 1.3.9) que caracterizariam três
subtipos: os aspectos Imperfectivo Inceptivo (noções de duração + início) Imperfectivo
Cursivo (noções de duração + meio) e Imperfectivo Terminativo (noções de duração +
fim). Portanto o Imperfectivo seria um aspecto composto em qualquer dos três subtipos que
aparecesse. Deve-se notar que ao caracterizar o Perfectivo e o Imperfectivo, Castilho não
diz que este se caracteriza pelo não acabamento. Sua colocação faz pensar que ele opõe
completamento no Perfectivo a duração no Imperfectivo, ou seja, podemos dizer que
explicitamente Castilho não afirma que o Imperfectivo apresenta a ação como não acabada.
Entretanto, pela oposição entre Perfectivo e Imperfectivo, isto parece ficar implícito.

Observem-se os exemplos abaixo, extraídos de Castilho (1967). Entre parênteses aparece o


aspecto que ele disse estar presente na forma em negrito e a página de onde se extraiu o
exemplo.
“Na sua voz irradiante começou logo a contar uma complicada história familiar,
atravessada de traições, de direitos e de deveres”. (Imperfectivo Inceptivo propriamente
dito - p.63)

“Principiou a falar pausadamente, depois agitou-se, parecia um louco”. (Imperfectivo


Inceptivo propriamente dito - p.64)

Conclusão

No estudo do verbo no Português pouca atenção tem sido dada à categoria de aspecto.
Evidência disto é o fato de nossas gramáticas tradicionais, com raras exceções, quase não
tratarem desta categoria. A sua não consideração criou uma lacuna na descrição do sistema
verbal português cujo preenchimento, por si só, justifica a realização não ‘só deste, mas de
muitos outros estudos sobre aspecto. Além disso a definição e descrição mais completa e
exata do sistema verbal do Português fornece melhores subsídios à Linguística Aplicada na
elaboração de planos e métodos para o ensino de nossa.
Bibliografia
1. Campos, M. H., & Xavier, M. F. (1991). Conceitos básicos. Lisboa: Universidade
Aberta.
2. CASTILHO, A. T. (1967). Introdução ao estudo do aspecto verbal na língua
portuguesa. Alfa: Marília.
3. COMRIE, B. (1976). Aspect: an introduction to the study of verbal aspect and
related problems. London: Cambridge University Press.
4. Covane, L. A. (2017). Linguistica Descritiva II. Maputo: UCM.
5. TRAVAGLIA, L. C. (2016). O aspecto verbal no Português : categoria e sua
expressão. Uberlândia: EDUFU.
6. Vendler, Z. (1967). Verbs and Times. In Linguistics in Philosophy. Devecser :
Cornell University Press.

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