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O problema da causalidade
em medicina
Vitor Rodrigues*
RESUMO
Em Saúde somos frequentemente chamados a fazer julgamentos sobre se uma exposição causa uma doença. Para podermos
realizar julgamentos correctos é necessário que o raciocínio obedeça a critérios padronizados, sendo os mais frequentes os enun-
ciados por Bradford Hill.
Adicionalmente, o desenho da investigação deverá a obedecer modelos diversos, com diferentes características arquitectu-
rais e diferentes níveis de prova epidemiológica.
Outro factor extremamente importante é também o reconhecimento e a minimização de erros e desvios, particulares de
cada tipo de estudo e gerais a toda a investigação epidemiológica.
m Saúde somos frequentemente chamados a em 19651, avançaram critérios que poderiam ser usa-
aumento da exposição conduz a uma aumento do car por «causalidade» é o «aumento de probabilidade»,
efeito, também aumenta a probabilidade de essa as- e um dos problemas mais importantes reside na sua in-
sociação ser causal. No entanto, a não verificação ferência da população para o indivíduo e do indivíduo
desse gradiente não nega uma associação (ex. DES e para a população.2-4
adenocarcinoma da vagina, amianto e mesotelioma)
e a sua existência não prova necessariamente cau- MODELOS DE ESTUDO, VALIDADE INTERNA
salidade (poderá até ser devido a viés ou confundi- E HIERARQUIZAÇÃO DE PROVA
mento). O modo de questionar as associações e relações de cau-
• Plausabilidade: segundo o qual a ideia de causalida- salidade pode ser colocado de variadas maneiras. Co-
de tem de ser biologicamente plausível. No entanto, nhecer as determinantes de uma doença, antecipar o
durante muitos anos não se «acreditou» que a úlce- prognóstico da doença, questionar a mais-valia tera-
ra gástrica ou o cancro do colo uterino poderiam ter pêutica de um procedimento, identificar variáveis que
uma componente infeccioso causal. influenciem a eficácia e a eficiência dos vários trata-
• Coerência: a assumpção de causalidade deverá es- mentos disponíveis, associar prognóstico à acção tera-
tar ligada a outras observações (por exemplo, a rela- pêutica.
ção causal entre consumo de tabaco e cancro do pul- E essa avaliação (existência ou não de associação e
mão era coerente com as observações de que os fu- relação causal) deve compreender, pelo menos, dois
madores tinham displasia do epitélio brônquico). aspectos fundamentais: a identificação do efeito e a sua
No entanto, a ausência de coerência não afasta uma quantificação.
relação causal. É no âmbito desta avaliação que devem ser compre-
• Evidência experimental: os dados originados por ex- endidos todos os modelos de estudo disponíveis em in-
perimentação animal ou humana ajudam a implicar vestigação em saúde,5-7 sendo a sua classificação «aca-
a causalidade de uma exposição, sobretudo através démica» e «pedagógica» uma actividade mental esti-
do afastamento de factores como a subjectividade in- mulante mas sempre adaptada aos dois objectivos atrás
dividual, o viés ou o confundimento. descritos (Figura 1).
• Analogia: se uma exposição está responsabilizada A tentativa de responsabilização de uma exposição
por uma doença, assume-se que outras exposições como factor de risco poderá, na sua forma mais simples,
semelhantes poderão provocar doenças semelhan- revestir o estudo de casos individuais ou de conjuntos
tes (por exemplo, se a talidomida provoca malforma- de casos individuais. São estudos em que não existe
ções fetais, outros medicamentos administrados du- qualquer grupo de controlo objectivo, embora possa
rante a gravidez poderão também provocar efeitos ser realizada uma actividade mental de comparação
semelhantes). No entanto, é uma generalização de- (empírico) com a experiência ou conhecimento indivi-
masiado ampla para, na maioria dos casos, ser útil. duais do investigador.
Embora se trate de uma abordagem muito útil numa Embora tais estudos possam ser passíveis de valida-
avaliação geral do problema da causalidade, a reali- ção com recurso a, por exemplo, os critérios de Brad-
dade é bastante mais complexa do que emerge dos an- ford-Hill, e que possam evidenciar existência (pelo me-
teriores critérios. Bastará pensar no que conhecemos nos aparente) de, por exemplo, temporalidade, coerên-
sobre factores de risco e na sua capacidade de actua- cia, plausabilidade biológica, consistência, a sua falta
ção (aceleração ou travagem) na cascata epidemioló- de «rigor científico» radica em características gerais
gica da causalidade. E a sua classificação, por exemplo, como a não existência de grupo de controlo com quem
em factores de risco necessários, suficientes, potencia- contrastar e quantificar as diferenças observadas, de
dores, adjuvantes, desencadeantes, ajudará a com- possibilidade de serem casos que não representam a
preender esta complexidade, que as metodologias e maioria de indivíduos em circunstâncias análogas, de
técnicas de investigação pretendem esclarecer e quan- possibilidade de modificação de comportamentos de-
tificar.2,3 vidos à atenção do investigador (o chamado «efeito
Na realidade, o que normalmente queremos signifi- Hawthorne»)
O viés de migração refere-se ao abandono, por várias tervenção comunitária) existe um factor fundamental:
razões, da coorte (em que se iniciaram) por alguns dos a colocação do factor diferenciador em estudo é reali-
indivíduos em estudo; tem a desvantagem de diminuir zada pelo investigador. E a diferença que existe entre os
o efectivo inicialmente calculado, bem como poder dois tipos principais radica na unidade de análise: o in-
acontecer que esse conjunto de indivíduos ter caracte- divíduo no primeiro caso e o grupo no segundo caso.
rísticas em comum, podendo ele mesmo ser uma «coor- Deve notar-se que estes estudos são extensões, meto-
te de abandono por característica comum». dologicamente mais apuradas, dos estudos de metodo-
O viés de observação refere-se sobretudo ao facto do logia de coorte atrás descritos.
investigador poder incluir, consciente ou inconscien- A sua metodologia geral consiste na selecção de uma
temente, nas suas observações aspectos de valorização amostra a partir de uma população (através da aplica-
pessoal de factores em estudo. ção de critérios de inclusão e de exclusão rígidos), sen-
Por fim, o viés por presença de factores de confusão do depois aquela distribuída pelos grupos (mínimo de
aparece quando uma variável que não está incluída, dois) adequados.
pelo menos directamente, na cascata de causalidade, se Possui características fundamentais como sejam a
encontra relacionada na associação entre os eventos cuidada selecção dos participantes, o tamanho da
(exposição e efeito) em estudo. Esta associação con- amostra, a distribuição por grupos aleatória, a possibi-
fundente obriga a cuidados especiais no desenho e na lidade de cruzamento de exposições e a ocultação.
avaliação do estudo. Os participantes são grupos altamente homogéneos
No caso dos estudos de metodologia caso-controlo (e, idealmente, representativos) com controlo estrito
identificam-se 3 tipos principais de desvios: selecção, das variáveis que podem mascarar a associação causal,
informação (ou memória) e por presença de factores de o que permite uma maior certeza na avaliação da vali-
confusão. dade externa do estudo. Para tal, utilizam-se critérios
No primeiro caso, este viés produz-se quando os ca- de inclusão e de exclusão bem definidos (embora mais
sos e os controlos são seleccionados de maneira siste- ou menos restritivos), o que permite uma maior repre-
maticamente diferente em relação com a possibilida- sentatividade para grupos externos que partilham a
de de que tenham estado ou não expostos ao(s) fac- mesma situação.
tor(es) de risco de interesse. Deve haver o cuidado de Por outro lado, a selecção e quantificação cuidadas
que os casos sejam representativos da generalidade dos da amostra, através de factores como a homogeneida-
casos e que estejam num momento representativo da de dos participantes, a definição estrita sobre as dife-
história natural da doença em causa. Por outro lado, os renças que se desejam detectar e os erros tipo I (proba-
controlos devem ser seleccionados de tal modo que se- bilidade de rejeitar a hipótese nula quando esta é ver-
jam, o mais possível, semelhantes aos casos no que diz dadeira) e tipo II (probabilidade de confirmar a hipó-
respeito às variáveis em estudo (apenas diferirem na tese nula quando esta é falsa) que se consideram
doença em estudo). aceitáveis. São factores que irão influenciar decisiva-
O segundo viés refere-se ao facto da informação a mente o quantitativo amostral a incluir.
pesquisar estar naturalmente mais presente e correcta A sua distribuição aleatória por grupos (a grande di-
nos casos do que nos controlos (aqueles estarão mais ferença relativamente ao estudo de metodologia de
sensíveis à possibilidade de existência dos factores de coorte) permite que aumente a probabilidade da com-
risco a estudar); mas também o entrevistador poderá parabilidade inter-grupos e de representatividade da
ser mais insistente relativamente à informação que ela investigação. Também evita distribuições enviesadas
pensa ser mais importante. por parte do investigador e de cada indivíduo incluído
O terceiro viés tem as características gerais seme- no estudo.
lhantes ao atrás descrito. É possível, num estudo desta natureza, cruzar expo-
sições ao longo do estudo. Para além do benefício éti-
Estudos com grupo de controlo aleatorizados co que consiste na (re)colocação do indivíduo na expo-
Nestes tipos de estudos (ensaio clínico e ensaio de in- sição (terapêutica) que se verifica ser mais adequada
RESUMO
In Health, very often we need to judge if an exposure is a cause of a disease. In order to perform correct judgements, reasoning
must obey to standardized criteria, being those published by Bradford Hill the most commonly used.
Furthermore, research architecture must comply with different models, with different design characteristics and different
levels of epidemiological proof.
Another very important aspect is the recognition and minimization of errors and bias, some particular to each type of study
and other general to the epidemiological research.