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A colonização da época moderna: o debate historiográfico

Fragoso, João, e Florentino, Manolo Garcia. “cap. II, Interpretações”. In:


Fragoso, João, e Florentino, Manolo Garcia. O arcaísmo como projeto:
mercado atlântico, sociedade agrária e elite mercantil em uma economia
colonial tardia, Rio de Janeiro, c. 1790 – c. 1840. 4ª ed. revista e ampliada.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, pp. 23-59
Caio Prado Jr.: Formação do Brasil Contemporâneo (1942)

“Sentido da Colonização”

Grande lavoura escravista de exportação


• Fernando Novais (Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial)

• 1) unidade das experiências coloniais europeias no Novo Mundo, do século XV ao final


do XVIII.
– Há, ao longo do tempo, “fases” ou “etapas”
– Exceção: “colônias de povoamento” da América Inglesa

• 2) por meio de suas engrenagens – exclusivo, escravidão, tráfico negreiro – o Antigo


Sistema Colonial promove a acumulação primitiva de capitais, que conduz à Revolução
Industrial

• 3) crise decorre dessa “dinâmica e funcionamento”: crise é expressão da transformação


estrutural ocorrida na passagem do XVIII para o XIX, com o advento do “capitalismo
industrial”
– Exigência: expansão dos mercados consumidores coloniais (“Economia colonial mercantil
escravista tem necessariamente um mercado interno reduzidíssimo”)
– Ideia da incompatibilidade entre escravidão e progresso técnico.
• “O exclusivo do comércio, o tráfico e o escravismo, de alavancas da acumulação
primitiva se metamorfoseiam em empecilhos da acumulação propriamente capitalista.”

• Quanto às colônias de povoamento, situavam-se à margem do sistema.


• “A Independência dos EUA originou-se [...] da resistência dos colonos à tentativa de
aplicação [...] do pacto colonial à Nova Inglaterra – revelando-se, assim, a
incompatibilidade entre Sistema Colonial e colônias de povoamento”.

• Filiação historiográfica:
– Caio Prado Jr.: “sentido mercantil da colonização”
– Celso Furtado
– Dobb: transição feudalismo-capitalismo, acumulação primitiva de capitais
– Eric Williams: escravidão dá origem ao capitalismo que, quando consolidado, a
destrói.

• Não se preocupou com as economias periféricas: subsistência, pecuária,


comércio interno.
• Ciro Flamarion Cardoso (1971)

• Modos de produção escravista colonial

– M. P. Dependentes, mas com dinâmica própria, em função:


• Recursos locais
• Densidade e distribuição da população indígena

– Caracterização:
• Escravismo dependente (“o fato colonial”)
• Existência de agricultura camponesa (“a brecha camponesa”) = produção de subsistência
dos escravos, com maior ou menor autonomia
• Investimento elevado em escravos (“capital fixo”), criando endividamento e dependência
dos traficantes
• Baixo nível técnico = falta de condições de melhor uso, pelos escravos, das ferramentas.
• Extingue-se apenas com a abolição da escravidão
• “Escola do Rio” = João Fragoso e Manolo Florentino

• Desenvolvimento do mercado interno


• Lavoura escravista de exportação dependeria desse mercado interno
– Farinha de mandioca do interior do RJ, SE da BA e SC
– Charque do RS
– Muares de SP
– Porcos e reses de MG...

– ... E teria independência das flutuações de preços externos


• Críticas ao modelo de Novais = Antigo Sistema Colonial

• 1) Estende seu modelo para todo o período do século XVI ao XVIII e a totalidade dos
espaços coloniais do Novo Mundo

• Na realidade, podemos identificar pelo menos dois sistemas coloniais bastante distintos:

• A) Sistema Ibérico
– Espacialidade: bilateralidade África-Brasil, América hispânica
– Dependência de capitais e das redes comerciais não-ibéricas
– Fraqueza estrutural das economias metropolitanas
– Restrições ao acesso dos colonos ao mercado mundial (Sevilha/Cádiz, Lisboa)
– Composição étnica das colônias equilibrada
– Importância da alforria
– Autonomia dos colonos, desde o XVII, para a reprodução da força de trabalho
• Crescimento demográfico na América espanhola
• Tráfico gerido a partir dos portos coloniais na América portuguesa
• B) Sistema Norte-atlântico (Inglaterra, França, Holanda)

– Espacialidade: Caribe, África


– Ilhas de plantation
– Demografia específica e inédita (interdição das alforrias, birracialização)
– Domínio da estrutura capitalista moderna
– A despeito das tentativas mercantilistas (Colbert/Cromwell), os investimentos e os mercados
são muito mais internacionais (financiamento holandês, distribuição via Amsterdã, presença de
colonos norte-americanos nas ilhas caribenhas)
– Forte controle da burguesia metropolitana (Liverpool, Londres, Bristol, Nantes, Bourdeaux)
sobre a reprodução da força de trabalho colonial = tráfico gerido desde a Europa

 Possível contra-argumento: mecanismo básico e invariante do monopólio unificaria os dois


sistemas (Novais, 2005, p. 135: “É claro que a rigidez do ‘exclusivo’ variou no tempo e no
espaço durante a Época Moderna, mas o mecanismo básico não mudou”)
• Podemos refutar:

– Variações no tempo e no espaço do regime do “exclusivo” são tais que impedem tomá-las
como um sentido “básico e invariante”:
• uso do “exclusivo” pelos plantadores ingleses como forma de excluir o açúcar francês
desde o início do XVIII (em forma inversa à proposta por Novais)
• comércio direto das colônias meridionais da América do Norte, antes de 1776, com a
França (tabaco) e Portugal (arroz)
• livre-comércio efetivo das colônias francesas após 1763

– Temporalidades distintas são claramente observáveis nos “grandes eventos” que


encadeiam as narrativas históricas tradicionais sobre os Impérios coloniais nas
Américas
• No Sistema Ibérico:
– Colonização portuguesa e espanhola estreitamente atreladas na virada do XV-XVI
– União Ibérica
– Crise da segunda metade do XVII
– Momento de ocorrência das reformas ilustradas
– Momento de ocorrência da crise (1806/07)
– Processo de emancipação e construção dos Estados nacionais
• No Sistema norte-atlântico:
– Colonização conjunta do Caribe inglês e francês
– Ritmo congruente das políticas econômicas metropolitanas (Colbert/Cromwell,
envolvimento no tráfico negreiro)
– Ritmo congruente das revoltas escravas
– Guerra de Independência dos EUA
– Crise da escravidão na virada do XVIII para XIX
– Manutenção das colônias caribenhas até o séc. XX

• Em resumo, no quadro atual dos conhecimentos históricos sobre o mundo


atlântico e a formação do capitalismo, inviabilidade analítica da “noção
operativa” de Antigo Sistema Colonial, pois a mesma pressupõe a unidade de
todas as experiências coloniais europeias no Novo Mundo, do século XVI ao
XVIII
• 2) Relação entre escravismo e a crise

• Pressupostos de Novais:
– Força de trabalho escrava trava a constituição de mercado interno, pois
necessariamente o escravo consome pouco

– Inovação técnica é impossível no escravismo, dado o descaso do escravo com os


processos produtivos

– Pelo fato de o produtor direto não ter motivação para trabalhar, regime de
escravidão é menos lucrativo que o regime de trabalho livre

– Variantes: incompatibilidade entre liberalismo e escravidão, ou mesmo entre


modernidade e escravidão. (compartilhados mesmo por críticos de Novais: Ciro F.
Cardoso, João Fragoso)
• Trabalhos da New Economic History sobre escravidão = plena compatibilidade entre
escravidão, cálculo empresarial, lucratividade e formação do mercado interno (análises:
Caribe no XVIII, EUA no XIX) (Fogel & Engerman, Time on the Cross: The Economics
of American Negro Slavery)

• Não há relação unicausal entre interesses econômicos industriais e movimento


antiescravista.

 Enquanto as Antilhas entraram em crise, acuadas pelo movimento antiescravista


metropolitano, expansão inédita do escravismo atlântico no XIX, em áreas diretamente
articuladas ao capitalismo industrial (EUA, Cuba, Brasil)

 O capital industrial não apenas criou condições para a expansão do escravismo em


novas áreas, mas dependeu dele para a reprodução de sua força de trabalho = Sul dos
EUA: pré-requisito para o sucesso da indústria algodoeira
• Rafael Marquese (“Estados Unidos, Segunda Escravidão e a Economia
Cafeeira do Império do Brasil”. Almanack, v. 5, p. 51-60, 2013)

– “Um pressuposto básico do modelo de Novais é o de que o capital industrial (a


industrialização) é alavanca para o progresso, entre outras coisas por dispensar
formas brutais de extração do trabalho como a escravidão”

– Ora, “exemplos da escravidão negra no XIX servem para demonstrar a plena


compatibilidade do trabalho compulsório com a modernidade capitalista – tal como
na atualidade: centralidade da degradação do trabalho para os circuitos de
acumulação do capital em escala mundial”.
• Bibliografia:

• Cardoso, Ciro F. (1980). “As concepções acerca do ‘sistema econômico mundial’ e


‘Antigo Sistema Colonial’: a preocupação obsessiva com a extração do excedente”.
(Lapa, Modos de produção na realidade brasileira)
• Frank, André Gunder (1967). Capitalismo e subdesenvolvimento na América Latina.
• Novais, Fernando (2005). Aproximações: ensaios de história e historiografia.
• Novais, Fernando (1968). “O Brasil nos quadros do Antigo Sistema Colonial” (Brasil
em Perspectiva).
• Novais, Fernando (1975). “Estrutura e dinâmica do Antigo Sistema Colonial” (Cadernos
Cebrap)
• Novais, Fernando (1979). Portugal e Brasil na crise do Antigo Sistema Colonial (1777-
1808).
• Prado Jr., Caio. (1942) Formação do Brasil contemporâneo.
• Wallersteim, Immanuel (1974). The Modern World System.
• Williams, Eric (1961). Capitalism and slavery.

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